“O humor me ajuda a lidar com as frustrações da vida”, diz Miranda, influenciadora de 31 anos que no último ano tem viralizado semana sim, semana não, com personagens satíricos criados por ela. Uma das mais populares é Ametista, uma cantora da zona sul carioca que parece alheia à sua condição de “nepobaby” (gíria que se refere a filhos de pessoas muito famosas ou ricas que já começam a carreira privilegiadas e consagradas, com talento ou não).
Ametista acaba de extrapolar as fronteiras da ficção com sua primeira música oficial, Chapada de Amor (ouça abaixo).
O trabalho é produzido por Daniel Braga e surgiu de uma demanda dos próprios seguidores de Miranda, que compraram o bordão de Ametista sobre sempre ter um single a ser lançado “no próximo dia 15″ e acabaram cobrando que a promessa se tornasse realidade. O resultado é um baião dadaísta com axé, forró e uma letra composta em 15 minutos, na qual a “artista” fala sobre nascer sudestina mas amar tudo fora do eixo Rio-São Paulo.
“O círculo de nepobabies na arte é um extrato muito pequeno da sociedade, mas as poucas Ametistas que existem ganham muito palco e holofote”, defende Miranda. “São pessoas que nunca se questionaram por que estão ali (na carreira artística), nunca tiveram nenhuma síndrome de impostor e são validadas o tempo inteiro. Tudo o que elas fizerem já vai ser validado como genial.”
Miranda, influenciadora
Além de Ametista, que Miranda diz não ser baseada em ninguém específico, mas sim em um grupo geral de artistas privilegiados facilmente vistos em qualquer esquina da zona sul do Rio, ela também tem outros personagens que viralizam na mesma medida entre seus mais de 300 mil seguidores.
Rê, a gerente de recursos humanos sem noção e infelizmente real demais, espelha as demandas absurdas dos processos seletivos e do ambiente corporativo. Já Naná Quintelho é uma chef adepta da cozinha afetiva cujos pratos orgânicos sempre custam o preço de um hortifruti inteiro (de novo, real até demais).
“Todas as personagens têm alguma coisa e são baseadas nas minhas experiências ou algo que me atravessa”, explica Miranda. “Não acho que vai mudar nada, mas faço para reclamar porque o humor vem da raiva. E a forma mais legítima de eu fazer isso (reclamar) é através dos personagens. A crítica ganha muito mais potência assim porque vira uma metáfora. Se eu abrir minha câmera frontal e falar como Miranda, ninguém vai me dar atenção.”
Formada em Comunicação, ela também estudou Teatro por quatro anos no Tablado, de onde veio a base para sua formação de atriz e a inspiração para alguns traços e discursos de Ametista. É ela também quem roteiriza, produz e estrela todos os vídeos, desbravando online um público e um espaço criativo que ainda não tinha conseguido na vida real.
“Ter entrado na internet como atriz, comediante e roteirista é entender que isso pode fazer com que eu fure a bolha, porque não tenho acesso a certos contatos”, explica. “Isso é um Olimpo muito fechado, que pouca gente entra e pouca gente sai. Não tem trainee nem LinkedIn para ser ator da Globo, por exemplo.”
Abaixo, Miranda entra na pele de Ametista para responder algumas perguntas do Estadão e mostrar o que se passa pela cabeça de um artista nepobaby - pelo menos de acordo com a sua visão.
Por que você decidiu seguir carreira na música?
Ametista - Pra mim foi uma coisa muito natural. Desde os 3 anos eu tocava o piano de cauda da minha avó, não tinha outro caminho senão a arte. A música para mim é muito importante, então nunca cogitei nem fazer faculdade, já saí do ensino médio com shows fechados e contrato com estúdio. Foi acontecendo, não precisei pensar muito.
Quais foram as inspirações para a sua nova música?
Ametista - Essa nova música foi um momento de viagem que fiz para a Chapada dos Veadeiros e escrevi nesse transe fora do eixo Rio-SP, quando entendi que estava muito na minha bolha e tive um relampejar da mente.
E o que te deixa chapada de amor?
Ametista - A arte. É a troca, o olhar, o diferente, o novo, a textura, o verdadeiro.
O que pensa do conceito de nepobaby? Acha que ele se aplica a você?
Ametista - Nunca ouvi falar em nepobaby. Consegue me explicar o que significa?
São pessoas que já herdam o prestígio, dinheiro e capital social da própria família e, por isso, têm facilidade de acessar certas coisas que outras pessoas na mesma profissão não conseguem.
Ametista - Entendi. Que loucura. Não conhecia, mas obrigada por me apresentar o termo. Na real, acho que não me identifico muito com esse conceito. Tenho sim parentes que são da música e da arte, entendo meus privilégios, mas sei que sem meu talento nada disso aconteceria. O pessoal que reclama tem inveja e me chamar de nepobaby é me colocar numa caixinha que eu considero muito cruel.
Qual foi a maior dificuldade que você superou desde que se lançou como artista?
Ametista - Foi eu não me comparar com meus pais, que são pessoas muito incríveis. ‘Ah, caramba, nunca vai chegar aos pés deles’. Por que estão me comparando? As pessoas não estão me olhando com a singularidade que eu mereço, então sofro esse preconceito constante de ter que me provar sempre.
Que conselho você daria para quem está começando uma carreira na música?
Ametista - Cara, acho que nascer numa família de músicas ajuda bastante. Pra mim foi um grande impulsionador, mas tudo com dedicação dá certo. Se você não tiver preguiça, vai conseguir. Não desista dos seus sonhos porque tem espaço para todo mundo na música.