Quando Maria Rita fala sobre seus 15 anos de carreira, lhe vem claramente a memória daquela jovem que relutou em se assumir cantora. É notório que pesava ali o fato de ela ser filha de outra cantora, o mito Elis Regina. “Fiquei tanto tempo solitária, na sombra, pensando nessa coisa de cantar ou não. E foi tão violenta a forma como veio, de dentro para fora, o negócio de cantar que eu não pensava lá na frente”, diz Maria Rita, ao Estado, por telefone, do Rio. “Não tinha essa pergunta: ‘o que você se vê fazendo daqui a cinco anos?’. Cara, quero cantar hoje, não sei o que vai acontecer daqui a cinco anos. Então, lá atrás, eu era muito focada naquela descoberta, naquela explosão que vinha de dentro para fora, naquela voz que eu tinha descoberto.”
E o tal balanço dos 15 anos inevitavelmente perpassou o momento em que, em sua casa, ela se sentou e, envolvida por silêncio, começou a ouvir todos seus discos, a ler todos os roteiros de shows que já fez, a revisitar as parceiras dentro e fora dos palcos. Remexer em sua própria obra foi um processo necessário para o show que ela apresenta nesta sexta-feira, 7, no Citibank Hall, em São Paulo, justamente para celebrar esses 15 anos de estrada. O espetáculo – que, segundo ela, é o maior que já montou, com mais troca de figurino, mais cenário, mais músicos – será realizado para a gravação de um DVD.
Apesar de dividir a direção do show com Paulo Borges e a produção musical com Pretinho da Serrinha, Maria Rita conta que o período de escolha das músicas para o repertório comemorativo foi solitário. Isso só poderia ser feito por ela. Essa seleção lança o esperado olhar retrospectivo sobre sua obra, mas também reúne de 10 a 15 canções inéditas, número que preencheria um novo disco da carreira. “São canções desse universo muito íntimo. Quis fugir do fácil. O fácil me apavora um pouco. Quando tem esse frio na barriga, quando tem essa novidade, me atrai mais, alimenta um pouco a minha inquietação.”
Maria Rita diz que o combinado foi não revelar quais as canções escolhidas tão arduamente por ela entrarão no show, para não estragar o fator-surpresa para os fãs. Mas é possível se esperar um passeio por sua discografia, desde o álbum Maria Rita (de 2003, produzido pelo amigo Tom Capone, que morreu em 2004), passando por Redescobrir (2012) – desdobramento do projeto Viva Elis, em que ela superou o medo das comparações com a mãe – até Coração a Batucar (2014), seu mais recente disco de estúdio (leia mais ao lado sobre os álbuns da cantora comentados por ela).
Já do material novo incluído no show – que ela também não entrega muitos detalhes –, estão músicas inéditas na sua voz ou que foram escritas para ela. Haveria, enfim, uma composição assinada pela cantora? “Fujo dessa responsabilidade (de compor), continuo apavorada. Tem lado B do meu sogro, Moraes (Moreira). Tem (Marcelo) Camelo, não dá para falar em 15 anos de carreira sem uma canção dele. Falei com ele, que escreveu uma música para mim”, adianta ela. Camelo é, de fato, um compositor importante na obra de Maria Rita, desde o disco de estreia dela. “Há parcerias inéditas do Moraes, com Davi (Moraes), meu marido, com dois amigos nossos, Marcelinho Moreira e Fred Camacho.”
A intenção, explica ela, não era fazer uma retrospectiva em cima do palco, mas montar um espetáculo em que tentasse apresentar para o público sua relação com a música, o que é a música em sua vida. E, para contar essa história musical, o show foi organizado em blocos. Nada planejado. A divisão dessa forma dentro do espetáculo foi surgindo durante o processo da escolha do repertório. “Acabei chegando a um desenho que é uma abertura; depois, um bloco que estou apelidando de ‘bloco saudade ato 1’, que emenda com o ‘bloco duro’, que são canções com mensagens mais fortes, que requerem mais atenção. A música é um pouco isso, um pouco de canal para as pessoas extravasarem, se expressarem, e a gente tem vivido muito susto e humilhação diária, eu senti um pouco dessa necessidade”, descreve.
“O ‘bloco duro’ emenda com o ‘bloco saudade ato 2’, que ainda passeia por esse universo dessas canções mais duras. Dali, canto o positivo num bloco que eu chamo de ‘bloco coração’, que traz canções mais otimistas, mais suaves, amorosas. Então, parto para o ‘bloco festejar’, que é dali para o final do show, uma grande festa.”
Além dos 15 anos de carreira, Maria Rita lembra que o ano de 2017 marca outras datas redondas para ela. “Comecei a pensar o show em novembro do ano passado, até porque este ano eu também completo 40 anos (em setembro), Samba Meu faz 10 anos, e Redescobrir faz 5 anos. São marcas bastante significativas e não queria deixar isso passar em branco. Eu tinha pensado em inúmeras coisas diferentes e os planos todos foram caindo, mas estou muito feliz com o que a gente está construindo nos últimos dias.”
Maria Rita ainda não sabe se esse show ganhará vida própria. “Minha ideia é levá-lo para turnê depois que o DVD sair, mas, sendo brutalmente honesta, vai depender muito da situação em que o País se encontrará em outubro, novembro, porque é um show grande. É show para DVD, depois a gente vai ver o que dá para levar.”
A cantora fala sobre o significado de cada disco:
Maria Rita “É o nascimento, e um reencontro de mim comigo mesma, de um pedaço meu que eu tinha apagado em algum momento da minha vida”
Segundo “É uma sobrevivência. A perda do Tom (Capone, produtor), de me encontrar sozinha sem ele. Foi necessidade do encontro com o silêncio”
Samba Meu “Já sou eu muito segura de mim. Apresentava um lado meu que as pessoas não tinham tido a experiência, que era a Maria Rita sambista, gaiata, bagunceira”
Elo “O nome do disco veio por causa do elo que eu entendi que tinha com os fãs, com o público, que eu não tinha entendido até então”
Redescobrir “Trouxe minha mãe (Elis) de volta para casa, ganhei minha mãe de volta. Daí o nome ‘redescobrir’ é muito simbólico, forte”
Coração a Batucar “Ali me encontro e entendo o sambista de fato, de vez. É o samba que me deixa mais plena, é no samba que me sinto mais cantora, mais relevante, mais feliz”
Informações do show:
Citibank Hall. Av. das Nações Unidas, 17.955, Santo Amaro. Hoje (7), 22h. Ingressos: R$ 40 a R$ 300
Veja vídeo de 'Encontros e Partidas':