Leia entrevista do criador da revista Rolling Stone que levou à sua expulsão do Hall da Fama do Rock


Novo livro de Jann Wenner, ‘The Masters’, reúne entrevistas de artistas da música, todos homens brancos. Ele disse ao jornal ‘The New York Times’ que a escolha se deu porque mulheres ou negros não eram ‘bem articulados’

Por David Marchese
Atualização:
Foto: Dana Scruggs/The New York Times
Entrevista comJann WennerCo-criador e ex-editor da revista Rolling Stone

THE NEW YORK TIMES - Em 2019, Jann Wenner deixou oficialmente a Rolling Stone, revista que cofundara em 1967, mas não a deixou para trás. Desde que me afastei dessa publicação icônica, onde trabalhei brevemente como editor online uma década atrás, Wenner, 77 anos, escreveu dois livros enraizados em seu tempo na revista. O primeiro, um livro de memórias robusto e hipnotizante chamado Like a Rolling Stone, foi best-seller no ano passado. O segundo, The Masters, que será publicado em 26 de setembro, consiste em entrevistas que Wenner fez durante seus anos na Rolling Stone com lendas do rock como Bob Dylan, Mick Jagger, Bono e outros, além de uma nova entrevista com Bruce Springsteen.

Jann Wenner, co-fundador da revista 'Rolling Stone' teve seu nome retirado do Hall da Fama do Rock após entrevista em que caracterizou mulheres e homens negros da música de não serem articulados o suficiente para merecerem dar entrevistas a ele. Foto: Dana Scruggs/The New York Times
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Essas entrevistas - longas, profundamente informadas e perspicazes - são o tipo de texto que ajudou a Rolling Stone a ganhar a fama que manteve durante tanto tempo como publicação musical. Sob o comando de Wenner, a revista também criou uma reputação como uma fonte de jornalismo investigativo crucial e contundente. Mas sofreu alguns golpes ao longo dos anos. O principal foi um artigo investigativo muito lido sobre um suposto estupro na Universidade da Virgínia - que acabou por não ser verdade.

Como convém a um homem que tem sido considerado um avatar das conquistas e fracassos de sua geração, Wenner deixou um legado complexo - mas que ele faz de tudo para defender. Conversando com Wenner, que falou de sua casa em Montauk, Nova York, não pude deixar de sentir que ele sente falta do agito de seus dias de jornalismo. Ele estava muito disposto - até animado - para se envolver em discussões sobre sua abordagem ao entrevistar amigos roqueiros famosos, sobre seus erros pessoais e sobre os possíveis erros de sua revista - e sobre o que os baby boomers realmente alcançaram. (Esta entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza).

Você criou amizades pessoais com muitas das pessoas que entrevistou em The Masters. Estou curioso para saber como você acha que essas amizades ajudaram nas entrevistas. Ou será que atrapalharam de alguma maneira?

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Em geral, ajudaram. Porque as entrevistas que fiz não são entrevistas de confronto. Não são entrevistas com políticos ou executivos de grandes empresas. São entrevistas com artistas. Foram feitas para serem solidárias e para extrair o pensamento mais profundo possível que o artista está disposto a revelar. Acho que as amizades foram fundamentais. Quer dizer, o exemplo do Mick Jagger - ele simplesmente não dava entrevista a ninguém e ainda não dá. Como éramos amigos, eu o convenci a dar entrevista. Tive um tipo particular de relacionamento com Bob Dylan. Jerry Garcia e eu já éramos velhos amigos. Então realmente funciona. A única que doeu foi com Bruce (Springsteen). Foi uma entrevista que fiz para o livro, não para a revista. E minha amizade com Bruce está muito profunda neste momento. Fica difícil fazer perguntas para as quais você sabe as respostas.

Na introdução da entrevista com Bono em The Masters, você mencionou que ele editou e revisou a transcrição. O que editar significa nesse contexto?

Editar coisas gramaticais, corriqueiras. Mudar uma palavra aqui e ali, usar um termo diferente e mais preciso. Ou talvez alguma coisa muito íntima que ele decidiu não tornar pública. Não acho ruim fazer isso com esses entrevistados. Como disse antes, não são entrevistas de confronto. De certa forma, são perfis. Se eu tiver que negociar o nível de confiança necessário para conseguir esse tipo de entrevista, para permitir que as pessoas deixem algumas coisas em off, nada de muito valor, talvez alguma coisa sobre os filhos ou a família ou sobre o fato de não quererem chatear alguém... Deixei John Lennon editar a entrevista dele e tudo o que ele disse.

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Ah, verdade? É uma entrevista famosa de 1970. Ele descarregou publicamente seus sentimentos sobre os Beatles. Mas não percebi que você o tinha deixado editar.

Deixei. Ele leu e fez mudanças aqui e ali. Basicamente, são os entrevistados esclarecendo o que querem dizer, deixando a entrevista mais precisa. Porque é um longo fluxo de pensamentos e palavrões e às vezes você não pensa em cada palavra. Quero que eles tenham a oportunidade de dizer exatamente o que querem dizer.

Novo livro de Wenner, 'Os Mestres', traz sete entrevistas que o jornalista conduziu ao longo da carreira, além de uma inédita com Bruce Springsteen. Todos são homens, alguns amigos pessoais do editor. Foto: Dana Scruggs/The New York Times
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Acho que dá para dizer que o leitor médio presume que o que aparece na publicação é basicamente o que foi dito. Mas você está dizendo que, na verdade, os entrevistados revisam as transcrições. E, por exemplo, você foi ridicularizado por resenhar ‘Goddess in the Doorway’ de Mick Jagger e ter lhe dado cinco estrelas, quando o consenso crítico dizia que o álbum era um fracasso. A questão mais ampla é: quando se trata de entrevistas com pessoas que você admira, que também são seus amigos, você vai para algo que mais se parece com fan service (serviço para fãs), ou uma espécie de marketing, do que com jornalismo objetivo?

Olha, nada foi substancialmente alterado nas entrevistas originais. São pequenas alterações que só tocam a precisão, a legibilidade e essas coisas. Em segundo lugar, não eram entrevistas de confronto. Sempre foram feitas para serem entrevistas cooperativas.

Mas não existem dois tipos de entrevistas.

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Existem, sim. O tipo de entrevista que eu queria era para suscitar pensamentos de verdade, não confrontar, desafiar nem botar ninguém na defensiva. Mas vamos ao que interessa: meus relacionamentos tão próximos assim alteraram nossa cobertura?

Isso mesmo.

OK, vamos ao exemplo do Mick Jagger. Os próprios editores classificaram o álbum com quatro estrelas, e não houve reação a isso. A única reação negativa veio do Keith Richards, que, em vez de chamá-lo de Goddess in the Doorway o chamou de “Dogshit in the Doorway” [em vez de “Deusa na porta de entrada”, algo como “Merda de cachorro na porta de entrada”, em tradução livre]. Ainda é um álbum muito bom. Então fiz uma intervenção pessoal. Depois de ir lá e ouvir Mick, fiquei apaixonado. Confesso: provavelmente fui longe demais. Mas e daí? Também tenho direito.

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A Rolling Stone tinha um histórico de produzir certas reportagens que acabavam sendo definitivas. Mas também houve um punhado de histórias que levantaram questões de integridade. A reportagem do estupro no campus da Universidade da Virgínia seria uma delas. Até mesmo para Hunter S. Thompson - não sei se alguém o consideraria um exemplo de precisão factual, independentemente do mérito literário de suas histórias. Houve alguma coisa endêmica na Rolling Stone que fez com que você colocasse a busca pela história interessante à frente das preocupações com a precisão?

Resposta de uma palavra: não.

Foram só coisas pontuais?

A reportagem da Universidade da Virgínia não foi uma falha de intenção nem uma tentativa de descartar os fatos. Você tem que ir além dos erros factuais que afundaram essa história, e na verdade ela era sobre a questão do estupro e como isso afeta as mulheres no campus, sua falta de direitos. Fora o fato importante de que o estupro descrito na verdade tinha sido uma invenção, o resto da história era impecável. Não foi por imprudência. Quer dizer, cometemos erros - todas as publicações do país, incluindo o Times, cometem erros. Você leva uma surra por isso. Nós levamos a nossa surra. Mas não era indicativo de como operávamos. Não fomos levianos com a verdade, não tentamos distorcê-la em noma da missão, nem nada do tipo.

Quanto ao Hunter, bem, você sabe, sui generis. Na verdade, Hunter foi o repórter mais preciso que já tive, mas é que suas histórias iam além dos fatos, chegavam a áreas da verdade, da espiritualidade e da farmacologia que nenhum de nós consegue julgar por conta própria. Minha missão, jornalisticamente falando, sempre foi a verdade acima de tudo. Como todos sabemos agora, se alguém realmente quer enganar você, não há muito que você possa fazer a respeito. Fora ter o tipo de hipervigilância que significaria que você provavelmente não poderia publicar nada.

Então, quase uma década depois, você não tirou nenhuma lição dessa experiência? Na sua opinião, foi só o lugar errado, na hora errada? Parece uma resposta meio simplista.

Tem duas coisas principais nessa história. Uma foi o relato de estupro coletivo que essa fonte, Jackie, nos passou. Acabou que era invenção. Como não queríamos identificá-la, não exigimos encontrar pessoas para corroborar sua história. Nosso erro foi deixá-la de fora dessa exigência, porque não queríamos que ela passasse pelo trauma de novo. A outra história, que não tem nada a ver com Jackie, era sobre como as pessoas lidavam com o estupro naquele campus - lidavam com o estupro em geral, no país inteiro. Foi uma tentativa séria e consciente de abordar esse problema - e aquela era a terceira reportagem sobre crimes sexuais e acho que nossa segunda ou terceira reportagem sobre estupros no campus. Mas aí a farsa foi descoberta e tivemos que encarar as consequências. Foi uma das experiências profissionais mais terríveis que já tive. Não quero ser simplista, mas não me sinto totalmente culpado e também não sinto que seja uma marca indelével. Acho que a lição foi: sim, isso acontece com todo mundo. A outra coisa foi que, claro, poderíamos ter sido mais cuidadosos. Então, você sabe, tem uma série de circunstâncias. Não consigo sacar o punhal e fazer um harakiri.

Voltando ao livro agora, na introdução -

Estou livre, David? Estou perdoado?

Isso não cabe a mim decidir.

A história vai decidir.

Lendas da música como Marvin Gaye (foto), Janis Joplin, Joni Mitchell, Stevie Nicks, Stevie Wonder, Carole King e Madonna sequer tiveram chances de mostrar que poderiam ser articulados. Foto: Doug Pizac/AP/Arquivo

A história vai decidir. Esta também é uma pergunta do tipo que a história vai decidir. São sete entrevistados no novo livro, sete homens brancos. Na introdução, você reconhece que artistas negros e mulheres simplesmente não estão no seu espírito de época. O que, na minha opinião, não é plausível para Jann Wenner. Janis Joplin, Joni Mitchell, Stevie Nicks, Stevie Wonder, a lista vai longe - não estão no seu zeitgeist? Qual você acha que é a explicação mais profunda para o motivo pelo qual você entrevistou as pessoas que entrevistou e não outras?

Bem, deixe-me...

Carole King, Madonna. Tem um milhão de exemplos.

Quando me referi ao zeitgeist, estava me referindo aos artistas negros, não às artistas mulheres, ok? Só para deixar claro. A seleção não foi deliberada. Foi meio intuitiva ao longo dos anos, simplesmente acabou sendo assim. As pessoas tinham que atender a alguns critérios, mas era só meu interesse pessoal e amor por elas. No que diz respeito às mulheres, nenhuma delas era articulada o suficiente nesse nível intelectual.

Opa, espere aí. Você está me dizendo que Joni Mitchell não é articulada o suficiente no nível intelectual?

Espere um segundo.

Vou deixar você reformular isso.

Tudo bem, obrigado. Não é que elas não sejam gênias criativas. Não é que sejam inarticuladas - mas vá lá ter uma conversa profunda com Grace Slick ou Janis Joplin. Boa sorte para você. Joni não era uma filósofa do rock ‘n’ roll. Ela não passava nesse teste, na minha opinião. Nem pelo trabalho dela, nem pelas outras entrevistas que ela dava. As pessoas que entrevistei eram filósofos do rock.

Sobre os artistas negros - você sabe, Stevie Wonder, gênio, certo? Acho que, quando você usa uma palavra tão ampla quanto “mestres”, o problema é usar essa palavra. Talvez Marvin Gaye ou Curtis Mayfield? Quer dizer, eles simplesmente não se articulavam nesse nível.

Como você sabe se não deu uma chance a eles?

Porque li entrevistas com eles. Porque ouço a música deles. Quer dizer, veja o que Pete Townshend estava compondo, ou Jagger, ou qualquer um deles. Eram coisas profundas sobre uma geração específica, um espírito específico e uma atitude específica em relação ao rock ‘n’ roll. Não que os outros não fossem, mas estes caras eram os que realmente conseguiam articular esse pensamento.

Você não acha que isso tem mais a ver com seus próprios interesses como fã e ouvinte do que com algo específico dos artistas? Acho que o problema é quando você começa a dizer coisas como “eles” ou “esses artistas não”. Na verdade, é um reflexo daquilo que interessa a você mais do que qualquer habilidade ou incapacidade por parte desses artistas, não?

Essa era a questão número 1. A seleção foi intuitiva. Era nisso que eu estava interessado. Você sabe, só por uma questão de relações públicas, talvez eu devesse ter encontrado um artista negro e uma mulher para incluir aqui, só para evitar isso tipo de crítica. Tive a chance de fazer isso. Talvez eu seja antiquado e não dê a mínima ou algo assim. Em retrospectiva, gostaria de ter entrevistado Marvin Gaye. Talvez ele fosse o cara. Talvez Otis Redding, se ele estivesse vivo, teria sido o cara.

A última entrevista do livro é com Springsteen, e você pergunta a ele: nós mudamos as coisas? Você estava falando sobre os boomers. E ele tem esta resposta humilde e positiva: não resolvemos todos os problemas do mundo, mas levamos adiante algumas ideias e práticas sociais. Qual é a sua resposta para essa pergunta?

Bruce é um pouco mais modesto do que eu. Acho que fizemos mudanças marcantes social, moral e artisticamente. Não acho que o rock ‘n’ roll tenha mudado tudo. Não creio que o rock ‘n’ roll tenha derrubado a segregação ou a guerra no Vietnã, mas tivemos um papel importante. Tanto consciente como inconscientemente. Apesar da questão do Trump, apesar dos presidentes republicanos dos últimos trinta anos, que fizeram retrocessos enormes, a sociedade ficou muito mais aberta. Acho que o rock ‘n’ roll teve um papel enorme nisso. Fez tudo? Não. Foi a única coisa? Não. Mas fizemos muito.

Então, quais são as críticas válidas à sua geração?

O que a geração rock ‘n’ roll não fez? Quer dizer, não fez tudo. Mas não tenho críticas fundamentais e profundas. Tem alguma coisa que você acha que não acertamos?

Pete Townshend, da banda The Who: 'a promessa do rock acabou sendo abandonada assim que chegou o dinheiro e o estrelato'. Foto: Fábio Motta/Estadão/Arquivo

Entrevistei Pete Townshend uns anos atrás e fiz a ele uma pergunta semelhante sobre a promessa do rock ‘n’ roll. Ele foi muito mais negativo e, creio eu, realista: basicamente, disse que a promessa acabou sendo abandonada assim que chegou o dinheiro e o estrelato. Acho que é uma crítica válida. Algo que tinha potencial como força social foi reduzido a entretenimento.

Bem, Deus abençoe Pete. Dava para prever que ele iria dizer isso. Pete cria caso com todo mundo.

Mas é um homem inteligente, que tem boas ideias.

Inteligente, articulado, uma pessoa maravilhosa de conversar. Então, você está dizendo e o Pete também está dizendo: “Ah, virou tudo comercial”?

Virou algo que deixou de ter significado além de si mesmo.

Então virou comercial. Virou sucesso. Acho que falo isso em algum lugar da minha introdução ao livro: apesar de ter virado um negócio de bilhões de dólares, os ideais e os objetivos nunca foram abandonados. Quer dizer, agora quando alguém chega ao topo de alguma coisa na nossa sociedade logo é chamado de estrela do rock. Sim, virou comercial, mas e daí? Ainda é uma música que fala aos desejos e pensamentos mais profundos das pessoas. Ainda é uma música com consequências políticas.

O sucesso financeiro que essas pessoas tiveram não exigiu que se vendessem. Só exigiu que fizessem mais do mesmo. Seja igualmente chocante. Continue fazendo o que você está fazendo. Ninguém disse: “Agora você precisa diminuir o tom da sua mensagem”. Quer dizer, Deus abençoe Pete, e eu sabia que ele iria dizer isso. Mas não é verdade. O trabalho valeu a pena, nós nos divertimos muito. Foi significativo. Tivemos muita sorte. Vivemos vidas realmente privilegiadas. Agora vamos descansar. Ao mesmo tempo, podemos olhar para os nossos filhos e para o mundo que deixamos para trás e ver que eles estão motivados e inspirados para fazer a mesma coisa. Nesse sentido, o rock ‘n’ roll ainda vive - e viverá.

Bem, obrigado por reservar um tempo para conversar comigo.

Eu adorei. E gostaria de dar uma olhada na transcrição, fiquei curioso.

Ah, claro.

Depois de publicado. Deus me perdoe.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - Em 2019, Jann Wenner deixou oficialmente a Rolling Stone, revista que cofundara em 1967, mas não a deixou para trás. Desde que me afastei dessa publicação icônica, onde trabalhei brevemente como editor online uma década atrás, Wenner, 77 anos, escreveu dois livros enraizados em seu tempo na revista. O primeiro, um livro de memórias robusto e hipnotizante chamado Like a Rolling Stone, foi best-seller no ano passado. O segundo, The Masters, que será publicado em 26 de setembro, consiste em entrevistas que Wenner fez durante seus anos na Rolling Stone com lendas do rock como Bob Dylan, Mick Jagger, Bono e outros, além de uma nova entrevista com Bruce Springsteen.

Jann Wenner, co-fundador da revista 'Rolling Stone' teve seu nome retirado do Hall da Fama do Rock após entrevista em que caracterizou mulheres e homens negros da música de não serem articulados o suficiente para merecerem dar entrevistas a ele. Foto: Dana Scruggs/The New York Times

Essas entrevistas - longas, profundamente informadas e perspicazes - são o tipo de texto que ajudou a Rolling Stone a ganhar a fama que manteve durante tanto tempo como publicação musical. Sob o comando de Wenner, a revista também criou uma reputação como uma fonte de jornalismo investigativo crucial e contundente. Mas sofreu alguns golpes ao longo dos anos. O principal foi um artigo investigativo muito lido sobre um suposto estupro na Universidade da Virgínia - que acabou por não ser verdade.

Como convém a um homem que tem sido considerado um avatar das conquistas e fracassos de sua geração, Wenner deixou um legado complexo - mas que ele faz de tudo para defender. Conversando com Wenner, que falou de sua casa em Montauk, Nova York, não pude deixar de sentir que ele sente falta do agito de seus dias de jornalismo. Ele estava muito disposto - até animado - para se envolver em discussões sobre sua abordagem ao entrevistar amigos roqueiros famosos, sobre seus erros pessoais e sobre os possíveis erros de sua revista - e sobre o que os baby boomers realmente alcançaram. (Esta entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza).

Você criou amizades pessoais com muitas das pessoas que entrevistou em The Masters. Estou curioso para saber como você acha que essas amizades ajudaram nas entrevistas. Ou será que atrapalharam de alguma maneira?

Em geral, ajudaram. Porque as entrevistas que fiz não são entrevistas de confronto. Não são entrevistas com políticos ou executivos de grandes empresas. São entrevistas com artistas. Foram feitas para serem solidárias e para extrair o pensamento mais profundo possível que o artista está disposto a revelar. Acho que as amizades foram fundamentais. Quer dizer, o exemplo do Mick Jagger - ele simplesmente não dava entrevista a ninguém e ainda não dá. Como éramos amigos, eu o convenci a dar entrevista. Tive um tipo particular de relacionamento com Bob Dylan. Jerry Garcia e eu já éramos velhos amigos. Então realmente funciona. A única que doeu foi com Bruce (Springsteen). Foi uma entrevista que fiz para o livro, não para a revista. E minha amizade com Bruce está muito profunda neste momento. Fica difícil fazer perguntas para as quais você sabe as respostas.

Na introdução da entrevista com Bono em The Masters, você mencionou que ele editou e revisou a transcrição. O que editar significa nesse contexto?

Editar coisas gramaticais, corriqueiras. Mudar uma palavra aqui e ali, usar um termo diferente e mais preciso. Ou talvez alguma coisa muito íntima que ele decidiu não tornar pública. Não acho ruim fazer isso com esses entrevistados. Como disse antes, não são entrevistas de confronto. De certa forma, são perfis. Se eu tiver que negociar o nível de confiança necessário para conseguir esse tipo de entrevista, para permitir que as pessoas deixem algumas coisas em off, nada de muito valor, talvez alguma coisa sobre os filhos ou a família ou sobre o fato de não quererem chatear alguém... Deixei John Lennon editar a entrevista dele e tudo o que ele disse.

Ah, verdade? É uma entrevista famosa de 1970. Ele descarregou publicamente seus sentimentos sobre os Beatles. Mas não percebi que você o tinha deixado editar.

Deixei. Ele leu e fez mudanças aqui e ali. Basicamente, são os entrevistados esclarecendo o que querem dizer, deixando a entrevista mais precisa. Porque é um longo fluxo de pensamentos e palavrões e às vezes você não pensa em cada palavra. Quero que eles tenham a oportunidade de dizer exatamente o que querem dizer.

Novo livro de Wenner, 'Os Mestres', traz sete entrevistas que o jornalista conduziu ao longo da carreira, além de uma inédita com Bruce Springsteen. Todos são homens, alguns amigos pessoais do editor. Foto: Dana Scruggs/The New York Times

Acho que dá para dizer que o leitor médio presume que o que aparece na publicação é basicamente o que foi dito. Mas você está dizendo que, na verdade, os entrevistados revisam as transcrições. E, por exemplo, você foi ridicularizado por resenhar ‘Goddess in the Doorway’ de Mick Jagger e ter lhe dado cinco estrelas, quando o consenso crítico dizia que o álbum era um fracasso. A questão mais ampla é: quando se trata de entrevistas com pessoas que você admira, que também são seus amigos, você vai para algo que mais se parece com fan service (serviço para fãs), ou uma espécie de marketing, do que com jornalismo objetivo?

Olha, nada foi substancialmente alterado nas entrevistas originais. São pequenas alterações que só tocam a precisão, a legibilidade e essas coisas. Em segundo lugar, não eram entrevistas de confronto. Sempre foram feitas para serem entrevistas cooperativas.

Mas não existem dois tipos de entrevistas.

Existem, sim. O tipo de entrevista que eu queria era para suscitar pensamentos de verdade, não confrontar, desafiar nem botar ninguém na defensiva. Mas vamos ao que interessa: meus relacionamentos tão próximos assim alteraram nossa cobertura?

Isso mesmo.

OK, vamos ao exemplo do Mick Jagger. Os próprios editores classificaram o álbum com quatro estrelas, e não houve reação a isso. A única reação negativa veio do Keith Richards, que, em vez de chamá-lo de Goddess in the Doorway o chamou de “Dogshit in the Doorway” [em vez de “Deusa na porta de entrada”, algo como “Merda de cachorro na porta de entrada”, em tradução livre]. Ainda é um álbum muito bom. Então fiz uma intervenção pessoal. Depois de ir lá e ouvir Mick, fiquei apaixonado. Confesso: provavelmente fui longe demais. Mas e daí? Também tenho direito.

A Rolling Stone tinha um histórico de produzir certas reportagens que acabavam sendo definitivas. Mas também houve um punhado de histórias que levantaram questões de integridade. A reportagem do estupro no campus da Universidade da Virgínia seria uma delas. Até mesmo para Hunter S. Thompson - não sei se alguém o consideraria um exemplo de precisão factual, independentemente do mérito literário de suas histórias. Houve alguma coisa endêmica na Rolling Stone que fez com que você colocasse a busca pela história interessante à frente das preocupações com a precisão?

Resposta de uma palavra: não.

Foram só coisas pontuais?

A reportagem da Universidade da Virgínia não foi uma falha de intenção nem uma tentativa de descartar os fatos. Você tem que ir além dos erros factuais que afundaram essa história, e na verdade ela era sobre a questão do estupro e como isso afeta as mulheres no campus, sua falta de direitos. Fora o fato importante de que o estupro descrito na verdade tinha sido uma invenção, o resto da história era impecável. Não foi por imprudência. Quer dizer, cometemos erros - todas as publicações do país, incluindo o Times, cometem erros. Você leva uma surra por isso. Nós levamos a nossa surra. Mas não era indicativo de como operávamos. Não fomos levianos com a verdade, não tentamos distorcê-la em noma da missão, nem nada do tipo.

Quanto ao Hunter, bem, você sabe, sui generis. Na verdade, Hunter foi o repórter mais preciso que já tive, mas é que suas histórias iam além dos fatos, chegavam a áreas da verdade, da espiritualidade e da farmacologia que nenhum de nós consegue julgar por conta própria. Minha missão, jornalisticamente falando, sempre foi a verdade acima de tudo. Como todos sabemos agora, se alguém realmente quer enganar você, não há muito que você possa fazer a respeito. Fora ter o tipo de hipervigilância que significaria que você provavelmente não poderia publicar nada.

Então, quase uma década depois, você não tirou nenhuma lição dessa experiência? Na sua opinião, foi só o lugar errado, na hora errada? Parece uma resposta meio simplista.

Tem duas coisas principais nessa história. Uma foi o relato de estupro coletivo que essa fonte, Jackie, nos passou. Acabou que era invenção. Como não queríamos identificá-la, não exigimos encontrar pessoas para corroborar sua história. Nosso erro foi deixá-la de fora dessa exigência, porque não queríamos que ela passasse pelo trauma de novo. A outra história, que não tem nada a ver com Jackie, era sobre como as pessoas lidavam com o estupro naquele campus - lidavam com o estupro em geral, no país inteiro. Foi uma tentativa séria e consciente de abordar esse problema - e aquela era a terceira reportagem sobre crimes sexuais e acho que nossa segunda ou terceira reportagem sobre estupros no campus. Mas aí a farsa foi descoberta e tivemos que encarar as consequências. Foi uma das experiências profissionais mais terríveis que já tive. Não quero ser simplista, mas não me sinto totalmente culpado e também não sinto que seja uma marca indelével. Acho que a lição foi: sim, isso acontece com todo mundo. A outra coisa foi que, claro, poderíamos ter sido mais cuidadosos. Então, você sabe, tem uma série de circunstâncias. Não consigo sacar o punhal e fazer um harakiri.

Voltando ao livro agora, na introdução -

Estou livre, David? Estou perdoado?

Isso não cabe a mim decidir.

A história vai decidir.

Lendas da música como Marvin Gaye (foto), Janis Joplin, Joni Mitchell, Stevie Nicks, Stevie Wonder, Carole King e Madonna sequer tiveram chances de mostrar que poderiam ser articulados. Foto: Doug Pizac/AP/Arquivo

A história vai decidir. Esta também é uma pergunta do tipo que a história vai decidir. São sete entrevistados no novo livro, sete homens brancos. Na introdução, você reconhece que artistas negros e mulheres simplesmente não estão no seu espírito de época. O que, na minha opinião, não é plausível para Jann Wenner. Janis Joplin, Joni Mitchell, Stevie Nicks, Stevie Wonder, a lista vai longe - não estão no seu zeitgeist? Qual você acha que é a explicação mais profunda para o motivo pelo qual você entrevistou as pessoas que entrevistou e não outras?

Bem, deixe-me...

Carole King, Madonna. Tem um milhão de exemplos.

Quando me referi ao zeitgeist, estava me referindo aos artistas negros, não às artistas mulheres, ok? Só para deixar claro. A seleção não foi deliberada. Foi meio intuitiva ao longo dos anos, simplesmente acabou sendo assim. As pessoas tinham que atender a alguns critérios, mas era só meu interesse pessoal e amor por elas. No que diz respeito às mulheres, nenhuma delas era articulada o suficiente nesse nível intelectual.

Opa, espere aí. Você está me dizendo que Joni Mitchell não é articulada o suficiente no nível intelectual?

Espere um segundo.

Vou deixar você reformular isso.

Tudo bem, obrigado. Não é que elas não sejam gênias criativas. Não é que sejam inarticuladas - mas vá lá ter uma conversa profunda com Grace Slick ou Janis Joplin. Boa sorte para você. Joni não era uma filósofa do rock ‘n’ roll. Ela não passava nesse teste, na minha opinião. Nem pelo trabalho dela, nem pelas outras entrevistas que ela dava. As pessoas que entrevistei eram filósofos do rock.

Sobre os artistas negros - você sabe, Stevie Wonder, gênio, certo? Acho que, quando você usa uma palavra tão ampla quanto “mestres”, o problema é usar essa palavra. Talvez Marvin Gaye ou Curtis Mayfield? Quer dizer, eles simplesmente não se articulavam nesse nível.

Como você sabe se não deu uma chance a eles?

Porque li entrevistas com eles. Porque ouço a música deles. Quer dizer, veja o que Pete Townshend estava compondo, ou Jagger, ou qualquer um deles. Eram coisas profundas sobre uma geração específica, um espírito específico e uma atitude específica em relação ao rock ‘n’ roll. Não que os outros não fossem, mas estes caras eram os que realmente conseguiam articular esse pensamento.

Você não acha que isso tem mais a ver com seus próprios interesses como fã e ouvinte do que com algo específico dos artistas? Acho que o problema é quando você começa a dizer coisas como “eles” ou “esses artistas não”. Na verdade, é um reflexo daquilo que interessa a você mais do que qualquer habilidade ou incapacidade por parte desses artistas, não?

Essa era a questão número 1. A seleção foi intuitiva. Era nisso que eu estava interessado. Você sabe, só por uma questão de relações públicas, talvez eu devesse ter encontrado um artista negro e uma mulher para incluir aqui, só para evitar isso tipo de crítica. Tive a chance de fazer isso. Talvez eu seja antiquado e não dê a mínima ou algo assim. Em retrospectiva, gostaria de ter entrevistado Marvin Gaye. Talvez ele fosse o cara. Talvez Otis Redding, se ele estivesse vivo, teria sido o cara.

A última entrevista do livro é com Springsteen, e você pergunta a ele: nós mudamos as coisas? Você estava falando sobre os boomers. E ele tem esta resposta humilde e positiva: não resolvemos todos os problemas do mundo, mas levamos adiante algumas ideias e práticas sociais. Qual é a sua resposta para essa pergunta?

Bruce é um pouco mais modesto do que eu. Acho que fizemos mudanças marcantes social, moral e artisticamente. Não acho que o rock ‘n’ roll tenha mudado tudo. Não creio que o rock ‘n’ roll tenha derrubado a segregação ou a guerra no Vietnã, mas tivemos um papel importante. Tanto consciente como inconscientemente. Apesar da questão do Trump, apesar dos presidentes republicanos dos últimos trinta anos, que fizeram retrocessos enormes, a sociedade ficou muito mais aberta. Acho que o rock ‘n’ roll teve um papel enorme nisso. Fez tudo? Não. Foi a única coisa? Não. Mas fizemos muito.

Então, quais são as críticas válidas à sua geração?

O que a geração rock ‘n’ roll não fez? Quer dizer, não fez tudo. Mas não tenho críticas fundamentais e profundas. Tem alguma coisa que você acha que não acertamos?

Pete Townshend, da banda The Who: 'a promessa do rock acabou sendo abandonada assim que chegou o dinheiro e o estrelato'. Foto: Fábio Motta/Estadão/Arquivo

Entrevistei Pete Townshend uns anos atrás e fiz a ele uma pergunta semelhante sobre a promessa do rock ‘n’ roll. Ele foi muito mais negativo e, creio eu, realista: basicamente, disse que a promessa acabou sendo abandonada assim que chegou o dinheiro e o estrelato. Acho que é uma crítica válida. Algo que tinha potencial como força social foi reduzido a entretenimento.

Bem, Deus abençoe Pete. Dava para prever que ele iria dizer isso. Pete cria caso com todo mundo.

Mas é um homem inteligente, que tem boas ideias.

Inteligente, articulado, uma pessoa maravilhosa de conversar. Então, você está dizendo e o Pete também está dizendo: “Ah, virou tudo comercial”?

Virou algo que deixou de ter significado além de si mesmo.

Então virou comercial. Virou sucesso. Acho que falo isso em algum lugar da minha introdução ao livro: apesar de ter virado um negócio de bilhões de dólares, os ideais e os objetivos nunca foram abandonados. Quer dizer, agora quando alguém chega ao topo de alguma coisa na nossa sociedade logo é chamado de estrela do rock. Sim, virou comercial, mas e daí? Ainda é uma música que fala aos desejos e pensamentos mais profundos das pessoas. Ainda é uma música com consequências políticas.

O sucesso financeiro que essas pessoas tiveram não exigiu que se vendessem. Só exigiu que fizessem mais do mesmo. Seja igualmente chocante. Continue fazendo o que você está fazendo. Ninguém disse: “Agora você precisa diminuir o tom da sua mensagem”. Quer dizer, Deus abençoe Pete, e eu sabia que ele iria dizer isso. Mas não é verdade. O trabalho valeu a pena, nós nos divertimos muito. Foi significativo. Tivemos muita sorte. Vivemos vidas realmente privilegiadas. Agora vamos descansar. Ao mesmo tempo, podemos olhar para os nossos filhos e para o mundo que deixamos para trás e ver que eles estão motivados e inspirados para fazer a mesma coisa. Nesse sentido, o rock ‘n’ roll ainda vive - e viverá.

Bem, obrigado por reservar um tempo para conversar comigo.

Eu adorei. E gostaria de dar uma olhada na transcrição, fiquei curioso.

Ah, claro.

Depois de publicado. Deus me perdoe.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - Em 2019, Jann Wenner deixou oficialmente a Rolling Stone, revista que cofundara em 1967, mas não a deixou para trás. Desde que me afastei dessa publicação icônica, onde trabalhei brevemente como editor online uma década atrás, Wenner, 77 anos, escreveu dois livros enraizados em seu tempo na revista. O primeiro, um livro de memórias robusto e hipnotizante chamado Like a Rolling Stone, foi best-seller no ano passado. O segundo, The Masters, que será publicado em 26 de setembro, consiste em entrevistas que Wenner fez durante seus anos na Rolling Stone com lendas do rock como Bob Dylan, Mick Jagger, Bono e outros, além de uma nova entrevista com Bruce Springsteen.

Jann Wenner, co-fundador da revista 'Rolling Stone' teve seu nome retirado do Hall da Fama do Rock após entrevista em que caracterizou mulheres e homens negros da música de não serem articulados o suficiente para merecerem dar entrevistas a ele. Foto: Dana Scruggs/The New York Times

Essas entrevistas - longas, profundamente informadas e perspicazes - são o tipo de texto que ajudou a Rolling Stone a ganhar a fama que manteve durante tanto tempo como publicação musical. Sob o comando de Wenner, a revista também criou uma reputação como uma fonte de jornalismo investigativo crucial e contundente. Mas sofreu alguns golpes ao longo dos anos. O principal foi um artigo investigativo muito lido sobre um suposto estupro na Universidade da Virgínia - que acabou por não ser verdade.

Como convém a um homem que tem sido considerado um avatar das conquistas e fracassos de sua geração, Wenner deixou um legado complexo - mas que ele faz de tudo para defender. Conversando com Wenner, que falou de sua casa em Montauk, Nova York, não pude deixar de sentir que ele sente falta do agito de seus dias de jornalismo. Ele estava muito disposto - até animado - para se envolver em discussões sobre sua abordagem ao entrevistar amigos roqueiros famosos, sobre seus erros pessoais e sobre os possíveis erros de sua revista - e sobre o que os baby boomers realmente alcançaram. (Esta entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza).

Você criou amizades pessoais com muitas das pessoas que entrevistou em The Masters. Estou curioso para saber como você acha que essas amizades ajudaram nas entrevistas. Ou será que atrapalharam de alguma maneira?

Em geral, ajudaram. Porque as entrevistas que fiz não são entrevistas de confronto. Não são entrevistas com políticos ou executivos de grandes empresas. São entrevistas com artistas. Foram feitas para serem solidárias e para extrair o pensamento mais profundo possível que o artista está disposto a revelar. Acho que as amizades foram fundamentais. Quer dizer, o exemplo do Mick Jagger - ele simplesmente não dava entrevista a ninguém e ainda não dá. Como éramos amigos, eu o convenci a dar entrevista. Tive um tipo particular de relacionamento com Bob Dylan. Jerry Garcia e eu já éramos velhos amigos. Então realmente funciona. A única que doeu foi com Bruce (Springsteen). Foi uma entrevista que fiz para o livro, não para a revista. E minha amizade com Bruce está muito profunda neste momento. Fica difícil fazer perguntas para as quais você sabe as respostas.

Na introdução da entrevista com Bono em The Masters, você mencionou que ele editou e revisou a transcrição. O que editar significa nesse contexto?

Editar coisas gramaticais, corriqueiras. Mudar uma palavra aqui e ali, usar um termo diferente e mais preciso. Ou talvez alguma coisa muito íntima que ele decidiu não tornar pública. Não acho ruim fazer isso com esses entrevistados. Como disse antes, não são entrevistas de confronto. De certa forma, são perfis. Se eu tiver que negociar o nível de confiança necessário para conseguir esse tipo de entrevista, para permitir que as pessoas deixem algumas coisas em off, nada de muito valor, talvez alguma coisa sobre os filhos ou a família ou sobre o fato de não quererem chatear alguém... Deixei John Lennon editar a entrevista dele e tudo o que ele disse.

Ah, verdade? É uma entrevista famosa de 1970. Ele descarregou publicamente seus sentimentos sobre os Beatles. Mas não percebi que você o tinha deixado editar.

Deixei. Ele leu e fez mudanças aqui e ali. Basicamente, são os entrevistados esclarecendo o que querem dizer, deixando a entrevista mais precisa. Porque é um longo fluxo de pensamentos e palavrões e às vezes você não pensa em cada palavra. Quero que eles tenham a oportunidade de dizer exatamente o que querem dizer.

Novo livro de Wenner, 'Os Mestres', traz sete entrevistas que o jornalista conduziu ao longo da carreira, além de uma inédita com Bruce Springsteen. Todos são homens, alguns amigos pessoais do editor. Foto: Dana Scruggs/The New York Times

Acho que dá para dizer que o leitor médio presume que o que aparece na publicação é basicamente o que foi dito. Mas você está dizendo que, na verdade, os entrevistados revisam as transcrições. E, por exemplo, você foi ridicularizado por resenhar ‘Goddess in the Doorway’ de Mick Jagger e ter lhe dado cinco estrelas, quando o consenso crítico dizia que o álbum era um fracasso. A questão mais ampla é: quando se trata de entrevistas com pessoas que você admira, que também são seus amigos, você vai para algo que mais se parece com fan service (serviço para fãs), ou uma espécie de marketing, do que com jornalismo objetivo?

Olha, nada foi substancialmente alterado nas entrevistas originais. São pequenas alterações que só tocam a precisão, a legibilidade e essas coisas. Em segundo lugar, não eram entrevistas de confronto. Sempre foram feitas para serem entrevistas cooperativas.

Mas não existem dois tipos de entrevistas.

Existem, sim. O tipo de entrevista que eu queria era para suscitar pensamentos de verdade, não confrontar, desafiar nem botar ninguém na defensiva. Mas vamos ao que interessa: meus relacionamentos tão próximos assim alteraram nossa cobertura?

Isso mesmo.

OK, vamos ao exemplo do Mick Jagger. Os próprios editores classificaram o álbum com quatro estrelas, e não houve reação a isso. A única reação negativa veio do Keith Richards, que, em vez de chamá-lo de Goddess in the Doorway o chamou de “Dogshit in the Doorway” [em vez de “Deusa na porta de entrada”, algo como “Merda de cachorro na porta de entrada”, em tradução livre]. Ainda é um álbum muito bom. Então fiz uma intervenção pessoal. Depois de ir lá e ouvir Mick, fiquei apaixonado. Confesso: provavelmente fui longe demais. Mas e daí? Também tenho direito.

A Rolling Stone tinha um histórico de produzir certas reportagens que acabavam sendo definitivas. Mas também houve um punhado de histórias que levantaram questões de integridade. A reportagem do estupro no campus da Universidade da Virgínia seria uma delas. Até mesmo para Hunter S. Thompson - não sei se alguém o consideraria um exemplo de precisão factual, independentemente do mérito literário de suas histórias. Houve alguma coisa endêmica na Rolling Stone que fez com que você colocasse a busca pela história interessante à frente das preocupações com a precisão?

Resposta de uma palavra: não.

Foram só coisas pontuais?

A reportagem da Universidade da Virgínia não foi uma falha de intenção nem uma tentativa de descartar os fatos. Você tem que ir além dos erros factuais que afundaram essa história, e na verdade ela era sobre a questão do estupro e como isso afeta as mulheres no campus, sua falta de direitos. Fora o fato importante de que o estupro descrito na verdade tinha sido uma invenção, o resto da história era impecável. Não foi por imprudência. Quer dizer, cometemos erros - todas as publicações do país, incluindo o Times, cometem erros. Você leva uma surra por isso. Nós levamos a nossa surra. Mas não era indicativo de como operávamos. Não fomos levianos com a verdade, não tentamos distorcê-la em noma da missão, nem nada do tipo.

Quanto ao Hunter, bem, você sabe, sui generis. Na verdade, Hunter foi o repórter mais preciso que já tive, mas é que suas histórias iam além dos fatos, chegavam a áreas da verdade, da espiritualidade e da farmacologia que nenhum de nós consegue julgar por conta própria. Minha missão, jornalisticamente falando, sempre foi a verdade acima de tudo. Como todos sabemos agora, se alguém realmente quer enganar você, não há muito que você possa fazer a respeito. Fora ter o tipo de hipervigilância que significaria que você provavelmente não poderia publicar nada.

Então, quase uma década depois, você não tirou nenhuma lição dessa experiência? Na sua opinião, foi só o lugar errado, na hora errada? Parece uma resposta meio simplista.

Tem duas coisas principais nessa história. Uma foi o relato de estupro coletivo que essa fonte, Jackie, nos passou. Acabou que era invenção. Como não queríamos identificá-la, não exigimos encontrar pessoas para corroborar sua história. Nosso erro foi deixá-la de fora dessa exigência, porque não queríamos que ela passasse pelo trauma de novo. A outra história, que não tem nada a ver com Jackie, era sobre como as pessoas lidavam com o estupro naquele campus - lidavam com o estupro em geral, no país inteiro. Foi uma tentativa séria e consciente de abordar esse problema - e aquela era a terceira reportagem sobre crimes sexuais e acho que nossa segunda ou terceira reportagem sobre estupros no campus. Mas aí a farsa foi descoberta e tivemos que encarar as consequências. Foi uma das experiências profissionais mais terríveis que já tive. Não quero ser simplista, mas não me sinto totalmente culpado e também não sinto que seja uma marca indelével. Acho que a lição foi: sim, isso acontece com todo mundo. A outra coisa foi que, claro, poderíamos ter sido mais cuidadosos. Então, você sabe, tem uma série de circunstâncias. Não consigo sacar o punhal e fazer um harakiri.

Voltando ao livro agora, na introdução -

Estou livre, David? Estou perdoado?

Isso não cabe a mim decidir.

A história vai decidir.

Lendas da música como Marvin Gaye (foto), Janis Joplin, Joni Mitchell, Stevie Nicks, Stevie Wonder, Carole King e Madonna sequer tiveram chances de mostrar que poderiam ser articulados. Foto: Doug Pizac/AP/Arquivo

A história vai decidir. Esta também é uma pergunta do tipo que a história vai decidir. São sete entrevistados no novo livro, sete homens brancos. Na introdução, você reconhece que artistas negros e mulheres simplesmente não estão no seu espírito de época. O que, na minha opinião, não é plausível para Jann Wenner. Janis Joplin, Joni Mitchell, Stevie Nicks, Stevie Wonder, a lista vai longe - não estão no seu zeitgeist? Qual você acha que é a explicação mais profunda para o motivo pelo qual você entrevistou as pessoas que entrevistou e não outras?

Bem, deixe-me...

Carole King, Madonna. Tem um milhão de exemplos.

Quando me referi ao zeitgeist, estava me referindo aos artistas negros, não às artistas mulheres, ok? Só para deixar claro. A seleção não foi deliberada. Foi meio intuitiva ao longo dos anos, simplesmente acabou sendo assim. As pessoas tinham que atender a alguns critérios, mas era só meu interesse pessoal e amor por elas. No que diz respeito às mulheres, nenhuma delas era articulada o suficiente nesse nível intelectual.

Opa, espere aí. Você está me dizendo que Joni Mitchell não é articulada o suficiente no nível intelectual?

Espere um segundo.

Vou deixar você reformular isso.

Tudo bem, obrigado. Não é que elas não sejam gênias criativas. Não é que sejam inarticuladas - mas vá lá ter uma conversa profunda com Grace Slick ou Janis Joplin. Boa sorte para você. Joni não era uma filósofa do rock ‘n’ roll. Ela não passava nesse teste, na minha opinião. Nem pelo trabalho dela, nem pelas outras entrevistas que ela dava. As pessoas que entrevistei eram filósofos do rock.

Sobre os artistas negros - você sabe, Stevie Wonder, gênio, certo? Acho que, quando você usa uma palavra tão ampla quanto “mestres”, o problema é usar essa palavra. Talvez Marvin Gaye ou Curtis Mayfield? Quer dizer, eles simplesmente não se articulavam nesse nível.

Como você sabe se não deu uma chance a eles?

Porque li entrevistas com eles. Porque ouço a música deles. Quer dizer, veja o que Pete Townshend estava compondo, ou Jagger, ou qualquer um deles. Eram coisas profundas sobre uma geração específica, um espírito específico e uma atitude específica em relação ao rock ‘n’ roll. Não que os outros não fossem, mas estes caras eram os que realmente conseguiam articular esse pensamento.

Você não acha que isso tem mais a ver com seus próprios interesses como fã e ouvinte do que com algo específico dos artistas? Acho que o problema é quando você começa a dizer coisas como “eles” ou “esses artistas não”. Na verdade, é um reflexo daquilo que interessa a você mais do que qualquer habilidade ou incapacidade por parte desses artistas, não?

Essa era a questão número 1. A seleção foi intuitiva. Era nisso que eu estava interessado. Você sabe, só por uma questão de relações públicas, talvez eu devesse ter encontrado um artista negro e uma mulher para incluir aqui, só para evitar isso tipo de crítica. Tive a chance de fazer isso. Talvez eu seja antiquado e não dê a mínima ou algo assim. Em retrospectiva, gostaria de ter entrevistado Marvin Gaye. Talvez ele fosse o cara. Talvez Otis Redding, se ele estivesse vivo, teria sido o cara.

A última entrevista do livro é com Springsteen, e você pergunta a ele: nós mudamos as coisas? Você estava falando sobre os boomers. E ele tem esta resposta humilde e positiva: não resolvemos todos os problemas do mundo, mas levamos adiante algumas ideias e práticas sociais. Qual é a sua resposta para essa pergunta?

Bruce é um pouco mais modesto do que eu. Acho que fizemos mudanças marcantes social, moral e artisticamente. Não acho que o rock ‘n’ roll tenha mudado tudo. Não creio que o rock ‘n’ roll tenha derrubado a segregação ou a guerra no Vietnã, mas tivemos um papel importante. Tanto consciente como inconscientemente. Apesar da questão do Trump, apesar dos presidentes republicanos dos últimos trinta anos, que fizeram retrocessos enormes, a sociedade ficou muito mais aberta. Acho que o rock ‘n’ roll teve um papel enorme nisso. Fez tudo? Não. Foi a única coisa? Não. Mas fizemos muito.

Então, quais são as críticas válidas à sua geração?

O que a geração rock ‘n’ roll não fez? Quer dizer, não fez tudo. Mas não tenho críticas fundamentais e profundas. Tem alguma coisa que você acha que não acertamos?

Pete Townshend, da banda The Who: 'a promessa do rock acabou sendo abandonada assim que chegou o dinheiro e o estrelato'. Foto: Fábio Motta/Estadão/Arquivo

Entrevistei Pete Townshend uns anos atrás e fiz a ele uma pergunta semelhante sobre a promessa do rock ‘n’ roll. Ele foi muito mais negativo e, creio eu, realista: basicamente, disse que a promessa acabou sendo abandonada assim que chegou o dinheiro e o estrelato. Acho que é uma crítica válida. Algo que tinha potencial como força social foi reduzido a entretenimento.

Bem, Deus abençoe Pete. Dava para prever que ele iria dizer isso. Pete cria caso com todo mundo.

Mas é um homem inteligente, que tem boas ideias.

Inteligente, articulado, uma pessoa maravilhosa de conversar. Então, você está dizendo e o Pete também está dizendo: “Ah, virou tudo comercial”?

Virou algo que deixou de ter significado além de si mesmo.

Então virou comercial. Virou sucesso. Acho que falo isso em algum lugar da minha introdução ao livro: apesar de ter virado um negócio de bilhões de dólares, os ideais e os objetivos nunca foram abandonados. Quer dizer, agora quando alguém chega ao topo de alguma coisa na nossa sociedade logo é chamado de estrela do rock. Sim, virou comercial, mas e daí? Ainda é uma música que fala aos desejos e pensamentos mais profundos das pessoas. Ainda é uma música com consequências políticas.

O sucesso financeiro que essas pessoas tiveram não exigiu que se vendessem. Só exigiu que fizessem mais do mesmo. Seja igualmente chocante. Continue fazendo o que você está fazendo. Ninguém disse: “Agora você precisa diminuir o tom da sua mensagem”. Quer dizer, Deus abençoe Pete, e eu sabia que ele iria dizer isso. Mas não é verdade. O trabalho valeu a pena, nós nos divertimos muito. Foi significativo. Tivemos muita sorte. Vivemos vidas realmente privilegiadas. Agora vamos descansar. Ao mesmo tempo, podemos olhar para os nossos filhos e para o mundo que deixamos para trás e ver que eles estão motivados e inspirados para fazer a mesma coisa. Nesse sentido, o rock ‘n’ roll ainda vive - e viverá.

Bem, obrigado por reservar um tempo para conversar comigo.

Eu adorei. E gostaria de dar uma olhada na transcrição, fiquei curioso.

Ah, claro.

Depois de publicado. Deus me perdoe.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Entrevista por David Marchese

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