Marcelo D2: ‘O samba não está na pauta dessa molecada que está no TikTok. Quero mudar isso’


O rapper lança o álbum Iboru, no qual usa os graves do rap e do trap para fazer o que chama de novo samba tradicional

Por Danilo Casaletti
Atualização:

No dia em que a reportagem do Estadão encontrou Marcelo D2 para uma entrevista em um café na região central de São Paulo, a notícia da morte da cantora brasileira Astrud Gilberto (1940-2023) era uma das manchetes do noticiário. Astrud, assim como Rita Lee (1947-2023) quando morreu, estava afastada há cerca de duas décadas dos palcos.

O papo com D2 começou por essa questão: você já pensou abandonar shows e discos? “Claro que já tive vontade de fazer isso, sobretudo depois de 30 anos de carreira. Nos últimos cinco, seis, ela foi mais forte. Às vezes, parece que a gente não tem mais nada para dizer. Por isso, quero sempre me reinventar, tá ligado?”, diz o cantor e compositor.

Nesse sentido, Iboru - Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas (Altafonte), novo álbum de D2 que chega às plataformas de música nesta quarta-feira, dia 14, cumpre o desejo do artista de fazer algo novo e, de quebra, com o perdão do clichê, avançar em sua busca pela batida perfeita.

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Dessa vez, uma batida mais próxima do samba que, a bem da verdade, sempre esteve no trabalho do D2. A diferença é que agora, o gênero se torna protagonista do nono álbum de estúdio do rapper.

  • O álbum tem as participações de Alcione, Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Nega Duda, Mateus Aleluia, Metá Mehta e B Negão
  • Kendrick Lamar e Clementina de Jesus foram duas das inspirações de D2 para esse projeto
  • O álbum vai se desdobrar em um curta-metragem
O músico Marcelo D2 em nova fase, mais próxima do samba Foto: Werther Santana/Estadão
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Com 16 faixas inéditas – um álbum grande para os padrões atuais -, Iboru foi divido em três partes temáticas. Na primeira, D2 mostra o que ele propõe como “novo samba tradicional”. Depois, o disco fica bem terreiro e baiano, com as participações do grupo Metá Metá e do músico Mateus Aleluia. Em seguida, torna-se popular com as participações de Alcione e Zeca Pagodinho. Termina com uma mensagem de esperança.

“O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok”, diz.

D2 tinha consciência que desde que ele gravou Marcelo D2 canta Bezerra da Silva, em 2010, o público esperava que ele fizesse um disco autoral de samba. Para conquistar os novos ouvintes, agora ele enfim desdobra o epílogo do álbum dedicado a Bezerra: pega a batucada tão estimada pelo amigo e a submete à influência do rap.

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O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok

Marcelo D2

“Meu samba conversa com tradição, mas é contemporâneo pra caramba porque eu botei os graves do rap e da cultura hip hop. Isso abriu uma porta na minha cabeça que não ocorria desde a época de A Procura da Batida Perfeita”, diz, empolgado. “A música pop atual é grave”, completa.

Para D2, o samba, que sempre foi vanguarda, não avançava desde os anos 1990, quando o pagode romântico dominou as paradas. “Não sei se esse meu álbum será uma virada, mas esse som é minha nova proposta. O samba, por ter o surdo, talvez tenha sido o último a buscar essa sonoridade grave”, analisa.

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Para chegar a sua ancestralidade do futuro, D2 pegou influências do rapper americano Kendrick Lamar, a quem ele tem ouvido, e mistura com o canto de Clementina de Jesus. Ambos tiveram que conciliar suas raízes com uma nova realidade. Lamar por ser um rapper que virou pop star. Clementina, empregada doméstica que cantava os cantos de seus antepassados, foi colocada, depois de mais de 60 anos, para cantar na TV e em discos.

“Também me acho um estranho no ninho por ter virado um pop star, até hoje. Sou maconheiro e suburbano. Até os meus 20 anos eu era invisível”, define-se D2, 55 anos, que foi lançado direto para o sucesso nos anos 1990, no grupo Planet Hemp.

Um álbum espiritualizado

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A palavra Iboru, que D2 escolheu para imprimir no título de seu novo trabalho, é parte da saudação “Iboru, Iboya, Ibosheshe” usada pelos seguidores do Ifá, religião de matriz africana da qual ele se tornou seguidor há cerca de dois anos. Seu significado: que sejam ouvidas as nossas súplicas.

A busca por algo mais espiritual começou em Assim Tocam Meus Tambores, álbum anterior de D2, lançado em 2020. O rapper Criolo e o pesquisador e compositor Luiz Antônio Simas, irmão de Ifá, contribuíram nesse processo. Simas é coautor de duas faixas do álbum.

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“Foi com Simas que eu comecei esse papo de ancestralidade. Ele é um grande conhecedor do povo da rua. Eu demorei um bom tempo para entender de onde eu vim. Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso”, diz.

Em 2021, D2 perdeu a mãe, dona Paulete Peixoto. É ela que abre o disco. O rapper reproduziu na faixa Saravá, cheia de axé e saudações à espiritualidade, uma mensagem de áudio da mãe na qual ela elogia uma apresentação do filho.

Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso

Marcelo D2

Na faixa Pedacinhos de Paulete, D2 resume a vida da mãe. Em Pra Curar da Dor do Mundo, que fecha o disco, a voz dela aparece novamente, dessa vez ensinando o filho a cozinhar feijão. “Até hoje não aprendi”, confessa D2.

A espiritualidade ainda aparece em faixas como Povo de Fé, que tem a participação de Nega Duda, e Tambor de Aço, dedicada a Ogum, com versos de afirmação.

Parceria com Zeca Pagodinho, Carlos Sena, Otacílio da Mangueira, Xande de Pilares, Bundalelê, com refrão mais popular, entra como alívio para as faixas mais “cabeças”, como define D2. ‘Vou fazer o maior bundalelê quando eu encontrar você. Vou fazer o maior bundalalá quando a gente se encontrar’, diz a letra cheia de malícia.

Um tempo em São Paulo

D2 também quer investir em moda e artes plásticas Foto: Werther Santana/Estadão

D2 diz viver um momento “otimista cauteloso”, depois dos últimos quatro anos. Isso, entretanto, não o impede de desdobrar Iboru em outros projetos.

Um deles é um curta-metragem que narra um encontro fictício entre Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana em 1923. Na história, Pixinguinha volta da Europa e convence os amigos da necessidade de se fazer um novo samba tradicional, uma analogia a Iboru. O roteiro e a direção do próprio D2 e a codireção é da produtora Luiza Machado, mulher do rapper, à frente da produtora Pupila Dilatada.

As outras ações envolvem moda, artes plásticas e ocupações nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador para debater a ideia de ancestralidade com profissionais que trabalharam no disco e no curta.

D2 tem a ideia de fazer outros dois volumes com essa pegada do samba que agora chama de seu. Uma das músicas para os futuros lançamentos, Tua Volta, Meu Perdão, outra inédita de Zeca Pagodinho, deve ser lançada em breve em formato de single.

O rapper carioca, que veio a São Paulo passar um mês e pensa em estender a estadia por um ano, conseguiu quatro empresas para patrocinar seus projetos: Vivo, Puma, Budweiser e Jack Daniels. O valor ele não revela.

“Eu não virei artista para fazer o que as pessoas esperam que eu faça. Nem para ganhar dinheiro, apesar de gostar do que o dinheiro pode me proporcionar. Virei artista para fazer um disco como esse. Acho que encontrei o que fazer nos próximos cinco, dez anos”, diz.

Show de lançamento

Iboru - Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas

16/6, 22h

Audio SP - Av. Francisco Matarazzo, 694, Água Branca

R$ 120

No dia em que a reportagem do Estadão encontrou Marcelo D2 para uma entrevista em um café na região central de São Paulo, a notícia da morte da cantora brasileira Astrud Gilberto (1940-2023) era uma das manchetes do noticiário. Astrud, assim como Rita Lee (1947-2023) quando morreu, estava afastada há cerca de duas décadas dos palcos.

O papo com D2 começou por essa questão: você já pensou abandonar shows e discos? “Claro que já tive vontade de fazer isso, sobretudo depois de 30 anos de carreira. Nos últimos cinco, seis, ela foi mais forte. Às vezes, parece que a gente não tem mais nada para dizer. Por isso, quero sempre me reinventar, tá ligado?”, diz o cantor e compositor.

Nesse sentido, Iboru - Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas (Altafonte), novo álbum de D2 que chega às plataformas de música nesta quarta-feira, dia 14, cumpre o desejo do artista de fazer algo novo e, de quebra, com o perdão do clichê, avançar em sua busca pela batida perfeita.

Dessa vez, uma batida mais próxima do samba que, a bem da verdade, sempre esteve no trabalho do D2. A diferença é que agora, o gênero se torna protagonista do nono álbum de estúdio do rapper.

  • O álbum tem as participações de Alcione, Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Nega Duda, Mateus Aleluia, Metá Mehta e B Negão
  • Kendrick Lamar e Clementina de Jesus foram duas das inspirações de D2 para esse projeto
  • O álbum vai se desdobrar em um curta-metragem
O músico Marcelo D2 em nova fase, mais próxima do samba Foto: Werther Santana/Estadão

Com 16 faixas inéditas – um álbum grande para os padrões atuais -, Iboru foi divido em três partes temáticas. Na primeira, D2 mostra o que ele propõe como “novo samba tradicional”. Depois, o disco fica bem terreiro e baiano, com as participações do grupo Metá Metá e do músico Mateus Aleluia. Em seguida, torna-se popular com as participações de Alcione e Zeca Pagodinho. Termina com uma mensagem de esperança.

“O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok”, diz.

D2 tinha consciência que desde que ele gravou Marcelo D2 canta Bezerra da Silva, em 2010, o público esperava que ele fizesse um disco autoral de samba. Para conquistar os novos ouvintes, agora ele enfim desdobra o epílogo do álbum dedicado a Bezerra: pega a batucada tão estimada pelo amigo e a submete à influência do rap.

O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok

Marcelo D2

“Meu samba conversa com tradição, mas é contemporâneo pra caramba porque eu botei os graves do rap e da cultura hip hop. Isso abriu uma porta na minha cabeça que não ocorria desde a época de A Procura da Batida Perfeita”, diz, empolgado. “A música pop atual é grave”, completa.

Para D2, o samba, que sempre foi vanguarda, não avançava desde os anos 1990, quando o pagode romântico dominou as paradas. “Não sei se esse meu álbum será uma virada, mas esse som é minha nova proposta. O samba, por ter o surdo, talvez tenha sido o último a buscar essa sonoridade grave”, analisa.

Para chegar a sua ancestralidade do futuro, D2 pegou influências do rapper americano Kendrick Lamar, a quem ele tem ouvido, e mistura com o canto de Clementina de Jesus. Ambos tiveram que conciliar suas raízes com uma nova realidade. Lamar por ser um rapper que virou pop star. Clementina, empregada doméstica que cantava os cantos de seus antepassados, foi colocada, depois de mais de 60 anos, para cantar na TV e em discos.

“Também me acho um estranho no ninho por ter virado um pop star, até hoje. Sou maconheiro e suburbano. Até os meus 20 anos eu era invisível”, define-se D2, 55 anos, que foi lançado direto para o sucesso nos anos 1990, no grupo Planet Hemp.

Um álbum espiritualizado

A palavra Iboru, que D2 escolheu para imprimir no título de seu novo trabalho, é parte da saudação “Iboru, Iboya, Ibosheshe” usada pelos seguidores do Ifá, religião de matriz africana da qual ele se tornou seguidor há cerca de dois anos. Seu significado: que sejam ouvidas as nossas súplicas.

A busca por algo mais espiritual começou em Assim Tocam Meus Tambores, álbum anterior de D2, lançado em 2020. O rapper Criolo e o pesquisador e compositor Luiz Antônio Simas, irmão de Ifá, contribuíram nesse processo. Simas é coautor de duas faixas do álbum.

“Foi com Simas que eu comecei esse papo de ancestralidade. Ele é um grande conhecedor do povo da rua. Eu demorei um bom tempo para entender de onde eu vim. Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso”, diz.

Em 2021, D2 perdeu a mãe, dona Paulete Peixoto. É ela que abre o disco. O rapper reproduziu na faixa Saravá, cheia de axé e saudações à espiritualidade, uma mensagem de áudio da mãe na qual ela elogia uma apresentação do filho.

Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso

Marcelo D2

Na faixa Pedacinhos de Paulete, D2 resume a vida da mãe. Em Pra Curar da Dor do Mundo, que fecha o disco, a voz dela aparece novamente, dessa vez ensinando o filho a cozinhar feijão. “Até hoje não aprendi”, confessa D2.

A espiritualidade ainda aparece em faixas como Povo de Fé, que tem a participação de Nega Duda, e Tambor de Aço, dedicada a Ogum, com versos de afirmação.

Parceria com Zeca Pagodinho, Carlos Sena, Otacílio da Mangueira, Xande de Pilares, Bundalelê, com refrão mais popular, entra como alívio para as faixas mais “cabeças”, como define D2. ‘Vou fazer o maior bundalelê quando eu encontrar você. Vou fazer o maior bundalalá quando a gente se encontrar’, diz a letra cheia de malícia.

Um tempo em São Paulo

D2 também quer investir em moda e artes plásticas Foto: Werther Santana/Estadão

D2 diz viver um momento “otimista cauteloso”, depois dos últimos quatro anos. Isso, entretanto, não o impede de desdobrar Iboru em outros projetos.

Um deles é um curta-metragem que narra um encontro fictício entre Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana em 1923. Na história, Pixinguinha volta da Europa e convence os amigos da necessidade de se fazer um novo samba tradicional, uma analogia a Iboru. O roteiro e a direção do próprio D2 e a codireção é da produtora Luiza Machado, mulher do rapper, à frente da produtora Pupila Dilatada.

As outras ações envolvem moda, artes plásticas e ocupações nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador para debater a ideia de ancestralidade com profissionais que trabalharam no disco e no curta.

D2 tem a ideia de fazer outros dois volumes com essa pegada do samba que agora chama de seu. Uma das músicas para os futuros lançamentos, Tua Volta, Meu Perdão, outra inédita de Zeca Pagodinho, deve ser lançada em breve em formato de single.

O rapper carioca, que veio a São Paulo passar um mês e pensa em estender a estadia por um ano, conseguiu quatro empresas para patrocinar seus projetos: Vivo, Puma, Budweiser e Jack Daniels. O valor ele não revela.

“Eu não virei artista para fazer o que as pessoas esperam que eu faça. Nem para ganhar dinheiro, apesar de gostar do que o dinheiro pode me proporcionar. Virei artista para fazer um disco como esse. Acho que encontrei o que fazer nos próximos cinco, dez anos”, diz.

Show de lançamento

Iboru - Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas

16/6, 22h

Audio SP - Av. Francisco Matarazzo, 694, Água Branca

R$ 120

No dia em que a reportagem do Estadão encontrou Marcelo D2 para uma entrevista em um café na região central de São Paulo, a notícia da morte da cantora brasileira Astrud Gilberto (1940-2023) era uma das manchetes do noticiário. Astrud, assim como Rita Lee (1947-2023) quando morreu, estava afastada há cerca de duas décadas dos palcos.

O papo com D2 começou por essa questão: você já pensou abandonar shows e discos? “Claro que já tive vontade de fazer isso, sobretudo depois de 30 anos de carreira. Nos últimos cinco, seis, ela foi mais forte. Às vezes, parece que a gente não tem mais nada para dizer. Por isso, quero sempre me reinventar, tá ligado?”, diz o cantor e compositor.

Nesse sentido, Iboru - Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas (Altafonte), novo álbum de D2 que chega às plataformas de música nesta quarta-feira, dia 14, cumpre o desejo do artista de fazer algo novo e, de quebra, com o perdão do clichê, avançar em sua busca pela batida perfeita.

Dessa vez, uma batida mais próxima do samba que, a bem da verdade, sempre esteve no trabalho do D2. A diferença é que agora, o gênero se torna protagonista do nono álbum de estúdio do rapper.

  • O álbum tem as participações de Alcione, Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Nega Duda, Mateus Aleluia, Metá Mehta e B Negão
  • Kendrick Lamar e Clementina de Jesus foram duas das inspirações de D2 para esse projeto
  • O álbum vai se desdobrar em um curta-metragem
O músico Marcelo D2 em nova fase, mais próxima do samba Foto: Werther Santana/Estadão

Com 16 faixas inéditas – um álbum grande para os padrões atuais -, Iboru foi divido em três partes temáticas. Na primeira, D2 mostra o que ele propõe como “novo samba tradicional”. Depois, o disco fica bem terreiro e baiano, com as participações do grupo Metá Metá e do músico Mateus Aleluia. Em seguida, torna-se popular com as participações de Alcione e Zeca Pagodinho. Termina com uma mensagem de esperança.

“O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok”, diz.

D2 tinha consciência que desde que ele gravou Marcelo D2 canta Bezerra da Silva, em 2010, o público esperava que ele fizesse um disco autoral de samba. Para conquistar os novos ouvintes, agora ele enfim desdobra o epílogo do álbum dedicado a Bezerra: pega a batucada tão estimada pelo amigo e a submete à influência do rap.

O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok

Marcelo D2

“Meu samba conversa com tradição, mas é contemporâneo pra caramba porque eu botei os graves do rap e da cultura hip hop. Isso abriu uma porta na minha cabeça que não ocorria desde a época de A Procura da Batida Perfeita”, diz, empolgado. “A música pop atual é grave”, completa.

Para D2, o samba, que sempre foi vanguarda, não avançava desde os anos 1990, quando o pagode romântico dominou as paradas. “Não sei se esse meu álbum será uma virada, mas esse som é minha nova proposta. O samba, por ter o surdo, talvez tenha sido o último a buscar essa sonoridade grave”, analisa.

Para chegar a sua ancestralidade do futuro, D2 pegou influências do rapper americano Kendrick Lamar, a quem ele tem ouvido, e mistura com o canto de Clementina de Jesus. Ambos tiveram que conciliar suas raízes com uma nova realidade. Lamar por ser um rapper que virou pop star. Clementina, empregada doméstica que cantava os cantos de seus antepassados, foi colocada, depois de mais de 60 anos, para cantar na TV e em discos.

“Também me acho um estranho no ninho por ter virado um pop star, até hoje. Sou maconheiro e suburbano. Até os meus 20 anos eu era invisível”, define-se D2, 55 anos, que foi lançado direto para o sucesso nos anos 1990, no grupo Planet Hemp.

Um álbum espiritualizado

A palavra Iboru, que D2 escolheu para imprimir no título de seu novo trabalho, é parte da saudação “Iboru, Iboya, Ibosheshe” usada pelos seguidores do Ifá, religião de matriz africana da qual ele se tornou seguidor há cerca de dois anos. Seu significado: que sejam ouvidas as nossas súplicas.

A busca por algo mais espiritual começou em Assim Tocam Meus Tambores, álbum anterior de D2, lançado em 2020. O rapper Criolo e o pesquisador e compositor Luiz Antônio Simas, irmão de Ifá, contribuíram nesse processo. Simas é coautor de duas faixas do álbum.

“Foi com Simas que eu comecei esse papo de ancestralidade. Ele é um grande conhecedor do povo da rua. Eu demorei um bom tempo para entender de onde eu vim. Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso”, diz.

Em 2021, D2 perdeu a mãe, dona Paulete Peixoto. É ela que abre o disco. O rapper reproduziu na faixa Saravá, cheia de axé e saudações à espiritualidade, uma mensagem de áudio da mãe na qual ela elogia uma apresentação do filho.

Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso

Marcelo D2

Na faixa Pedacinhos de Paulete, D2 resume a vida da mãe. Em Pra Curar da Dor do Mundo, que fecha o disco, a voz dela aparece novamente, dessa vez ensinando o filho a cozinhar feijão. “Até hoje não aprendi”, confessa D2.

A espiritualidade ainda aparece em faixas como Povo de Fé, que tem a participação de Nega Duda, e Tambor de Aço, dedicada a Ogum, com versos de afirmação.

Parceria com Zeca Pagodinho, Carlos Sena, Otacílio da Mangueira, Xande de Pilares, Bundalelê, com refrão mais popular, entra como alívio para as faixas mais “cabeças”, como define D2. ‘Vou fazer o maior bundalelê quando eu encontrar você. Vou fazer o maior bundalalá quando a gente se encontrar’, diz a letra cheia de malícia.

Um tempo em São Paulo

D2 também quer investir em moda e artes plásticas Foto: Werther Santana/Estadão

D2 diz viver um momento “otimista cauteloso”, depois dos últimos quatro anos. Isso, entretanto, não o impede de desdobrar Iboru em outros projetos.

Um deles é um curta-metragem que narra um encontro fictício entre Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana em 1923. Na história, Pixinguinha volta da Europa e convence os amigos da necessidade de se fazer um novo samba tradicional, uma analogia a Iboru. O roteiro e a direção do próprio D2 e a codireção é da produtora Luiza Machado, mulher do rapper, à frente da produtora Pupila Dilatada.

As outras ações envolvem moda, artes plásticas e ocupações nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador para debater a ideia de ancestralidade com profissionais que trabalharam no disco e no curta.

D2 tem a ideia de fazer outros dois volumes com essa pegada do samba que agora chama de seu. Uma das músicas para os futuros lançamentos, Tua Volta, Meu Perdão, outra inédita de Zeca Pagodinho, deve ser lançada em breve em formato de single.

O rapper carioca, que veio a São Paulo passar um mês e pensa em estender a estadia por um ano, conseguiu quatro empresas para patrocinar seus projetos: Vivo, Puma, Budweiser e Jack Daniels. O valor ele não revela.

“Eu não virei artista para fazer o que as pessoas esperam que eu faça. Nem para ganhar dinheiro, apesar de gostar do que o dinheiro pode me proporcionar. Virei artista para fazer um disco como esse. Acho que encontrei o que fazer nos próximos cinco, dez anos”, diz.

Show de lançamento

Iboru - Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas

16/6, 22h

Audio SP - Av. Francisco Matarazzo, 694, Água Branca

R$ 120

No dia em que a reportagem do Estadão encontrou Marcelo D2 para uma entrevista em um café na região central de São Paulo, a notícia da morte da cantora brasileira Astrud Gilberto (1940-2023) era uma das manchetes do noticiário. Astrud, assim como Rita Lee (1947-2023) quando morreu, estava afastada há cerca de duas décadas dos palcos.

O papo com D2 começou por essa questão: você já pensou abandonar shows e discos? “Claro que já tive vontade de fazer isso, sobretudo depois de 30 anos de carreira. Nos últimos cinco, seis, ela foi mais forte. Às vezes, parece que a gente não tem mais nada para dizer. Por isso, quero sempre me reinventar, tá ligado?”, diz o cantor e compositor.

Nesse sentido, Iboru - Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas (Altafonte), novo álbum de D2 que chega às plataformas de música nesta quarta-feira, dia 14, cumpre o desejo do artista de fazer algo novo e, de quebra, com o perdão do clichê, avançar em sua busca pela batida perfeita.

Dessa vez, uma batida mais próxima do samba que, a bem da verdade, sempre esteve no trabalho do D2. A diferença é que agora, o gênero se torna protagonista do nono álbum de estúdio do rapper.

  • O álbum tem as participações de Alcione, Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Nega Duda, Mateus Aleluia, Metá Mehta e B Negão
  • Kendrick Lamar e Clementina de Jesus foram duas das inspirações de D2 para esse projeto
  • O álbum vai se desdobrar em um curta-metragem
O músico Marcelo D2 em nova fase, mais próxima do samba Foto: Werther Santana/Estadão

Com 16 faixas inéditas – um álbum grande para os padrões atuais -, Iboru foi divido em três partes temáticas. Na primeira, D2 mostra o que ele propõe como “novo samba tradicional”. Depois, o disco fica bem terreiro e baiano, com as participações do grupo Metá Metá e do músico Mateus Aleluia. Em seguida, torna-se popular com as participações de Alcione e Zeca Pagodinho. Termina com uma mensagem de esperança.

“O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok”, diz.

D2 tinha consciência que desde que ele gravou Marcelo D2 canta Bezerra da Silva, em 2010, o público esperava que ele fizesse um disco autoral de samba. Para conquistar os novos ouvintes, agora ele enfim desdobra o epílogo do álbum dedicado a Bezerra: pega a batucada tão estimada pelo amigo e a submete à influência do rap.

O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok

Marcelo D2

“Meu samba conversa com tradição, mas é contemporâneo pra caramba porque eu botei os graves do rap e da cultura hip hop. Isso abriu uma porta na minha cabeça que não ocorria desde a época de A Procura da Batida Perfeita”, diz, empolgado. “A música pop atual é grave”, completa.

Para D2, o samba, que sempre foi vanguarda, não avançava desde os anos 1990, quando o pagode romântico dominou as paradas. “Não sei se esse meu álbum será uma virada, mas esse som é minha nova proposta. O samba, por ter o surdo, talvez tenha sido o último a buscar essa sonoridade grave”, analisa.

Para chegar a sua ancestralidade do futuro, D2 pegou influências do rapper americano Kendrick Lamar, a quem ele tem ouvido, e mistura com o canto de Clementina de Jesus. Ambos tiveram que conciliar suas raízes com uma nova realidade. Lamar por ser um rapper que virou pop star. Clementina, empregada doméstica que cantava os cantos de seus antepassados, foi colocada, depois de mais de 60 anos, para cantar na TV e em discos.

“Também me acho um estranho no ninho por ter virado um pop star, até hoje. Sou maconheiro e suburbano. Até os meus 20 anos eu era invisível”, define-se D2, 55 anos, que foi lançado direto para o sucesso nos anos 1990, no grupo Planet Hemp.

Um álbum espiritualizado

A palavra Iboru, que D2 escolheu para imprimir no título de seu novo trabalho, é parte da saudação “Iboru, Iboya, Ibosheshe” usada pelos seguidores do Ifá, religião de matriz africana da qual ele se tornou seguidor há cerca de dois anos. Seu significado: que sejam ouvidas as nossas súplicas.

A busca por algo mais espiritual começou em Assim Tocam Meus Tambores, álbum anterior de D2, lançado em 2020. O rapper Criolo e o pesquisador e compositor Luiz Antônio Simas, irmão de Ifá, contribuíram nesse processo. Simas é coautor de duas faixas do álbum.

“Foi com Simas que eu comecei esse papo de ancestralidade. Ele é um grande conhecedor do povo da rua. Eu demorei um bom tempo para entender de onde eu vim. Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso”, diz.

Em 2021, D2 perdeu a mãe, dona Paulete Peixoto. É ela que abre o disco. O rapper reproduziu na faixa Saravá, cheia de axé e saudações à espiritualidade, uma mensagem de áudio da mãe na qual ela elogia uma apresentação do filho.

Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso

Marcelo D2

Na faixa Pedacinhos de Paulete, D2 resume a vida da mãe. Em Pra Curar da Dor do Mundo, que fecha o disco, a voz dela aparece novamente, dessa vez ensinando o filho a cozinhar feijão. “Até hoje não aprendi”, confessa D2.

A espiritualidade ainda aparece em faixas como Povo de Fé, que tem a participação de Nega Duda, e Tambor de Aço, dedicada a Ogum, com versos de afirmação.

Parceria com Zeca Pagodinho, Carlos Sena, Otacílio da Mangueira, Xande de Pilares, Bundalelê, com refrão mais popular, entra como alívio para as faixas mais “cabeças”, como define D2. ‘Vou fazer o maior bundalelê quando eu encontrar você. Vou fazer o maior bundalalá quando a gente se encontrar’, diz a letra cheia de malícia.

Um tempo em São Paulo

D2 também quer investir em moda e artes plásticas Foto: Werther Santana/Estadão

D2 diz viver um momento “otimista cauteloso”, depois dos últimos quatro anos. Isso, entretanto, não o impede de desdobrar Iboru em outros projetos.

Um deles é um curta-metragem que narra um encontro fictício entre Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana em 1923. Na história, Pixinguinha volta da Europa e convence os amigos da necessidade de se fazer um novo samba tradicional, uma analogia a Iboru. O roteiro e a direção do próprio D2 e a codireção é da produtora Luiza Machado, mulher do rapper, à frente da produtora Pupila Dilatada.

As outras ações envolvem moda, artes plásticas e ocupações nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador para debater a ideia de ancestralidade com profissionais que trabalharam no disco e no curta.

D2 tem a ideia de fazer outros dois volumes com essa pegada do samba que agora chama de seu. Uma das músicas para os futuros lançamentos, Tua Volta, Meu Perdão, outra inédita de Zeca Pagodinho, deve ser lançada em breve em formato de single.

O rapper carioca, que veio a São Paulo passar um mês e pensa em estender a estadia por um ano, conseguiu quatro empresas para patrocinar seus projetos: Vivo, Puma, Budweiser e Jack Daniels. O valor ele não revela.

“Eu não virei artista para fazer o que as pessoas esperam que eu faça. Nem para ganhar dinheiro, apesar de gostar do que o dinheiro pode me proporcionar. Virei artista para fazer um disco como esse. Acho que encontrei o que fazer nos próximos cinco, dez anos”, diz.

Show de lançamento

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