Letra inédita de Adoniran Barbosa inspirada pelo metrô de SP ganha gravação depois de quase 50 anos


Encontrada nos arquivos do compositor, ‘Vou Pegar o Metrô’ foi publicada em uma reportagem do jornal ‘Notícias Populares’ em 1977 e cita os bairros de Santana e Vila Mariana. A melodia foi feita por Eduardo Gudin, um dos últimos parceiros de Adoniran

Por Danilo Casaletti
Atualização:

Ao se falar de Adoniran Barbosa (1910- 1982), certamente muitos puxarão pela memória o Trem das Onze, samba que estourou no carnaval de 1965 e se tornou uma de suas composições mais conhecidas. Pudera. Traz a insólita história de um filho único que precisa se despedir da amada para não perder o último trem do dia para Jaçanã e desagradar a mãe.

Adoniran, o maior paulistano sem sê-lo - ele nasceu em Valinhos, no interior de São Paulo -, cronista que era, também olhou para outro meio de transporte da metrópole: o metrô. Além de ter falado sobre o sistema de transporte urbano na canção Triste Margarida, o compositor voltou ao tema em outra composição que permaneceu inédita por quase 50 anos.

O cantor e compositor Adoniran Barbosa no centro de São Paulo em fevereiro de 1978 Foto: Oswaldo Jurno/Agência Estado
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Vou Pegar o Metrô, letra publicada em uma reportagem assinada por Antonio Paulo Pavone para o extinto jornal Notícias Populares no dia 2 de maio de 1977, chegará aos ouvidos do público no single que a Biscoito Fino lançará no próximo dia 6 de agosto, data em que Adoniran completaria 114 anos. A gravadora, alegando questões contratuais, não liberou uma prévia da gravação para esta reportagem.

A letra inédita foi encontrada pelo produtor de cinema Cássio Pardini [leia outros detalhes sobre o achado mais abaixo] em 2022, no acervo de Adoniran, carinhosamente construído ao longo de 40 anos pela segunda mulher do compositor, Matilde de Lutiis, e entregue por Pardini ao músico Eduardo Gudin, um dos últimos parceiros de Adoniran.

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Com versos típicos do compositor, a música fala sobre um sujeito que foi beneficiado pela inauguração da linha azul do metrô, em 1974, mas que, por consequência, não poderá mais mentir para o patrão ou para a namorada sobre os constantes atrasos do trem. A reportagem de 1977 afirma que Adoniran definia o novo sistema de transporte da cidade como “uma beleza”.

“Chega em casa tarde/culpando a condução/ Você que mora lá na Vila Mariana/e tem uma namorada em Santana/”, diz uma das estrofes. Adoniran ainda mandou um recado para os eternos insatisfeitos, a quem ele dedicou o samba: “Pode ficar sem preocupação/ Pode ficar um pouquinho mais/E você malandro que vive reclamando/Que tem que andar a pé um quarteirão para pegar a condução”.

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Com a letra em mãos, Gudin, apesar da intimidade de quem conviveu bastante com Adoniran e, aliás, foi parceiro dele em um samba chamado Armistício, antes de criar a melodia de Vou Pegar o Metrô começou a cantar inúmeras composições do amigo.

Além da emoção da tarefa, Gudin tem sobre as composições de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, de quem também foi parceiro, a percepção de que eles são a própria obra.

“São compositores já completamente resolvidos. Eles têm a música e a letra dentro deles, do jeito que devem ser. Por isso relutei tanto em me tornar parceiro do Adoniran”, diz o compositor. “O que eu tentei foi fazer a melodia como se fosse o Adoniran. Entender como ele faria. Fiz frase por frase. Vez ou outra, aparece uma digital minha também, claro”, explica o compositor ao Estadão.

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Eduardo Gudin e Adoniran em foto de 1982, meses antes do compositor morrer. Foto: Helton Altman

Gudin conta que Adoniran assoviava o tempo todo. Criava muito. “Pode ser que ele até tenha criado uma melodia para Vou Pegar o Metrô que se perdeu por aí”, opina.

As letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje.

Eduardo Gudin

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A letra é grande. São seis estrofes. O que, para Gudin, tornou a tarefa um pouco mais árdua. “Além de tudo, as letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje”, afirma.

Gudin buscou uma melodia que trouxesse humor, mas sem escracho. Fez a primeira parte em tom maior, algo mais raro na música de Adoniran, e uma segunda em tom menor, modo mais típico do compositor. “Acho que acertei. O Adoniran iria gostar do resultado. A melodia do Adoniran é muito livre. É o tamanho que a frase necessita. É como se ele estivesse cantarolando a letra mesmo.”

Música passou por ‘teste’ antes de ser gravada

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Gudin fez o grande teste de Vou Pegar o Metrô em duas apresentações no Sesc Pompeia em junho de 2023. Ele queria saber como o público reagiria a uma letra inédita de Adoniran, agora transformada em canção - e fez isso também em uma festa de aniversário entre amigos. Para acompanhá-lo, convidou o Conjunto Rubinato - esse é o verdadeiro nome de Adoniran -, que pesquisa o legado e toca os sambas do compositor desde 2010.

Na gravação oficial que será lançada em agosto, com arranjos de sopros da flautista Maiara Moraes, Gudin toca violão e canta um trecho da letra. As vozes oficiais da faixa são de Cadu Ribeiro e Hilda Maria, ambos do Conjunto João Rubinato. A produção é do jornalista Renato Vieira.

Tomás Bastian, idealizador do Núcleo Rubinato, que compreende o Conjunto, conta que o público ovacionou Vou Pegar o Metrô no show do Sesc Pompeia. “Fizemos a primeira vez praticamente só em voz e violão para a plateia conhecer e aprender a letra. Repetimos a música três vezes. Foi um alvoroço”, conta.

Gudin (à direita, no violão) e o Conjunto João Rubinato no dia em que testaram 'Vou Pegar o Metrô'. Foto: Vanda Fiorani

Bastian já havia feito um trabalho de garimpo de canções inéditas do compositor em 2017. Buscou-as em editoras musicais, pesquisou na Biblioteca Nacional, consultou a única filha de Adoniran, a tradutora Maria Helena Rubinato, e encontrou doze músicas inéditas, muitas lançadas em partituras, mas jamais gravadas.

O material virou o disco-livro chamado Adoniran em Partitura: 12 Canções Inéditas. Gudin participou desse trabalho na faixa Olhando Pra Lua, música de Adoniran e Hervê Cordovil.

“Adoniran é muitíssimo famoso, o maior ícone do samba de São Paulo, mas por poucas músicas. Achei importante reunir sua obra”, diz Bastian.

Gudin e Bastian, um amigo, outro pesquisador de Adoniran, criaram, além da relação de amizade, uma cumplicidade para evitar cair em armadilhas. Quando se trata de material inédito de um compositor que já morreu, todo o cuidado é pouco. Ambos recusaram-se a participar do álbum Onze, que reuniu onze canções atribuídas a Adoniran em 2020. Produzido por Lucas Mayer, o disco teve as participações de nomes como Elza Soares, Zeca Baleiro, Rubel e Zé Ibarra.

Em Vou Pegar o Metrô foi diferente. O recorte de jornal guardado por Matilde traz anotações à caneta feitas por Adoniran. Depois que a letra foi publicada, o compositor fez alguns retoques que o tempo preservou. Trocou “no armazém do seu Tomáz”, por exemplo, para “no armazém do seu Tomé”, além dar nome ao personagem da letra, o “Nicanor”.

Uma oportunidade para ouvir Vou Pegar o Metrô antes de 6 de agosto será o show gratuito Histórias das Malocas: Adoniran e o Radioteatro que o Conjunto João Rubinato fará no Sesc Vila Mariana em 19 de julho. Gudin irá participar.

“Reunimos esquetes do programa de rádio Histórias das Malocas, que ficou dez anos no ar na Record com textos de Oswaldo Moles, que escreveu a letra de Tiro ao Álvaro. O estilo do Adoniran de falar o português errado, o sotaque, de falar dos bairros, da cidade, foi gestado nesses anos de radioteatro”, analisa Bastian.

Um acervo que percorreu os mais diversos locais

O fato da letra de Vou Pegar o Metrô ter sido tão bem preservada - inclusive com as anotações posteriores de Adoniran - é mérito de Matilde, a cuidadosa segunda mulher de Adoniran, morta em 1986.

Foi em uma busca nesse material composto por mais de 1.200 itens que Cassio Pardini, produtor do documentário Adoniran - Meu Nome É João Rubinato (2018) e do filme Saudosa Maloca (2023), que tem o cantor Paulo Miklos no papel de Adoniran Barbosa, encontrou a letra inédita.

Paulo Miklos vive Adoniran Barbosa em ‘Saudosa Maloca’. Foto: João Oliveira/Elo Studios/Divulgação

Logo que a encontrou, Pardini lembrou de Eduardo Gudin, com quem havia conversado sobre Adoniran depois da pré-estreia do documentário. Ele sabia que o antigo parceiro do compositor seria “o cara” para musicar os versos.

Pardini também pode ser considerado um verdadeiro herói para o legado de Adoniran. Quando fez o documentário, premiado no Festival de Gramado, foi encorajado por amigos a fazer um longa sobre o compositor. Não conseguiu recursos na época.

“As empresas não queriam. Diziam que a imagem do Adoniran estava associada à bebida e ao cigarro”, conta.

Pelo acervo, ele também lutou muito. Maria Helena, filha do primeiro casamento de Adoniran, com Olga Krum Tendo, após a morte do pai, doou tudo - inclusive direitos autorais - para Matilde. Ao morrer, a segunda mulher de Adoniran, deixou tudo em testamento para Maria Helena.

A certa altura, Maria Helena doou o acervo para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a garantia de que um museu seria criado. Nada foi feito. O acervo foi para o Teatro Sergio Cardoso, depois para o MIS e posteriormente para um banco. A filha única de Adoniran conseguiu reaver o material com a ajuda da Justiça.

Mais uma mudança de endereço: tudo foi para uma garagem de um vizinho do jornalista Alberto Helena Junior. De lá, foi para a Universidade de São Paulo, que catalogou tudo de forma profissional e acadêmica, porém não ficou com o material.

O próximo destino foi o sítio do biógrafo Celso Campos Jr, autor do livro Adoniran - Uma Biografia, onde ficou por dez anos. Com a venda do sítio, o acervo foi para a cidade de Salto, no interior paulista até, enfim, repousar na Galeria do Rock, no centro de São Paulo.

“O Toninho [Antônio de Souza Neto], que é uma espécie de administrador da galeria, me disse: ‘Traz para cá. Adoniran é o primeiro punk de São Paulo. O primeiro a falar a língua da periferia no rádio”, conta Pardini.

Em 2018, Adoniran foi tema de uma grande exposição no Farol Santander que teve Pardini com um dos curadores. O compositor recebeu tardiamente o título de cidadão paulistano - documento exposto atualmente no Boteco do 28, localizado no Farol Santander.

“Eu fico muito feliz com essa gravação de Vou Pegar o Metrô. A parceria com o Gudin foi, inclusive, aprovada pela Maria Helena, que não era uma pessoa fácil. Ela era rigorosa [a filha de Adoniran morreu em 2021]”, diz Pardini.

O produtor agora procura um local para instalar o Bar e Museu Adoniran Barbosa. “Pode ser na Casa Verde. Já me ofereceram espaço no Juventus, na Mooca. Pode ser na Cidade Adhemar, bairro no qual Adoniran teve sua única propriedade”, diz Pardini, com a certeza de que Adoniran está por toda São Paulo - de trem ou metrô.

Ao se falar de Adoniran Barbosa (1910- 1982), certamente muitos puxarão pela memória o Trem das Onze, samba que estourou no carnaval de 1965 e se tornou uma de suas composições mais conhecidas. Pudera. Traz a insólita história de um filho único que precisa se despedir da amada para não perder o último trem do dia para Jaçanã e desagradar a mãe.

Adoniran, o maior paulistano sem sê-lo - ele nasceu em Valinhos, no interior de São Paulo -, cronista que era, também olhou para outro meio de transporte da metrópole: o metrô. Além de ter falado sobre o sistema de transporte urbano na canção Triste Margarida, o compositor voltou ao tema em outra composição que permaneceu inédita por quase 50 anos.

O cantor e compositor Adoniran Barbosa no centro de São Paulo em fevereiro de 1978 Foto: Oswaldo Jurno/Agência Estado

Vou Pegar o Metrô, letra publicada em uma reportagem assinada por Antonio Paulo Pavone para o extinto jornal Notícias Populares no dia 2 de maio de 1977, chegará aos ouvidos do público no single que a Biscoito Fino lançará no próximo dia 6 de agosto, data em que Adoniran completaria 114 anos. A gravadora, alegando questões contratuais, não liberou uma prévia da gravação para esta reportagem.

A letra inédita foi encontrada pelo produtor de cinema Cássio Pardini [leia outros detalhes sobre o achado mais abaixo] em 2022, no acervo de Adoniran, carinhosamente construído ao longo de 40 anos pela segunda mulher do compositor, Matilde de Lutiis, e entregue por Pardini ao músico Eduardo Gudin, um dos últimos parceiros de Adoniran.

Com versos típicos do compositor, a música fala sobre um sujeito que foi beneficiado pela inauguração da linha azul do metrô, em 1974, mas que, por consequência, não poderá mais mentir para o patrão ou para a namorada sobre os constantes atrasos do trem. A reportagem de 1977 afirma que Adoniran definia o novo sistema de transporte da cidade como “uma beleza”.

“Chega em casa tarde/culpando a condução/ Você que mora lá na Vila Mariana/e tem uma namorada em Santana/”, diz uma das estrofes. Adoniran ainda mandou um recado para os eternos insatisfeitos, a quem ele dedicou o samba: “Pode ficar sem preocupação/ Pode ficar um pouquinho mais/E você malandro que vive reclamando/Que tem que andar a pé um quarteirão para pegar a condução”.

Com a letra em mãos, Gudin, apesar da intimidade de quem conviveu bastante com Adoniran e, aliás, foi parceiro dele em um samba chamado Armistício, antes de criar a melodia de Vou Pegar o Metrô começou a cantar inúmeras composições do amigo.

Além da emoção da tarefa, Gudin tem sobre as composições de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, de quem também foi parceiro, a percepção de que eles são a própria obra.

“São compositores já completamente resolvidos. Eles têm a música e a letra dentro deles, do jeito que devem ser. Por isso relutei tanto em me tornar parceiro do Adoniran”, diz o compositor. “O que eu tentei foi fazer a melodia como se fosse o Adoniran. Entender como ele faria. Fiz frase por frase. Vez ou outra, aparece uma digital minha também, claro”, explica o compositor ao Estadão.

Eduardo Gudin e Adoniran em foto de 1982, meses antes do compositor morrer. Foto: Helton Altman

Gudin conta que Adoniran assoviava o tempo todo. Criava muito. “Pode ser que ele até tenha criado uma melodia para Vou Pegar o Metrô que se perdeu por aí”, opina.

As letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje.

Eduardo Gudin

A letra é grande. São seis estrofes. O que, para Gudin, tornou a tarefa um pouco mais árdua. “Além de tudo, as letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje”, afirma.

Gudin buscou uma melodia que trouxesse humor, mas sem escracho. Fez a primeira parte em tom maior, algo mais raro na música de Adoniran, e uma segunda em tom menor, modo mais típico do compositor. “Acho que acertei. O Adoniran iria gostar do resultado. A melodia do Adoniran é muito livre. É o tamanho que a frase necessita. É como se ele estivesse cantarolando a letra mesmo.”

Música passou por ‘teste’ antes de ser gravada

Gudin fez o grande teste de Vou Pegar o Metrô em duas apresentações no Sesc Pompeia em junho de 2023. Ele queria saber como o público reagiria a uma letra inédita de Adoniran, agora transformada em canção - e fez isso também em uma festa de aniversário entre amigos. Para acompanhá-lo, convidou o Conjunto Rubinato - esse é o verdadeiro nome de Adoniran -, que pesquisa o legado e toca os sambas do compositor desde 2010.

Na gravação oficial que será lançada em agosto, com arranjos de sopros da flautista Maiara Moraes, Gudin toca violão e canta um trecho da letra. As vozes oficiais da faixa são de Cadu Ribeiro e Hilda Maria, ambos do Conjunto João Rubinato. A produção é do jornalista Renato Vieira.

Tomás Bastian, idealizador do Núcleo Rubinato, que compreende o Conjunto, conta que o público ovacionou Vou Pegar o Metrô no show do Sesc Pompeia. “Fizemos a primeira vez praticamente só em voz e violão para a plateia conhecer e aprender a letra. Repetimos a música três vezes. Foi um alvoroço”, conta.

Gudin (à direita, no violão) e o Conjunto João Rubinato no dia em que testaram 'Vou Pegar o Metrô'. Foto: Vanda Fiorani

Bastian já havia feito um trabalho de garimpo de canções inéditas do compositor em 2017. Buscou-as em editoras musicais, pesquisou na Biblioteca Nacional, consultou a única filha de Adoniran, a tradutora Maria Helena Rubinato, e encontrou doze músicas inéditas, muitas lançadas em partituras, mas jamais gravadas.

O material virou o disco-livro chamado Adoniran em Partitura: 12 Canções Inéditas. Gudin participou desse trabalho na faixa Olhando Pra Lua, música de Adoniran e Hervê Cordovil.

“Adoniran é muitíssimo famoso, o maior ícone do samba de São Paulo, mas por poucas músicas. Achei importante reunir sua obra”, diz Bastian.

Gudin e Bastian, um amigo, outro pesquisador de Adoniran, criaram, além da relação de amizade, uma cumplicidade para evitar cair em armadilhas. Quando se trata de material inédito de um compositor que já morreu, todo o cuidado é pouco. Ambos recusaram-se a participar do álbum Onze, que reuniu onze canções atribuídas a Adoniran em 2020. Produzido por Lucas Mayer, o disco teve as participações de nomes como Elza Soares, Zeca Baleiro, Rubel e Zé Ibarra.

Em Vou Pegar o Metrô foi diferente. O recorte de jornal guardado por Matilde traz anotações à caneta feitas por Adoniran. Depois que a letra foi publicada, o compositor fez alguns retoques que o tempo preservou. Trocou “no armazém do seu Tomáz”, por exemplo, para “no armazém do seu Tomé”, além dar nome ao personagem da letra, o “Nicanor”.

Uma oportunidade para ouvir Vou Pegar o Metrô antes de 6 de agosto será o show gratuito Histórias das Malocas: Adoniran e o Radioteatro que o Conjunto João Rubinato fará no Sesc Vila Mariana em 19 de julho. Gudin irá participar.

“Reunimos esquetes do programa de rádio Histórias das Malocas, que ficou dez anos no ar na Record com textos de Oswaldo Moles, que escreveu a letra de Tiro ao Álvaro. O estilo do Adoniran de falar o português errado, o sotaque, de falar dos bairros, da cidade, foi gestado nesses anos de radioteatro”, analisa Bastian.

Um acervo que percorreu os mais diversos locais

O fato da letra de Vou Pegar o Metrô ter sido tão bem preservada - inclusive com as anotações posteriores de Adoniran - é mérito de Matilde, a cuidadosa segunda mulher de Adoniran, morta em 1986.

Foi em uma busca nesse material composto por mais de 1.200 itens que Cassio Pardini, produtor do documentário Adoniran - Meu Nome É João Rubinato (2018) e do filme Saudosa Maloca (2023), que tem o cantor Paulo Miklos no papel de Adoniran Barbosa, encontrou a letra inédita.

Paulo Miklos vive Adoniran Barbosa em ‘Saudosa Maloca’. Foto: João Oliveira/Elo Studios/Divulgação

Logo que a encontrou, Pardini lembrou de Eduardo Gudin, com quem havia conversado sobre Adoniran depois da pré-estreia do documentário. Ele sabia que o antigo parceiro do compositor seria “o cara” para musicar os versos.

Pardini também pode ser considerado um verdadeiro herói para o legado de Adoniran. Quando fez o documentário, premiado no Festival de Gramado, foi encorajado por amigos a fazer um longa sobre o compositor. Não conseguiu recursos na época.

“As empresas não queriam. Diziam que a imagem do Adoniran estava associada à bebida e ao cigarro”, conta.

Pelo acervo, ele também lutou muito. Maria Helena, filha do primeiro casamento de Adoniran, com Olga Krum Tendo, após a morte do pai, doou tudo - inclusive direitos autorais - para Matilde. Ao morrer, a segunda mulher de Adoniran, deixou tudo em testamento para Maria Helena.

A certa altura, Maria Helena doou o acervo para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a garantia de que um museu seria criado. Nada foi feito. O acervo foi para o Teatro Sergio Cardoso, depois para o MIS e posteriormente para um banco. A filha única de Adoniran conseguiu reaver o material com a ajuda da Justiça.

Mais uma mudança de endereço: tudo foi para uma garagem de um vizinho do jornalista Alberto Helena Junior. De lá, foi para a Universidade de São Paulo, que catalogou tudo de forma profissional e acadêmica, porém não ficou com o material.

O próximo destino foi o sítio do biógrafo Celso Campos Jr, autor do livro Adoniran - Uma Biografia, onde ficou por dez anos. Com a venda do sítio, o acervo foi para a cidade de Salto, no interior paulista até, enfim, repousar na Galeria do Rock, no centro de São Paulo.

“O Toninho [Antônio de Souza Neto], que é uma espécie de administrador da galeria, me disse: ‘Traz para cá. Adoniran é o primeiro punk de São Paulo. O primeiro a falar a língua da periferia no rádio”, conta Pardini.

Em 2018, Adoniran foi tema de uma grande exposição no Farol Santander que teve Pardini com um dos curadores. O compositor recebeu tardiamente o título de cidadão paulistano - documento exposto atualmente no Boteco do 28, localizado no Farol Santander.

“Eu fico muito feliz com essa gravação de Vou Pegar o Metrô. A parceria com o Gudin foi, inclusive, aprovada pela Maria Helena, que não era uma pessoa fácil. Ela era rigorosa [a filha de Adoniran morreu em 2021]”, diz Pardini.

O produtor agora procura um local para instalar o Bar e Museu Adoniran Barbosa. “Pode ser na Casa Verde. Já me ofereceram espaço no Juventus, na Mooca. Pode ser na Cidade Adhemar, bairro no qual Adoniran teve sua única propriedade”, diz Pardini, com a certeza de que Adoniran está por toda São Paulo - de trem ou metrô.

Ao se falar de Adoniran Barbosa (1910- 1982), certamente muitos puxarão pela memória o Trem das Onze, samba que estourou no carnaval de 1965 e se tornou uma de suas composições mais conhecidas. Pudera. Traz a insólita história de um filho único que precisa se despedir da amada para não perder o último trem do dia para Jaçanã e desagradar a mãe.

Adoniran, o maior paulistano sem sê-lo - ele nasceu em Valinhos, no interior de São Paulo -, cronista que era, também olhou para outro meio de transporte da metrópole: o metrô. Além de ter falado sobre o sistema de transporte urbano na canção Triste Margarida, o compositor voltou ao tema em outra composição que permaneceu inédita por quase 50 anos.

O cantor e compositor Adoniran Barbosa no centro de São Paulo em fevereiro de 1978 Foto: Oswaldo Jurno/Agência Estado

Vou Pegar o Metrô, letra publicada em uma reportagem assinada por Antonio Paulo Pavone para o extinto jornal Notícias Populares no dia 2 de maio de 1977, chegará aos ouvidos do público no single que a Biscoito Fino lançará no próximo dia 6 de agosto, data em que Adoniran completaria 114 anos. A gravadora, alegando questões contratuais, não liberou uma prévia da gravação para esta reportagem.

A letra inédita foi encontrada pelo produtor de cinema Cássio Pardini [leia outros detalhes sobre o achado mais abaixo] em 2022, no acervo de Adoniran, carinhosamente construído ao longo de 40 anos pela segunda mulher do compositor, Matilde de Lutiis, e entregue por Pardini ao músico Eduardo Gudin, um dos últimos parceiros de Adoniran.

Com versos típicos do compositor, a música fala sobre um sujeito que foi beneficiado pela inauguração da linha azul do metrô, em 1974, mas que, por consequência, não poderá mais mentir para o patrão ou para a namorada sobre os constantes atrasos do trem. A reportagem de 1977 afirma que Adoniran definia o novo sistema de transporte da cidade como “uma beleza”.

“Chega em casa tarde/culpando a condução/ Você que mora lá na Vila Mariana/e tem uma namorada em Santana/”, diz uma das estrofes. Adoniran ainda mandou um recado para os eternos insatisfeitos, a quem ele dedicou o samba: “Pode ficar sem preocupação/ Pode ficar um pouquinho mais/E você malandro que vive reclamando/Que tem que andar a pé um quarteirão para pegar a condução”.

Com a letra em mãos, Gudin, apesar da intimidade de quem conviveu bastante com Adoniran e, aliás, foi parceiro dele em um samba chamado Armistício, antes de criar a melodia de Vou Pegar o Metrô começou a cantar inúmeras composições do amigo.

Além da emoção da tarefa, Gudin tem sobre as composições de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, de quem também foi parceiro, a percepção de que eles são a própria obra.

“São compositores já completamente resolvidos. Eles têm a música e a letra dentro deles, do jeito que devem ser. Por isso relutei tanto em me tornar parceiro do Adoniran”, diz o compositor. “O que eu tentei foi fazer a melodia como se fosse o Adoniran. Entender como ele faria. Fiz frase por frase. Vez ou outra, aparece uma digital minha também, claro”, explica o compositor ao Estadão.

Eduardo Gudin e Adoniran em foto de 1982, meses antes do compositor morrer. Foto: Helton Altman

Gudin conta que Adoniran assoviava o tempo todo. Criava muito. “Pode ser que ele até tenha criado uma melodia para Vou Pegar o Metrô que se perdeu por aí”, opina.

As letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje.

Eduardo Gudin

A letra é grande. São seis estrofes. O que, para Gudin, tornou a tarefa um pouco mais árdua. “Além de tudo, as letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje”, afirma.

Gudin buscou uma melodia que trouxesse humor, mas sem escracho. Fez a primeira parte em tom maior, algo mais raro na música de Adoniran, e uma segunda em tom menor, modo mais típico do compositor. “Acho que acertei. O Adoniran iria gostar do resultado. A melodia do Adoniran é muito livre. É o tamanho que a frase necessita. É como se ele estivesse cantarolando a letra mesmo.”

Música passou por ‘teste’ antes de ser gravada

Gudin fez o grande teste de Vou Pegar o Metrô em duas apresentações no Sesc Pompeia em junho de 2023. Ele queria saber como o público reagiria a uma letra inédita de Adoniran, agora transformada em canção - e fez isso também em uma festa de aniversário entre amigos. Para acompanhá-lo, convidou o Conjunto Rubinato - esse é o verdadeiro nome de Adoniran -, que pesquisa o legado e toca os sambas do compositor desde 2010.

Na gravação oficial que será lançada em agosto, com arranjos de sopros da flautista Maiara Moraes, Gudin toca violão e canta um trecho da letra. As vozes oficiais da faixa são de Cadu Ribeiro e Hilda Maria, ambos do Conjunto João Rubinato. A produção é do jornalista Renato Vieira.

Tomás Bastian, idealizador do Núcleo Rubinato, que compreende o Conjunto, conta que o público ovacionou Vou Pegar o Metrô no show do Sesc Pompeia. “Fizemos a primeira vez praticamente só em voz e violão para a plateia conhecer e aprender a letra. Repetimos a música três vezes. Foi um alvoroço”, conta.

Gudin (à direita, no violão) e o Conjunto João Rubinato no dia em que testaram 'Vou Pegar o Metrô'. Foto: Vanda Fiorani

Bastian já havia feito um trabalho de garimpo de canções inéditas do compositor em 2017. Buscou-as em editoras musicais, pesquisou na Biblioteca Nacional, consultou a única filha de Adoniran, a tradutora Maria Helena Rubinato, e encontrou doze músicas inéditas, muitas lançadas em partituras, mas jamais gravadas.

O material virou o disco-livro chamado Adoniran em Partitura: 12 Canções Inéditas. Gudin participou desse trabalho na faixa Olhando Pra Lua, música de Adoniran e Hervê Cordovil.

“Adoniran é muitíssimo famoso, o maior ícone do samba de São Paulo, mas por poucas músicas. Achei importante reunir sua obra”, diz Bastian.

Gudin e Bastian, um amigo, outro pesquisador de Adoniran, criaram, além da relação de amizade, uma cumplicidade para evitar cair em armadilhas. Quando se trata de material inédito de um compositor que já morreu, todo o cuidado é pouco. Ambos recusaram-se a participar do álbum Onze, que reuniu onze canções atribuídas a Adoniran em 2020. Produzido por Lucas Mayer, o disco teve as participações de nomes como Elza Soares, Zeca Baleiro, Rubel e Zé Ibarra.

Em Vou Pegar o Metrô foi diferente. O recorte de jornal guardado por Matilde traz anotações à caneta feitas por Adoniran. Depois que a letra foi publicada, o compositor fez alguns retoques que o tempo preservou. Trocou “no armazém do seu Tomáz”, por exemplo, para “no armazém do seu Tomé”, além dar nome ao personagem da letra, o “Nicanor”.

Uma oportunidade para ouvir Vou Pegar o Metrô antes de 6 de agosto será o show gratuito Histórias das Malocas: Adoniran e o Radioteatro que o Conjunto João Rubinato fará no Sesc Vila Mariana em 19 de julho. Gudin irá participar.

“Reunimos esquetes do programa de rádio Histórias das Malocas, que ficou dez anos no ar na Record com textos de Oswaldo Moles, que escreveu a letra de Tiro ao Álvaro. O estilo do Adoniran de falar o português errado, o sotaque, de falar dos bairros, da cidade, foi gestado nesses anos de radioteatro”, analisa Bastian.

Um acervo que percorreu os mais diversos locais

O fato da letra de Vou Pegar o Metrô ter sido tão bem preservada - inclusive com as anotações posteriores de Adoniran - é mérito de Matilde, a cuidadosa segunda mulher de Adoniran, morta em 1986.

Foi em uma busca nesse material composto por mais de 1.200 itens que Cassio Pardini, produtor do documentário Adoniran - Meu Nome É João Rubinato (2018) e do filme Saudosa Maloca (2023), que tem o cantor Paulo Miklos no papel de Adoniran Barbosa, encontrou a letra inédita.

Paulo Miklos vive Adoniran Barbosa em ‘Saudosa Maloca’. Foto: João Oliveira/Elo Studios/Divulgação

Logo que a encontrou, Pardini lembrou de Eduardo Gudin, com quem havia conversado sobre Adoniran depois da pré-estreia do documentário. Ele sabia que o antigo parceiro do compositor seria “o cara” para musicar os versos.

Pardini também pode ser considerado um verdadeiro herói para o legado de Adoniran. Quando fez o documentário, premiado no Festival de Gramado, foi encorajado por amigos a fazer um longa sobre o compositor. Não conseguiu recursos na época.

“As empresas não queriam. Diziam que a imagem do Adoniran estava associada à bebida e ao cigarro”, conta.

Pelo acervo, ele também lutou muito. Maria Helena, filha do primeiro casamento de Adoniran, com Olga Krum Tendo, após a morte do pai, doou tudo - inclusive direitos autorais - para Matilde. Ao morrer, a segunda mulher de Adoniran, deixou tudo em testamento para Maria Helena.

A certa altura, Maria Helena doou o acervo para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a garantia de que um museu seria criado. Nada foi feito. O acervo foi para o Teatro Sergio Cardoso, depois para o MIS e posteriormente para um banco. A filha única de Adoniran conseguiu reaver o material com a ajuda da Justiça.

Mais uma mudança de endereço: tudo foi para uma garagem de um vizinho do jornalista Alberto Helena Junior. De lá, foi para a Universidade de São Paulo, que catalogou tudo de forma profissional e acadêmica, porém não ficou com o material.

O próximo destino foi o sítio do biógrafo Celso Campos Jr, autor do livro Adoniran - Uma Biografia, onde ficou por dez anos. Com a venda do sítio, o acervo foi para a cidade de Salto, no interior paulista até, enfim, repousar na Galeria do Rock, no centro de São Paulo.

“O Toninho [Antônio de Souza Neto], que é uma espécie de administrador da galeria, me disse: ‘Traz para cá. Adoniran é o primeiro punk de São Paulo. O primeiro a falar a língua da periferia no rádio”, conta Pardini.

Em 2018, Adoniran foi tema de uma grande exposição no Farol Santander que teve Pardini com um dos curadores. O compositor recebeu tardiamente o título de cidadão paulistano - documento exposto atualmente no Boteco do 28, localizado no Farol Santander.

“Eu fico muito feliz com essa gravação de Vou Pegar o Metrô. A parceria com o Gudin foi, inclusive, aprovada pela Maria Helena, que não era uma pessoa fácil. Ela era rigorosa [a filha de Adoniran morreu em 2021]”, diz Pardini.

O produtor agora procura um local para instalar o Bar e Museu Adoniran Barbosa. “Pode ser na Casa Verde. Já me ofereceram espaço no Juventus, na Mooca. Pode ser na Cidade Adhemar, bairro no qual Adoniran teve sua única propriedade”, diz Pardini, com a certeza de que Adoniran está por toda São Paulo - de trem ou metrô.

Ao se falar de Adoniran Barbosa (1910- 1982), certamente muitos puxarão pela memória o Trem das Onze, samba que estourou no carnaval de 1965 e se tornou uma de suas composições mais conhecidas. Pudera. Traz a insólita história de um filho único que precisa se despedir da amada para não perder o último trem do dia para Jaçanã e desagradar a mãe.

Adoniran, o maior paulistano sem sê-lo - ele nasceu em Valinhos, no interior de São Paulo -, cronista que era, também olhou para outro meio de transporte da metrópole: o metrô. Além de ter falado sobre o sistema de transporte urbano na canção Triste Margarida, o compositor voltou ao tema em outra composição que permaneceu inédita por quase 50 anos.

O cantor e compositor Adoniran Barbosa no centro de São Paulo em fevereiro de 1978 Foto: Oswaldo Jurno/Agência Estado

Vou Pegar o Metrô, letra publicada em uma reportagem assinada por Antonio Paulo Pavone para o extinto jornal Notícias Populares no dia 2 de maio de 1977, chegará aos ouvidos do público no single que a Biscoito Fino lançará no próximo dia 6 de agosto, data em que Adoniran completaria 114 anos. A gravadora, alegando questões contratuais, não liberou uma prévia da gravação para esta reportagem.

A letra inédita foi encontrada pelo produtor de cinema Cássio Pardini [leia outros detalhes sobre o achado mais abaixo] em 2022, no acervo de Adoniran, carinhosamente construído ao longo de 40 anos pela segunda mulher do compositor, Matilde de Lutiis, e entregue por Pardini ao músico Eduardo Gudin, um dos últimos parceiros de Adoniran.

Com versos típicos do compositor, a música fala sobre um sujeito que foi beneficiado pela inauguração da linha azul do metrô, em 1974, mas que, por consequência, não poderá mais mentir para o patrão ou para a namorada sobre os constantes atrasos do trem. A reportagem de 1977 afirma que Adoniran definia o novo sistema de transporte da cidade como “uma beleza”.

“Chega em casa tarde/culpando a condução/ Você que mora lá na Vila Mariana/e tem uma namorada em Santana/”, diz uma das estrofes. Adoniran ainda mandou um recado para os eternos insatisfeitos, a quem ele dedicou o samba: “Pode ficar sem preocupação/ Pode ficar um pouquinho mais/E você malandro que vive reclamando/Que tem que andar a pé um quarteirão para pegar a condução”.

Com a letra em mãos, Gudin, apesar da intimidade de quem conviveu bastante com Adoniran e, aliás, foi parceiro dele em um samba chamado Armistício, antes de criar a melodia de Vou Pegar o Metrô começou a cantar inúmeras composições do amigo.

Além da emoção da tarefa, Gudin tem sobre as composições de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, de quem também foi parceiro, a percepção de que eles são a própria obra.

“São compositores já completamente resolvidos. Eles têm a música e a letra dentro deles, do jeito que devem ser. Por isso relutei tanto em me tornar parceiro do Adoniran”, diz o compositor. “O que eu tentei foi fazer a melodia como se fosse o Adoniran. Entender como ele faria. Fiz frase por frase. Vez ou outra, aparece uma digital minha também, claro”, explica o compositor ao Estadão.

Eduardo Gudin e Adoniran em foto de 1982, meses antes do compositor morrer. Foto: Helton Altman

Gudin conta que Adoniran assoviava o tempo todo. Criava muito. “Pode ser que ele até tenha criado uma melodia para Vou Pegar o Metrô que se perdeu por aí”, opina.

As letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje.

Eduardo Gudin

A letra é grande. São seis estrofes. O que, para Gudin, tornou a tarefa um pouco mais árdua. “Além de tudo, as letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje”, afirma.

Gudin buscou uma melodia que trouxesse humor, mas sem escracho. Fez a primeira parte em tom maior, algo mais raro na música de Adoniran, e uma segunda em tom menor, modo mais típico do compositor. “Acho que acertei. O Adoniran iria gostar do resultado. A melodia do Adoniran é muito livre. É o tamanho que a frase necessita. É como se ele estivesse cantarolando a letra mesmo.”

Música passou por ‘teste’ antes de ser gravada

Gudin fez o grande teste de Vou Pegar o Metrô em duas apresentações no Sesc Pompeia em junho de 2023. Ele queria saber como o público reagiria a uma letra inédita de Adoniran, agora transformada em canção - e fez isso também em uma festa de aniversário entre amigos. Para acompanhá-lo, convidou o Conjunto Rubinato - esse é o verdadeiro nome de Adoniran -, que pesquisa o legado e toca os sambas do compositor desde 2010.

Na gravação oficial que será lançada em agosto, com arranjos de sopros da flautista Maiara Moraes, Gudin toca violão e canta um trecho da letra. As vozes oficiais da faixa são de Cadu Ribeiro e Hilda Maria, ambos do Conjunto João Rubinato. A produção é do jornalista Renato Vieira.

Tomás Bastian, idealizador do Núcleo Rubinato, que compreende o Conjunto, conta que o público ovacionou Vou Pegar o Metrô no show do Sesc Pompeia. “Fizemos a primeira vez praticamente só em voz e violão para a plateia conhecer e aprender a letra. Repetimos a música três vezes. Foi um alvoroço”, conta.

Gudin (à direita, no violão) e o Conjunto João Rubinato no dia em que testaram 'Vou Pegar o Metrô'. Foto: Vanda Fiorani

Bastian já havia feito um trabalho de garimpo de canções inéditas do compositor em 2017. Buscou-as em editoras musicais, pesquisou na Biblioteca Nacional, consultou a única filha de Adoniran, a tradutora Maria Helena Rubinato, e encontrou doze músicas inéditas, muitas lançadas em partituras, mas jamais gravadas.

O material virou o disco-livro chamado Adoniran em Partitura: 12 Canções Inéditas. Gudin participou desse trabalho na faixa Olhando Pra Lua, música de Adoniran e Hervê Cordovil.

“Adoniran é muitíssimo famoso, o maior ícone do samba de São Paulo, mas por poucas músicas. Achei importante reunir sua obra”, diz Bastian.

Gudin e Bastian, um amigo, outro pesquisador de Adoniran, criaram, além da relação de amizade, uma cumplicidade para evitar cair em armadilhas. Quando se trata de material inédito de um compositor que já morreu, todo o cuidado é pouco. Ambos recusaram-se a participar do álbum Onze, que reuniu onze canções atribuídas a Adoniran em 2020. Produzido por Lucas Mayer, o disco teve as participações de nomes como Elza Soares, Zeca Baleiro, Rubel e Zé Ibarra.

Em Vou Pegar o Metrô foi diferente. O recorte de jornal guardado por Matilde traz anotações à caneta feitas por Adoniran. Depois que a letra foi publicada, o compositor fez alguns retoques que o tempo preservou. Trocou “no armazém do seu Tomáz”, por exemplo, para “no armazém do seu Tomé”, além dar nome ao personagem da letra, o “Nicanor”.

Uma oportunidade para ouvir Vou Pegar o Metrô antes de 6 de agosto será o show gratuito Histórias das Malocas: Adoniran e o Radioteatro que o Conjunto João Rubinato fará no Sesc Vila Mariana em 19 de julho. Gudin irá participar.

“Reunimos esquetes do programa de rádio Histórias das Malocas, que ficou dez anos no ar na Record com textos de Oswaldo Moles, que escreveu a letra de Tiro ao Álvaro. O estilo do Adoniran de falar o português errado, o sotaque, de falar dos bairros, da cidade, foi gestado nesses anos de radioteatro”, analisa Bastian.

Um acervo que percorreu os mais diversos locais

O fato da letra de Vou Pegar o Metrô ter sido tão bem preservada - inclusive com as anotações posteriores de Adoniran - é mérito de Matilde, a cuidadosa segunda mulher de Adoniran, morta em 1986.

Foi em uma busca nesse material composto por mais de 1.200 itens que Cassio Pardini, produtor do documentário Adoniran - Meu Nome É João Rubinato (2018) e do filme Saudosa Maloca (2023), que tem o cantor Paulo Miklos no papel de Adoniran Barbosa, encontrou a letra inédita.

Paulo Miklos vive Adoniran Barbosa em ‘Saudosa Maloca’. Foto: João Oliveira/Elo Studios/Divulgação

Logo que a encontrou, Pardini lembrou de Eduardo Gudin, com quem havia conversado sobre Adoniran depois da pré-estreia do documentário. Ele sabia que o antigo parceiro do compositor seria “o cara” para musicar os versos.

Pardini também pode ser considerado um verdadeiro herói para o legado de Adoniran. Quando fez o documentário, premiado no Festival de Gramado, foi encorajado por amigos a fazer um longa sobre o compositor. Não conseguiu recursos na época.

“As empresas não queriam. Diziam que a imagem do Adoniran estava associada à bebida e ao cigarro”, conta.

Pelo acervo, ele também lutou muito. Maria Helena, filha do primeiro casamento de Adoniran, com Olga Krum Tendo, após a morte do pai, doou tudo - inclusive direitos autorais - para Matilde. Ao morrer, a segunda mulher de Adoniran, deixou tudo em testamento para Maria Helena.

A certa altura, Maria Helena doou o acervo para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a garantia de que um museu seria criado. Nada foi feito. O acervo foi para o Teatro Sergio Cardoso, depois para o MIS e posteriormente para um banco. A filha única de Adoniran conseguiu reaver o material com a ajuda da Justiça.

Mais uma mudança de endereço: tudo foi para uma garagem de um vizinho do jornalista Alberto Helena Junior. De lá, foi para a Universidade de São Paulo, que catalogou tudo de forma profissional e acadêmica, porém não ficou com o material.

O próximo destino foi o sítio do biógrafo Celso Campos Jr, autor do livro Adoniran - Uma Biografia, onde ficou por dez anos. Com a venda do sítio, o acervo foi para a cidade de Salto, no interior paulista até, enfim, repousar na Galeria do Rock, no centro de São Paulo.

“O Toninho [Antônio de Souza Neto], que é uma espécie de administrador da galeria, me disse: ‘Traz para cá. Adoniran é o primeiro punk de São Paulo. O primeiro a falar a língua da periferia no rádio”, conta Pardini.

Em 2018, Adoniran foi tema de uma grande exposição no Farol Santander que teve Pardini com um dos curadores. O compositor recebeu tardiamente o título de cidadão paulistano - documento exposto atualmente no Boteco do 28, localizado no Farol Santander.

“Eu fico muito feliz com essa gravação de Vou Pegar o Metrô. A parceria com o Gudin foi, inclusive, aprovada pela Maria Helena, que não era uma pessoa fácil. Ela era rigorosa [a filha de Adoniran morreu em 2021]”, diz Pardini.

O produtor agora procura um local para instalar o Bar e Museu Adoniran Barbosa. “Pode ser na Casa Verde. Já me ofereceram espaço no Juventus, na Mooca. Pode ser na Cidade Adhemar, bairro no qual Adoniran teve sua única propriedade”, diz Pardini, com a certeza de que Adoniran está por toda São Paulo - de trem ou metrô.

Ao se falar de Adoniran Barbosa (1910- 1982), certamente muitos puxarão pela memória o Trem das Onze, samba que estourou no carnaval de 1965 e se tornou uma de suas composições mais conhecidas. Pudera. Traz a insólita história de um filho único que precisa se despedir da amada para não perder o último trem do dia para Jaçanã e desagradar a mãe.

Adoniran, o maior paulistano sem sê-lo - ele nasceu em Valinhos, no interior de São Paulo -, cronista que era, também olhou para outro meio de transporte da metrópole: o metrô. Além de ter falado sobre o sistema de transporte urbano na canção Triste Margarida, o compositor voltou ao tema em outra composição que permaneceu inédita por quase 50 anos.

O cantor e compositor Adoniran Barbosa no centro de São Paulo em fevereiro de 1978 Foto: Oswaldo Jurno/Agência Estado

Vou Pegar o Metrô, letra publicada em uma reportagem assinada por Antonio Paulo Pavone para o extinto jornal Notícias Populares no dia 2 de maio de 1977, chegará aos ouvidos do público no single que a Biscoito Fino lançará no próximo dia 6 de agosto, data em que Adoniran completaria 114 anos. A gravadora, alegando questões contratuais, não liberou uma prévia da gravação para esta reportagem.

A letra inédita foi encontrada pelo produtor de cinema Cássio Pardini [leia outros detalhes sobre o achado mais abaixo] em 2022, no acervo de Adoniran, carinhosamente construído ao longo de 40 anos pela segunda mulher do compositor, Matilde de Lutiis, e entregue por Pardini ao músico Eduardo Gudin, um dos últimos parceiros de Adoniran.

Com versos típicos do compositor, a música fala sobre um sujeito que foi beneficiado pela inauguração da linha azul do metrô, em 1974, mas que, por consequência, não poderá mais mentir para o patrão ou para a namorada sobre os constantes atrasos do trem. A reportagem de 1977 afirma que Adoniran definia o novo sistema de transporte da cidade como “uma beleza”.

“Chega em casa tarde/culpando a condução/ Você que mora lá na Vila Mariana/e tem uma namorada em Santana/”, diz uma das estrofes. Adoniran ainda mandou um recado para os eternos insatisfeitos, a quem ele dedicou o samba: “Pode ficar sem preocupação/ Pode ficar um pouquinho mais/E você malandro que vive reclamando/Que tem que andar a pé um quarteirão para pegar a condução”.

Com a letra em mãos, Gudin, apesar da intimidade de quem conviveu bastante com Adoniran e, aliás, foi parceiro dele em um samba chamado Armistício, antes de criar a melodia de Vou Pegar o Metrô começou a cantar inúmeras composições do amigo.

Além da emoção da tarefa, Gudin tem sobre as composições de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, de quem também foi parceiro, a percepção de que eles são a própria obra.

“São compositores já completamente resolvidos. Eles têm a música e a letra dentro deles, do jeito que devem ser. Por isso relutei tanto em me tornar parceiro do Adoniran”, diz o compositor. “O que eu tentei foi fazer a melodia como se fosse o Adoniran. Entender como ele faria. Fiz frase por frase. Vez ou outra, aparece uma digital minha também, claro”, explica o compositor ao Estadão.

Eduardo Gudin e Adoniran em foto de 1982, meses antes do compositor morrer. Foto: Helton Altman

Gudin conta que Adoniran assoviava o tempo todo. Criava muito. “Pode ser que ele até tenha criado uma melodia para Vou Pegar o Metrô que se perdeu por aí”, opina.

As letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje.

Eduardo Gudin

A letra é grande. São seis estrofes. O que, para Gudin, tornou a tarefa um pouco mais árdua. “Além de tudo, as letras de Adoniran são tragicômicas. Meio ‘chaplinianas’. Sempre no fio da navalha. Difíceis de fazer. Tão difíceis que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje”, afirma.

Gudin buscou uma melodia que trouxesse humor, mas sem escracho. Fez a primeira parte em tom maior, algo mais raro na música de Adoniran, e uma segunda em tom menor, modo mais típico do compositor. “Acho que acertei. O Adoniran iria gostar do resultado. A melodia do Adoniran é muito livre. É o tamanho que a frase necessita. É como se ele estivesse cantarolando a letra mesmo.”

Música passou por ‘teste’ antes de ser gravada

Gudin fez o grande teste de Vou Pegar o Metrô em duas apresentações no Sesc Pompeia em junho de 2023. Ele queria saber como o público reagiria a uma letra inédita de Adoniran, agora transformada em canção - e fez isso também em uma festa de aniversário entre amigos. Para acompanhá-lo, convidou o Conjunto Rubinato - esse é o verdadeiro nome de Adoniran -, que pesquisa o legado e toca os sambas do compositor desde 2010.

Na gravação oficial que será lançada em agosto, com arranjos de sopros da flautista Maiara Moraes, Gudin toca violão e canta um trecho da letra. As vozes oficiais da faixa são de Cadu Ribeiro e Hilda Maria, ambos do Conjunto João Rubinato. A produção é do jornalista Renato Vieira.

Tomás Bastian, idealizador do Núcleo Rubinato, que compreende o Conjunto, conta que o público ovacionou Vou Pegar o Metrô no show do Sesc Pompeia. “Fizemos a primeira vez praticamente só em voz e violão para a plateia conhecer e aprender a letra. Repetimos a música três vezes. Foi um alvoroço”, conta.

Gudin (à direita, no violão) e o Conjunto João Rubinato no dia em que testaram 'Vou Pegar o Metrô'. Foto: Vanda Fiorani

Bastian já havia feito um trabalho de garimpo de canções inéditas do compositor em 2017. Buscou-as em editoras musicais, pesquisou na Biblioteca Nacional, consultou a única filha de Adoniran, a tradutora Maria Helena Rubinato, e encontrou doze músicas inéditas, muitas lançadas em partituras, mas jamais gravadas.

O material virou o disco-livro chamado Adoniran em Partitura: 12 Canções Inéditas. Gudin participou desse trabalho na faixa Olhando Pra Lua, música de Adoniran e Hervê Cordovil.

“Adoniran é muitíssimo famoso, o maior ícone do samba de São Paulo, mas por poucas músicas. Achei importante reunir sua obra”, diz Bastian.

Gudin e Bastian, um amigo, outro pesquisador de Adoniran, criaram, além da relação de amizade, uma cumplicidade para evitar cair em armadilhas. Quando se trata de material inédito de um compositor que já morreu, todo o cuidado é pouco. Ambos recusaram-se a participar do álbum Onze, que reuniu onze canções atribuídas a Adoniran em 2020. Produzido por Lucas Mayer, o disco teve as participações de nomes como Elza Soares, Zeca Baleiro, Rubel e Zé Ibarra.

Em Vou Pegar o Metrô foi diferente. O recorte de jornal guardado por Matilde traz anotações à caneta feitas por Adoniran. Depois que a letra foi publicada, o compositor fez alguns retoques que o tempo preservou. Trocou “no armazém do seu Tomáz”, por exemplo, para “no armazém do seu Tomé”, além dar nome ao personagem da letra, o “Nicanor”.

Uma oportunidade para ouvir Vou Pegar o Metrô antes de 6 de agosto será o show gratuito Histórias das Malocas: Adoniran e o Radioteatro que o Conjunto João Rubinato fará no Sesc Vila Mariana em 19 de julho. Gudin irá participar.

“Reunimos esquetes do programa de rádio Histórias das Malocas, que ficou dez anos no ar na Record com textos de Oswaldo Moles, que escreveu a letra de Tiro ao Álvaro. O estilo do Adoniran de falar o português errado, o sotaque, de falar dos bairros, da cidade, foi gestado nesses anos de radioteatro”, analisa Bastian.

Um acervo que percorreu os mais diversos locais

O fato da letra de Vou Pegar o Metrô ter sido tão bem preservada - inclusive com as anotações posteriores de Adoniran - é mérito de Matilde, a cuidadosa segunda mulher de Adoniran, morta em 1986.

Foi em uma busca nesse material composto por mais de 1.200 itens que Cassio Pardini, produtor do documentário Adoniran - Meu Nome É João Rubinato (2018) e do filme Saudosa Maloca (2023), que tem o cantor Paulo Miklos no papel de Adoniran Barbosa, encontrou a letra inédita.

Paulo Miklos vive Adoniran Barbosa em ‘Saudosa Maloca’. Foto: João Oliveira/Elo Studios/Divulgação

Logo que a encontrou, Pardini lembrou de Eduardo Gudin, com quem havia conversado sobre Adoniran depois da pré-estreia do documentário. Ele sabia que o antigo parceiro do compositor seria “o cara” para musicar os versos.

Pardini também pode ser considerado um verdadeiro herói para o legado de Adoniran. Quando fez o documentário, premiado no Festival de Gramado, foi encorajado por amigos a fazer um longa sobre o compositor. Não conseguiu recursos na época.

“As empresas não queriam. Diziam que a imagem do Adoniran estava associada à bebida e ao cigarro”, conta.

Pelo acervo, ele também lutou muito. Maria Helena, filha do primeiro casamento de Adoniran, com Olga Krum Tendo, após a morte do pai, doou tudo - inclusive direitos autorais - para Matilde. Ao morrer, a segunda mulher de Adoniran, deixou tudo em testamento para Maria Helena.

A certa altura, Maria Helena doou o acervo para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a garantia de que um museu seria criado. Nada foi feito. O acervo foi para o Teatro Sergio Cardoso, depois para o MIS e posteriormente para um banco. A filha única de Adoniran conseguiu reaver o material com a ajuda da Justiça.

Mais uma mudança de endereço: tudo foi para uma garagem de um vizinho do jornalista Alberto Helena Junior. De lá, foi para a Universidade de São Paulo, que catalogou tudo de forma profissional e acadêmica, porém não ficou com o material.

O próximo destino foi o sítio do biógrafo Celso Campos Jr, autor do livro Adoniran - Uma Biografia, onde ficou por dez anos. Com a venda do sítio, o acervo foi para a cidade de Salto, no interior paulista até, enfim, repousar na Galeria do Rock, no centro de São Paulo.

“O Toninho [Antônio de Souza Neto], que é uma espécie de administrador da galeria, me disse: ‘Traz para cá. Adoniran é o primeiro punk de São Paulo. O primeiro a falar a língua da periferia no rádio”, conta Pardini.

Em 2018, Adoniran foi tema de uma grande exposição no Farol Santander que teve Pardini com um dos curadores. O compositor recebeu tardiamente o título de cidadão paulistano - documento exposto atualmente no Boteco do 28, localizado no Farol Santander.

“Eu fico muito feliz com essa gravação de Vou Pegar o Metrô. A parceria com o Gudin foi, inclusive, aprovada pela Maria Helena, que não era uma pessoa fácil. Ela era rigorosa [a filha de Adoniran morreu em 2021]”, diz Pardini.

O produtor agora procura um local para instalar o Bar e Museu Adoniran Barbosa. “Pode ser na Casa Verde. Já me ofereceram espaço no Juventus, na Mooca. Pode ser na Cidade Adhemar, bairro no qual Adoniran teve sua única propriedade”, diz Pardini, com a certeza de que Adoniran está por toda São Paulo - de trem ou metrô.

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