Obra do gigante Laercio de Freitas é dignificada em projeto ambicioso


Shows no Sesc Jazz, álbum novo e quatro cadernos de partituras revelam brilho do único artista brasileiro que Radamés Gnatalli chamou de gênio

Por Julio Maria
Atualização:

Aqueles que se cruzam com o Tio saberão. Ele se aproxima, segura o amigo pelos ombros, olha no fundo de seus olhos e diz uma frase de poucas palavras e longo alcance, selada quase sempre por um riso expansivo. “Nada é difícil, só dá trabalho”; “A vida é uma estrada que tem curvas com placas, curvas sem placas e curvas com placas só depois das curvas”; “Cuidado, você só entendeu. Você não compreendeu”; “Quem arrisca pode errar, quem não arrisca já está errando.” Mas Tio não é profeta e seu assunto não é o futuro. “Por que o senhor faz isso, seu Laercio?”, pergunto a ele, finalmente, aproveitando o papel de entrevistador. E ele diz: “Porque eu preciso olhar dentro das pessoas para saber como elas são.”

O pianista Laercio de Freitas Foto: Arquivo pessoal

O piano de Laercio de Freitas também é assim, investigando por anos interiores de Maria Bethânia, Angela Maria, Marcos Valle, Wilson Simonal, Clara Nunes, Ivan Lins, Emílio Santiago, Quarteto em Cy, Martinho da Vila, João Donato e tanta gente para servi-los com arranjos e composições que parecem trabalhar sempre sobre duas linhas entrelaçadas, a surpresa e a excelência. Laercio é um dos maiores nomes do piano brasileiro, um estilista do choro e um dos criadores das bases da música instrumental moderna a partir de seu álbum São Paulo no Balanço do Choro – Ao Nosso Amigo Esmê, de 1980.

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CHORISTA. Mas não só. Alfabetizado pela mãe nas letras e na música ao mesmo tempo, ele não parou mais de tocar. “Aos 5 anos, eu já sabia para que havia nascido.” Aos 8, entrou em um conservatório. Piki Freitas, sua mulher há mais de 50 anos, com quem tem as filhas Thalma e Tricia, entendeu que o marido, a quem ela chama de “amor” muitas vezes ao dia mesmo depois de mais de 50 anos desde a primeira contradança – “você vai dançar a próxima música comigo, moça”, intimou ele – também entendeu que o negócio do marido é fazer música. E só. “Ele não sabe fazer outra coisa”, ela diz. Ao ver a mãe cobrar algum reparo doméstico pela enésima vez, uma das filhas advertiu: “Mãe, o pai não veio ao mundo para fazer essas coisas inúteis. Ele veio para fazer música!”.

E para ouvir. Aos 81 anos, Laercio de Freitas, o Tio, vai estar na plateia do Sesc Pompeia no próximo final de semana, sábado, 22, e domingo, 23, para ouvir quatro pianistas por noite interpretarem sua obra. Moderno e Eterno, idealizado dentro de um projeto ainda maior pelo produtor Helton Altman, vai fechar a programação do Sesc Jazz de forma poderosa. Os pianistas Cristóvão Bastos, Carlos Roberto, Hércules Gomes e Silvia Goes tocam sábado. Amilton Godoy, Carlos Roberto, Leandro Braga e Tiago Costa se apresentam no domingo. Desta vez, Laercio será plateia. Sua música de belezas complexas, baixos ágeis e harmonia traiçoeira precisa de um tempo motor que as mãos não atingem mais. Será algum sofrimento não subir ao palco? “Eu prefiro ouvir”, ele diz. “Ouvindo eu volto à minha história.”

Helton estava em um de seus antigos bares, o Genial, quando começou a arquitetar seu projeto de dignificar a obra de Laercio. Além do show, ele publica quatro cadernos com partituras de sua obra mais cultuada, como Ao Nosso Amigo Esmê, Vira Cambota e Sumaré–Pompeia, e um álbum com temas inéditos arranjados por Edmilson Capelupi, Nailor Proveta e o próprio Laercio.

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RACISMO? O disco vai estar nas plataformas a partir do dia 22, sábado, e as partituras podem ser vistas no link modernoeeterno.com.br/inicio. Os textos do encarte trazem memórias do jornalista Luis Nassif e do próprio Helton. É lá que aparece uma boa passagem. Questionado pelo violonista Raphael Rabello quem ele considerava um gênio, o exigente maestro Radamés Gnatalli respondeu: “Laercio de Freitas”. l

Mas, então, por que Laercio não é mais conhecido? Por ser um pianista negro em um país racista? “Eu nunca senti racismo. Só me preocupei em entregar o melhor.” A fama não foi uma busca. “Existem pessoas que vêm ao mundo para ganhar dinheiro. Ele, não”, afirma Piki. Quando Laercio viajava a trabalho, a pequena Thalma ficava no berço olhando para a porta, todas as noites, esperando o pai. Certa vez, ao retornar e abrir a porta, ela o recebeu com um sorriso irresistível. Ele a abraçou e fez sua promessa: “Não viajo mais. Quero ver minhas filhas crescerem”. l

Aqueles que se cruzam com o Tio saberão. Ele se aproxima, segura o amigo pelos ombros, olha no fundo de seus olhos e diz uma frase de poucas palavras e longo alcance, selada quase sempre por um riso expansivo. “Nada é difícil, só dá trabalho”; “A vida é uma estrada que tem curvas com placas, curvas sem placas e curvas com placas só depois das curvas”; “Cuidado, você só entendeu. Você não compreendeu”; “Quem arrisca pode errar, quem não arrisca já está errando.” Mas Tio não é profeta e seu assunto não é o futuro. “Por que o senhor faz isso, seu Laercio?”, pergunto a ele, finalmente, aproveitando o papel de entrevistador. E ele diz: “Porque eu preciso olhar dentro das pessoas para saber como elas são.”

O pianista Laercio de Freitas Foto: Arquivo pessoal

O piano de Laercio de Freitas também é assim, investigando por anos interiores de Maria Bethânia, Angela Maria, Marcos Valle, Wilson Simonal, Clara Nunes, Ivan Lins, Emílio Santiago, Quarteto em Cy, Martinho da Vila, João Donato e tanta gente para servi-los com arranjos e composições que parecem trabalhar sempre sobre duas linhas entrelaçadas, a surpresa e a excelência. Laercio é um dos maiores nomes do piano brasileiro, um estilista do choro e um dos criadores das bases da música instrumental moderna a partir de seu álbum São Paulo no Balanço do Choro – Ao Nosso Amigo Esmê, de 1980.

CHORISTA. Mas não só. Alfabetizado pela mãe nas letras e na música ao mesmo tempo, ele não parou mais de tocar. “Aos 5 anos, eu já sabia para que havia nascido.” Aos 8, entrou em um conservatório. Piki Freitas, sua mulher há mais de 50 anos, com quem tem as filhas Thalma e Tricia, entendeu que o marido, a quem ela chama de “amor” muitas vezes ao dia mesmo depois de mais de 50 anos desde a primeira contradança – “você vai dançar a próxima música comigo, moça”, intimou ele – também entendeu que o negócio do marido é fazer música. E só. “Ele não sabe fazer outra coisa”, ela diz. Ao ver a mãe cobrar algum reparo doméstico pela enésima vez, uma das filhas advertiu: “Mãe, o pai não veio ao mundo para fazer essas coisas inúteis. Ele veio para fazer música!”.

E para ouvir. Aos 81 anos, Laercio de Freitas, o Tio, vai estar na plateia do Sesc Pompeia no próximo final de semana, sábado, 22, e domingo, 23, para ouvir quatro pianistas por noite interpretarem sua obra. Moderno e Eterno, idealizado dentro de um projeto ainda maior pelo produtor Helton Altman, vai fechar a programação do Sesc Jazz de forma poderosa. Os pianistas Cristóvão Bastos, Carlos Roberto, Hércules Gomes e Silvia Goes tocam sábado. Amilton Godoy, Carlos Roberto, Leandro Braga e Tiago Costa se apresentam no domingo. Desta vez, Laercio será plateia. Sua música de belezas complexas, baixos ágeis e harmonia traiçoeira precisa de um tempo motor que as mãos não atingem mais. Será algum sofrimento não subir ao palco? “Eu prefiro ouvir”, ele diz. “Ouvindo eu volto à minha história.”

Helton estava em um de seus antigos bares, o Genial, quando começou a arquitetar seu projeto de dignificar a obra de Laercio. Além do show, ele publica quatro cadernos com partituras de sua obra mais cultuada, como Ao Nosso Amigo Esmê, Vira Cambota e Sumaré–Pompeia, e um álbum com temas inéditos arranjados por Edmilson Capelupi, Nailor Proveta e o próprio Laercio.

RACISMO? O disco vai estar nas plataformas a partir do dia 22, sábado, e as partituras podem ser vistas no link modernoeeterno.com.br/inicio. Os textos do encarte trazem memórias do jornalista Luis Nassif e do próprio Helton. É lá que aparece uma boa passagem. Questionado pelo violonista Raphael Rabello quem ele considerava um gênio, o exigente maestro Radamés Gnatalli respondeu: “Laercio de Freitas”. l

Mas, então, por que Laercio não é mais conhecido? Por ser um pianista negro em um país racista? “Eu nunca senti racismo. Só me preocupei em entregar o melhor.” A fama não foi uma busca. “Existem pessoas que vêm ao mundo para ganhar dinheiro. Ele, não”, afirma Piki. Quando Laercio viajava a trabalho, a pequena Thalma ficava no berço olhando para a porta, todas as noites, esperando o pai. Certa vez, ao retornar e abrir a porta, ela o recebeu com um sorriso irresistível. Ele a abraçou e fez sua promessa: “Não viajo mais. Quero ver minhas filhas crescerem”. l

Aqueles que se cruzam com o Tio saberão. Ele se aproxima, segura o amigo pelos ombros, olha no fundo de seus olhos e diz uma frase de poucas palavras e longo alcance, selada quase sempre por um riso expansivo. “Nada é difícil, só dá trabalho”; “A vida é uma estrada que tem curvas com placas, curvas sem placas e curvas com placas só depois das curvas”; “Cuidado, você só entendeu. Você não compreendeu”; “Quem arrisca pode errar, quem não arrisca já está errando.” Mas Tio não é profeta e seu assunto não é o futuro. “Por que o senhor faz isso, seu Laercio?”, pergunto a ele, finalmente, aproveitando o papel de entrevistador. E ele diz: “Porque eu preciso olhar dentro das pessoas para saber como elas são.”

O pianista Laercio de Freitas Foto: Arquivo pessoal

O piano de Laercio de Freitas também é assim, investigando por anos interiores de Maria Bethânia, Angela Maria, Marcos Valle, Wilson Simonal, Clara Nunes, Ivan Lins, Emílio Santiago, Quarteto em Cy, Martinho da Vila, João Donato e tanta gente para servi-los com arranjos e composições que parecem trabalhar sempre sobre duas linhas entrelaçadas, a surpresa e a excelência. Laercio é um dos maiores nomes do piano brasileiro, um estilista do choro e um dos criadores das bases da música instrumental moderna a partir de seu álbum São Paulo no Balanço do Choro – Ao Nosso Amigo Esmê, de 1980.

CHORISTA. Mas não só. Alfabetizado pela mãe nas letras e na música ao mesmo tempo, ele não parou mais de tocar. “Aos 5 anos, eu já sabia para que havia nascido.” Aos 8, entrou em um conservatório. Piki Freitas, sua mulher há mais de 50 anos, com quem tem as filhas Thalma e Tricia, entendeu que o marido, a quem ela chama de “amor” muitas vezes ao dia mesmo depois de mais de 50 anos desde a primeira contradança – “você vai dançar a próxima música comigo, moça”, intimou ele – também entendeu que o negócio do marido é fazer música. E só. “Ele não sabe fazer outra coisa”, ela diz. Ao ver a mãe cobrar algum reparo doméstico pela enésima vez, uma das filhas advertiu: “Mãe, o pai não veio ao mundo para fazer essas coisas inúteis. Ele veio para fazer música!”.

E para ouvir. Aos 81 anos, Laercio de Freitas, o Tio, vai estar na plateia do Sesc Pompeia no próximo final de semana, sábado, 22, e domingo, 23, para ouvir quatro pianistas por noite interpretarem sua obra. Moderno e Eterno, idealizado dentro de um projeto ainda maior pelo produtor Helton Altman, vai fechar a programação do Sesc Jazz de forma poderosa. Os pianistas Cristóvão Bastos, Carlos Roberto, Hércules Gomes e Silvia Goes tocam sábado. Amilton Godoy, Carlos Roberto, Leandro Braga e Tiago Costa se apresentam no domingo. Desta vez, Laercio será plateia. Sua música de belezas complexas, baixos ágeis e harmonia traiçoeira precisa de um tempo motor que as mãos não atingem mais. Será algum sofrimento não subir ao palco? “Eu prefiro ouvir”, ele diz. “Ouvindo eu volto à minha história.”

Helton estava em um de seus antigos bares, o Genial, quando começou a arquitetar seu projeto de dignificar a obra de Laercio. Além do show, ele publica quatro cadernos com partituras de sua obra mais cultuada, como Ao Nosso Amigo Esmê, Vira Cambota e Sumaré–Pompeia, e um álbum com temas inéditos arranjados por Edmilson Capelupi, Nailor Proveta e o próprio Laercio.

RACISMO? O disco vai estar nas plataformas a partir do dia 22, sábado, e as partituras podem ser vistas no link modernoeeterno.com.br/inicio. Os textos do encarte trazem memórias do jornalista Luis Nassif e do próprio Helton. É lá que aparece uma boa passagem. Questionado pelo violonista Raphael Rabello quem ele considerava um gênio, o exigente maestro Radamés Gnatalli respondeu: “Laercio de Freitas”. l

Mas, então, por que Laercio não é mais conhecido? Por ser um pianista negro em um país racista? “Eu nunca senti racismo. Só me preocupei em entregar o melhor.” A fama não foi uma busca. “Existem pessoas que vêm ao mundo para ganhar dinheiro. Ele, não”, afirma Piki. Quando Laercio viajava a trabalho, a pequena Thalma ficava no berço olhando para a porta, todas as noites, esperando o pai. Certa vez, ao retornar e abrir a porta, ela o recebeu com um sorriso irresistível. Ele a abraçou e fez sua promessa: “Não viajo mais. Quero ver minhas filhas crescerem”. l

Aqueles que se cruzam com o Tio saberão. Ele se aproxima, segura o amigo pelos ombros, olha no fundo de seus olhos e diz uma frase de poucas palavras e longo alcance, selada quase sempre por um riso expansivo. “Nada é difícil, só dá trabalho”; “A vida é uma estrada que tem curvas com placas, curvas sem placas e curvas com placas só depois das curvas”; “Cuidado, você só entendeu. Você não compreendeu”; “Quem arrisca pode errar, quem não arrisca já está errando.” Mas Tio não é profeta e seu assunto não é o futuro. “Por que o senhor faz isso, seu Laercio?”, pergunto a ele, finalmente, aproveitando o papel de entrevistador. E ele diz: “Porque eu preciso olhar dentro das pessoas para saber como elas são.”

O pianista Laercio de Freitas Foto: Arquivo pessoal

O piano de Laercio de Freitas também é assim, investigando por anos interiores de Maria Bethânia, Angela Maria, Marcos Valle, Wilson Simonal, Clara Nunes, Ivan Lins, Emílio Santiago, Quarteto em Cy, Martinho da Vila, João Donato e tanta gente para servi-los com arranjos e composições que parecem trabalhar sempre sobre duas linhas entrelaçadas, a surpresa e a excelência. Laercio é um dos maiores nomes do piano brasileiro, um estilista do choro e um dos criadores das bases da música instrumental moderna a partir de seu álbum São Paulo no Balanço do Choro – Ao Nosso Amigo Esmê, de 1980.

CHORISTA. Mas não só. Alfabetizado pela mãe nas letras e na música ao mesmo tempo, ele não parou mais de tocar. “Aos 5 anos, eu já sabia para que havia nascido.” Aos 8, entrou em um conservatório. Piki Freitas, sua mulher há mais de 50 anos, com quem tem as filhas Thalma e Tricia, entendeu que o marido, a quem ela chama de “amor” muitas vezes ao dia mesmo depois de mais de 50 anos desde a primeira contradança – “você vai dançar a próxima música comigo, moça”, intimou ele – também entendeu que o negócio do marido é fazer música. E só. “Ele não sabe fazer outra coisa”, ela diz. Ao ver a mãe cobrar algum reparo doméstico pela enésima vez, uma das filhas advertiu: “Mãe, o pai não veio ao mundo para fazer essas coisas inúteis. Ele veio para fazer música!”.

E para ouvir. Aos 81 anos, Laercio de Freitas, o Tio, vai estar na plateia do Sesc Pompeia no próximo final de semana, sábado, 22, e domingo, 23, para ouvir quatro pianistas por noite interpretarem sua obra. Moderno e Eterno, idealizado dentro de um projeto ainda maior pelo produtor Helton Altman, vai fechar a programação do Sesc Jazz de forma poderosa. Os pianistas Cristóvão Bastos, Carlos Roberto, Hércules Gomes e Silvia Goes tocam sábado. Amilton Godoy, Carlos Roberto, Leandro Braga e Tiago Costa se apresentam no domingo. Desta vez, Laercio será plateia. Sua música de belezas complexas, baixos ágeis e harmonia traiçoeira precisa de um tempo motor que as mãos não atingem mais. Será algum sofrimento não subir ao palco? “Eu prefiro ouvir”, ele diz. “Ouvindo eu volto à minha história.”

Helton estava em um de seus antigos bares, o Genial, quando começou a arquitetar seu projeto de dignificar a obra de Laercio. Além do show, ele publica quatro cadernos com partituras de sua obra mais cultuada, como Ao Nosso Amigo Esmê, Vira Cambota e Sumaré–Pompeia, e um álbum com temas inéditos arranjados por Edmilson Capelupi, Nailor Proveta e o próprio Laercio.

RACISMO? O disco vai estar nas plataformas a partir do dia 22, sábado, e as partituras podem ser vistas no link modernoeeterno.com.br/inicio. Os textos do encarte trazem memórias do jornalista Luis Nassif e do próprio Helton. É lá que aparece uma boa passagem. Questionado pelo violonista Raphael Rabello quem ele considerava um gênio, o exigente maestro Radamés Gnatalli respondeu: “Laercio de Freitas”. l

Mas, então, por que Laercio não é mais conhecido? Por ser um pianista negro em um país racista? “Eu nunca senti racismo. Só me preocupei em entregar o melhor.” A fama não foi uma busca. “Existem pessoas que vêm ao mundo para ganhar dinheiro. Ele, não”, afirma Piki. Quando Laercio viajava a trabalho, a pequena Thalma ficava no berço olhando para a porta, todas as noites, esperando o pai. Certa vez, ao retornar e abrir a porta, ela o recebeu com um sorriso irresistível. Ele a abraçou e fez sua promessa: “Não viajo mais. Quero ver minhas filhas crescerem”. l

Aqueles que se cruzam com o Tio saberão. Ele se aproxima, segura o amigo pelos ombros, olha no fundo de seus olhos e diz uma frase de poucas palavras e longo alcance, selada quase sempre por um riso expansivo. “Nada é difícil, só dá trabalho”; “A vida é uma estrada que tem curvas com placas, curvas sem placas e curvas com placas só depois das curvas”; “Cuidado, você só entendeu. Você não compreendeu”; “Quem arrisca pode errar, quem não arrisca já está errando.” Mas Tio não é profeta e seu assunto não é o futuro. “Por que o senhor faz isso, seu Laercio?”, pergunto a ele, finalmente, aproveitando o papel de entrevistador. E ele diz: “Porque eu preciso olhar dentro das pessoas para saber como elas são.”

O pianista Laercio de Freitas Foto: Arquivo pessoal

O piano de Laercio de Freitas também é assim, investigando por anos interiores de Maria Bethânia, Angela Maria, Marcos Valle, Wilson Simonal, Clara Nunes, Ivan Lins, Emílio Santiago, Quarteto em Cy, Martinho da Vila, João Donato e tanta gente para servi-los com arranjos e composições que parecem trabalhar sempre sobre duas linhas entrelaçadas, a surpresa e a excelência. Laercio é um dos maiores nomes do piano brasileiro, um estilista do choro e um dos criadores das bases da música instrumental moderna a partir de seu álbum São Paulo no Balanço do Choro – Ao Nosso Amigo Esmê, de 1980.

CHORISTA. Mas não só. Alfabetizado pela mãe nas letras e na música ao mesmo tempo, ele não parou mais de tocar. “Aos 5 anos, eu já sabia para que havia nascido.” Aos 8, entrou em um conservatório. Piki Freitas, sua mulher há mais de 50 anos, com quem tem as filhas Thalma e Tricia, entendeu que o marido, a quem ela chama de “amor” muitas vezes ao dia mesmo depois de mais de 50 anos desde a primeira contradança – “você vai dançar a próxima música comigo, moça”, intimou ele – também entendeu que o negócio do marido é fazer música. E só. “Ele não sabe fazer outra coisa”, ela diz. Ao ver a mãe cobrar algum reparo doméstico pela enésima vez, uma das filhas advertiu: “Mãe, o pai não veio ao mundo para fazer essas coisas inúteis. Ele veio para fazer música!”.

E para ouvir. Aos 81 anos, Laercio de Freitas, o Tio, vai estar na plateia do Sesc Pompeia no próximo final de semana, sábado, 22, e domingo, 23, para ouvir quatro pianistas por noite interpretarem sua obra. Moderno e Eterno, idealizado dentro de um projeto ainda maior pelo produtor Helton Altman, vai fechar a programação do Sesc Jazz de forma poderosa. Os pianistas Cristóvão Bastos, Carlos Roberto, Hércules Gomes e Silvia Goes tocam sábado. Amilton Godoy, Carlos Roberto, Leandro Braga e Tiago Costa se apresentam no domingo. Desta vez, Laercio será plateia. Sua música de belezas complexas, baixos ágeis e harmonia traiçoeira precisa de um tempo motor que as mãos não atingem mais. Será algum sofrimento não subir ao palco? “Eu prefiro ouvir”, ele diz. “Ouvindo eu volto à minha história.”

Helton estava em um de seus antigos bares, o Genial, quando começou a arquitetar seu projeto de dignificar a obra de Laercio. Além do show, ele publica quatro cadernos com partituras de sua obra mais cultuada, como Ao Nosso Amigo Esmê, Vira Cambota e Sumaré–Pompeia, e um álbum com temas inéditos arranjados por Edmilson Capelupi, Nailor Proveta e o próprio Laercio.

RACISMO? O disco vai estar nas plataformas a partir do dia 22, sábado, e as partituras podem ser vistas no link modernoeeterno.com.br/inicio. Os textos do encarte trazem memórias do jornalista Luis Nassif e do próprio Helton. É lá que aparece uma boa passagem. Questionado pelo violonista Raphael Rabello quem ele considerava um gênio, o exigente maestro Radamés Gnatalli respondeu: “Laercio de Freitas”. l

Mas, então, por que Laercio não é mais conhecido? Por ser um pianista negro em um país racista? “Eu nunca senti racismo. Só me preocupei em entregar o melhor.” A fama não foi uma busca. “Existem pessoas que vêm ao mundo para ganhar dinheiro. Ele, não”, afirma Piki. Quando Laercio viajava a trabalho, a pequena Thalma ficava no berço olhando para a porta, todas as noites, esperando o pai. Certa vez, ao retornar e abrir a porta, ela o recebeu com um sorriso irresistível. Ele a abraçou e fez sua promessa: “Não viajo mais. Quero ver minhas filhas crescerem”. l

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