Pintor violinista quer retomar o sonho de tocar em orquestra; veja o vídeo


Proibido de estudar música pelo pai, Rodrigo Rodrigues treinou violino e violoncelo escondido e chegou a participar de grupos orquestrais, mas vendeu o instrumento e largou os estudos para trabalhar

Por Julio Maria

Antes de pintar a parede, é preciso senti-la. Estudar sua temperatura, perceber a umidade e tocá-la com leveza para entender a textura e os pontos de imperfeição. Assim que chegou à pequena reforma de uma casa na Vila Romana, em São Paulo, o pintor Rodrigo Rodrigues assumiu o trabalho que outro profissional tentava fazer em vão. As manchas persistiam à terceira “demão” de uma tinta cara e o vermelho escolhido para aquecer o ambiente já ameaçava se tornar um pesadelo. Rodrigo colocou o boné, ajeitou seu material, preparou lixas, separou rolos e, antes de começar, buscou em seu celular, como se precisasse preparar o ambiente perfeito para ficarem apenas ele e a parede, a gravação de Partita Para Violino nº 2, de Johann Sebastian Bach.

Opintor pianista Rodrigo Rodrigues, tocando durante uma pausa de seu trabalho Foto: Julio Maria

Bach e seus contrapontos traduzem as linhas melódicas paralelas da vida de Rodrigo. Menino pobre do Jardim Helena, em São Miguel Paulista, filho de pais evangélicos de valores religiosos rígidos e inegociáveis, a música já foi seu norte, sua riqueza e sua derrota.  Ele a descobriu ao lado dos pais durante os cultos da Congregação Cristã do Brasil, antes de ter sete anos de idade. Fez dois anos de estudo teórico e, aos 9, encostou pela primeira vez em um violino. O dia em que conseguiu tocar os dois primeiros compassos do Minueto de Haendel, sentiu algo que ainda hoje não consegue descrever. Mas Rodrigo queria ir além da lição 100 do Bona, a Bíblia dos solfejos, e ampliar seus horizontes estudando para tocar em orquestras. E foi aí que o contraponto jogou a melodia principal de sua vida para as notas mais graves.

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Depois de salvar a parede perdida num dia intenso de trabalho, Rodrigo sentou-se para um café. Ele contou sobre sua paixão pela música de Bach, mas também pela “ousadia mais virtuosa” de Haendel, pelo “choro do Concerto para Violino Opus 35 de Tchaikovski” e pela “paz que se sente mesmo na loucura de Mozart”. A voz gaguejava de euforia durante suas descrições, mas logo desceu dois tons e pareceu pular da clave de sol de um violino para a de fá de um contrabaixo quando a pergunta foi: “E por que você não seguiu em frente?”. Rodrigo tirou os óculos, enxugou os olhos com as mãos ainda manchadas de vermelho e falou do pai. “Ele tirou isso de mim. Eu o respeito muito, mas ele não deixou eu estudar para ser um profissional. Para ele, o violino não traria futuro.”

Mesmo sem a permissão do pai, Rodrigo foi até onde podia para aprender música. “Eu estudava escondido, treinando com partituras que ele não sabia que não eram da igreja.” Mais tarde, ainda escondido, passou do violino para o violoncelo depois de brincar com o instrumento de um amigo e conseguiu ser aprovado nos testes para integrar uma orquestra filarmônica e uma camerata que ensaiavam na Praça da República. Decidido a encarar os estudos e a fazer parte do grupo, Rodrigo afastou-se da igreja e passou a estudar até quatro horas por dia quando não estava trabalhando numa granja em São Miguel Paulista, matando, depenando e limpando galinhas. Ao final das oito horas de trabalho, corria para casa, tomava banho e seguia para duas horas de ônibus até a República. “Eu tinha de inventar algo pra sair mais cedo. Nunca dava tempo.”

Era como a profecia do pai se cumprisse: estudar música não era para os Rodrigues. A vida deveria ser vivida com a mão na massa, como dizia o pai, não tocando um instrumento musical. Em uma mudança de rumo, Rodrigo jogou a toalha, vendeu o violoncelo por R$ 1,2 mil e decidiu seguir a carreira do pai pintor. E foi assim que as paredes de uma obra cruzaram com Bach. Rodrigo pode sentir as cores de uma parede como se tocasse as notas de uma cantata.

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Aos 33 anos, Rodrigo Rodrigues vive dos R$ 1 mil que ganha como pintor em tempos pandêmicos de crise econômica e pouco trabalho. Ele aceitou trazer seu violino no dia seguinte ao café. Estava nervoso e emocionado quando posicionou o instrumento sob o queixo, diante do chefe Denis, dos colegas da equipe de reformas Poder Absoluto e dos moradores da casa. Seus dedos cobertos nas pontas pelo pó branco da massa-corrida tocavam trechos de A Lista de Schindler, de John Williams, e, claro, de Partita Nº 2, de Johann Sebastian Bach. “Cara, olha isso!”, dizia Denis, mostrando o braço arrepiado ao descobrir que tinha na equipe um funcionário artista: “Vou começar a cobrar mais caro: ‘reformas com música’”. O violinista pintor sonha agora em conseguir dinheiro para voltar às aulas de violino ou de violoncelo sabendo que o pai não estava tão errado: na vida dos Rodrigues, viver de música é como aplicar um vermelho sobre a parede branca. É preciso senti-la, estudá-la e cobri-la aos poucos e por muitas vezes até que o brilho fique para sempre.

Antes de pintar a parede, é preciso senti-la. Estudar sua temperatura, perceber a umidade e tocá-la com leveza para entender a textura e os pontos de imperfeição. Assim que chegou à pequena reforma de uma casa na Vila Romana, em São Paulo, o pintor Rodrigo Rodrigues assumiu o trabalho que outro profissional tentava fazer em vão. As manchas persistiam à terceira “demão” de uma tinta cara e o vermelho escolhido para aquecer o ambiente já ameaçava se tornar um pesadelo. Rodrigo colocou o boné, ajeitou seu material, preparou lixas, separou rolos e, antes de começar, buscou em seu celular, como se precisasse preparar o ambiente perfeito para ficarem apenas ele e a parede, a gravação de Partita Para Violino nº 2, de Johann Sebastian Bach.

Opintor pianista Rodrigo Rodrigues, tocando durante uma pausa de seu trabalho Foto: Julio Maria

Bach e seus contrapontos traduzem as linhas melódicas paralelas da vida de Rodrigo. Menino pobre do Jardim Helena, em São Miguel Paulista, filho de pais evangélicos de valores religiosos rígidos e inegociáveis, a música já foi seu norte, sua riqueza e sua derrota.  Ele a descobriu ao lado dos pais durante os cultos da Congregação Cristã do Brasil, antes de ter sete anos de idade. Fez dois anos de estudo teórico e, aos 9, encostou pela primeira vez em um violino. O dia em que conseguiu tocar os dois primeiros compassos do Minueto de Haendel, sentiu algo que ainda hoje não consegue descrever. Mas Rodrigo queria ir além da lição 100 do Bona, a Bíblia dos solfejos, e ampliar seus horizontes estudando para tocar em orquestras. E foi aí que o contraponto jogou a melodia principal de sua vida para as notas mais graves.

Depois de salvar a parede perdida num dia intenso de trabalho, Rodrigo sentou-se para um café. Ele contou sobre sua paixão pela música de Bach, mas também pela “ousadia mais virtuosa” de Haendel, pelo “choro do Concerto para Violino Opus 35 de Tchaikovski” e pela “paz que se sente mesmo na loucura de Mozart”. A voz gaguejava de euforia durante suas descrições, mas logo desceu dois tons e pareceu pular da clave de sol de um violino para a de fá de um contrabaixo quando a pergunta foi: “E por que você não seguiu em frente?”. Rodrigo tirou os óculos, enxugou os olhos com as mãos ainda manchadas de vermelho e falou do pai. “Ele tirou isso de mim. Eu o respeito muito, mas ele não deixou eu estudar para ser um profissional. Para ele, o violino não traria futuro.”

Mesmo sem a permissão do pai, Rodrigo foi até onde podia para aprender música. “Eu estudava escondido, treinando com partituras que ele não sabia que não eram da igreja.” Mais tarde, ainda escondido, passou do violino para o violoncelo depois de brincar com o instrumento de um amigo e conseguiu ser aprovado nos testes para integrar uma orquestra filarmônica e uma camerata que ensaiavam na Praça da República. Decidido a encarar os estudos e a fazer parte do grupo, Rodrigo afastou-se da igreja e passou a estudar até quatro horas por dia quando não estava trabalhando numa granja em São Miguel Paulista, matando, depenando e limpando galinhas. Ao final das oito horas de trabalho, corria para casa, tomava banho e seguia para duas horas de ônibus até a República. “Eu tinha de inventar algo pra sair mais cedo. Nunca dava tempo.”

Era como a profecia do pai se cumprisse: estudar música não era para os Rodrigues. A vida deveria ser vivida com a mão na massa, como dizia o pai, não tocando um instrumento musical. Em uma mudança de rumo, Rodrigo jogou a toalha, vendeu o violoncelo por R$ 1,2 mil e decidiu seguir a carreira do pai pintor. E foi assim que as paredes de uma obra cruzaram com Bach. Rodrigo pode sentir as cores de uma parede como se tocasse as notas de uma cantata.

Aos 33 anos, Rodrigo Rodrigues vive dos R$ 1 mil que ganha como pintor em tempos pandêmicos de crise econômica e pouco trabalho. Ele aceitou trazer seu violino no dia seguinte ao café. Estava nervoso e emocionado quando posicionou o instrumento sob o queixo, diante do chefe Denis, dos colegas da equipe de reformas Poder Absoluto e dos moradores da casa. Seus dedos cobertos nas pontas pelo pó branco da massa-corrida tocavam trechos de A Lista de Schindler, de John Williams, e, claro, de Partita Nº 2, de Johann Sebastian Bach. “Cara, olha isso!”, dizia Denis, mostrando o braço arrepiado ao descobrir que tinha na equipe um funcionário artista: “Vou começar a cobrar mais caro: ‘reformas com música’”. O violinista pintor sonha agora em conseguir dinheiro para voltar às aulas de violino ou de violoncelo sabendo que o pai não estava tão errado: na vida dos Rodrigues, viver de música é como aplicar um vermelho sobre a parede branca. É preciso senti-la, estudá-la e cobri-la aos poucos e por muitas vezes até que o brilho fique para sempre.

Antes de pintar a parede, é preciso senti-la. Estudar sua temperatura, perceber a umidade e tocá-la com leveza para entender a textura e os pontos de imperfeição. Assim que chegou à pequena reforma de uma casa na Vila Romana, em São Paulo, o pintor Rodrigo Rodrigues assumiu o trabalho que outro profissional tentava fazer em vão. As manchas persistiam à terceira “demão” de uma tinta cara e o vermelho escolhido para aquecer o ambiente já ameaçava se tornar um pesadelo. Rodrigo colocou o boné, ajeitou seu material, preparou lixas, separou rolos e, antes de começar, buscou em seu celular, como se precisasse preparar o ambiente perfeito para ficarem apenas ele e a parede, a gravação de Partita Para Violino nº 2, de Johann Sebastian Bach.

Opintor pianista Rodrigo Rodrigues, tocando durante uma pausa de seu trabalho Foto: Julio Maria

Bach e seus contrapontos traduzem as linhas melódicas paralelas da vida de Rodrigo. Menino pobre do Jardim Helena, em São Miguel Paulista, filho de pais evangélicos de valores religiosos rígidos e inegociáveis, a música já foi seu norte, sua riqueza e sua derrota.  Ele a descobriu ao lado dos pais durante os cultos da Congregação Cristã do Brasil, antes de ter sete anos de idade. Fez dois anos de estudo teórico e, aos 9, encostou pela primeira vez em um violino. O dia em que conseguiu tocar os dois primeiros compassos do Minueto de Haendel, sentiu algo que ainda hoje não consegue descrever. Mas Rodrigo queria ir além da lição 100 do Bona, a Bíblia dos solfejos, e ampliar seus horizontes estudando para tocar em orquestras. E foi aí que o contraponto jogou a melodia principal de sua vida para as notas mais graves.

Depois de salvar a parede perdida num dia intenso de trabalho, Rodrigo sentou-se para um café. Ele contou sobre sua paixão pela música de Bach, mas também pela “ousadia mais virtuosa” de Haendel, pelo “choro do Concerto para Violino Opus 35 de Tchaikovski” e pela “paz que se sente mesmo na loucura de Mozart”. A voz gaguejava de euforia durante suas descrições, mas logo desceu dois tons e pareceu pular da clave de sol de um violino para a de fá de um contrabaixo quando a pergunta foi: “E por que você não seguiu em frente?”. Rodrigo tirou os óculos, enxugou os olhos com as mãos ainda manchadas de vermelho e falou do pai. “Ele tirou isso de mim. Eu o respeito muito, mas ele não deixou eu estudar para ser um profissional. Para ele, o violino não traria futuro.”

Mesmo sem a permissão do pai, Rodrigo foi até onde podia para aprender música. “Eu estudava escondido, treinando com partituras que ele não sabia que não eram da igreja.” Mais tarde, ainda escondido, passou do violino para o violoncelo depois de brincar com o instrumento de um amigo e conseguiu ser aprovado nos testes para integrar uma orquestra filarmônica e uma camerata que ensaiavam na Praça da República. Decidido a encarar os estudos e a fazer parte do grupo, Rodrigo afastou-se da igreja e passou a estudar até quatro horas por dia quando não estava trabalhando numa granja em São Miguel Paulista, matando, depenando e limpando galinhas. Ao final das oito horas de trabalho, corria para casa, tomava banho e seguia para duas horas de ônibus até a República. “Eu tinha de inventar algo pra sair mais cedo. Nunca dava tempo.”

Era como a profecia do pai se cumprisse: estudar música não era para os Rodrigues. A vida deveria ser vivida com a mão na massa, como dizia o pai, não tocando um instrumento musical. Em uma mudança de rumo, Rodrigo jogou a toalha, vendeu o violoncelo por R$ 1,2 mil e decidiu seguir a carreira do pai pintor. E foi assim que as paredes de uma obra cruzaram com Bach. Rodrigo pode sentir as cores de uma parede como se tocasse as notas de uma cantata.

Aos 33 anos, Rodrigo Rodrigues vive dos R$ 1 mil que ganha como pintor em tempos pandêmicos de crise econômica e pouco trabalho. Ele aceitou trazer seu violino no dia seguinte ao café. Estava nervoso e emocionado quando posicionou o instrumento sob o queixo, diante do chefe Denis, dos colegas da equipe de reformas Poder Absoluto e dos moradores da casa. Seus dedos cobertos nas pontas pelo pó branco da massa-corrida tocavam trechos de A Lista de Schindler, de John Williams, e, claro, de Partita Nº 2, de Johann Sebastian Bach. “Cara, olha isso!”, dizia Denis, mostrando o braço arrepiado ao descobrir que tinha na equipe um funcionário artista: “Vou começar a cobrar mais caro: ‘reformas com música’”. O violinista pintor sonha agora em conseguir dinheiro para voltar às aulas de violino ou de violoncelo sabendo que o pai não estava tão errado: na vida dos Rodrigues, viver de música é como aplicar um vermelho sobre a parede branca. É preciso senti-la, estudá-la e cobri-la aos poucos e por muitas vezes até que o brilho fique para sempre.

Antes de pintar a parede, é preciso senti-la. Estudar sua temperatura, perceber a umidade e tocá-la com leveza para entender a textura e os pontos de imperfeição. Assim que chegou à pequena reforma de uma casa na Vila Romana, em São Paulo, o pintor Rodrigo Rodrigues assumiu o trabalho que outro profissional tentava fazer em vão. As manchas persistiam à terceira “demão” de uma tinta cara e o vermelho escolhido para aquecer o ambiente já ameaçava se tornar um pesadelo. Rodrigo colocou o boné, ajeitou seu material, preparou lixas, separou rolos e, antes de começar, buscou em seu celular, como se precisasse preparar o ambiente perfeito para ficarem apenas ele e a parede, a gravação de Partita Para Violino nº 2, de Johann Sebastian Bach.

Opintor pianista Rodrigo Rodrigues, tocando durante uma pausa de seu trabalho Foto: Julio Maria

Bach e seus contrapontos traduzem as linhas melódicas paralelas da vida de Rodrigo. Menino pobre do Jardim Helena, em São Miguel Paulista, filho de pais evangélicos de valores religiosos rígidos e inegociáveis, a música já foi seu norte, sua riqueza e sua derrota.  Ele a descobriu ao lado dos pais durante os cultos da Congregação Cristã do Brasil, antes de ter sete anos de idade. Fez dois anos de estudo teórico e, aos 9, encostou pela primeira vez em um violino. O dia em que conseguiu tocar os dois primeiros compassos do Minueto de Haendel, sentiu algo que ainda hoje não consegue descrever. Mas Rodrigo queria ir além da lição 100 do Bona, a Bíblia dos solfejos, e ampliar seus horizontes estudando para tocar em orquestras. E foi aí que o contraponto jogou a melodia principal de sua vida para as notas mais graves.

Depois de salvar a parede perdida num dia intenso de trabalho, Rodrigo sentou-se para um café. Ele contou sobre sua paixão pela música de Bach, mas também pela “ousadia mais virtuosa” de Haendel, pelo “choro do Concerto para Violino Opus 35 de Tchaikovski” e pela “paz que se sente mesmo na loucura de Mozart”. A voz gaguejava de euforia durante suas descrições, mas logo desceu dois tons e pareceu pular da clave de sol de um violino para a de fá de um contrabaixo quando a pergunta foi: “E por que você não seguiu em frente?”. Rodrigo tirou os óculos, enxugou os olhos com as mãos ainda manchadas de vermelho e falou do pai. “Ele tirou isso de mim. Eu o respeito muito, mas ele não deixou eu estudar para ser um profissional. Para ele, o violino não traria futuro.”

Mesmo sem a permissão do pai, Rodrigo foi até onde podia para aprender música. “Eu estudava escondido, treinando com partituras que ele não sabia que não eram da igreja.” Mais tarde, ainda escondido, passou do violino para o violoncelo depois de brincar com o instrumento de um amigo e conseguiu ser aprovado nos testes para integrar uma orquestra filarmônica e uma camerata que ensaiavam na Praça da República. Decidido a encarar os estudos e a fazer parte do grupo, Rodrigo afastou-se da igreja e passou a estudar até quatro horas por dia quando não estava trabalhando numa granja em São Miguel Paulista, matando, depenando e limpando galinhas. Ao final das oito horas de trabalho, corria para casa, tomava banho e seguia para duas horas de ônibus até a República. “Eu tinha de inventar algo pra sair mais cedo. Nunca dava tempo.”

Era como a profecia do pai se cumprisse: estudar música não era para os Rodrigues. A vida deveria ser vivida com a mão na massa, como dizia o pai, não tocando um instrumento musical. Em uma mudança de rumo, Rodrigo jogou a toalha, vendeu o violoncelo por R$ 1,2 mil e decidiu seguir a carreira do pai pintor. E foi assim que as paredes de uma obra cruzaram com Bach. Rodrigo pode sentir as cores de uma parede como se tocasse as notas de uma cantata.

Aos 33 anos, Rodrigo Rodrigues vive dos R$ 1 mil que ganha como pintor em tempos pandêmicos de crise econômica e pouco trabalho. Ele aceitou trazer seu violino no dia seguinte ao café. Estava nervoso e emocionado quando posicionou o instrumento sob o queixo, diante do chefe Denis, dos colegas da equipe de reformas Poder Absoluto e dos moradores da casa. Seus dedos cobertos nas pontas pelo pó branco da massa-corrida tocavam trechos de A Lista de Schindler, de John Williams, e, claro, de Partita Nº 2, de Johann Sebastian Bach. “Cara, olha isso!”, dizia Denis, mostrando o braço arrepiado ao descobrir que tinha na equipe um funcionário artista: “Vou começar a cobrar mais caro: ‘reformas com música’”. O violinista pintor sonha agora em conseguir dinheiro para voltar às aulas de violino ou de violoncelo sabendo que o pai não estava tão errado: na vida dos Rodrigues, viver de música é como aplicar um vermelho sobre a parede branca. É preciso senti-la, estudá-la e cobri-la aos poucos e por muitas vezes até que o brilho fique para sempre.

Antes de pintar a parede, é preciso senti-la. Estudar sua temperatura, perceber a umidade e tocá-la com leveza para entender a textura e os pontos de imperfeição. Assim que chegou à pequena reforma de uma casa na Vila Romana, em São Paulo, o pintor Rodrigo Rodrigues assumiu o trabalho que outro profissional tentava fazer em vão. As manchas persistiam à terceira “demão” de uma tinta cara e o vermelho escolhido para aquecer o ambiente já ameaçava se tornar um pesadelo. Rodrigo colocou o boné, ajeitou seu material, preparou lixas, separou rolos e, antes de começar, buscou em seu celular, como se precisasse preparar o ambiente perfeito para ficarem apenas ele e a parede, a gravação de Partita Para Violino nº 2, de Johann Sebastian Bach.

Opintor pianista Rodrigo Rodrigues, tocando durante uma pausa de seu trabalho Foto: Julio Maria

Bach e seus contrapontos traduzem as linhas melódicas paralelas da vida de Rodrigo. Menino pobre do Jardim Helena, em São Miguel Paulista, filho de pais evangélicos de valores religiosos rígidos e inegociáveis, a música já foi seu norte, sua riqueza e sua derrota.  Ele a descobriu ao lado dos pais durante os cultos da Congregação Cristã do Brasil, antes de ter sete anos de idade. Fez dois anos de estudo teórico e, aos 9, encostou pela primeira vez em um violino. O dia em que conseguiu tocar os dois primeiros compassos do Minueto de Haendel, sentiu algo que ainda hoje não consegue descrever. Mas Rodrigo queria ir além da lição 100 do Bona, a Bíblia dos solfejos, e ampliar seus horizontes estudando para tocar em orquestras. E foi aí que o contraponto jogou a melodia principal de sua vida para as notas mais graves.

Depois de salvar a parede perdida num dia intenso de trabalho, Rodrigo sentou-se para um café. Ele contou sobre sua paixão pela música de Bach, mas também pela “ousadia mais virtuosa” de Haendel, pelo “choro do Concerto para Violino Opus 35 de Tchaikovski” e pela “paz que se sente mesmo na loucura de Mozart”. A voz gaguejava de euforia durante suas descrições, mas logo desceu dois tons e pareceu pular da clave de sol de um violino para a de fá de um contrabaixo quando a pergunta foi: “E por que você não seguiu em frente?”. Rodrigo tirou os óculos, enxugou os olhos com as mãos ainda manchadas de vermelho e falou do pai. “Ele tirou isso de mim. Eu o respeito muito, mas ele não deixou eu estudar para ser um profissional. Para ele, o violino não traria futuro.”

Mesmo sem a permissão do pai, Rodrigo foi até onde podia para aprender música. “Eu estudava escondido, treinando com partituras que ele não sabia que não eram da igreja.” Mais tarde, ainda escondido, passou do violino para o violoncelo depois de brincar com o instrumento de um amigo e conseguiu ser aprovado nos testes para integrar uma orquestra filarmônica e uma camerata que ensaiavam na Praça da República. Decidido a encarar os estudos e a fazer parte do grupo, Rodrigo afastou-se da igreja e passou a estudar até quatro horas por dia quando não estava trabalhando numa granja em São Miguel Paulista, matando, depenando e limpando galinhas. Ao final das oito horas de trabalho, corria para casa, tomava banho e seguia para duas horas de ônibus até a República. “Eu tinha de inventar algo pra sair mais cedo. Nunca dava tempo.”

Era como a profecia do pai se cumprisse: estudar música não era para os Rodrigues. A vida deveria ser vivida com a mão na massa, como dizia o pai, não tocando um instrumento musical. Em uma mudança de rumo, Rodrigo jogou a toalha, vendeu o violoncelo por R$ 1,2 mil e decidiu seguir a carreira do pai pintor. E foi assim que as paredes de uma obra cruzaram com Bach. Rodrigo pode sentir as cores de uma parede como se tocasse as notas de uma cantata.

Aos 33 anos, Rodrigo Rodrigues vive dos R$ 1 mil que ganha como pintor em tempos pandêmicos de crise econômica e pouco trabalho. Ele aceitou trazer seu violino no dia seguinte ao café. Estava nervoso e emocionado quando posicionou o instrumento sob o queixo, diante do chefe Denis, dos colegas da equipe de reformas Poder Absoluto e dos moradores da casa. Seus dedos cobertos nas pontas pelo pó branco da massa-corrida tocavam trechos de A Lista de Schindler, de John Williams, e, claro, de Partita Nº 2, de Johann Sebastian Bach. “Cara, olha isso!”, dizia Denis, mostrando o braço arrepiado ao descobrir que tinha na equipe um funcionário artista: “Vou começar a cobrar mais caro: ‘reformas com música’”. O violinista pintor sonha agora em conseguir dinheiro para voltar às aulas de violino ou de violoncelo sabendo que o pai não estava tão errado: na vida dos Rodrigues, viver de música é como aplicar um vermelho sobre a parede branca. É preciso senti-la, estudá-la e cobri-la aos poucos e por muitas vezes até que o brilho fique para sempre.

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