Análise: Nelson Freire era sutil ao piano, sem exibicionismo


Ele sempre deu a impressão de ser um pianista de gênio acabado

Por João Marcos Coelho
Atualização:

No Brasil, nenhuma análise sobre a arte de Nelson Freire consegue ser fria e lógica. Cada um tem suas histórias com ele. A minha se deu em entrevistas nas últimas quatro décadas. Só o conheci de fato quando o acompanhei numa turnê de recitais e concertos por dezenas de cidades brasileiras, de norte a sul, durante 40 dias. E foi um privilégio ver como fazia para conhecer o instrumento, o modo de ensaiar os trechos-chave ou testar a acústica de cada sala. Seus prazeres extra musicais, como o cinema e o cigarro. 

Até os anos 1980, foi um segredo bem guardado dos franceses, dizia o crítico Alain Lompech. E nosso também, acrescento. Mas, nas últimas duas décadas, o mundo o reverenciou. 

Nelson Freire era um dos maiores pianistas do mundo; mineiro morreu aos 77 anos Foto: FOTO: Christina Rufatto/ ESTADÃO
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Como era Nelson ao piano? Sempre sutil, sem exibicionismo algum. Sabia extrair um balanço relativo das dinâmicas, às vezes em uma nota só dentro do acorde. E usava de modo parcimonioso, preciso, os pedais. Perguntei-lhe questões como essas, mas ele saía pela tangente. Sempre deu a impressão de ser um pianista de gênio acabado, deste a adolescência (o que hoje podemos comprovar em várias caixas com vários álbuns, como “Radio Days”, por exemplo). Não por acaso, era devoto de Erroll Garner, pianista de jazz que sequer lia partitura, e já chegou pronto. Sempre tive dele esta impressão: já nasceu pronto e assim permaneceu, em estado de graça, a vida inteira.

Guiou-se por uma sensibilidade à flor da pele. Em Chopin e Debussy, nos fazia esquecer os martelos do piano. Mesmo Liszt, em geral usado como pretexto para pirotécnicas, emergia de modo diferente. A virtuosidade, neste caso, era só o substrato oculto.

Nosso melhor tributo a ele é ouvi-lo. Fico com Brahms, uma de suas paixões menos badaladas. Nelson montou o repertório do álbum solo, de 2017, com suas peças preferidas. Revisitou, 50 anos depois, a imponente, majestosa Sonata nº. 3, op. 5, primeira peça que gravou em 1967. Uma leitura à altura desta sonata, chamada de “sinfonia disfarçada” por Robert Schumann. Em seguida, transforma em confissões musicais as peças curtas finais de Brahms, opus 116-119, curiosamente próximas do universo de Chopin, seu primeiro amor. Onze anos antes, um momento sublime: os concertos de Brahms com a Gewandhaus e Chailly. Vou terminar meu primeiro dia sem Nelson voltando a 2017, ano em que ele gravou Brasileiro, álbum inteirinho com Villa-Lobos, Mignone, Santoro e Guarnieri.

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No Brasil, nenhuma análise sobre a arte de Nelson Freire consegue ser fria e lógica. Cada um tem suas histórias com ele. A minha se deu em entrevistas nas últimas quatro décadas. Só o conheci de fato quando o acompanhei numa turnê de recitais e concertos por dezenas de cidades brasileiras, de norte a sul, durante 40 dias. E foi um privilégio ver como fazia para conhecer o instrumento, o modo de ensaiar os trechos-chave ou testar a acústica de cada sala. Seus prazeres extra musicais, como o cinema e o cigarro. 

Até os anos 1980, foi um segredo bem guardado dos franceses, dizia o crítico Alain Lompech. E nosso também, acrescento. Mas, nas últimas duas décadas, o mundo o reverenciou. 

Nelson Freire era um dos maiores pianistas do mundo; mineiro morreu aos 77 anos Foto: FOTO: Christina Rufatto/ ESTADÃO

Como era Nelson ao piano? Sempre sutil, sem exibicionismo algum. Sabia extrair um balanço relativo das dinâmicas, às vezes em uma nota só dentro do acorde. E usava de modo parcimonioso, preciso, os pedais. Perguntei-lhe questões como essas, mas ele saía pela tangente. Sempre deu a impressão de ser um pianista de gênio acabado, deste a adolescência (o que hoje podemos comprovar em várias caixas com vários álbuns, como “Radio Days”, por exemplo). Não por acaso, era devoto de Erroll Garner, pianista de jazz que sequer lia partitura, e já chegou pronto. Sempre tive dele esta impressão: já nasceu pronto e assim permaneceu, em estado de graça, a vida inteira.

Guiou-se por uma sensibilidade à flor da pele. Em Chopin e Debussy, nos fazia esquecer os martelos do piano. Mesmo Liszt, em geral usado como pretexto para pirotécnicas, emergia de modo diferente. A virtuosidade, neste caso, era só o substrato oculto.

Nosso melhor tributo a ele é ouvi-lo. Fico com Brahms, uma de suas paixões menos badaladas. Nelson montou o repertório do álbum solo, de 2017, com suas peças preferidas. Revisitou, 50 anos depois, a imponente, majestosa Sonata nº. 3, op. 5, primeira peça que gravou em 1967. Uma leitura à altura desta sonata, chamada de “sinfonia disfarçada” por Robert Schumann. Em seguida, transforma em confissões musicais as peças curtas finais de Brahms, opus 116-119, curiosamente próximas do universo de Chopin, seu primeiro amor. Onze anos antes, um momento sublime: os concertos de Brahms com a Gewandhaus e Chailly. Vou terminar meu primeiro dia sem Nelson voltando a 2017, ano em que ele gravou Brasileiro, álbum inteirinho com Villa-Lobos, Mignone, Santoro e Guarnieri.

No Brasil, nenhuma análise sobre a arte de Nelson Freire consegue ser fria e lógica. Cada um tem suas histórias com ele. A minha se deu em entrevistas nas últimas quatro décadas. Só o conheci de fato quando o acompanhei numa turnê de recitais e concertos por dezenas de cidades brasileiras, de norte a sul, durante 40 dias. E foi um privilégio ver como fazia para conhecer o instrumento, o modo de ensaiar os trechos-chave ou testar a acústica de cada sala. Seus prazeres extra musicais, como o cinema e o cigarro. 

Até os anos 1980, foi um segredo bem guardado dos franceses, dizia o crítico Alain Lompech. E nosso também, acrescento. Mas, nas últimas duas décadas, o mundo o reverenciou. 

Nelson Freire era um dos maiores pianistas do mundo; mineiro morreu aos 77 anos Foto: FOTO: Christina Rufatto/ ESTADÃO

Como era Nelson ao piano? Sempre sutil, sem exibicionismo algum. Sabia extrair um balanço relativo das dinâmicas, às vezes em uma nota só dentro do acorde. E usava de modo parcimonioso, preciso, os pedais. Perguntei-lhe questões como essas, mas ele saía pela tangente. Sempre deu a impressão de ser um pianista de gênio acabado, deste a adolescência (o que hoje podemos comprovar em várias caixas com vários álbuns, como “Radio Days”, por exemplo). Não por acaso, era devoto de Erroll Garner, pianista de jazz que sequer lia partitura, e já chegou pronto. Sempre tive dele esta impressão: já nasceu pronto e assim permaneceu, em estado de graça, a vida inteira.

Guiou-se por uma sensibilidade à flor da pele. Em Chopin e Debussy, nos fazia esquecer os martelos do piano. Mesmo Liszt, em geral usado como pretexto para pirotécnicas, emergia de modo diferente. A virtuosidade, neste caso, era só o substrato oculto.

Nosso melhor tributo a ele é ouvi-lo. Fico com Brahms, uma de suas paixões menos badaladas. Nelson montou o repertório do álbum solo, de 2017, com suas peças preferidas. Revisitou, 50 anos depois, a imponente, majestosa Sonata nº. 3, op. 5, primeira peça que gravou em 1967. Uma leitura à altura desta sonata, chamada de “sinfonia disfarçada” por Robert Schumann. Em seguida, transforma em confissões musicais as peças curtas finais de Brahms, opus 116-119, curiosamente próximas do universo de Chopin, seu primeiro amor. Onze anos antes, um momento sublime: os concertos de Brahms com a Gewandhaus e Chailly. Vou terminar meu primeiro dia sem Nelson voltando a 2017, ano em que ele gravou Brasileiro, álbum inteirinho com Villa-Lobos, Mignone, Santoro e Guarnieri.

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