O Elvis Presley que o filme esconde mas que a história precisa reavaliar; leia análise


Acusado de ter se apropriado do maior baú cultural dos negros sem nunca dividir com eles a recompensa, Elvis é perigosamente santificado na produção de Baz Luhrmann

Por Julio Maria
Atualização:

Elvis Presley, afinal, roubou a música negra sem dar justo crédito às fontes? Foi de fato o primeiro caso de sucesso de apropriação racial da cultura pop? Explorou o que recebeu na infância junto aos bluesmen e blueswomen de Tupelo e depois de Memphis sem oferecer nenhuma contrapartida ao enriquecer com Hound Dog, gravada primeiro pela grandiosa e miserável Big Mama Thornton? Seria ele o agente ideal para a legitimação higienista que levaria à industrialização em larga escala de um produto criado por uma gente marginal e "não comercializável"? O filme O Rei do Rock, o melhor retrato biográfico feito até aqui por um cineasta, Baz Luhrmann, não responde a nada disso porque também não deixa ninguém perguntar. É inebriante como estética, sagaz como roteiro, indispensável como entretenimento, exuberante como cinema e incômodo como fonte histórica.

Elvis Presley: mito incontestável? Foto: EPE

As contestações a seu reinado já foram feitas pelos próprios músicos negros e socialmente invisíveis desde que os milhões de dólares começaram a entrar pelos dutos deitados ao redor da Elvis Presley Enterprises – coisa do felino Coronel Tom Parker, seu contraditório agente –, mas uma problemática volta a perturbar a cabeça de um mundo atento que passou a revistar tudo e todos, sobretudo os heróis. Elvis Presley, branco, bonito, sulista, passivo, um tanto mal informado e futuro colecionador de armas, teria o perfil perfeito para servir nas fileiras de um campo político conservador muito fortalecido nos últimos tempos. Mas ele era Elvis Presley e, apesar das acusação de ter vilipendiado um acervo que já contabilizava quase cem anos de existência, o blues, o que fica para a história é o que ele fez com isso. Se Elvis usou o blues para “encontrar a si mesmo”, o blues também usou Elvis para deixar o country dos brancos separatistas verde de raiva e de inveja. Graças a Elvis, o rock and roll seria mais negro do que de qualquer outra cor. Mas o desagradável é que, tirando Elvis, sua família e Tom Parker, ninguém mais, nem branco nem negro, viu a cor de um centavo de dólar nessa história.

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Ray Charles, até então denominado em capas de discos como o rei de quase tudo o que havia ali, do soul, do gospel, do R&B e, mesmo sem ser, do blues, disse o que pensava sobre Elvis apenas em 1994, em entrevista à NBC: “Dizer que Elvis foi tão grande e tão notável como se ele fosse o rei... Mas rei de quê? Conheço muitos artistas melhores. Ele estava fazendo nosso tipo de música”. Quincy Jones, o homem que fez Michael Jackson ser o Elvis negro com Thriller apenas em 1982, disse ao Hollywood Reporter: “Eu compunha para Tommy Dorsey e, meu Deus, eram os anos 50. Elvis chegou e Tommy falou: ‘Não quero tocar com ele’. Elvis era um racista filho da p.... Vou fechar a boca agora”. Mas não fechou, e seguiu soltando acusações sobre o talento contestável do artista. Little Richards fez um alinhamento interessante em 1990, enquanto falava à revista Rolling Stone: “Se Elvis fosse negro, ele não seria tão grande quanto eu era. Se eu fosse branco, você sabe o quão grande eu seria? Se eu fosse branco, eu poderia sentar no topo da Casa Branca! Muitas coisas que eles fariam por Elvis eles não fariam por mim.”

O atorAustin Butler como Elvis em 'O Rei do Rock' Foto: Universal

Há ressentimento em tudo e, como qualquer avaliação erguida por esse estado quase irracional de pré ódio, um tanto de injustiça. Ao entrevistar Ike Turner em 2004 para o Jornal da Tarde, perguntei a ele o que sentia sobre Elvis Presley. E Ike, das profundezas da credibilidade de um homem que passou alguns anos da vida batendo em sua mulher, no caso, Tina Turner, disparou: “Tudo o que Elvis fez foi roubar a música dos negros.” Miles Davis não se refere a Elvis diretamente, mas nem precisa quando ele se lembra da chegada do fenômeno dos roqueiros, nos anos 50, em sua autobiografia: “Agora, o rock and roll estava em primeiro plano na mídia. Rock and roll branco roubado do rythm ‘n’ blues preto, de gente como Little Richard e Chuck Berry e do som da Motown.” Apesar de suas avaliações serem legítimas, Ike e Miles, que não tinham muito em comum apesar de Miles ser também, e confessadamente, um espancador de mulheres, falavam com algum azedume na voz. Um azedume por algo que não conseguiram ter.

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Outro estrago feito por Elvis tem matriz no expansionismo cultural praticado pelos Estados Unidos a partir de sua existência mas que, apesar de tê-lo como o Napoleão da história, foge às suas intenções. Ao dar certo nas mãos de Coronel Parker, Elvis, para inventar o show biz, arrasou terras férteis de uma gente que o mundo jamais conheceria. Estava tudo indo bem nas rádios, com espaços bem divididos entre grupos divertidos de skiffle, conjuntos vocais de doo-wop, pianistas negros de boogie woogie, duplas comportadas de bluegrass e raivosas bandas de rockabilly. Até Elvis vir e acabar com o sonho de tudo o que não era rock and roll.

Big Mama Thourton: a primeira a gravar 'Hound Dog' Foto: Mississippi Archives

O que não foi dilacerado e se manteve de pé teve de fazer alianças muitas vezes amargas. Frank Sinatra, por exemplo, odiou Elvis, mais jovem, mais bonito e mais alto, e todos que surgiram antes e depois dele fazendo "aquela música". “O rock and roll tem um cheiro falso. É cantado e escrito em sua maior parte por idiotas cretinos. A forma de expressão mais brutal, feia, desesperada e cruel que tive a infelicidade de ouvir.” Mas, anos depois, tal qual Elis Regina fez com Roberto Carlos ao perceber que a luta ali era perdida, deu o dedinho de amigo e encontrou o ex-rival em um programa de Ed Sullivan para cantarem juntos.

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Muitas avaliações sobre Elvis foram refeitas ou feitas como defesa idólatra. BB King, que aparece no filme como um amigo que o cantor, na real, nunca teve de forma tão próxima, o isentou de qualquer acusação em sua autobiografia. “Elvis não roubou nenhuma música de ninguém. Ele só tinha sua própria interpretação da música que conheceu quando criança, o mesmo vale para todos”. BB, diga-se, sempre foi um pacifista. Little Richard foi contra o que havia dito antes e afirmou: “Elvis foi um integrador, uma bênção. Eles não deixavam a música negra aparecer, e ele abriu as portas para ela.” Rufus Thomas, que fez sua Walking the Dog ser mais divertida do que Hound Dog até ser vilipendiado pelos Rolling Stones (isso não acaba nunca), disse: “Muita gente diz que Elvis roubou nossa música, que roubou a música do homem negro. Mas o homem negro, o homem branco, não são donos da música. A música pertence ao universo.”

Veja o encontro histórico (e estratégico) com Frank Sinatra em 1959, no 'Ed Sullivan Show'

Elvis Presley, afinal, roubou a música negra sem dar justo crédito às fontes? Foi de fato o primeiro caso de sucesso de apropriação racial da cultura pop? Explorou o que recebeu na infância junto aos bluesmen e blueswomen de Tupelo e depois de Memphis sem oferecer nenhuma contrapartida ao enriquecer com Hound Dog, gravada primeiro pela grandiosa e miserável Big Mama Thornton? Seria ele o agente ideal para a legitimação higienista que levaria à industrialização em larga escala de um produto criado por uma gente marginal e "não comercializável"? O filme O Rei do Rock, o melhor retrato biográfico feito até aqui por um cineasta, Baz Luhrmann, não responde a nada disso porque também não deixa ninguém perguntar. É inebriante como estética, sagaz como roteiro, indispensável como entretenimento, exuberante como cinema e incômodo como fonte histórica.

Elvis Presley: mito incontestável? Foto: EPE

As contestações a seu reinado já foram feitas pelos próprios músicos negros e socialmente invisíveis desde que os milhões de dólares começaram a entrar pelos dutos deitados ao redor da Elvis Presley Enterprises – coisa do felino Coronel Tom Parker, seu contraditório agente –, mas uma problemática volta a perturbar a cabeça de um mundo atento que passou a revistar tudo e todos, sobretudo os heróis. Elvis Presley, branco, bonito, sulista, passivo, um tanto mal informado e futuro colecionador de armas, teria o perfil perfeito para servir nas fileiras de um campo político conservador muito fortalecido nos últimos tempos. Mas ele era Elvis Presley e, apesar das acusação de ter vilipendiado um acervo que já contabilizava quase cem anos de existência, o blues, o que fica para a história é o que ele fez com isso. Se Elvis usou o blues para “encontrar a si mesmo”, o blues também usou Elvis para deixar o country dos brancos separatistas verde de raiva e de inveja. Graças a Elvis, o rock and roll seria mais negro do que de qualquer outra cor. Mas o desagradável é que, tirando Elvis, sua família e Tom Parker, ninguém mais, nem branco nem negro, viu a cor de um centavo de dólar nessa história.

Ray Charles, até então denominado em capas de discos como o rei de quase tudo o que havia ali, do soul, do gospel, do R&B e, mesmo sem ser, do blues, disse o que pensava sobre Elvis apenas em 1994, em entrevista à NBC: “Dizer que Elvis foi tão grande e tão notável como se ele fosse o rei... Mas rei de quê? Conheço muitos artistas melhores. Ele estava fazendo nosso tipo de música”. Quincy Jones, o homem que fez Michael Jackson ser o Elvis negro com Thriller apenas em 1982, disse ao Hollywood Reporter: “Eu compunha para Tommy Dorsey e, meu Deus, eram os anos 50. Elvis chegou e Tommy falou: ‘Não quero tocar com ele’. Elvis era um racista filho da p.... Vou fechar a boca agora”. Mas não fechou, e seguiu soltando acusações sobre o talento contestável do artista. Little Richards fez um alinhamento interessante em 1990, enquanto falava à revista Rolling Stone: “Se Elvis fosse negro, ele não seria tão grande quanto eu era. Se eu fosse branco, você sabe o quão grande eu seria? Se eu fosse branco, eu poderia sentar no topo da Casa Branca! Muitas coisas que eles fariam por Elvis eles não fariam por mim.”

O atorAustin Butler como Elvis em 'O Rei do Rock' Foto: Universal

Há ressentimento em tudo e, como qualquer avaliação erguida por esse estado quase irracional de pré ódio, um tanto de injustiça. Ao entrevistar Ike Turner em 2004 para o Jornal da Tarde, perguntei a ele o que sentia sobre Elvis Presley. E Ike, das profundezas da credibilidade de um homem que passou alguns anos da vida batendo em sua mulher, no caso, Tina Turner, disparou: “Tudo o que Elvis fez foi roubar a música dos negros.” Miles Davis não se refere a Elvis diretamente, mas nem precisa quando ele se lembra da chegada do fenômeno dos roqueiros, nos anos 50, em sua autobiografia: “Agora, o rock and roll estava em primeiro plano na mídia. Rock and roll branco roubado do rythm ‘n’ blues preto, de gente como Little Richard e Chuck Berry e do som da Motown.” Apesar de suas avaliações serem legítimas, Ike e Miles, que não tinham muito em comum apesar de Miles ser também, e confessadamente, um espancador de mulheres, falavam com algum azedume na voz. Um azedume por algo que não conseguiram ter.

Outro estrago feito por Elvis tem matriz no expansionismo cultural praticado pelos Estados Unidos a partir de sua existência mas que, apesar de tê-lo como o Napoleão da história, foge às suas intenções. Ao dar certo nas mãos de Coronel Parker, Elvis, para inventar o show biz, arrasou terras férteis de uma gente que o mundo jamais conheceria. Estava tudo indo bem nas rádios, com espaços bem divididos entre grupos divertidos de skiffle, conjuntos vocais de doo-wop, pianistas negros de boogie woogie, duplas comportadas de bluegrass e raivosas bandas de rockabilly. Até Elvis vir e acabar com o sonho de tudo o que não era rock and roll.

Big Mama Thourton: a primeira a gravar 'Hound Dog' Foto: Mississippi Archives

O que não foi dilacerado e se manteve de pé teve de fazer alianças muitas vezes amargas. Frank Sinatra, por exemplo, odiou Elvis, mais jovem, mais bonito e mais alto, e todos que surgiram antes e depois dele fazendo "aquela música". “O rock and roll tem um cheiro falso. É cantado e escrito em sua maior parte por idiotas cretinos. A forma de expressão mais brutal, feia, desesperada e cruel que tive a infelicidade de ouvir.” Mas, anos depois, tal qual Elis Regina fez com Roberto Carlos ao perceber que a luta ali era perdida, deu o dedinho de amigo e encontrou o ex-rival em um programa de Ed Sullivan para cantarem juntos.

Muitas avaliações sobre Elvis foram refeitas ou feitas como defesa idólatra. BB King, que aparece no filme como um amigo que o cantor, na real, nunca teve de forma tão próxima, o isentou de qualquer acusação em sua autobiografia. “Elvis não roubou nenhuma música de ninguém. Ele só tinha sua própria interpretação da música que conheceu quando criança, o mesmo vale para todos”. BB, diga-se, sempre foi um pacifista. Little Richard foi contra o que havia dito antes e afirmou: “Elvis foi um integrador, uma bênção. Eles não deixavam a música negra aparecer, e ele abriu as portas para ela.” Rufus Thomas, que fez sua Walking the Dog ser mais divertida do que Hound Dog até ser vilipendiado pelos Rolling Stones (isso não acaba nunca), disse: “Muita gente diz que Elvis roubou nossa música, que roubou a música do homem negro. Mas o homem negro, o homem branco, não são donos da música. A música pertence ao universo.”

Veja o encontro histórico (e estratégico) com Frank Sinatra em 1959, no 'Ed Sullivan Show'

Elvis Presley, afinal, roubou a música negra sem dar justo crédito às fontes? Foi de fato o primeiro caso de sucesso de apropriação racial da cultura pop? Explorou o que recebeu na infância junto aos bluesmen e blueswomen de Tupelo e depois de Memphis sem oferecer nenhuma contrapartida ao enriquecer com Hound Dog, gravada primeiro pela grandiosa e miserável Big Mama Thornton? Seria ele o agente ideal para a legitimação higienista que levaria à industrialização em larga escala de um produto criado por uma gente marginal e "não comercializável"? O filme O Rei do Rock, o melhor retrato biográfico feito até aqui por um cineasta, Baz Luhrmann, não responde a nada disso porque também não deixa ninguém perguntar. É inebriante como estética, sagaz como roteiro, indispensável como entretenimento, exuberante como cinema e incômodo como fonte histórica.

Elvis Presley: mito incontestável? Foto: EPE

As contestações a seu reinado já foram feitas pelos próprios músicos negros e socialmente invisíveis desde que os milhões de dólares começaram a entrar pelos dutos deitados ao redor da Elvis Presley Enterprises – coisa do felino Coronel Tom Parker, seu contraditório agente –, mas uma problemática volta a perturbar a cabeça de um mundo atento que passou a revistar tudo e todos, sobretudo os heróis. Elvis Presley, branco, bonito, sulista, passivo, um tanto mal informado e futuro colecionador de armas, teria o perfil perfeito para servir nas fileiras de um campo político conservador muito fortalecido nos últimos tempos. Mas ele era Elvis Presley e, apesar das acusação de ter vilipendiado um acervo que já contabilizava quase cem anos de existência, o blues, o que fica para a história é o que ele fez com isso. Se Elvis usou o blues para “encontrar a si mesmo”, o blues também usou Elvis para deixar o country dos brancos separatistas verde de raiva e de inveja. Graças a Elvis, o rock and roll seria mais negro do que de qualquer outra cor. Mas o desagradável é que, tirando Elvis, sua família e Tom Parker, ninguém mais, nem branco nem negro, viu a cor de um centavo de dólar nessa história.

Ray Charles, até então denominado em capas de discos como o rei de quase tudo o que havia ali, do soul, do gospel, do R&B e, mesmo sem ser, do blues, disse o que pensava sobre Elvis apenas em 1994, em entrevista à NBC: “Dizer que Elvis foi tão grande e tão notável como se ele fosse o rei... Mas rei de quê? Conheço muitos artistas melhores. Ele estava fazendo nosso tipo de música”. Quincy Jones, o homem que fez Michael Jackson ser o Elvis negro com Thriller apenas em 1982, disse ao Hollywood Reporter: “Eu compunha para Tommy Dorsey e, meu Deus, eram os anos 50. Elvis chegou e Tommy falou: ‘Não quero tocar com ele’. Elvis era um racista filho da p.... Vou fechar a boca agora”. Mas não fechou, e seguiu soltando acusações sobre o talento contestável do artista. Little Richards fez um alinhamento interessante em 1990, enquanto falava à revista Rolling Stone: “Se Elvis fosse negro, ele não seria tão grande quanto eu era. Se eu fosse branco, você sabe o quão grande eu seria? Se eu fosse branco, eu poderia sentar no topo da Casa Branca! Muitas coisas que eles fariam por Elvis eles não fariam por mim.”

O atorAustin Butler como Elvis em 'O Rei do Rock' Foto: Universal

Há ressentimento em tudo e, como qualquer avaliação erguida por esse estado quase irracional de pré ódio, um tanto de injustiça. Ao entrevistar Ike Turner em 2004 para o Jornal da Tarde, perguntei a ele o que sentia sobre Elvis Presley. E Ike, das profundezas da credibilidade de um homem que passou alguns anos da vida batendo em sua mulher, no caso, Tina Turner, disparou: “Tudo o que Elvis fez foi roubar a música dos negros.” Miles Davis não se refere a Elvis diretamente, mas nem precisa quando ele se lembra da chegada do fenômeno dos roqueiros, nos anos 50, em sua autobiografia: “Agora, o rock and roll estava em primeiro plano na mídia. Rock and roll branco roubado do rythm ‘n’ blues preto, de gente como Little Richard e Chuck Berry e do som da Motown.” Apesar de suas avaliações serem legítimas, Ike e Miles, que não tinham muito em comum apesar de Miles ser também, e confessadamente, um espancador de mulheres, falavam com algum azedume na voz. Um azedume por algo que não conseguiram ter.

Outro estrago feito por Elvis tem matriz no expansionismo cultural praticado pelos Estados Unidos a partir de sua existência mas que, apesar de tê-lo como o Napoleão da história, foge às suas intenções. Ao dar certo nas mãos de Coronel Parker, Elvis, para inventar o show biz, arrasou terras férteis de uma gente que o mundo jamais conheceria. Estava tudo indo bem nas rádios, com espaços bem divididos entre grupos divertidos de skiffle, conjuntos vocais de doo-wop, pianistas negros de boogie woogie, duplas comportadas de bluegrass e raivosas bandas de rockabilly. Até Elvis vir e acabar com o sonho de tudo o que não era rock and roll.

Big Mama Thourton: a primeira a gravar 'Hound Dog' Foto: Mississippi Archives

O que não foi dilacerado e se manteve de pé teve de fazer alianças muitas vezes amargas. Frank Sinatra, por exemplo, odiou Elvis, mais jovem, mais bonito e mais alto, e todos que surgiram antes e depois dele fazendo "aquela música". “O rock and roll tem um cheiro falso. É cantado e escrito em sua maior parte por idiotas cretinos. A forma de expressão mais brutal, feia, desesperada e cruel que tive a infelicidade de ouvir.” Mas, anos depois, tal qual Elis Regina fez com Roberto Carlos ao perceber que a luta ali era perdida, deu o dedinho de amigo e encontrou o ex-rival em um programa de Ed Sullivan para cantarem juntos.

Muitas avaliações sobre Elvis foram refeitas ou feitas como defesa idólatra. BB King, que aparece no filme como um amigo que o cantor, na real, nunca teve de forma tão próxima, o isentou de qualquer acusação em sua autobiografia. “Elvis não roubou nenhuma música de ninguém. Ele só tinha sua própria interpretação da música que conheceu quando criança, o mesmo vale para todos”. BB, diga-se, sempre foi um pacifista. Little Richard foi contra o que havia dito antes e afirmou: “Elvis foi um integrador, uma bênção. Eles não deixavam a música negra aparecer, e ele abriu as portas para ela.” Rufus Thomas, que fez sua Walking the Dog ser mais divertida do que Hound Dog até ser vilipendiado pelos Rolling Stones (isso não acaba nunca), disse: “Muita gente diz que Elvis roubou nossa música, que roubou a música do homem negro. Mas o homem negro, o homem branco, não são donos da música. A música pertence ao universo.”

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