Ira Levin abre a porta de seu camarim no Teatro Municipal com um sorriso no rosto e uma expressão relaxada que nada tem a ver com aquela de dez anos atrás. Foi quando o maestro americano esteve pela última vez naqueles corredores: no final de 2004, regeu uma produção de Lohengrin, de Wagner - e pouco depois, com a troca de gestão na Prefeitura, seria demitido do posto de diretor musical. "É uma sensação engraçada. Sou uma pessoa totalmente diferente, mas algumas coisas parecem as mesmas: estou hospedado em um hotel a um quarteirão de meu antigo apartamento", brinca.
À frente do Municipal, Levin foi responsável pelo crescimento dos corpos estáveis da casa, assim como pela diversificação do repertório do teatro. Agora, está de volta para reger, a partir de amanhã, as óperas
Cavalleria Rusticana
e
Pagliacci
. "Não gasto muito tempo pensando no que aconteceu, mas, sim, vivi alguns momentos desagradáveis aqui, por conta de questões políticas. Este, porém, tem sido um retorno feliz. Investi quatro anos de minha vida no Municipal. E é bom vê-lo funcionando, perceber que, com apoio, o maestro John Neschling tem realizado algumas reformas importantes."
Alguns anos depois de deixar o Municipal, Levin assumiu a Sinfônica Nacional, de Brasília, onde ficou até 2010, quando se mudou de volta para a Alemanha. Em 2013, após duas temporadas como maestro convidado no Teatro Colón, de Buenos Aires, foi chamado a assumir o posto de regente convidado principal. "De certa forma, a experiência em São Paulo me ajudou na Argentina", ele diz ao
Estado
. "Quando cheguei aqui, ninguém me explicou como as coisas funcionavam, quais eram os problemas. Apenas me diziam: resolva! Agora, em Buenos Aires, sei melhor como lidar com questões estruturais delicadas, com questões políticas. E o Colón é um teatro magnífico, pensar em todos os artistas que já passaram por lá é algo muito especial", completa. "Eu gosto muito de trabalhar na América Latina. Quando as coisas funcionam, funcionam mesmo, de verdade, e a resposta humana é incrível. Não tenho sangue latino, mas meu temperamento é um pouco esse."
Talvez por isso, ele diz estar contente por fazer seu retorno a São Paulo justamente com
Cavalleria
, de Mascagni, e
Pagliacci
, de Leoncavallo, "duas obras de alta voltagem emocional". Separadas por cerca de dois anos (estrearam em 1890 e 1892), elas fazem parte do movimento verista que, em linhas gerais, propôs levar ao palco histórias de corte mais realista. Ambas giram em torno de um caso de traição - e têm desfechos trágicos. Ainda assim, há algumas diferenças. "Pagliacci talvez tenha uma riqueza maior de coloridos na partitura, assim como um libreto com mais camadas, preocupado com uma caracterização mais complexa das personagens", diz Levin.
O maestro, no entanto, não descarta
Cavalleria
como uma ópera menor. "Eu sempre preferi
Pagliacci
, até agora, até trabalhar intensamente com a
Cavalleria
. Se você presta atenção e leva a sério a partitura de Mascagni, descobre que ela é mais do que apenas um veículo para emoções exacerbadas. Há muitas sutilezas na escrita. Aquilo que pode soar como lugar comum, na verdade, não é." Para Levin, é tudo uma questão de postura. "Este período é fascinante, mas ele carrega um risco, assim como algumas óperas de Puccini. Se você não toma cuidado, elas podem soar vulgares, baratas. É por isso que é importante prestar atenção nas cores da partitura, nas linhas de canto. Veja a abertura da
Cavalleria
, com o coro: ela se transforma se você se preocupa com a delicadeza do canto, se faz a orquestra ouvir os cantores. Se feita assim, essa música se transforma."
Nos últimos tempos, Levin, que também é pianista, tem se dedicado a outra de suas grandes paixões: o trabalho de transcrições de peças. Em 2007, lançou um disco no Brasil, com versões para piano de peças orquestrais, que venceu o Prêmio Bravo de melhor do ano na categoria erudita. E, agora, tem feito o caminho inverso. Na próxima semana, por exemplo, a Sinfônica de Helsinque faz, com o maestro Leif Segerstam, a estreia da sinfonia que ele construiu a partir do quinteto do compositor Cesar Franck. "É um trabalho que faço para mim, não porque alguém me pediu, mas porque essa é minha loucura", brinca. "Depois de mais de duas mil apresentações, posso dizer que sou essencialmente um intérprete, mas gosto de saber que estou deixando algo mais, algo meu, além da minha interpretação para a obra dos outros."