Martinho da Vila: ‘Nunca estou nessas listas de melhores compositores. Isso é preconceito, sim’


O cantor e compositor lança, aos 85 anos, ‘Negra Ópera’, um disco mais ‘intimista’ e ‘com mais drama’, e diz que Adoniran Barbosa era negro

Por Danilo Casaletti
Atualização:
O cantor Martinho da Vila criou sua Negra Ópera Foto: Leo Aversa

Martinho da Vila, 85 anos, estava decidido a não lançar mais discos. Com o formato físico quase extinto e o mercado fonográfico cada vez mais fragmentado, a intenção do cantor e compositor era seguir a onda e lançar, uma vez ou outra, uma ou mais músicas.

Para atender ao pedido de sua gravadora e voltar atrás na resolução, Martinho precisava de um estímulo. Encontrou a novidade olhando para sua própria história. Assim nasceu Negra Ópera, álbum que Martinho lança nesta sexta-feira, 12, na véspera do aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil.

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Um disco “dramático”, na visão de seu criador. Estruturado como uma ópera, com abertura, atos e personagens.

O show de lançamento do álbum será neste final de semana, dias 12, 13 e 14, no Teatro J. Safra. Há ingressos disponíveis apenas para o domingo.

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“Meus discos são muito alegres, com muitos arranjos, ritmos, coro. Precisava de algo mais intimista, com mais drama”, resume ao Estadão, em conversa por vídeo chamada, o compositor que, no passado, sentenciou, em uma de suas canções, que “o samba é o pai da alegria”.

O cantor e compositor não mudou de opinião. Mas Martinho sabe que o samba tradicional é um retrato da sociedade e de seus criadores. Percepções captadas por seus compositores ou, invariavelmente, canções influenciadas pelos terreiros e rodas de samba onde nascem.

Nesse sentido, Negra Ópera tem, entre regravações - ou melhor, revisões feitas por Martinho em canções de sua autoria e de outros compositores - e nas três canções inéditas, mensagens bastante objetivas, todas ligadas às questões negras.

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“O Brasil deve muito aos negros. Foram eles que construíram esse país, que mais influenciaram na forma do Brasil de hoje. Influenciaram na língua - o português que se fala aqui não é o de Portugal. E a culinária, que é rica, graças aos negros. E esse modo de falar de tristeza sem cair no profundo desse sentimento”, explica Martinho, ampliando a definição de seu novo álbum.

Essa certeza deu a Martinho a exata noção de que era imprescindível não abrir espaço para o racismo. Dentro da música brasileira, e de seus pares, ele diz jamais ter sofrido qualquer tipo de discriminação. Entretanto, compartilha uma percepção sobre o que pode ser um preconceito velado.

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“Nunca estou nessas listas de melhores músicas, melhores compositores que têm todo ano. Isso é um pouco de preconceito, sim”, diz.

Início. A abertura do álbum é uma saudação a Zumbi. O tema instrumental Negra Ópera (Zumbi dos Palmares, Zumbi), é amarrado com Heróis da Liberdade, samba clássico do Império Serrano, de Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira e Silas de Oliveira - os tais compositores que jamais foram insensíveis a tudo que presenciaram em suas comunidades.

A independência do povo negro, capta a ópera de Martinho, passa pela liberdade religiosa. Duas faixas abordam a temática. Uma delas é Timbó, de Ramon Russo, a história de um personagem descrito como “grande feiticeiro”.

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Em Exú das Sete, inédita de Martinho, a entidade é saudada pelos atabaques e gritos de evocação. O compositor, que explica ser católico de formação e ter os santos de cabeça assentados no candomblé, faz questão de desfazer a confusão que associa os exus ao mal.

“Segundo o catolicismo, todos nós temos um anjo da guarda. Segundo as religiões africanas, todos nós temos um exu. São correspondentes. Fiz uma homenagem ao meu”, explica.

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Se Martinho frequenta uma ou outra religião: “Não vou a nenhuma. Sou, mas não sou. Sabe como é?”, diz, aos risos.

Próximos atos. A sequência de Negra Ópera traz personagens do cotidiano. Uma delas é Linda Madalena, uma “cabrocha bonita do samba”, samba de terreiro feito por Martinho em 1983. A canção é uma das que passa pela correção, puxada agora para o drama.

Martinho dá vozes aos excluídos em duas canções de Zé Keti que trazem personagens típicos do morro: o malandro Malvadeza Durão, cantada em dueto com a filha Mart’nália, e Acender as Velas, sobre quem vela os mortos em meio ao descaso com comunidades, essa com a adesão de Chico César.

Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é

Martinho da Vila

Mais dolente ainda é a versão de Martinho para Iracema, samba de Adoniran Barbosa que encerra o disco. “Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é”, define Martinho.

O comentário de Martinho sobre o colega paulista é muito mais abrangente do que uma questão de cor. Tanto um quanto outro são cronistas de seu tempo, com compromisso com o povo. É por aí também que passa a identificação entre eles.

Iracema, a vítima de atropelamento às vésperas do casamento, assim como Mãe Solteira, de Wilson Batista e Jorge de Castro, sobre a mulher que se suicida pondo fogo no próprio corpo por “vergonha de ser mãe solteira”, que Martinho também regravou agora, são mulheres brasileiras, brancas ou negras, ainda marginalizadas.

Martinho, Adoniran e outros sambistas se dispuseram a olhar para elas. Alegre ou dramático, assim é o samba. Retrato da vida.

Capa do álbum Negra Ópera, de Martinho da Vila Foto: Sony Music

Ópera Negra

Martinho da Vila

Plataformas digitais

O cantor Martinho da Vila criou sua Negra Ópera Foto: Leo Aversa

Martinho da Vila, 85 anos, estava decidido a não lançar mais discos. Com o formato físico quase extinto e o mercado fonográfico cada vez mais fragmentado, a intenção do cantor e compositor era seguir a onda e lançar, uma vez ou outra, uma ou mais músicas.

Para atender ao pedido de sua gravadora e voltar atrás na resolução, Martinho precisava de um estímulo. Encontrou a novidade olhando para sua própria história. Assim nasceu Negra Ópera, álbum que Martinho lança nesta sexta-feira, 12, na véspera do aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil.

Um disco “dramático”, na visão de seu criador. Estruturado como uma ópera, com abertura, atos e personagens.

O show de lançamento do álbum será neste final de semana, dias 12, 13 e 14, no Teatro J. Safra. Há ingressos disponíveis apenas para o domingo.

“Meus discos são muito alegres, com muitos arranjos, ritmos, coro. Precisava de algo mais intimista, com mais drama”, resume ao Estadão, em conversa por vídeo chamada, o compositor que, no passado, sentenciou, em uma de suas canções, que “o samba é o pai da alegria”.

O cantor e compositor não mudou de opinião. Mas Martinho sabe que o samba tradicional é um retrato da sociedade e de seus criadores. Percepções captadas por seus compositores ou, invariavelmente, canções influenciadas pelos terreiros e rodas de samba onde nascem.

Nesse sentido, Negra Ópera tem, entre regravações - ou melhor, revisões feitas por Martinho em canções de sua autoria e de outros compositores - e nas três canções inéditas, mensagens bastante objetivas, todas ligadas às questões negras.

“O Brasil deve muito aos negros. Foram eles que construíram esse país, que mais influenciaram na forma do Brasil de hoje. Influenciaram na língua - o português que se fala aqui não é o de Portugal. E a culinária, que é rica, graças aos negros. E esse modo de falar de tristeza sem cair no profundo desse sentimento”, explica Martinho, ampliando a definição de seu novo álbum.

Essa certeza deu a Martinho a exata noção de que era imprescindível não abrir espaço para o racismo. Dentro da música brasileira, e de seus pares, ele diz jamais ter sofrido qualquer tipo de discriminação. Entretanto, compartilha uma percepção sobre o que pode ser um preconceito velado.

“Nunca estou nessas listas de melhores músicas, melhores compositores que têm todo ano. Isso é um pouco de preconceito, sim”, diz.

Início. A abertura do álbum é uma saudação a Zumbi. O tema instrumental Negra Ópera (Zumbi dos Palmares, Zumbi), é amarrado com Heróis da Liberdade, samba clássico do Império Serrano, de Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira e Silas de Oliveira - os tais compositores que jamais foram insensíveis a tudo que presenciaram em suas comunidades.

A independência do povo negro, capta a ópera de Martinho, passa pela liberdade religiosa. Duas faixas abordam a temática. Uma delas é Timbó, de Ramon Russo, a história de um personagem descrito como “grande feiticeiro”.

Em Exú das Sete, inédita de Martinho, a entidade é saudada pelos atabaques e gritos de evocação. O compositor, que explica ser católico de formação e ter os santos de cabeça assentados no candomblé, faz questão de desfazer a confusão que associa os exus ao mal.

“Segundo o catolicismo, todos nós temos um anjo da guarda. Segundo as religiões africanas, todos nós temos um exu. São correspondentes. Fiz uma homenagem ao meu”, explica.

Se Martinho frequenta uma ou outra religião: “Não vou a nenhuma. Sou, mas não sou. Sabe como é?”, diz, aos risos.

Próximos atos. A sequência de Negra Ópera traz personagens do cotidiano. Uma delas é Linda Madalena, uma “cabrocha bonita do samba”, samba de terreiro feito por Martinho em 1983. A canção é uma das que passa pela correção, puxada agora para o drama.

Martinho dá vozes aos excluídos em duas canções de Zé Keti que trazem personagens típicos do morro: o malandro Malvadeza Durão, cantada em dueto com a filha Mart’nália, e Acender as Velas, sobre quem vela os mortos em meio ao descaso com comunidades, essa com a adesão de Chico César.

Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é

Martinho da Vila

Mais dolente ainda é a versão de Martinho para Iracema, samba de Adoniran Barbosa que encerra o disco. “Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é”, define Martinho.

O comentário de Martinho sobre o colega paulista é muito mais abrangente do que uma questão de cor. Tanto um quanto outro são cronistas de seu tempo, com compromisso com o povo. É por aí também que passa a identificação entre eles.

Iracema, a vítima de atropelamento às vésperas do casamento, assim como Mãe Solteira, de Wilson Batista e Jorge de Castro, sobre a mulher que se suicida pondo fogo no próprio corpo por “vergonha de ser mãe solteira”, que Martinho também regravou agora, são mulheres brasileiras, brancas ou negras, ainda marginalizadas.

Martinho, Adoniran e outros sambistas se dispuseram a olhar para elas. Alegre ou dramático, assim é o samba. Retrato da vida.

Capa do álbum Negra Ópera, de Martinho da Vila Foto: Sony Music

Ópera Negra

Martinho da Vila

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O cantor Martinho da Vila criou sua Negra Ópera Foto: Leo Aversa

Martinho da Vila, 85 anos, estava decidido a não lançar mais discos. Com o formato físico quase extinto e o mercado fonográfico cada vez mais fragmentado, a intenção do cantor e compositor era seguir a onda e lançar, uma vez ou outra, uma ou mais músicas.

Para atender ao pedido de sua gravadora e voltar atrás na resolução, Martinho precisava de um estímulo. Encontrou a novidade olhando para sua própria história. Assim nasceu Negra Ópera, álbum que Martinho lança nesta sexta-feira, 12, na véspera do aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil.

Um disco “dramático”, na visão de seu criador. Estruturado como uma ópera, com abertura, atos e personagens.

O show de lançamento do álbum será neste final de semana, dias 12, 13 e 14, no Teatro J. Safra. Há ingressos disponíveis apenas para o domingo.

“Meus discos são muito alegres, com muitos arranjos, ritmos, coro. Precisava de algo mais intimista, com mais drama”, resume ao Estadão, em conversa por vídeo chamada, o compositor que, no passado, sentenciou, em uma de suas canções, que “o samba é o pai da alegria”.

O cantor e compositor não mudou de opinião. Mas Martinho sabe que o samba tradicional é um retrato da sociedade e de seus criadores. Percepções captadas por seus compositores ou, invariavelmente, canções influenciadas pelos terreiros e rodas de samba onde nascem.

Nesse sentido, Negra Ópera tem, entre regravações - ou melhor, revisões feitas por Martinho em canções de sua autoria e de outros compositores - e nas três canções inéditas, mensagens bastante objetivas, todas ligadas às questões negras.

“O Brasil deve muito aos negros. Foram eles que construíram esse país, que mais influenciaram na forma do Brasil de hoje. Influenciaram na língua - o português que se fala aqui não é o de Portugal. E a culinária, que é rica, graças aos negros. E esse modo de falar de tristeza sem cair no profundo desse sentimento”, explica Martinho, ampliando a definição de seu novo álbum.

Essa certeza deu a Martinho a exata noção de que era imprescindível não abrir espaço para o racismo. Dentro da música brasileira, e de seus pares, ele diz jamais ter sofrido qualquer tipo de discriminação. Entretanto, compartilha uma percepção sobre o que pode ser um preconceito velado.

“Nunca estou nessas listas de melhores músicas, melhores compositores que têm todo ano. Isso é um pouco de preconceito, sim”, diz.

Início. A abertura do álbum é uma saudação a Zumbi. O tema instrumental Negra Ópera (Zumbi dos Palmares, Zumbi), é amarrado com Heróis da Liberdade, samba clássico do Império Serrano, de Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira e Silas de Oliveira - os tais compositores que jamais foram insensíveis a tudo que presenciaram em suas comunidades.

A independência do povo negro, capta a ópera de Martinho, passa pela liberdade religiosa. Duas faixas abordam a temática. Uma delas é Timbó, de Ramon Russo, a história de um personagem descrito como “grande feiticeiro”.

Em Exú das Sete, inédita de Martinho, a entidade é saudada pelos atabaques e gritos de evocação. O compositor, que explica ser católico de formação e ter os santos de cabeça assentados no candomblé, faz questão de desfazer a confusão que associa os exus ao mal.

“Segundo o catolicismo, todos nós temos um anjo da guarda. Segundo as religiões africanas, todos nós temos um exu. São correspondentes. Fiz uma homenagem ao meu”, explica.

Se Martinho frequenta uma ou outra religião: “Não vou a nenhuma. Sou, mas não sou. Sabe como é?”, diz, aos risos.

Próximos atos. A sequência de Negra Ópera traz personagens do cotidiano. Uma delas é Linda Madalena, uma “cabrocha bonita do samba”, samba de terreiro feito por Martinho em 1983. A canção é uma das que passa pela correção, puxada agora para o drama.

Martinho dá vozes aos excluídos em duas canções de Zé Keti que trazem personagens típicos do morro: o malandro Malvadeza Durão, cantada em dueto com a filha Mart’nália, e Acender as Velas, sobre quem vela os mortos em meio ao descaso com comunidades, essa com a adesão de Chico César.

Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é

Martinho da Vila

Mais dolente ainda é a versão de Martinho para Iracema, samba de Adoniran Barbosa que encerra o disco. “Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é”, define Martinho.

O comentário de Martinho sobre o colega paulista é muito mais abrangente do que uma questão de cor. Tanto um quanto outro são cronistas de seu tempo, com compromisso com o povo. É por aí também que passa a identificação entre eles.

Iracema, a vítima de atropelamento às vésperas do casamento, assim como Mãe Solteira, de Wilson Batista e Jorge de Castro, sobre a mulher que se suicida pondo fogo no próprio corpo por “vergonha de ser mãe solteira”, que Martinho também regravou agora, são mulheres brasileiras, brancas ou negras, ainda marginalizadas.

Martinho, Adoniran e outros sambistas se dispuseram a olhar para elas. Alegre ou dramático, assim é o samba. Retrato da vida.

Capa do álbum Negra Ópera, de Martinho da Vila Foto: Sony Music

Ópera Negra

Martinho da Vila

Plataformas digitais

O cantor Martinho da Vila criou sua Negra Ópera Foto: Leo Aversa

Martinho da Vila, 85 anos, estava decidido a não lançar mais discos. Com o formato físico quase extinto e o mercado fonográfico cada vez mais fragmentado, a intenção do cantor e compositor era seguir a onda e lançar, uma vez ou outra, uma ou mais músicas.

Para atender ao pedido de sua gravadora e voltar atrás na resolução, Martinho precisava de um estímulo. Encontrou a novidade olhando para sua própria história. Assim nasceu Negra Ópera, álbum que Martinho lança nesta sexta-feira, 12, na véspera do aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil.

Um disco “dramático”, na visão de seu criador. Estruturado como uma ópera, com abertura, atos e personagens.

O show de lançamento do álbum será neste final de semana, dias 12, 13 e 14, no Teatro J. Safra. Há ingressos disponíveis apenas para o domingo.

“Meus discos são muito alegres, com muitos arranjos, ritmos, coro. Precisava de algo mais intimista, com mais drama”, resume ao Estadão, em conversa por vídeo chamada, o compositor que, no passado, sentenciou, em uma de suas canções, que “o samba é o pai da alegria”.

O cantor e compositor não mudou de opinião. Mas Martinho sabe que o samba tradicional é um retrato da sociedade e de seus criadores. Percepções captadas por seus compositores ou, invariavelmente, canções influenciadas pelos terreiros e rodas de samba onde nascem.

Nesse sentido, Negra Ópera tem, entre regravações - ou melhor, revisões feitas por Martinho em canções de sua autoria e de outros compositores - e nas três canções inéditas, mensagens bastante objetivas, todas ligadas às questões negras.

“O Brasil deve muito aos negros. Foram eles que construíram esse país, que mais influenciaram na forma do Brasil de hoje. Influenciaram na língua - o português que se fala aqui não é o de Portugal. E a culinária, que é rica, graças aos negros. E esse modo de falar de tristeza sem cair no profundo desse sentimento”, explica Martinho, ampliando a definição de seu novo álbum.

Essa certeza deu a Martinho a exata noção de que era imprescindível não abrir espaço para o racismo. Dentro da música brasileira, e de seus pares, ele diz jamais ter sofrido qualquer tipo de discriminação. Entretanto, compartilha uma percepção sobre o que pode ser um preconceito velado.

“Nunca estou nessas listas de melhores músicas, melhores compositores que têm todo ano. Isso é um pouco de preconceito, sim”, diz.

Início. A abertura do álbum é uma saudação a Zumbi. O tema instrumental Negra Ópera (Zumbi dos Palmares, Zumbi), é amarrado com Heróis da Liberdade, samba clássico do Império Serrano, de Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira e Silas de Oliveira - os tais compositores que jamais foram insensíveis a tudo que presenciaram em suas comunidades.

A independência do povo negro, capta a ópera de Martinho, passa pela liberdade religiosa. Duas faixas abordam a temática. Uma delas é Timbó, de Ramon Russo, a história de um personagem descrito como “grande feiticeiro”.

Em Exú das Sete, inédita de Martinho, a entidade é saudada pelos atabaques e gritos de evocação. O compositor, que explica ser católico de formação e ter os santos de cabeça assentados no candomblé, faz questão de desfazer a confusão que associa os exus ao mal.

“Segundo o catolicismo, todos nós temos um anjo da guarda. Segundo as religiões africanas, todos nós temos um exu. São correspondentes. Fiz uma homenagem ao meu”, explica.

Se Martinho frequenta uma ou outra religião: “Não vou a nenhuma. Sou, mas não sou. Sabe como é?”, diz, aos risos.

Próximos atos. A sequência de Negra Ópera traz personagens do cotidiano. Uma delas é Linda Madalena, uma “cabrocha bonita do samba”, samba de terreiro feito por Martinho em 1983. A canção é uma das que passa pela correção, puxada agora para o drama.

Martinho dá vozes aos excluídos em duas canções de Zé Keti que trazem personagens típicos do morro: o malandro Malvadeza Durão, cantada em dueto com a filha Mart’nália, e Acender as Velas, sobre quem vela os mortos em meio ao descaso com comunidades, essa com a adesão de Chico César.

Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é

Martinho da Vila

Mais dolente ainda é a versão de Martinho para Iracema, samba de Adoniran Barbosa que encerra o disco. “Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é”, define Martinho.

O comentário de Martinho sobre o colega paulista é muito mais abrangente do que uma questão de cor. Tanto um quanto outro são cronistas de seu tempo, com compromisso com o povo. É por aí também que passa a identificação entre eles.

Iracema, a vítima de atropelamento às vésperas do casamento, assim como Mãe Solteira, de Wilson Batista e Jorge de Castro, sobre a mulher que se suicida pondo fogo no próprio corpo por “vergonha de ser mãe solteira”, que Martinho também regravou agora, são mulheres brasileiras, brancas ou negras, ainda marginalizadas.

Martinho, Adoniran e outros sambistas se dispuseram a olhar para elas. Alegre ou dramático, assim é o samba. Retrato da vida.

Capa do álbum Negra Ópera, de Martinho da Vila Foto: Sony Music

Ópera Negra

Martinho da Vila

Plataformas digitais

O cantor Martinho da Vila criou sua Negra Ópera Foto: Leo Aversa

Martinho da Vila, 85 anos, estava decidido a não lançar mais discos. Com o formato físico quase extinto e o mercado fonográfico cada vez mais fragmentado, a intenção do cantor e compositor era seguir a onda e lançar, uma vez ou outra, uma ou mais músicas.

Para atender ao pedido de sua gravadora e voltar atrás na resolução, Martinho precisava de um estímulo. Encontrou a novidade olhando para sua própria história. Assim nasceu Negra Ópera, álbum que Martinho lança nesta sexta-feira, 12, na véspera do aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil.

Um disco “dramático”, na visão de seu criador. Estruturado como uma ópera, com abertura, atos e personagens.

O show de lançamento do álbum será neste final de semana, dias 12, 13 e 14, no Teatro J. Safra. Há ingressos disponíveis apenas para o domingo.

“Meus discos são muito alegres, com muitos arranjos, ritmos, coro. Precisava de algo mais intimista, com mais drama”, resume ao Estadão, em conversa por vídeo chamada, o compositor que, no passado, sentenciou, em uma de suas canções, que “o samba é o pai da alegria”.

O cantor e compositor não mudou de opinião. Mas Martinho sabe que o samba tradicional é um retrato da sociedade e de seus criadores. Percepções captadas por seus compositores ou, invariavelmente, canções influenciadas pelos terreiros e rodas de samba onde nascem.

Nesse sentido, Negra Ópera tem, entre regravações - ou melhor, revisões feitas por Martinho em canções de sua autoria e de outros compositores - e nas três canções inéditas, mensagens bastante objetivas, todas ligadas às questões negras.

“O Brasil deve muito aos negros. Foram eles que construíram esse país, que mais influenciaram na forma do Brasil de hoje. Influenciaram na língua - o português que se fala aqui não é o de Portugal. E a culinária, que é rica, graças aos negros. E esse modo de falar de tristeza sem cair no profundo desse sentimento”, explica Martinho, ampliando a definição de seu novo álbum.

Essa certeza deu a Martinho a exata noção de que era imprescindível não abrir espaço para o racismo. Dentro da música brasileira, e de seus pares, ele diz jamais ter sofrido qualquer tipo de discriminação. Entretanto, compartilha uma percepção sobre o que pode ser um preconceito velado.

“Nunca estou nessas listas de melhores músicas, melhores compositores que têm todo ano. Isso é um pouco de preconceito, sim”, diz.

Início. A abertura do álbum é uma saudação a Zumbi. O tema instrumental Negra Ópera (Zumbi dos Palmares, Zumbi), é amarrado com Heróis da Liberdade, samba clássico do Império Serrano, de Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira e Silas de Oliveira - os tais compositores que jamais foram insensíveis a tudo que presenciaram em suas comunidades.

A independência do povo negro, capta a ópera de Martinho, passa pela liberdade religiosa. Duas faixas abordam a temática. Uma delas é Timbó, de Ramon Russo, a história de um personagem descrito como “grande feiticeiro”.

Em Exú das Sete, inédita de Martinho, a entidade é saudada pelos atabaques e gritos de evocação. O compositor, que explica ser católico de formação e ter os santos de cabeça assentados no candomblé, faz questão de desfazer a confusão que associa os exus ao mal.

“Segundo o catolicismo, todos nós temos um anjo da guarda. Segundo as religiões africanas, todos nós temos um exu. São correspondentes. Fiz uma homenagem ao meu”, explica.

Se Martinho frequenta uma ou outra religião: “Não vou a nenhuma. Sou, mas não sou. Sabe como é?”, diz, aos risos.

Próximos atos. A sequência de Negra Ópera traz personagens do cotidiano. Uma delas é Linda Madalena, uma “cabrocha bonita do samba”, samba de terreiro feito por Martinho em 1983. A canção é uma das que passa pela correção, puxada agora para o drama.

Martinho dá vozes aos excluídos em duas canções de Zé Keti que trazem personagens típicos do morro: o malandro Malvadeza Durão, cantada em dueto com a filha Mart’nália, e Acender as Velas, sobre quem vela os mortos em meio ao descaso com comunidades, essa com a adesão de Chico César.

Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é

Martinho da Vila

Mais dolente ainda é a versão de Martinho para Iracema, samba de Adoniran Barbosa que encerra o disco. “Adoniran não era branco. Escapou de branco, preto é”, define Martinho.

O comentário de Martinho sobre o colega paulista é muito mais abrangente do que uma questão de cor. Tanto um quanto outro são cronistas de seu tempo, com compromisso com o povo. É por aí também que passa a identificação entre eles.

Iracema, a vítima de atropelamento às vésperas do casamento, assim como Mãe Solteira, de Wilson Batista e Jorge de Castro, sobre a mulher que se suicida pondo fogo no próprio corpo por “vergonha de ser mãe solteira”, que Martinho também regravou agora, são mulheres brasileiras, brancas ou negras, ainda marginalizadas.

Martinho, Adoniran e outros sambistas se dispuseram a olhar para elas. Alegre ou dramático, assim é o samba. Retrato da vida.

Capa do álbum Negra Ópera, de Martinho da Vila Foto: Sony Music

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