Paulo Ricardo segura uma taça de vinho rosé com a mão direita, cujo dedo mínimo é adornado com um anel de ouro com suas iniciais marcadas. Está sentado a uma mesa de canto no restaurante Paris 6, na região dos Jardins, em São Paulo, sorridente, tal qual sua caricatura, pendurada a alguns metros acima. Frequentador assíduo do lugar, ele tem um prato com seu nome: Salmão à Paulo Ricardo. “Fui um dos primeiros a receber essa homenagem”, conta, sorridente, ao lembrar da tradição do restaurante em nomear seus pratos com nomes de celebridades. “Vinha aqui sempre, e sempre pedia esse salmão acompanhado de risoto de palmito. Resolveram me homenagear dessa forma.”
Paulo Ricardo está radiante. “Eu estava desesperado para gravar um trabalho novo”, ele diz, deixando o ar sair, aliviado. Aos 53 anos, completando 30 deles dedicados à música, com o RPM, em carreiras solo ou em projetos especiais, o músico nunca havia ficado tanto tempo sem gravar um disco. Com a banda montada ao lado de Luiz Schiavon, Fernando Deluqui, Paulo P.A. Pagni, sua última incursão ao estúdio para compor e gravar canções inéditas havia sido em 2011, com Elektra. Na carreira própria, a distância temporal é ainda maior. Há uma década, Paulo Ricardo lançava Prisma, que chegou a ser indicado para o Grammy Latino, na categoria de pop contemporâneo, em 2007.
Não que a vida tenha sido pouco agitada para Paulo Ricardo desde que gravou pela última vez. Ainda em 2011, por exemplo, foi chamado por Toquinho para regravar canções de Vinicius de Moraes, ingressou como jurado do Superstar, da TV Globo no ano passado – e repetirá a dose no programa que volta para mais uma temporada neste domingo, 10 – e teve três filhos nos últimos quatro anos.
Desde 2014, contudo, ele e o restante dos integrantes do RPM se reuniram para produzir o sucessor de Elektra. Mas não é este trabalho que chegou recentemente às prateleiras (e aos serviços de música digital). É Paulo Ricardo solo, com o disco intitulado Novo Disco, que está sendo lançado – e o trabalho com Schiavon e companhia, produzido por Lucas Silveira, líder do Fresno, foi adiado por algum tempo para que “algumas arestas sejam aparadas”, como ele explicou.
Para Paulo Ricardo, é tudo novo. O novo álbum se chama Novo Álbum, a nova banda se chama Nova Banda, o novo single se chama Novo Single. E o novo show, adivinhe? Chama-se Novo Show. Há uma clara e bem-vinda ironia quanto à finitude da música atual, quando lançamentos chegam aos borbotões às sextas-feiras – a internet, um facilitador para o acesso à informação, é bombardeada por discos e canções novas. “O descartável é da natureza do pop”, ele explica. “É uma espécie de sátira, uma brincadeira. Mas sempre fui fascinado pelo lixo da cultura de massa, sabe? Acho a sacada que Andy Warhol com aquelas pinturas das latas de sopas Campbell genial. Acho o consumo e a publicidade fascinantes.”
Novo Single é a canção escolhida para abrir o trabalho logo para despejar essa carga irônica, antes de Paulo Ricardo embarcar em canções mais pessoais, como Isabela, criada para a filha de dois anos e meio, inspirada em uma noite na qual a pequena dormiu na cama dos pais, entre o casal. “Novo Single abre o disco e é uma declaração de amor ao rock e ao tipo que me interessa. É talvez a canção na qual eu mais manifesto a minha influência de David Bowie. Por que o Bowie tinha esse grave que ele colocou no rock. Antes, o rock era histérico, com Robert Plant (do Led Zeppelin), Sting (do Police), era tudo muito agudo. E de repente chegou Bowie com aquele barítono delicioso e foi pai de várias ramificações”, explica o músico. “Mas essa é uma canção que também discute os formatos da música, do digital, da velocidade das coisas, da maneira de se vender isso. Por isso, a ironia, ao mesmo tempo que homenageava ao David Bowie.”
Quando o RPM decidiu, de comum acordo, que o trabalho para o disco, cujo título é Deus Ex Machina, não estava pronto para ser lançado, Paulo Ricardo decidiu erguer um álbum solo. A primeira composição foi Raios X, uma inédita criada para uma apresentação no programa Superstar. “Esse disco, o Novo Álbum, precisa ser avaliado com a ideia de nós (RPM) tínhamos gravado um disco que não saiu. E, naqueles meses, eu exercitei toda a retórica do RPM, das letras mais engajadas, com a sonoridade de uma banda mais pesada”, ele explica. “Então, parti para esse novo trabalho mais sereno, mais leve.”
As faixas Raios X, Isabela e Eu e Você (O X da Questão) são crias dessa primeira safra, ao lado do produtor Marcelo Sussekind, durante aquele período de três meses de gravações da competição da TV Globo. Uma participação, aliás, que pressionou Paulo Ricardo a fazer valer o posto de jurado de bandas mais novas. “Foi uma sensação esquisita, porque estava em São Paulo (onde mora atualmente) e Sussekind e a banda estavam trabalhando com essas músicas lá no Rio”, ele conta. “Não sou tão controlador, mas era difícil saber que seu disco estava sendo gravado e você não está lá”, brinca. O restante das faixas, conta ele, foram gravadas ao vivo. Com Paulo Ricardo e banda registrando suas respectivas partes de uma só vez. “Sempre quis gravar um disco dessa forma”, ele diz. “Dá alma.”
Paulo Ricardo, com três filhos pequenos em casa, queria que o Novo Álbum representasse a esperança que se vê através dos olhos das crianças. Na capa, estampa a imagem do filho Luís Eduardo, com os olhos azuis vibrantes. “A gente escreve sobre aquilo que vivemos, a fase da vida na qual estamos”, ele explica. “Estou rejuvenescido. E já quero gravar outro disco.”