É com muita sorte que se encontra uma cópia de Brazilian Duos nas lojas de CDs de Manhattan. Por causa de um atraso na concepção da capa, o quarto álbum da cantora paulista Luciana Souza, de 35 anos, ficou pronto somente no fim de agosto. Mal deu tempo de os primeiros pedidos serem entregues e os ataques terroristas do dia 11 de setembro fizeram a gravadora independente americana Sunnyside mudar de idéia e segurar o lançamento oficial para 2002. Brazilian Duos chega às lojas americanas ainda nesta quinzena, mas, para o deleite de Luciana, o primeiro trabalho em que ela interpreta músicas de compositores brasileiros famosos, incluindo três faixas compostas pelos pais dela, foi eleito um dos dez melhores lançamentos de 2001, na área de jazz, pelo jornal The New York Times. O trabalho ocupou o quarto lugar da lista do crítico Ben Ratliff, atrás somente dos novos lançamentos do pianista Jason Moran, do duo inglês de dance music Basement Jaxx e do saxofonista Charlie Haden. Segundo Ratliff, o novo CD de Luciana "é uma modesta e inteligente coletânea de canções brasileiras em duetos de voz e violão". O mesmo jornalista diz que a voz da paulista é a de "um contralto sensível e finamente calibrado". "Fico feliz por esse reconhecimento, pois é um disco idealizado para ser simples; algo real, sem maiores trabalhos de pós-produção; apenas um registro natural de voz e violão", explicou Luciana em entrevista ao Estado. Figurar na lista dos melhores do ano da música do New York Times não é novidade para Luciana. No fim de 2000, o mesmo crítico elegeu o terceiro CD da cantora, The Poems of Elizabeth Bishop and Other Songs, como o quinto melhor daquele ano. Em agosto, a revista Down Beat, em sua lista anual dos melhores, colocou Luciana no rol dos "talentos que merecem reconhecimento". Desconhecida do grande público em seu país, Luciana não faz a linha dos músicos nacionais aclamados primeiramente no Exterior e que se ressentem do descaso das gravadoras nacionais. Segundo Luciana, ela está feliz sendo "pequena" e "independente". "Desde que comecei a ter a música como meu ganha-pão por aqui, queria encontrar um nicho de trabalho onde pudesse valer-me de uma grande liberdade. Felizmente eu encontrei", explica. "No Brasil, acho que existe uma propensão constante de ser mega", continua. "Eu acredito em outras medidas: em vez de ser a colher de sopa, eu prefiro ser a de chá." Brazilian Duos foi gravado em duas sessões: num estúdio de Nova York e no Nosso Estúdio, cujo dono é o pai dela (o compositor e violinista Walter Santos), em São Paulo. O CD abre com a faixa Baião Medley, uma mistura de dois baiões de Luís Gonzaga e Humberto Teixeira (Respeita Januário e Qui Nem Jiló) com um de Djavan (Romance). "Gravar esse ritmo imortalizado por Gonzagão foi uma espécie de homenagem a meu pai, grande amigo do rei do baião na época em que ainda moravam em Juazeiro, na Bahia", conta. Luciana também grava pela primeira vez composições de seus pais (a mãe da cantora é a letrista carioca Tereza Sousa), que assinam as composições Amanhã, O Bolo e Docemente. Entre os clássicos da MPB de seu novo repertório estão Pra Que Discutir com Madame (Janet de Almeida/Haroldo Barbosa); Pra Dizer Adeus (Edu Lobo/Torquato Neto); Eu não Existo sem Você (Tom Jobim/Vinicius de Moraes); Saudade da Bahia (Dorival Caymmi) e As Praias Desertas (Jobim). Ela é acompanhada no CD por Romero Lubambo, Marco Pereira e o pai. Antes de se mudar definitivamente para os EUA em 1995, Luciana estudou composição de jazz com a bolsa que ganhou para o Berklee College of Music, em Boston, aos 18 anos. Mais tarde, em 1994, ela faria o bacharelado no New England Conservatory, também em Boston. Entre os dois cursos, Luciana morou no Brasil. Em 1989, na Unicamp, fez parte da equipe do maestro Benito Juarez, responsável pelo primeiro curso de música popular criado numa universidade brasileira. Luciana ministrou aulas de teoria de arranjo e voz. "Foi um grande período, pois também comecei a me apresentar em São Paulo, colaborei com vários músicos, além de conseguir um público fiel e respeito da crítica", conta. Ela também empresta sua voz a dois álbuns que receberam indicações para o Grammy, Golijov: La Pásion Según San Marcos, na categoria de melhor performance de coral, e Communion, de John Patitucci, finalista de melhor composição instrumental. Balé - O gosto pelo academicismo coloca Luciana em outra liga de cantoras brasileiras. De março a novembro, ao acompanhar a turnê Motherland do pianista americano de ascendência panamenha Danilo Perez (a cantora faz backing vocal em sete canções desse CD, lançado em 2000) por várias cidades americanas, Luciana arranjou tempo de ministrar master classes para estudantes de música locais, nas manhãs seguintes às das suas apresentações. Mesmo com um CD novo para divulgar, Luciana tem outros projetos paralelos. Em março, com a Sinfônica de Atlanta, emprestará voz a algumas composições do balé El Amor Brujo, do compositor espanhol Manuel de Falla. Em meados de 2002, acompanhando a Filarmônica de Los Angeles, ela vai interpretar árias de La Passión Según San Marcos, do compositor argentino Osvaldo Golijov. Dos músicos do cenário do jazz americano, Luciana diz gostar ("mas sem querer fazer média") da turma com quem já gravou: além de Perez, o guitarrista Kurt Rosenwinkel, o saxofonista Nik Turner. Ela também cita a cantora e compositora Maria Schneider e Diana Krall. "No Brasil, nos últimos tempos, gosto muito de Lenine e Marco Suzano", revela. "Também curto os trabalhos de Nana Caymmi, Rosa Passos, Djavan e todos os relançamentos dos CDs de Gil e Caetano da década de 70." Brazilian Duos ainda não tem data de lançamento no Brasil. O CD pode ser adquirido, via o site da Sunnyside, www.sunnysidezone.compor US$ 12,95.