Ney Matogrosso: ‘Nada me faria topar uma reunião com Secos & Molhados’


Cantor que se apresenta neste sábado, 10, em São Paulo, reflete sobre relacionamentos abertos, experiência com ayahuasca e explica o motivo para não aceitar um reencontro com os antigos companheiros de grupo

Por Sabrina Legramandi
Atualização:
Foto: Taba Benedicto/Estadão
Entrevista comNey MatogrossoArtista

A voz inconfundível vai ecoar em um dos maiores estádios da capital paulista neste sábado, 10. Ney Matogrosso se prepara para o que pode ser um dos maiores shows da carreira no Allianz Parque, em São Paulo. A turnê Bloco Na Rua, com a qual ele excursiona desde 2019, ganhou novo verniz e virou Bloco na Rua – Ginga pra Dar & Vender para esta apresentação.

É verdade que Ney tem “ginga pra dar e vender”. Aos 83 anos completados no último dia 1º, ele se prepara não apenas para o show grandioso, mas também para lançar faixas que fez em parceria com nomes da música de que gosta. A primeira, a inédita Teu Sangue, parceria com a banda Hecto, chegou às plataformas digitais nesta sexta, 9. A música fará parte do álbum Canções Para Um Novo Mundo, que ele o grupo preparam, a ser lançado em novembro.

Ney recebeu o Estadão para falar sobre o “mundo menos careta” que ainda quer criar com suas canções. O cantor refletiu sobre a sua própria liberdade e a autonomia que agora enxerga neste mundo: atualmente, já se fala sobre relacionamentos abertos e poligamia. Influência dele, diz.

continua após a publicidade
Ney Matogrosso leva turnê 'Bloco Na Rua' para o Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Certas coisas, porém, ainda o incomodam. O artista lamenta a “patrulha” da internet e a “homogeneização” do TikTok. “Eu gosto da diversidade. Sinto falta”, clama. Também demonstra querer criar e apresentar apenas coisas que acredita.

Ney ainda revela o que pensa sobre o futuro da música brasileira, detalha sua experiência com ayahuasca e avalia as chances de uma reunião com o Secos & Molhados. “Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil”, diz.

continua após a publicidade

Estamos na véspera do show e, apesar de você já estar acostumado a fazer a turnê ‘Bloco Na Rua’, nunca havia feito com as proporções de um estádio. Como está a preparação e a expectativa?

Não com as proporções de um estádio, embora eu já tenha feito Rock in Rio mais de uma vez para mais de 100 mil pessoas. Então, é uma coisa que já me tranquiliza um pouco: saber que não é a primeira vez que eu vou encarar uma multidão.

Eu tenho esse lado que me deixa tranquilo, que é o fato de eu estar regularmente fazendo este show. Mas, claro, me dá uma ‘pilha’. Nós mudamos tudo que tínhamos de projeções. Porque, para o tamanho do espaço do estádio, do palco, o que eu tinha como projeção era muito precário. Foi tudo refeito.

continua após a publicidade

Sabemos que não é apenas o dinheiro o que te motiva a fazer uma apresentação desse porte. O que te fez topar esse show agora?

Olha, eu estou com uma agenda assustadora. Nós vamos fazer e ver o que vai acontecer. E, se der tudo muito certo, continuamos fazendo. E agora com mais calma.

Ney Matogrosso avalia as chances de uma reunião com Secos e Molhados. Foto: Taba Benedicto/Estadão
continua após a publicidade

Imagino que o dinheiro também não te faria aceitar uma reunião com o Secos & Molhados. O que te faria topar essa reunião com o grupo?

Nada me faria topar uma reunião com Secos & Molhados. Se fosse dinheiro, eu já teria cedido lá atrás, porque houve um momento em que a Prefeitura de São Paulo ofereceu muito dinheiro para uma apresentação. Eu disse: ‘Eu estou fora’.

Não é o dinheiro. Nunca foi. Eu tenho que gostar, tenho que acreditar, tenho que estar satisfeito. E, com o Secos & Molhados, já foi. Foi maravilhoso. Por que agora vamos remendar, sendo que a história já passou há muito tempo?

continua após a publicidade

Uma das grandes novidades deste show, especificamente, é o figurino que você vai usar. E, no The Town, você já fez algumas mudanças no show também, principalmente no final. Quais outras mudanças você vai fazer?

Eu já venho fazendo algumas mudanças nele, porque, como faz muito tempo que eu estou fazendo, vou mudando para ficar atraente para mim mesmo. Para essa apresentação, coloquei mais duas músicas que eu acho que vão dar muito certo: Balada do Louco [dos Mutantes] e Pro Dia Nascer Feliz [do Cazuza].

Todo mundo me pede há tanto tempo a Pro Dia Nascer Feliz. Eu disse: ‘Está bem, eu vou cantar Pro Dia Nascer Feliz, vai ser bonito lá e tal’. Mas não é meramente uma concessão.

continua após a publicidade

Como você disse, você está com a agenda cheia e, quase ao mesmo tempo do show, lançou uma música com o Hecto...

É só uma das [músicas] que eu gravei com dezenas de pessoas que ainda não começaram a aparecer. Eu tenho feito muito isso: gravado com muita gente. Muita gente desconhecida, mas que eu gosto da música. Gravei com muita gente que ainda não surgiu.

Eu achei interessante o disco do Hecto ter recebido o nome ‘Canções Para Um Novo Mundo’. Há algum novo mundo que você quer criar com a sua música?

Tem muita coisa para mudar, hein? Primeiro, é papo ‘desencaretar’. É muito chato. Tudo tem patrulha, tudo as pessoas opinam.

Você se refere à música ou à sociedade?

À sociedade. Não é a música. Na música, está tudo certo. Tem música para todo gosto, não é isso? É a mentalidade mesmo que está chata.

Ney Matogrosso vai incluir 'Pro Dia Nascer Feliz' e 'Balada do Louco' no setlist de show de São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O público que vai te assistir agora não é o mesmo da[o tempo da ditadura militar. Hoje, falando sobre liberdade, ela é muito mais aceita do que antigamente...

Sim, é mais absorvido pelas pessoas. Mas tem gente chata. Gente chata vai ter sempre. Só que, agora, com essa coisa de internet, as pessoas se mostram mesmo. Mas, para te falar a verdade, nada disso me aborrece. Eu estou aqui falando [sobre a internet] com você, mas eu não carrego comigo.

Mas ter essa abertura maior do público muda a sua relação com os palcos?

Não muda. Minha história com o palco não muda. Claro que é muito bom ser aceito, é muito bom ser reconhecido. Mas eu nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém.

Você resolveu assumir um tom mais emocional na sua carreira. Sempre fala do relacionamento com o Cazuza, do beijo na bochecha que melhorou sua relação com seu pai, cantava a música ‘Amor ' com o Secos e Molhados. Você acredita que o amor dessa forma mais ampla é o que te move?

Tudo que eu faço é com muito amor. Se não tivesse amor na história, eu não estaria [trabalhando] até hoje. Existe um amor louco por aquilo que eu faço e pelas pessoas. Eu sou muito bem tratado. Estou reclamando de um lado das pessoas, mas tem outro, que são as pessoas só me tratam bem.

E você acha que a sua liberdade ainda incomoda, seja nos palcos ou fora deles?

Pode incomodar, mas eu nunca fiz para agredir. Nada do que eu fiz até hoje foi para agredir. Nunca foi a minha intenção. Se agrediu, é porque as pessoas não estavam preparadas para aquele ser humano ali.

Eu nunca fiz nada intencionalmente para chocar ou para agredir. Eu queria me liberar, que é um direito meu. E quero me liberar até hoje.

Ney Matogrosso

'Nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém', diz Ney Matogrosso. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O que é liberdade atualmente para você?

A liberdade está muito restrita também porque tem esse julgamento excessivo. As pessoas não têm muita facilidade de aceitar que cada uma seja de um jeito. E nós temos que aceitar isso. Não tem como mudar. Cada um é um.

Todas as pessoas têm o direito à manifestação, seja qual for. Eu defendo isso: liberdade para todas as pessoas. Agora, a minha liberdade tem um limite. Quando vejo que estou invadindo alguma coisa, me recolho.

Ainda falando sobre liberdade, você sempre foi muito aberto sobre a questão sexual, falou sobre isso em suas entrevistas...

Eu entendi isso na primeira entrevista que eu fiz. Eles me perguntaram sobre sexualidade e eu respondi sobre sexo. Quando eu fui ler, estava [que eu tinha falado] sobre amor. Como aquilo não era um problema para mim, acho que as pessoas têm que aceitar. Por que eu vou esconder alguma coisa?

Antigamente, as gravadoras queriam que eu dissesse que eu tinha 20 anos, mas eu já tinha 31. Eu disse: ‘Não vou diminuir a minha idade’. Eu tenho que falar dessas coisas. Como é que eu não vou falar? Eu acho que isso, na verdade, é um respeito pelas pessoas. Eu não estou aqui fingindo ser uma coisa que eu não sou.

Talvez isso tenha feito muitos se identificarem com você...

Sim, muitos se identificaram. Outros não, mas também está tudo certo. Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil. Nunca tive.

Ney Matogrosso fará maior show da carreira neste sábado, 10, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Imagino que você tem acompanhado que, hoje em dia, muitas pessoas têm falado sobre relacionamento aberto, poligamia, etc. Você vê isso como positivo?

Eu acho positivo você poder se expressar, porque a sexualidade faz parte do ser humano. Para que ocultar? Para que fingir? Para que mentir? Eu acho muito mais saudável quando as pessoas são mais assim, abertas.

Você acha que você teve influência para que as pessoas falem mais sobre isso?

Eu acho que sim. Você lembra de alguém falando desse assunto antes de eu chegar? Mas eu também não trabalhei para isso. Eu dizia: ‘Não se satisfaçam com a minha liberdade, cada um é dono da sua vida’. Acho bom que as pessoas estejam mais liberadas desses assuntos, desses tabus.

Muita gente diz que o ‘auge’ da música brasileira aconteceu com você, Cazuza, Gil, Chico. É um pensamento saudosista?

Eu não sei se vai aparecer outro Chico...

Nem outro Ney...

Sim, nem outro Caetano, nem outra Gal, nem outra Bethânia... São pessoas muito específicas no seu tempo. Todos vieram para romper barreiras. Mesmo Rita Lee, que nunca falou de sexo, mas rompeu muitas barreiras com a atitude dela. Adorava Rita.

Como você enxerga o futuro da música?

Não sei te dizer, porque agora eu ouço umas coisas... Nesse TikTok aparece muita loucura. As pessoas cantam absurdos, tudo tem uma ‘dancinha’ e é todo mundo igual. Mas eu acho engraçado, para te falar a verdade. Agora, eu não posso achar que isso está determinando os rumos da música. Porque é tudo assim: muito sexualizado.

O que me incomoda é que todos são meio parecidos. Todos dançam igual, o assunto é meio parecido. Eu gosto da diversidade. Sinto falta.

Sua família é espírita e você sempre falou sobre ter um ‘farol’ que te guia. Como se relaciona com a sua espiritualidade?

Eu busquei muito isso. Em grande parte da minha vida, eu li sobre isso. Até que, um dia, eu tive a sorte de ter um amigo muito íntimo, o Vicente Pereira, que escrevia peças de teatro. Eu disse assim: ‘Vicente, eu estou enjoado dessa espiritualidade que não é exercitada, que é uma coisa toda lida’. Eu queria encontrar uma coisa que ‘balançasse o meu coreto’.

Um dia, ele me ligou e disse assim: ‘Quer balançar o seu coreto? Então chegue aqui em Brasília amanhã antes das seis. Nós vamos em um lugar que eu acho que vai balançar o seu e o meu coreto’. Era o Daime. Mas eu também não entendi nada. Eu não fui a lugar nenhum, porque eu fiquei idiotamente olhando para o lado de fora.

Ney Matogrosso detalha experiência com ayahuasca. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Um dia, lá no Rio de Janeiro, [Vicente] disse: ‘Para de ser idiota. Procura dentro de você, não é no lado de fora que você vai achar nada’. Eu fechei meus olhos e começou a acontecer. Você vê você, dentro de você, seu sentimento e seu pensamento. Fiquei um ano e meio tomando [ayahuasca] e, um dia, eu disse: ‘Para mim, está bom. Tudo que tinha que me oferecer de informação, já ofereceu. Daqui para frente, eu vou tentar sozinho’.

A vitalidade não é um problema para você - você tem ginga para dar e vender e, esses dias, até mostrou sua mãe, com 102 anos. Mas, recentemente, você teve uma virose e, mesmo que não tenha sido nada, você deu um susto nos seus fãs. Como você lida com essa questão da passagem do tempo?

Com a maior naturalidade. Mesmo. Não é da boca para fora.

Serviço - Ney Matogrosso (Bloco Na Rua - Ginga Pra Dar e Vender)

  • Data: 10 de agosto 2024
  • Local: Allianz Parque - R. Palestra Itália, 200, Água Branca
  • Classificação Etária: 16 anos. Menores de 16 anos somente acompanhados dos pais ou do responsável legal. Não é permitida a entrada de menores de 0 a 5 anos
  • Ingressos: A partir de R$ 100 (ingresso social, Cadeira Superior)
  • Vendas online em: http://www.eventim.com.br/neymatogrosso
  • Bilheteria oficial: Allianz Parque - Endereço: Rua Palestra Itália, 200 – Portão A – Perdizes - São Paulo/SP
  • Funcionamento: Terça a sábado das 10h às 17h

A voz inconfundível vai ecoar em um dos maiores estádios da capital paulista neste sábado, 10. Ney Matogrosso se prepara para o que pode ser um dos maiores shows da carreira no Allianz Parque, em São Paulo. A turnê Bloco Na Rua, com a qual ele excursiona desde 2019, ganhou novo verniz e virou Bloco na Rua – Ginga pra Dar & Vender para esta apresentação.

É verdade que Ney tem “ginga pra dar e vender”. Aos 83 anos completados no último dia 1º, ele se prepara não apenas para o show grandioso, mas também para lançar faixas que fez em parceria com nomes da música de que gosta. A primeira, a inédita Teu Sangue, parceria com a banda Hecto, chegou às plataformas digitais nesta sexta, 9. A música fará parte do álbum Canções Para Um Novo Mundo, que ele o grupo preparam, a ser lançado em novembro.

Ney recebeu o Estadão para falar sobre o “mundo menos careta” que ainda quer criar com suas canções. O cantor refletiu sobre a sua própria liberdade e a autonomia que agora enxerga neste mundo: atualmente, já se fala sobre relacionamentos abertos e poligamia. Influência dele, diz.

Ney Matogrosso leva turnê 'Bloco Na Rua' para o Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Certas coisas, porém, ainda o incomodam. O artista lamenta a “patrulha” da internet e a “homogeneização” do TikTok. “Eu gosto da diversidade. Sinto falta”, clama. Também demonstra querer criar e apresentar apenas coisas que acredita.

Ney ainda revela o que pensa sobre o futuro da música brasileira, detalha sua experiência com ayahuasca e avalia as chances de uma reunião com o Secos & Molhados. “Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil”, diz.

Estamos na véspera do show e, apesar de você já estar acostumado a fazer a turnê ‘Bloco Na Rua’, nunca havia feito com as proporções de um estádio. Como está a preparação e a expectativa?

Não com as proporções de um estádio, embora eu já tenha feito Rock in Rio mais de uma vez para mais de 100 mil pessoas. Então, é uma coisa que já me tranquiliza um pouco: saber que não é a primeira vez que eu vou encarar uma multidão.

Eu tenho esse lado que me deixa tranquilo, que é o fato de eu estar regularmente fazendo este show. Mas, claro, me dá uma ‘pilha’. Nós mudamos tudo que tínhamos de projeções. Porque, para o tamanho do espaço do estádio, do palco, o que eu tinha como projeção era muito precário. Foi tudo refeito.

Sabemos que não é apenas o dinheiro o que te motiva a fazer uma apresentação desse porte. O que te fez topar esse show agora?

Olha, eu estou com uma agenda assustadora. Nós vamos fazer e ver o que vai acontecer. E, se der tudo muito certo, continuamos fazendo. E agora com mais calma.

Ney Matogrosso avalia as chances de uma reunião com Secos e Molhados. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Imagino que o dinheiro também não te faria aceitar uma reunião com o Secos & Molhados. O que te faria topar essa reunião com o grupo?

Nada me faria topar uma reunião com Secos & Molhados. Se fosse dinheiro, eu já teria cedido lá atrás, porque houve um momento em que a Prefeitura de São Paulo ofereceu muito dinheiro para uma apresentação. Eu disse: ‘Eu estou fora’.

Não é o dinheiro. Nunca foi. Eu tenho que gostar, tenho que acreditar, tenho que estar satisfeito. E, com o Secos & Molhados, já foi. Foi maravilhoso. Por que agora vamos remendar, sendo que a história já passou há muito tempo?

Uma das grandes novidades deste show, especificamente, é o figurino que você vai usar. E, no The Town, você já fez algumas mudanças no show também, principalmente no final. Quais outras mudanças você vai fazer?

Eu já venho fazendo algumas mudanças nele, porque, como faz muito tempo que eu estou fazendo, vou mudando para ficar atraente para mim mesmo. Para essa apresentação, coloquei mais duas músicas que eu acho que vão dar muito certo: Balada do Louco [dos Mutantes] e Pro Dia Nascer Feliz [do Cazuza].

Todo mundo me pede há tanto tempo a Pro Dia Nascer Feliz. Eu disse: ‘Está bem, eu vou cantar Pro Dia Nascer Feliz, vai ser bonito lá e tal’. Mas não é meramente uma concessão.

Como você disse, você está com a agenda cheia e, quase ao mesmo tempo do show, lançou uma música com o Hecto...

É só uma das [músicas] que eu gravei com dezenas de pessoas que ainda não começaram a aparecer. Eu tenho feito muito isso: gravado com muita gente. Muita gente desconhecida, mas que eu gosto da música. Gravei com muita gente que ainda não surgiu.

Eu achei interessante o disco do Hecto ter recebido o nome ‘Canções Para Um Novo Mundo’. Há algum novo mundo que você quer criar com a sua música?

Tem muita coisa para mudar, hein? Primeiro, é papo ‘desencaretar’. É muito chato. Tudo tem patrulha, tudo as pessoas opinam.

Você se refere à música ou à sociedade?

À sociedade. Não é a música. Na música, está tudo certo. Tem música para todo gosto, não é isso? É a mentalidade mesmo que está chata.

Ney Matogrosso vai incluir 'Pro Dia Nascer Feliz' e 'Balada do Louco' no setlist de show de São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O público que vai te assistir agora não é o mesmo da[o tempo da ditadura militar. Hoje, falando sobre liberdade, ela é muito mais aceita do que antigamente...

Sim, é mais absorvido pelas pessoas. Mas tem gente chata. Gente chata vai ter sempre. Só que, agora, com essa coisa de internet, as pessoas se mostram mesmo. Mas, para te falar a verdade, nada disso me aborrece. Eu estou aqui falando [sobre a internet] com você, mas eu não carrego comigo.

Mas ter essa abertura maior do público muda a sua relação com os palcos?

Não muda. Minha história com o palco não muda. Claro que é muito bom ser aceito, é muito bom ser reconhecido. Mas eu nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém.

Você resolveu assumir um tom mais emocional na sua carreira. Sempre fala do relacionamento com o Cazuza, do beijo na bochecha que melhorou sua relação com seu pai, cantava a música ‘Amor ' com o Secos e Molhados. Você acredita que o amor dessa forma mais ampla é o que te move?

Tudo que eu faço é com muito amor. Se não tivesse amor na história, eu não estaria [trabalhando] até hoje. Existe um amor louco por aquilo que eu faço e pelas pessoas. Eu sou muito bem tratado. Estou reclamando de um lado das pessoas, mas tem outro, que são as pessoas só me tratam bem.

E você acha que a sua liberdade ainda incomoda, seja nos palcos ou fora deles?

Pode incomodar, mas eu nunca fiz para agredir. Nada do que eu fiz até hoje foi para agredir. Nunca foi a minha intenção. Se agrediu, é porque as pessoas não estavam preparadas para aquele ser humano ali.

Eu nunca fiz nada intencionalmente para chocar ou para agredir. Eu queria me liberar, que é um direito meu. E quero me liberar até hoje.

Ney Matogrosso

'Nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém', diz Ney Matogrosso. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O que é liberdade atualmente para você?

A liberdade está muito restrita também porque tem esse julgamento excessivo. As pessoas não têm muita facilidade de aceitar que cada uma seja de um jeito. E nós temos que aceitar isso. Não tem como mudar. Cada um é um.

Todas as pessoas têm o direito à manifestação, seja qual for. Eu defendo isso: liberdade para todas as pessoas. Agora, a minha liberdade tem um limite. Quando vejo que estou invadindo alguma coisa, me recolho.

Ainda falando sobre liberdade, você sempre foi muito aberto sobre a questão sexual, falou sobre isso em suas entrevistas...

Eu entendi isso na primeira entrevista que eu fiz. Eles me perguntaram sobre sexualidade e eu respondi sobre sexo. Quando eu fui ler, estava [que eu tinha falado] sobre amor. Como aquilo não era um problema para mim, acho que as pessoas têm que aceitar. Por que eu vou esconder alguma coisa?

Antigamente, as gravadoras queriam que eu dissesse que eu tinha 20 anos, mas eu já tinha 31. Eu disse: ‘Não vou diminuir a minha idade’. Eu tenho que falar dessas coisas. Como é que eu não vou falar? Eu acho que isso, na verdade, é um respeito pelas pessoas. Eu não estou aqui fingindo ser uma coisa que eu não sou.

Talvez isso tenha feito muitos se identificarem com você...

Sim, muitos se identificaram. Outros não, mas também está tudo certo. Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil. Nunca tive.

Ney Matogrosso fará maior show da carreira neste sábado, 10, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Imagino que você tem acompanhado que, hoje em dia, muitas pessoas têm falado sobre relacionamento aberto, poligamia, etc. Você vê isso como positivo?

Eu acho positivo você poder se expressar, porque a sexualidade faz parte do ser humano. Para que ocultar? Para que fingir? Para que mentir? Eu acho muito mais saudável quando as pessoas são mais assim, abertas.

Você acha que você teve influência para que as pessoas falem mais sobre isso?

Eu acho que sim. Você lembra de alguém falando desse assunto antes de eu chegar? Mas eu também não trabalhei para isso. Eu dizia: ‘Não se satisfaçam com a minha liberdade, cada um é dono da sua vida’. Acho bom que as pessoas estejam mais liberadas desses assuntos, desses tabus.

Muita gente diz que o ‘auge’ da música brasileira aconteceu com você, Cazuza, Gil, Chico. É um pensamento saudosista?

Eu não sei se vai aparecer outro Chico...

Nem outro Ney...

Sim, nem outro Caetano, nem outra Gal, nem outra Bethânia... São pessoas muito específicas no seu tempo. Todos vieram para romper barreiras. Mesmo Rita Lee, que nunca falou de sexo, mas rompeu muitas barreiras com a atitude dela. Adorava Rita.

Como você enxerga o futuro da música?

Não sei te dizer, porque agora eu ouço umas coisas... Nesse TikTok aparece muita loucura. As pessoas cantam absurdos, tudo tem uma ‘dancinha’ e é todo mundo igual. Mas eu acho engraçado, para te falar a verdade. Agora, eu não posso achar que isso está determinando os rumos da música. Porque é tudo assim: muito sexualizado.

O que me incomoda é que todos são meio parecidos. Todos dançam igual, o assunto é meio parecido. Eu gosto da diversidade. Sinto falta.

Sua família é espírita e você sempre falou sobre ter um ‘farol’ que te guia. Como se relaciona com a sua espiritualidade?

Eu busquei muito isso. Em grande parte da minha vida, eu li sobre isso. Até que, um dia, eu tive a sorte de ter um amigo muito íntimo, o Vicente Pereira, que escrevia peças de teatro. Eu disse assim: ‘Vicente, eu estou enjoado dessa espiritualidade que não é exercitada, que é uma coisa toda lida’. Eu queria encontrar uma coisa que ‘balançasse o meu coreto’.

Um dia, ele me ligou e disse assim: ‘Quer balançar o seu coreto? Então chegue aqui em Brasília amanhã antes das seis. Nós vamos em um lugar que eu acho que vai balançar o seu e o meu coreto’. Era o Daime. Mas eu também não entendi nada. Eu não fui a lugar nenhum, porque eu fiquei idiotamente olhando para o lado de fora.

Ney Matogrosso detalha experiência com ayahuasca. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Um dia, lá no Rio de Janeiro, [Vicente] disse: ‘Para de ser idiota. Procura dentro de você, não é no lado de fora que você vai achar nada’. Eu fechei meus olhos e começou a acontecer. Você vê você, dentro de você, seu sentimento e seu pensamento. Fiquei um ano e meio tomando [ayahuasca] e, um dia, eu disse: ‘Para mim, está bom. Tudo que tinha que me oferecer de informação, já ofereceu. Daqui para frente, eu vou tentar sozinho’.

A vitalidade não é um problema para você - você tem ginga para dar e vender e, esses dias, até mostrou sua mãe, com 102 anos. Mas, recentemente, você teve uma virose e, mesmo que não tenha sido nada, você deu um susto nos seus fãs. Como você lida com essa questão da passagem do tempo?

Com a maior naturalidade. Mesmo. Não é da boca para fora.

Serviço - Ney Matogrosso (Bloco Na Rua - Ginga Pra Dar e Vender)

  • Data: 10 de agosto 2024
  • Local: Allianz Parque - R. Palestra Itália, 200, Água Branca
  • Classificação Etária: 16 anos. Menores de 16 anos somente acompanhados dos pais ou do responsável legal. Não é permitida a entrada de menores de 0 a 5 anos
  • Ingressos: A partir de R$ 100 (ingresso social, Cadeira Superior)
  • Vendas online em: http://www.eventim.com.br/neymatogrosso
  • Bilheteria oficial: Allianz Parque - Endereço: Rua Palestra Itália, 200 – Portão A – Perdizes - São Paulo/SP
  • Funcionamento: Terça a sábado das 10h às 17h

A voz inconfundível vai ecoar em um dos maiores estádios da capital paulista neste sábado, 10. Ney Matogrosso se prepara para o que pode ser um dos maiores shows da carreira no Allianz Parque, em São Paulo. A turnê Bloco Na Rua, com a qual ele excursiona desde 2019, ganhou novo verniz e virou Bloco na Rua – Ginga pra Dar & Vender para esta apresentação.

É verdade que Ney tem “ginga pra dar e vender”. Aos 83 anos completados no último dia 1º, ele se prepara não apenas para o show grandioso, mas também para lançar faixas que fez em parceria com nomes da música de que gosta. A primeira, a inédita Teu Sangue, parceria com a banda Hecto, chegou às plataformas digitais nesta sexta, 9. A música fará parte do álbum Canções Para Um Novo Mundo, que ele o grupo preparam, a ser lançado em novembro.

Ney recebeu o Estadão para falar sobre o “mundo menos careta” que ainda quer criar com suas canções. O cantor refletiu sobre a sua própria liberdade e a autonomia que agora enxerga neste mundo: atualmente, já se fala sobre relacionamentos abertos e poligamia. Influência dele, diz.

Ney Matogrosso leva turnê 'Bloco Na Rua' para o Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Certas coisas, porém, ainda o incomodam. O artista lamenta a “patrulha” da internet e a “homogeneização” do TikTok. “Eu gosto da diversidade. Sinto falta”, clama. Também demonstra querer criar e apresentar apenas coisas que acredita.

Ney ainda revela o que pensa sobre o futuro da música brasileira, detalha sua experiência com ayahuasca e avalia as chances de uma reunião com o Secos & Molhados. “Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil”, diz.

Estamos na véspera do show e, apesar de você já estar acostumado a fazer a turnê ‘Bloco Na Rua’, nunca havia feito com as proporções de um estádio. Como está a preparação e a expectativa?

Não com as proporções de um estádio, embora eu já tenha feito Rock in Rio mais de uma vez para mais de 100 mil pessoas. Então, é uma coisa que já me tranquiliza um pouco: saber que não é a primeira vez que eu vou encarar uma multidão.

Eu tenho esse lado que me deixa tranquilo, que é o fato de eu estar regularmente fazendo este show. Mas, claro, me dá uma ‘pilha’. Nós mudamos tudo que tínhamos de projeções. Porque, para o tamanho do espaço do estádio, do palco, o que eu tinha como projeção era muito precário. Foi tudo refeito.

Sabemos que não é apenas o dinheiro o que te motiva a fazer uma apresentação desse porte. O que te fez topar esse show agora?

Olha, eu estou com uma agenda assustadora. Nós vamos fazer e ver o que vai acontecer. E, se der tudo muito certo, continuamos fazendo. E agora com mais calma.

Ney Matogrosso avalia as chances de uma reunião com Secos e Molhados. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Imagino que o dinheiro também não te faria aceitar uma reunião com o Secos & Molhados. O que te faria topar essa reunião com o grupo?

Nada me faria topar uma reunião com Secos & Molhados. Se fosse dinheiro, eu já teria cedido lá atrás, porque houve um momento em que a Prefeitura de São Paulo ofereceu muito dinheiro para uma apresentação. Eu disse: ‘Eu estou fora’.

Não é o dinheiro. Nunca foi. Eu tenho que gostar, tenho que acreditar, tenho que estar satisfeito. E, com o Secos & Molhados, já foi. Foi maravilhoso. Por que agora vamos remendar, sendo que a história já passou há muito tempo?

Uma das grandes novidades deste show, especificamente, é o figurino que você vai usar. E, no The Town, você já fez algumas mudanças no show também, principalmente no final. Quais outras mudanças você vai fazer?

Eu já venho fazendo algumas mudanças nele, porque, como faz muito tempo que eu estou fazendo, vou mudando para ficar atraente para mim mesmo. Para essa apresentação, coloquei mais duas músicas que eu acho que vão dar muito certo: Balada do Louco [dos Mutantes] e Pro Dia Nascer Feliz [do Cazuza].

Todo mundo me pede há tanto tempo a Pro Dia Nascer Feliz. Eu disse: ‘Está bem, eu vou cantar Pro Dia Nascer Feliz, vai ser bonito lá e tal’. Mas não é meramente uma concessão.

Como você disse, você está com a agenda cheia e, quase ao mesmo tempo do show, lançou uma música com o Hecto...

É só uma das [músicas] que eu gravei com dezenas de pessoas que ainda não começaram a aparecer. Eu tenho feito muito isso: gravado com muita gente. Muita gente desconhecida, mas que eu gosto da música. Gravei com muita gente que ainda não surgiu.

Eu achei interessante o disco do Hecto ter recebido o nome ‘Canções Para Um Novo Mundo’. Há algum novo mundo que você quer criar com a sua música?

Tem muita coisa para mudar, hein? Primeiro, é papo ‘desencaretar’. É muito chato. Tudo tem patrulha, tudo as pessoas opinam.

Você se refere à música ou à sociedade?

À sociedade. Não é a música. Na música, está tudo certo. Tem música para todo gosto, não é isso? É a mentalidade mesmo que está chata.

Ney Matogrosso vai incluir 'Pro Dia Nascer Feliz' e 'Balada do Louco' no setlist de show de São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O público que vai te assistir agora não é o mesmo da[o tempo da ditadura militar. Hoje, falando sobre liberdade, ela é muito mais aceita do que antigamente...

Sim, é mais absorvido pelas pessoas. Mas tem gente chata. Gente chata vai ter sempre. Só que, agora, com essa coisa de internet, as pessoas se mostram mesmo. Mas, para te falar a verdade, nada disso me aborrece. Eu estou aqui falando [sobre a internet] com você, mas eu não carrego comigo.

Mas ter essa abertura maior do público muda a sua relação com os palcos?

Não muda. Minha história com o palco não muda. Claro que é muito bom ser aceito, é muito bom ser reconhecido. Mas eu nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém.

Você resolveu assumir um tom mais emocional na sua carreira. Sempre fala do relacionamento com o Cazuza, do beijo na bochecha que melhorou sua relação com seu pai, cantava a música ‘Amor ' com o Secos e Molhados. Você acredita que o amor dessa forma mais ampla é o que te move?

Tudo que eu faço é com muito amor. Se não tivesse amor na história, eu não estaria [trabalhando] até hoje. Existe um amor louco por aquilo que eu faço e pelas pessoas. Eu sou muito bem tratado. Estou reclamando de um lado das pessoas, mas tem outro, que são as pessoas só me tratam bem.

E você acha que a sua liberdade ainda incomoda, seja nos palcos ou fora deles?

Pode incomodar, mas eu nunca fiz para agredir. Nada do que eu fiz até hoje foi para agredir. Nunca foi a minha intenção. Se agrediu, é porque as pessoas não estavam preparadas para aquele ser humano ali.

Eu nunca fiz nada intencionalmente para chocar ou para agredir. Eu queria me liberar, que é um direito meu. E quero me liberar até hoje.

Ney Matogrosso

'Nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém', diz Ney Matogrosso. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O que é liberdade atualmente para você?

A liberdade está muito restrita também porque tem esse julgamento excessivo. As pessoas não têm muita facilidade de aceitar que cada uma seja de um jeito. E nós temos que aceitar isso. Não tem como mudar. Cada um é um.

Todas as pessoas têm o direito à manifestação, seja qual for. Eu defendo isso: liberdade para todas as pessoas. Agora, a minha liberdade tem um limite. Quando vejo que estou invadindo alguma coisa, me recolho.

Ainda falando sobre liberdade, você sempre foi muito aberto sobre a questão sexual, falou sobre isso em suas entrevistas...

Eu entendi isso na primeira entrevista que eu fiz. Eles me perguntaram sobre sexualidade e eu respondi sobre sexo. Quando eu fui ler, estava [que eu tinha falado] sobre amor. Como aquilo não era um problema para mim, acho que as pessoas têm que aceitar. Por que eu vou esconder alguma coisa?

Antigamente, as gravadoras queriam que eu dissesse que eu tinha 20 anos, mas eu já tinha 31. Eu disse: ‘Não vou diminuir a minha idade’. Eu tenho que falar dessas coisas. Como é que eu não vou falar? Eu acho que isso, na verdade, é um respeito pelas pessoas. Eu não estou aqui fingindo ser uma coisa que eu não sou.

Talvez isso tenha feito muitos se identificarem com você...

Sim, muitos se identificaram. Outros não, mas também está tudo certo. Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil. Nunca tive.

Ney Matogrosso fará maior show da carreira neste sábado, 10, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Imagino que você tem acompanhado que, hoje em dia, muitas pessoas têm falado sobre relacionamento aberto, poligamia, etc. Você vê isso como positivo?

Eu acho positivo você poder se expressar, porque a sexualidade faz parte do ser humano. Para que ocultar? Para que fingir? Para que mentir? Eu acho muito mais saudável quando as pessoas são mais assim, abertas.

Você acha que você teve influência para que as pessoas falem mais sobre isso?

Eu acho que sim. Você lembra de alguém falando desse assunto antes de eu chegar? Mas eu também não trabalhei para isso. Eu dizia: ‘Não se satisfaçam com a minha liberdade, cada um é dono da sua vida’. Acho bom que as pessoas estejam mais liberadas desses assuntos, desses tabus.

Muita gente diz que o ‘auge’ da música brasileira aconteceu com você, Cazuza, Gil, Chico. É um pensamento saudosista?

Eu não sei se vai aparecer outro Chico...

Nem outro Ney...

Sim, nem outro Caetano, nem outra Gal, nem outra Bethânia... São pessoas muito específicas no seu tempo. Todos vieram para romper barreiras. Mesmo Rita Lee, que nunca falou de sexo, mas rompeu muitas barreiras com a atitude dela. Adorava Rita.

Como você enxerga o futuro da música?

Não sei te dizer, porque agora eu ouço umas coisas... Nesse TikTok aparece muita loucura. As pessoas cantam absurdos, tudo tem uma ‘dancinha’ e é todo mundo igual. Mas eu acho engraçado, para te falar a verdade. Agora, eu não posso achar que isso está determinando os rumos da música. Porque é tudo assim: muito sexualizado.

O que me incomoda é que todos são meio parecidos. Todos dançam igual, o assunto é meio parecido. Eu gosto da diversidade. Sinto falta.

Sua família é espírita e você sempre falou sobre ter um ‘farol’ que te guia. Como se relaciona com a sua espiritualidade?

Eu busquei muito isso. Em grande parte da minha vida, eu li sobre isso. Até que, um dia, eu tive a sorte de ter um amigo muito íntimo, o Vicente Pereira, que escrevia peças de teatro. Eu disse assim: ‘Vicente, eu estou enjoado dessa espiritualidade que não é exercitada, que é uma coisa toda lida’. Eu queria encontrar uma coisa que ‘balançasse o meu coreto’.

Um dia, ele me ligou e disse assim: ‘Quer balançar o seu coreto? Então chegue aqui em Brasília amanhã antes das seis. Nós vamos em um lugar que eu acho que vai balançar o seu e o meu coreto’. Era o Daime. Mas eu também não entendi nada. Eu não fui a lugar nenhum, porque eu fiquei idiotamente olhando para o lado de fora.

Ney Matogrosso detalha experiência com ayahuasca. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Um dia, lá no Rio de Janeiro, [Vicente] disse: ‘Para de ser idiota. Procura dentro de você, não é no lado de fora que você vai achar nada’. Eu fechei meus olhos e começou a acontecer. Você vê você, dentro de você, seu sentimento e seu pensamento. Fiquei um ano e meio tomando [ayahuasca] e, um dia, eu disse: ‘Para mim, está bom. Tudo que tinha que me oferecer de informação, já ofereceu. Daqui para frente, eu vou tentar sozinho’.

A vitalidade não é um problema para você - você tem ginga para dar e vender e, esses dias, até mostrou sua mãe, com 102 anos. Mas, recentemente, você teve uma virose e, mesmo que não tenha sido nada, você deu um susto nos seus fãs. Como você lida com essa questão da passagem do tempo?

Com a maior naturalidade. Mesmo. Não é da boca para fora.

Serviço - Ney Matogrosso (Bloco Na Rua - Ginga Pra Dar e Vender)

  • Data: 10 de agosto 2024
  • Local: Allianz Parque - R. Palestra Itália, 200, Água Branca
  • Classificação Etária: 16 anos. Menores de 16 anos somente acompanhados dos pais ou do responsável legal. Não é permitida a entrada de menores de 0 a 5 anos
  • Ingressos: A partir de R$ 100 (ingresso social, Cadeira Superior)
  • Vendas online em: http://www.eventim.com.br/neymatogrosso
  • Bilheteria oficial: Allianz Parque - Endereço: Rua Palestra Itália, 200 – Portão A – Perdizes - São Paulo/SP
  • Funcionamento: Terça a sábado das 10h às 17h

A voz inconfundível vai ecoar em um dos maiores estádios da capital paulista neste sábado, 10. Ney Matogrosso se prepara para o que pode ser um dos maiores shows da carreira no Allianz Parque, em São Paulo. A turnê Bloco Na Rua, com a qual ele excursiona desde 2019, ganhou novo verniz e virou Bloco na Rua – Ginga pra Dar & Vender para esta apresentação.

É verdade que Ney tem “ginga pra dar e vender”. Aos 83 anos completados no último dia 1º, ele se prepara não apenas para o show grandioso, mas também para lançar faixas que fez em parceria com nomes da música de que gosta. A primeira, a inédita Teu Sangue, parceria com a banda Hecto, chegou às plataformas digitais nesta sexta, 9. A música fará parte do álbum Canções Para Um Novo Mundo, que ele o grupo preparam, a ser lançado em novembro.

Ney recebeu o Estadão para falar sobre o “mundo menos careta” que ainda quer criar com suas canções. O cantor refletiu sobre a sua própria liberdade e a autonomia que agora enxerga neste mundo: atualmente, já se fala sobre relacionamentos abertos e poligamia. Influência dele, diz.

Ney Matogrosso leva turnê 'Bloco Na Rua' para o Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Certas coisas, porém, ainda o incomodam. O artista lamenta a “patrulha” da internet e a “homogeneização” do TikTok. “Eu gosto da diversidade. Sinto falta”, clama. Também demonstra querer criar e apresentar apenas coisas que acredita.

Ney ainda revela o que pensa sobre o futuro da música brasileira, detalha sua experiência com ayahuasca e avalia as chances de uma reunião com o Secos & Molhados. “Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil”, diz.

Estamos na véspera do show e, apesar de você já estar acostumado a fazer a turnê ‘Bloco Na Rua’, nunca havia feito com as proporções de um estádio. Como está a preparação e a expectativa?

Não com as proporções de um estádio, embora eu já tenha feito Rock in Rio mais de uma vez para mais de 100 mil pessoas. Então, é uma coisa que já me tranquiliza um pouco: saber que não é a primeira vez que eu vou encarar uma multidão.

Eu tenho esse lado que me deixa tranquilo, que é o fato de eu estar regularmente fazendo este show. Mas, claro, me dá uma ‘pilha’. Nós mudamos tudo que tínhamos de projeções. Porque, para o tamanho do espaço do estádio, do palco, o que eu tinha como projeção era muito precário. Foi tudo refeito.

Sabemos que não é apenas o dinheiro o que te motiva a fazer uma apresentação desse porte. O que te fez topar esse show agora?

Olha, eu estou com uma agenda assustadora. Nós vamos fazer e ver o que vai acontecer. E, se der tudo muito certo, continuamos fazendo. E agora com mais calma.

Ney Matogrosso avalia as chances de uma reunião com Secos e Molhados. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Imagino que o dinheiro também não te faria aceitar uma reunião com o Secos & Molhados. O que te faria topar essa reunião com o grupo?

Nada me faria topar uma reunião com Secos & Molhados. Se fosse dinheiro, eu já teria cedido lá atrás, porque houve um momento em que a Prefeitura de São Paulo ofereceu muito dinheiro para uma apresentação. Eu disse: ‘Eu estou fora’.

Não é o dinheiro. Nunca foi. Eu tenho que gostar, tenho que acreditar, tenho que estar satisfeito. E, com o Secos & Molhados, já foi. Foi maravilhoso. Por que agora vamos remendar, sendo que a história já passou há muito tempo?

Uma das grandes novidades deste show, especificamente, é o figurino que você vai usar. E, no The Town, você já fez algumas mudanças no show também, principalmente no final. Quais outras mudanças você vai fazer?

Eu já venho fazendo algumas mudanças nele, porque, como faz muito tempo que eu estou fazendo, vou mudando para ficar atraente para mim mesmo. Para essa apresentação, coloquei mais duas músicas que eu acho que vão dar muito certo: Balada do Louco [dos Mutantes] e Pro Dia Nascer Feliz [do Cazuza].

Todo mundo me pede há tanto tempo a Pro Dia Nascer Feliz. Eu disse: ‘Está bem, eu vou cantar Pro Dia Nascer Feliz, vai ser bonito lá e tal’. Mas não é meramente uma concessão.

Como você disse, você está com a agenda cheia e, quase ao mesmo tempo do show, lançou uma música com o Hecto...

É só uma das [músicas] que eu gravei com dezenas de pessoas que ainda não começaram a aparecer. Eu tenho feito muito isso: gravado com muita gente. Muita gente desconhecida, mas que eu gosto da música. Gravei com muita gente que ainda não surgiu.

Eu achei interessante o disco do Hecto ter recebido o nome ‘Canções Para Um Novo Mundo’. Há algum novo mundo que você quer criar com a sua música?

Tem muita coisa para mudar, hein? Primeiro, é papo ‘desencaretar’. É muito chato. Tudo tem patrulha, tudo as pessoas opinam.

Você se refere à música ou à sociedade?

À sociedade. Não é a música. Na música, está tudo certo. Tem música para todo gosto, não é isso? É a mentalidade mesmo que está chata.

Ney Matogrosso vai incluir 'Pro Dia Nascer Feliz' e 'Balada do Louco' no setlist de show de São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O público que vai te assistir agora não é o mesmo da[o tempo da ditadura militar. Hoje, falando sobre liberdade, ela é muito mais aceita do que antigamente...

Sim, é mais absorvido pelas pessoas. Mas tem gente chata. Gente chata vai ter sempre. Só que, agora, com essa coisa de internet, as pessoas se mostram mesmo. Mas, para te falar a verdade, nada disso me aborrece. Eu estou aqui falando [sobre a internet] com você, mas eu não carrego comigo.

Mas ter essa abertura maior do público muda a sua relação com os palcos?

Não muda. Minha história com o palco não muda. Claro que é muito bom ser aceito, é muito bom ser reconhecido. Mas eu nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém.

Você resolveu assumir um tom mais emocional na sua carreira. Sempre fala do relacionamento com o Cazuza, do beijo na bochecha que melhorou sua relação com seu pai, cantava a música ‘Amor ' com o Secos e Molhados. Você acredita que o amor dessa forma mais ampla é o que te move?

Tudo que eu faço é com muito amor. Se não tivesse amor na história, eu não estaria [trabalhando] até hoje. Existe um amor louco por aquilo que eu faço e pelas pessoas. Eu sou muito bem tratado. Estou reclamando de um lado das pessoas, mas tem outro, que são as pessoas só me tratam bem.

E você acha que a sua liberdade ainda incomoda, seja nos palcos ou fora deles?

Pode incomodar, mas eu nunca fiz para agredir. Nada do que eu fiz até hoje foi para agredir. Nunca foi a minha intenção. Se agrediu, é porque as pessoas não estavam preparadas para aquele ser humano ali.

Eu nunca fiz nada intencionalmente para chocar ou para agredir. Eu queria me liberar, que é um direito meu. E quero me liberar até hoje.

Ney Matogrosso

'Nunca mudei a minha história na música para agradar ninguém', diz Ney Matogrosso. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O que é liberdade atualmente para você?

A liberdade está muito restrita também porque tem esse julgamento excessivo. As pessoas não têm muita facilidade de aceitar que cada uma seja de um jeito. E nós temos que aceitar isso. Não tem como mudar. Cada um é um.

Todas as pessoas têm o direito à manifestação, seja qual for. Eu defendo isso: liberdade para todas as pessoas. Agora, a minha liberdade tem um limite. Quando vejo que estou invadindo alguma coisa, me recolho.

Ainda falando sobre liberdade, você sempre foi muito aberto sobre a questão sexual, falou sobre isso em suas entrevistas...

Eu entendi isso na primeira entrevista que eu fiz. Eles me perguntaram sobre sexualidade e eu respondi sobre sexo. Quando eu fui ler, estava [que eu tinha falado] sobre amor. Como aquilo não era um problema para mim, acho que as pessoas têm que aceitar. Por que eu vou esconder alguma coisa?

Antigamente, as gravadoras queriam que eu dissesse que eu tinha 20 anos, mas eu já tinha 31. Eu disse: ‘Não vou diminuir a minha idade’. Eu tenho que falar dessas coisas. Como é que eu não vou falar? Eu acho que isso, na verdade, é um respeito pelas pessoas. Eu não estou aqui fingindo ser uma coisa que eu não sou.

Talvez isso tenha feito muitos se identificarem com você...

Sim, muitos se identificaram. Outros não, mas também está tudo certo. Não tenho a ilusão de que vou agradar a toda a população do Brasil. Nunca tive.

Ney Matogrosso fará maior show da carreira neste sábado, 10, em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Imagino que você tem acompanhado que, hoje em dia, muitas pessoas têm falado sobre relacionamento aberto, poligamia, etc. Você vê isso como positivo?

Eu acho positivo você poder se expressar, porque a sexualidade faz parte do ser humano. Para que ocultar? Para que fingir? Para que mentir? Eu acho muito mais saudável quando as pessoas são mais assim, abertas.

Você acha que você teve influência para que as pessoas falem mais sobre isso?

Eu acho que sim. Você lembra de alguém falando desse assunto antes de eu chegar? Mas eu também não trabalhei para isso. Eu dizia: ‘Não se satisfaçam com a minha liberdade, cada um é dono da sua vida’. Acho bom que as pessoas estejam mais liberadas desses assuntos, desses tabus.

Muita gente diz que o ‘auge’ da música brasileira aconteceu com você, Cazuza, Gil, Chico. É um pensamento saudosista?

Eu não sei se vai aparecer outro Chico...

Nem outro Ney...

Sim, nem outro Caetano, nem outra Gal, nem outra Bethânia... São pessoas muito específicas no seu tempo. Todos vieram para romper barreiras. Mesmo Rita Lee, que nunca falou de sexo, mas rompeu muitas barreiras com a atitude dela. Adorava Rita.

Como você enxerga o futuro da música?

Não sei te dizer, porque agora eu ouço umas coisas... Nesse TikTok aparece muita loucura. As pessoas cantam absurdos, tudo tem uma ‘dancinha’ e é todo mundo igual. Mas eu acho engraçado, para te falar a verdade. Agora, eu não posso achar que isso está determinando os rumos da música. Porque é tudo assim: muito sexualizado.

O que me incomoda é que todos são meio parecidos. Todos dançam igual, o assunto é meio parecido. Eu gosto da diversidade. Sinto falta.

Sua família é espírita e você sempre falou sobre ter um ‘farol’ que te guia. Como se relaciona com a sua espiritualidade?

Eu busquei muito isso. Em grande parte da minha vida, eu li sobre isso. Até que, um dia, eu tive a sorte de ter um amigo muito íntimo, o Vicente Pereira, que escrevia peças de teatro. Eu disse assim: ‘Vicente, eu estou enjoado dessa espiritualidade que não é exercitada, que é uma coisa toda lida’. Eu queria encontrar uma coisa que ‘balançasse o meu coreto’.

Um dia, ele me ligou e disse assim: ‘Quer balançar o seu coreto? Então chegue aqui em Brasília amanhã antes das seis. Nós vamos em um lugar que eu acho que vai balançar o seu e o meu coreto’. Era o Daime. Mas eu também não entendi nada. Eu não fui a lugar nenhum, porque eu fiquei idiotamente olhando para o lado de fora.

Ney Matogrosso detalha experiência com ayahuasca. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Um dia, lá no Rio de Janeiro, [Vicente] disse: ‘Para de ser idiota. Procura dentro de você, não é no lado de fora que você vai achar nada’. Eu fechei meus olhos e começou a acontecer. Você vê você, dentro de você, seu sentimento e seu pensamento. Fiquei um ano e meio tomando [ayahuasca] e, um dia, eu disse: ‘Para mim, está bom. Tudo que tinha que me oferecer de informação, já ofereceu. Daqui para frente, eu vou tentar sozinho’.

A vitalidade não é um problema para você - você tem ginga para dar e vender e, esses dias, até mostrou sua mãe, com 102 anos. Mas, recentemente, você teve uma virose e, mesmo que não tenha sido nada, você deu um susto nos seus fãs. Como você lida com essa questão da passagem do tempo?

Com a maior naturalidade. Mesmo. Não é da boca para fora.

Serviço - Ney Matogrosso (Bloco Na Rua - Ginga Pra Dar e Vender)

  • Data: 10 de agosto 2024
  • Local: Allianz Parque - R. Palestra Itália, 200, Água Branca
  • Classificação Etária: 16 anos. Menores de 16 anos somente acompanhados dos pais ou do responsável legal. Não é permitida a entrada de menores de 0 a 5 anos
  • Ingressos: A partir de R$ 100 (ingresso social, Cadeira Superior)
  • Vendas online em: http://www.eventim.com.br/neymatogrosso
  • Bilheteria oficial: Allianz Parque - Endereço: Rua Palestra Itália, 200 – Portão A – Perdizes - São Paulo/SP
  • Funcionamento: Terça a sábado das 10h às 17h
Entrevista por Sabrina Legramandi

Repórter de Cultura do Estadão

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.