Poucas coisas são punk como ser uma menina de 19 anos nesse mundo.
Ex-atriz da Disney, Olivia Rodrigo começou seguindo o roteiro clássico, desenhado pela primeira vez por cantoras como Britney Spears e Christina Aguilera. Sair da Disney, crescer no olhar público, se polir para virar a popstar perfeita. Mas desde as anteriores, 20 anos se passaram; enquanto Britney sofreu todas as consequências de ser a paciente zero da mídia atual, convertida de sujeito para objeto, Olivia se aproveita de uma indústria um pouco mais reticente. Ela pode tentar outra abordagem: a sincera e ativa.
Depois de um primeiro álbum de excelência adolescente, SOUR, Olivia Rodrigo se tornou a jovem promessa do momento. Ganhou Grammys e pôde convidar Lily Allen, Alanis Morissette e Avril Lavigne para o palco em seus shows. Toda essa chancela pode ser um ótimo sinal – ou um mau agouro para seus trabalhos seguintes.
GUTS vem dois anos depois de SOUR. Tempo suficiente para uma menina, que tinha 17 e agora tem 20 anos, passar por uma mudança radical de mentalidade. No novo disco, composto quando Olivia estava em seus 19 anos, ela está menos melancólica, mais raivosa. E começa a compreender o que é ficar adulta e as potentes, rasgantes melodias que esse processo acompanha. É como o nome do álbum (guts, ou seja, “entranhas”) sugere: algumas coisas na vida adulta são terríveis, como se colocassem as nossas entranhas para fora. Ainda, como na imagem de capa, tudo parece bem.
“Tudo que eu faço é trágico”, brinca. A tragédia, provavelmente, está na cabeça dela.
Os sentimentos desordenados e surpreendentemente complexos da artista aparecem faixa a faixa. O disco, majoritariamente pop-punk, não atende às fórmulas pastiche do que é fazer um “rock comercial”; na verdade, as guitarras, violões e percussão parecem obedecer à lógica das músicas, acelerando ou desfazendo o ritmo conforme a letra pede. As baladas como Logical e The Grudge, honestas, valorizam o trajeto sonoro: Olivia relembra a vulnerabilidade de Driver’s License, single de 2021 que a mostrou ao mundo.
Os temas têm um recorte de idade, mas também de gênero. Ser uma menina neste mundo é diferente. Isso aparece em Lacy, uma faixa com harmonias delicadas e femininas, que trata da confusa (e comum) relação com a outra mulher. Te admiro? Te invejo? Te desejo? Te detesto? Essa agridoce experiência de existir com um corpo feminino é assunto recorrente – como na enfática Pretty isn’t pretty, em que ela lembra que estar bonita nunca a faz se sentir bonita o suficiente.
Aos 19, nada que você faz (ou é) parece o suficiente. Depois, você só percebe que o suficiente não existe e para de persegui-lo.
Olivia também escancara os dois assuntos mais complexos do mundo: amor e sexo. Admite, com todas as palavras, que se apaixona pelas pessoas erradas, volta para o ex, se sente sexy, mas não consegue se resolver sexualmente. Ela percebe aquela verdade inevitável, da impossibilidade da relação sexual – já sugeria a psicanálise: os corpos se encontram, se tocam, mas não há completude. Mais de uma vez, Olivia diz, sem rodeios, que não consegue ser o que gostaria para os homens com quem se relaciona.
O amor é vergonhoso, o amor nunca é lógico. “E isso me faz me sentir horrível”, conta.
Com o frutífero auxílio de Dan Nigro, seu produtor desde o disco anterior, a sonoridade de GUTS dispensa o monótono, apostando mais em um caos esperto. As letras têm humor, boas sacadas (“Estou do lado de fora da melhor piada interna”) e conduzem tudo com certa ironia. É uma bagunça, mas Olivia rejeita que você a veja como passageira passiva dessa viagem (ela tirou carteira, lembra? É a motorista).
A bagunça é proposital porque é praticamente literal. Esse período é específico, um drama anárquico na nossa mente como soa no disco. Eu já passei desse momento, mas ouvindo o álbum, Olivia me lembra como se fosse ontem. Os 19, 20 anos têm um lado devastador, mas impossível de fugir.
Tudo culmina na faixa Teenage Dream, que encerra o álbum com crueza. “Tenho a vida inteira pela frente”, ela canta, como quem reproduz um discurso que não a diz nada. É o sonho adolescente, o momento em que você é “boa demais para a sua idade”. Afinal, ser uma jovem adulta soa como uma promessa para todos os outros – mas para você mesma, soa como uma ameaça.
“Eu sinto que já levaram as melhores partes de mim”, martela Olivia Rodrigo, assustada com sua própria existência. No que depender do trabalho musical dela, é difícil acreditar: com dois grandes discos, Olivia ainda está com todas as suas melhores partes, intactas.