Deu o que as ruas já apontavam: Macetando, música gravada por Ivete Sangalo em parceria com Ludmilla foi escolhida como a música do carnaval de 2024. A eleição, realizada desde 1994 pelo Troféu Bahia Folia, da TV Bahia, apontou que o hit recebeu mais de três milhões de votos, ou 52,87% do total, e desbancou Perna Bamba, de Léo Santana, o campeão de 2023.
Macetando, que mistura elementos do funk com o pagode baiano, esteve no centro da maior polêmica desse carnaval. Ivete, ao passar com seu trio em frente ao estúdio da Band Folia, onde Baby do Brasil se apresentava, parou para fazer algo muito comum no carnaval da Bahia: um encontro de trios. Ou um dueto entre cantores.
Em um primeiro momento, Ivete e Baby trocaram elogios públicos. Mostraram intimidade. Juntas, decidiram cantar Menino do Rio, sucesso de Baby, em ritmo de frevo. Um clima para lá de festivo entre duas importantes cantoras para o carnaval de Salvador.
Na despedida, no entanto, Baby usou o microfone para fazer um discurso religioso. Pastora, ou popstora, como ela se define, Baby afirmou que o apocalipse tem tudo para ocorrer em “cinco ou dez anos”. Aconselhou que o público procurasse Jesus e pediu que Ivete cantasse Eva, música que fala sobre o final dos tempos. Baby estava em seu livre direito de expressão.
A resposta de Ivete foi bem humorada, no espírito da folia. Porém, não agradou o público para o qual Baby se dirigiu. Obviamente, Baby não fez seu discurso em vão.
“Eu não vou deixar acontecer. Não tem apocalipse certo quando a gente maceta o apocalipse”, disse Ivete, que preferiu cantar Macetando. Ivete ainda falou sobre como tem Deus como uma energia maior. Não foi compreendida.
Embora o diálogo tenha sido classificado por alguns como um “meme de carnaval”, Ivete foi atacada por religiosos. No dia seguinte, teve problemas em seu trio. Muitos atribuíram o incidente a sua fala. Ivete, em outros momentos, já exaltou os orixás, entidades ligadas às religiões de matrizes africanas.
Apesar de tudo isso, Ivete reinou no carnaval 2024. Além do prêmio do Troféu Bahia Folia, chegou ao topo do ranking de músicas mais ouvidas no Spotify - algo que não conseguia há tempos. Ao Estadão, 15 dias antes do carnaval, a cantora disse que estava feliz porque Macetando estava agradando o povo.
Ivete terminou seu carnaval no dia da pipoca - o desfile sem cordas e abadás - literalmente nos braços dos foliões.
O episódio envolvendo Baby e Ivete indica que o carnaval - uma festa genuína do povo, na qual ele é o protagonista - não pode sofrer tentativas de evangelização de qualquer espécie. A arte e as manifestações populares devem ser poupadas desse cajado, goste-se ou não delas.
Um símbolo dessa patrulha inútil foram as críticas que o enredo Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia, apresentado pela Beija-Flor em 1989 na Sapucaí. Ao cobrir o Cristo com a frase “mesmo proibido, olhai por nós”, o carnavalesco Joãosinho Trinta despiu muita gente. O incômodo foi inevitável. O carnaval sobreviveu e a Sapucaí, ano após anos, é palco de denúncias das injustiças sociais.
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Cantora consagrada, com 30 anos de carreira, Ivete sofreu um ataque popular inédito em sua trajetória. Já vinha, semanas antes, recebendo indiretas de outra importante cantora brasileira por ter escolhido cantar Macetando, canção inspirada em uma expressão de cunho sexual consagrada dentro do funk.
Ivete, infelizmente, foi defendida por poucos. Inclusive por seus pares, aqueles que deveriam zelar pela liberdade da arte e da festa. Poucos foram os que se posicionaram.
Daniela Mercury, depois dos problemas que a cantora enfrentou em seu trio, dedicou seu desfile à amiga, mas não citou diretamente o episódio com Baby. Mais incisiva foi a apresentadora Xuxa, amiga de Ivete, que se disse decepcionada com Baby.
Em agosto de 2023, Baby afirmou ao Estadão que Deus lhe mandou um pedido para que ela “segurasse as pontas” da música brasileira. “Você não vai me ver dançando com a bundinha para cima. Tenho que segurar a onda da música, uau! Não me interessa apelação pelo sexo”, disse. No entanto, disse que não era uma religiosa “acusadora”, mas “conectada”. “A religiosidade é um perigo”, concluiu.