Pitty diz que ‘purismo e reacionarismo fizeram o rock parar no tempo’ e ‘perder conexão’ com público


Cantora e compositora lança o álbum ‘Admirável Chip Novo (Re) Ativado’, no qual delega as músicas do disco a artistas como Ney Matogrosso, Pabllo Vittar, MC Carol, Emicida, Céu e Planet Hemp

Por Danilo Casaletti
Atualização:

Ao se colocar como mera ouvinte de onze intérpretes das músicas de seu álbum inegavelmente mais significativo, Admirável Chip Novo, Pitty praticou não apenas o desapego à letras de canções como Equalize, Teto de Vidro e Máscara, mas também como espectadora sobre o futuro do rock brasileiro, do qual ela é figura fundamental.

Em Admirável Chip Novo (Re) Ativado, que chega às plataformas de música nesta sexta-feira, 6 de outubro, Pabllo Vittar coloca novos beats em Equalize, Emicida versa sobre Teto de Vidro e Ney Matogrosso traz maturidade para Máscara.

O disco, produzido por Pitty e Rafael Ramos - que assinam a direção artística em conjunto, mas não participaram dos caminhos musicais das 11 faixas, delegados a cada convidado e seus produtores - é plural. Talvez como o rock deveria ser para conseguir sair de seu nicho.

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A cantora e compositora Pitty: desapego às faixas importantes de sua carreira Foto: Caio Lirio

“Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência”, diz Pitty ao Estadão.

Além de Pitty, Emicida e Ney, participam dessa reativação de Admirável Chip Novo Planet Hemp, Tuyo, Céu, Criolo, Tropkillaz, Sandy, MC Carol, Marina Peralta e Rockers Control e Supercombo. Com tamanha diversidade sonora, coube à masterização deixar tudo equilibrado a favor de uma linearidade e um conforto de audição que, incrivelmente, ocorre e faz a iniciativa passar longe de um amontoado de faixas desencontradas ou que prestam mero culto às gravações originais.

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Em conversa com a reportagem do Estadão, Pitty falou ainda sobre a posição do rock brasileiro no cenário musical atual, sobre gêneros como o rap, o trap e o funk - que atualmente ocupam os rankings de músicas mais ouvidas no País - e , em especial, de duas artistas que participaram do do álbum Admirável Chip Novo (Re) Ativado. Pabllo e MC Carol. “Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! A Pabllo me encantou”, diz.

Você tem feito a turnê de 20 anos do álbum Admirável Chip Novo, inclusive no festival Turá e no The Town. Ela gera certa nostalgia no público - e é recebida com afeto. É isso mesmo que você percebe?

Eu percebo, sim, esse afeto. Mas também percebo que o público ressignificou as canções (do álbum) e as entende na contemporaneidade. Todos estão em outro momento da vida, mas as músicas continuam fazendo sentido para eles. Ou despertam outros entendimentos. Pode ser que algumas pessoas antes entendiam apenas a sonoridade delas, mas agora entendem a lírica.

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E você? Ressignificou esse álbum?

Sim. Passei anos sem tocar metade de suas músicas. Fui fazendo outras canções, outros discos. Foi uma surpresa cantá-las novamente. Perceber que elas ainda fazem sentido para mim, que não precisei mexer nos tons. Minha voz está aqui. É um repertório rock’n’ roll mesmo!

Por falar em rock, você foi a única artista brasileira no dia do rock no palco principal do The Town. O que isso mostra sobre a cena do rock brasileiro?

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Essa análise não é para os críticos de música? Difícil falar como uma personagem que está dentro do rolê. Mas, tudo bem, vou dar a minha visão. Sempre houve altos e baixos.

De certa forma, o rock foi se tornando muito hermético. E isso o afastou das camadas mais populares. O purismo, o reacionarismo, ou o medo de ele se entregar para novas linguagem fez com que ele tivesse parado em um tempo e espaço que atende a um nicho, mas perde conexão com a contemporaneidade.

Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência. Isso dá trabalho. Precisa ser feito com coerência artística. Mas, o que é o rock? Ele tem muito mais a ver com o conteúdo do que a forma, não é?

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A capa do álbum 'Admirável Chip Novo (Re) Ativado' Foto: Divulgação

Você vem de uma linhagem que talvez tenha começado com Celly Campello, que era mais comportada, mas que deu seu recado. Depois, a Wanderléa mexeu com os costumes. Aí veio Rita Lee mudando tudo. Paula Toller, uma mulher entre os roqueiros dos anos 1980. Por isso, essa sua não adesão apenas a uma forma? Elas sempre foram livres...

Sim, totalmente. Incluo Cássia Eller, muitas vezes colocada como uma artista de MPB, mas que era totalmente rock’n’roll. Rita era ‘vendida’ como artista de rock, mas fez marchinhas, sambas, era extremamente carnavalesca também. Mas a alma dela era roqueira. David Bowie era assim. Eles sempre deram vazão à sua criatividade. E não deixavam de ter uma identidade.

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Ainda sobre o The Town. Artistas como Jão, Marina Sena, Alok e Luísa Sonza se manifestaram contra as críticas que receberam da imprensa e nas redes sociais. O que você pensa sobre isso? E como lida com as críticas?

É o seguinte: se você está apresentando um espetáculo, está sujeito à apreciação pública. Quando eu comecei a ter banda, existia uma tradição muito forte de revistas de música. E as resenhas de discos e shows eram muito importantes. O artista poderia se achar injustiçado e não existia nem as redes sociais para a gente se defender. Hoje, o artista pode dar esse toque.

Porém, também é preciso respeitar a opinião de quem viu. Pensar: ‘será que essa pessoa não está falando algo certo? Será que eu não tinha que ter me preparado melhor? Será que eu estava mesmo pronta para fazer isso?’. Eu, como artista, me ponho nesses dois lugares.

Você tem se apresentado para o público que era adolescente há 20 anos e continua te acompanhando ou novas plateias? Ou uma mistura?

É uma experiência doida de observar! Estou tocando para todo mundo! É lindo! Eu sempre quis isso. Eu sempre falei para a diversidade. (a música) Máscara é sobre isso. Quando eu toco em praça pública, fora das grandes cidades, vejo praças com 40, 50 mil pessoas. Na rua! Vejo crianças, vejo gente da minha idade, mais velha, mais nova. Muitas mulheres, público LGBTQIA +, roqueiros com camisa preta. Não sei se poderia almejar outra coisa. Uma mulher nordestina, artista de rock... Para mim, isso é sucesso.

Uma coisa é você chegar em uma praça e tocar para 50 mil pessoas. Outra, é comprar um lugar em uma playlist. Não se fala sobre isso, mas a gente sabe que o jabá foi mudando de lugar, né?

Para você, isso é mais importante do que aparecer em um top 10 de artistas mais tocados atualmente?

Não vou fazer juízo de valor. Cada um que faça o seu. Mas, posso trazer um debate para o mercado da música: uma coisa é você chegar em uma praça e tocar para 50 mil pessoas. Outra, é comprar um lugar em uma playlist. Não se fala sobre isso, mas a gente sabe que o jabá foi mudando de lugar, né? Existem práticas e estratégias de marketing que fazem esses números acontecerem.

Eu mesma já vi que alguns desses artistas não conseguem botar nem duas mil pessoas em uma casa de show. O que será isso? Será que as pessoas estão ouvindo mais música em casa? Esse pode ser um comportamento geracional? Pode! Mas, para mim, é muito bom saber que tenho público para me assistir.

Nos rankings das mais ouvidas há o rap, o trap e o funk. Muitos desses artistas se declara fã de rock, como o Xamã, por exemplo. O DJ K disse que não fez rock porque ele não é mais comercial, não oferece possibilidade de ascensão artística e social. O rock, de certa forma, abriu possibilidades para essa geração?

O rap e o rock têm muito a ver. Falo isso desde os anos 1990. É uma música de rua, de transgressão, de recolocação no mundo. Eles dialogam. Essa geração mais nova, por questão estética, se identifica muito mais com o rap, o trap e o funk. E há a questão da acessibilidade. Basta ter um software para fazer sua música. Para ter banda de rock, é preciso ensaiar, ter os instrumentos, alugar estúdio. Quando a tecnologia permitiu fazer música de dentro de um quarto, a possibilidade de se expressar se popularizou.

Você é letrista. Como vê as letras atuais, sobretudo as do funk? Nem todas são favoráveis às mulheres...

Isso não é normal. E não é de agora. Sempre existiram letras sexistas e machistas. Não posso esquecer que fui adolescente na época da Tiazinha, da Banheira do Gugu e do É o Tchan. Até por isso, eu quis trazer outra visão de mulher. Quis oferecer para outras adolescentes como eu outras possibilidades de mulheridade. Não corroborareii e não corroboro com letras machistas. Elas não cabiam antes e cabem menos agora. Fora isso, dentro do funk, do rap e do trap, tem coisas muito interessantes.

Do palco, Pitty diz enxergar todo tipo de público. E adora isso Foto: Stephanie Hahne

No Admirável Chip Novo (Re) Ativado, você convidou a MC Carol para cantar Só de Passagem, que é uma letra sua que fala sobre aceitação, de ser o que se é. O principal sucesso dela é ‘meu namorado é mó otário/ Ele lava minhas calcinha (sic)’. De certa forma, a MC Carol tem essa mesma mensagem de afirmação. Talvez de uma maneira mais simples...

Sim, mesmo dentro de estilos diferentes, a gente identifica a mensagem. Cada um se expressa de uma maneira. Essa é a dela. Nem todo mundo cresceu com acesso a mesma linguagem. Novamente, o que importa é o conteúdo, não a forma. A MC Carol tem putaria na obra dela. Mas também, fora de uma mulher padrão, ela fala sobre empoderamento. E, se afirmar fora de um corpo de uma mulher padrão, é muito mais complicado. E isso me interessa muito.

A Pabllo fez uma versão totalmente diferente para Equalize, com batida eletrônica, que abre um bloco interessante dentro do álbum que aponta para uma diversidade sonora para muito além do rock...

Eu achei a versão dela divertidíssima! Ela fez com o Gorky (o produtor Rodrigo Gorky), um cara antenado com os beats. Ela se expressou. Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! Ela me encantou.

Você deu total liberdade para os artistas convidados criarem em cima desse repertório, foi isso?

Total. Estou como ouvinte. Dei zero opinião. Eu e o Rafael Ramos fomos escolhendo quem seriam os artistas e as músicas. Queríamos que todos ficassem confortáveis, que trouxessem suas identidades. Queria ser surpreendida. Ouvir algo que nunca imaginei nessas músicas. Ainda vou fazer um podcast contando como escolhemos cada convidado.

Estou tentando ser menos neurótica. Não que eu tenha conseguido, mas estou no caminho.

Você teve que praticar o desapego com essas músicas que ficaram muito marcadas na sua voz...

Muito. Estou no ano do desapego e achando ótimo. Gosto de cuidar de todos os aspectos da minha carreira. Estou tentando ser menos neurótica. Não que eu tenha conseguido, mas estou no caminho.

Como foi ouvi-las cantadas por homens?

A fluidez passa por isso. Homens, mulheres, queers... É uma gama que mostra como o rock pode e deve ser permeável em todas as camadas. Quem sabe, dessa forma, ele possa ir em direção ao futuro. Dizem que a gente só tem o agora, mas eu gosto de pensar que temos também o futuro (risos).

Você foi anunciada no line up do festival I Wanna Be. Ele tem uma certa nostalgia emo. Achou importante estar nele?

Achei que seria interessante estar porque os line-ups de festivais são carentes de figuras femininas. É importante ocupar os espaços que podemos, desde que não nos ofenda artisticamente.

Ao se colocar como mera ouvinte de onze intérpretes das músicas de seu álbum inegavelmente mais significativo, Admirável Chip Novo, Pitty praticou não apenas o desapego à letras de canções como Equalize, Teto de Vidro e Máscara, mas também como espectadora sobre o futuro do rock brasileiro, do qual ela é figura fundamental.

Em Admirável Chip Novo (Re) Ativado, que chega às plataformas de música nesta sexta-feira, 6 de outubro, Pabllo Vittar coloca novos beats em Equalize, Emicida versa sobre Teto de Vidro e Ney Matogrosso traz maturidade para Máscara.

O disco, produzido por Pitty e Rafael Ramos - que assinam a direção artística em conjunto, mas não participaram dos caminhos musicais das 11 faixas, delegados a cada convidado e seus produtores - é plural. Talvez como o rock deveria ser para conseguir sair de seu nicho.

A cantora e compositora Pitty: desapego às faixas importantes de sua carreira Foto: Caio Lirio

“Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência”, diz Pitty ao Estadão.

Além de Pitty, Emicida e Ney, participam dessa reativação de Admirável Chip Novo Planet Hemp, Tuyo, Céu, Criolo, Tropkillaz, Sandy, MC Carol, Marina Peralta e Rockers Control e Supercombo. Com tamanha diversidade sonora, coube à masterização deixar tudo equilibrado a favor de uma linearidade e um conforto de audição que, incrivelmente, ocorre e faz a iniciativa passar longe de um amontoado de faixas desencontradas ou que prestam mero culto às gravações originais.

Em conversa com a reportagem do Estadão, Pitty falou ainda sobre a posição do rock brasileiro no cenário musical atual, sobre gêneros como o rap, o trap e o funk - que atualmente ocupam os rankings de músicas mais ouvidas no País - e , em especial, de duas artistas que participaram do do álbum Admirável Chip Novo (Re) Ativado. Pabllo e MC Carol. “Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! A Pabllo me encantou”, diz.

Você tem feito a turnê de 20 anos do álbum Admirável Chip Novo, inclusive no festival Turá e no The Town. Ela gera certa nostalgia no público - e é recebida com afeto. É isso mesmo que você percebe?

Eu percebo, sim, esse afeto. Mas também percebo que o público ressignificou as canções (do álbum) e as entende na contemporaneidade. Todos estão em outro momento da vida, mas as músicas continuam fazendo sentido para eles. Ou despertam outros entendimentos. Pode ser que algumas pessoas antes entendiam apenas a sonoridade delas, mas agora entendem a lírica.

E você? Ressignificou esse álbum?

Sim. Passei anos sem tocar metade de suas músicas. Fui fazendo outras canções, outros discos. Foi uma surpresa cantá-las novamente. Perceber que elas ainda fazem sentido para mim, que não precisei mexer nos tons. Minha voz está aqui. É um repertório rock’n’ roll mesmo!

Por falar em rock, você foi a única artista brasileira no dia do rock no palco principal do The Town. O que isso mostra sobre a cena do rock brasileiro?

Essa análise não é para os críticos de música? Difícil falar como uma personagem que está dentro do rolê. Mas, tudo bem, vou dar a minha visão. Sempre houve altos e baixos.

De certa forma, o rock foi se tornando muito hermético. E isso o afastou das camadas mais populares. O purismo, o reacionarismo, ou o medo de ele se entregar para novas linguagem fez com que ele tivesse parado em um tempo e espaço que atende a um nicho, mas perde conexão com a contemporaneidade.

Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência. Isso dá trabalho. Precisa ser feito com coerência artística. Mas, o que é o rock? Ele tem muito mais a ver com o conteúdo do que a forma, não é?

A capa do álbum 'Admirável Chip Novo (Re) Ativado' Foto: Divulgação

Você vem de uma linhagem que talvez tenha começado com Celly Campello, que era mais comportada, mas que deu seu recado. Depois, a Wanderléa mexeu com os costumes. Aí veio Rita Lee mudando tudo. Paula Toller, uma mulher entre os roqueiros dos anos 1980. Por isso, essa sua não adesão apenas a uma forma? Elas sempre foram livres...

Sim, totalmente. Incluo Cássia Eller, muitas vezes colocada como uma artista de MPB, mas que era totalmente rock’n’roll. Rita era ‘vendida’ como artista de rock, mas fez marchinhas, sambas, era extremamente carnavalesca também. Mas a alma dela era roqueira. David Bowie era assim. Eles sempre deram vazão à sua criatividade. E não deixavam de ter uma identidade.

Ainda sobre o The Town. Artistas como Jão, Marina Sena, Alok e Luísa Sonza se manifestaram contra as críticas que receberam da imprensa e nas redes sociais. O que você pensa sobre isso? E como lida com as críticas?

É o seguinte: se você está apresentando um espetáculo, está sujeito à apreciação pública. Quando eu comecei a ter banda, existia uma tradição muito forte de revistas de música. E as resenhas de discos e shows eram muito importantes. O artista poderia se achar injustiçado e não existia nem as redes sociais para a gente se defender. Hoje, o artista pode dar esse toque.

Porém, também é preciso respeitar a opinião de quem viu. Pensar: ‘será que essa pessoa não está falando algo certo? Será que eu não tinha que ter me preparado melhor? Será que eu estava mesmo pronta para fazer isso?’. Eu, como artista, me ponho nesses dois lugares.

Você tem se apresentado para o público que era adolescente há 20 anos e continua te acompanhando ou novas plateias? Ou uma mistura?

É uma experiência doida de observar! Estou tocando para todo mundo! É lindo! Eu sempre quis isso. Eu sempre falei para a diversidade. (a música) Máscara é sobre isso. Quando eu toco em praça pública, fora das grandes cidades, vejo praças com 40, 50 mil pessoas. Na rua! Vejo crianças, vejo gente da minha idade, mais velha, mais nova. Muitas mulheres, público LGBTQIA +, roqueiros com camisa preta. Não sei se poderia almejar outra coisa. Uma mulher nordestina, artista de rock... Para mim, isso é sucesso.

Uma coisa é você chegar em uma praça e tocar para 50 mil pessoas. Outra, é comprar um lugar em uma playlist. Não se fala sobre isso, mas a gente sabe que o jabá foi mudando de lugar, né?

Para você, isso é mais importante do que aparecer em um top 10 de artistas mais tocados atualmente?

Não vou fazer juízo de valor. Cada um que faça o seu. Mas, posso trazer um debate para o mercado da música: uma coisa é você chegar em uma praça e tocar para 50 mil pessoas. Outra, é comprar um lugar em uma playlist. Não se fala sobre isso, mas a gente sabe que o jabá foi mudando de lugar, né? Existem práticas e estratégias de marketing que fazem esses números acontecerem.

Eu mesma já vi que alguns desses artistas não conseguem botar nem duas mil pessoas em uma casa de show. O que será isso? Será que as pessoas estão ouvindo mais música em casa? Esse pode ser um comportamento geracional? Pode! Mas, para mim, é muito bom saber que tenho público para me assistir.

Nos rankings das mais ouvidas há o rap, o trap e o funk. Muitos desses artistas se declara fã de rock, como o Xamã, por exemplo. O DJ K disse que não fez rock porque ele não é mais comercial, não oferece possibilidade de ascensão artística e social. O rock, de certa forma, abriu possibilidades para essa geração?

O rap e o rock têm muito a ver. Falo isso desde os anos 1990. É uma música de rua, de transgressão, de recolocação no mundo. Eles dialogam. Essa geração mais nova, por questão estética, se identifica muito mais com o rap, o trap e o funk. E há a questão da acessibilidade. Basta ter um software para fazer sua música. Para ter banda de rock, é preciso ensaiar, ter os instrumentos, alugar estúdio. Quando a tecnologia permitiu fazer música de dentro de um quarto, a possibilidade de se expressar se popularizou.

Você é letrista. Como vê as letras atuais, sobretudo as do funk? Nem todas são favoráveis às mulheres...

Isso não é normal. E não é de agora. Sempre existiram letras sexistas e machistas. Não posso esquecer que fui adolescente na época da Tiazinha, da Banheira do Gugu e do É o Tchan. Até por isso, eu quis trazer outra visão de mulher. Quis oferecer para outras adolescentes como eu outras possibilidades de mulheridade. Não corroborareii e não corroboro com letras machistas. Elas não cabiam antes e cabem menos agora. Fora isso, dentro do funk, do rap e do trap, tem coisas muito interessantes.

Do palco, Pitty diz enxergar todo tipo de público. E adora isso Foto: Stephanie Hahne

No Admirável Chip Novo (Re) Ativado, você convidou a MC Carol para cantar Só de Passagem, que é uma letra sua que fala sobre aceitação, de ser o que se é. O principal sucesso dela é ‘meu namorado é mó otário/ Ele lava minhas calcinha (sic)’. De certa forma, a MC Carol tem essa mesma mensagem de afirmação. Talvez de uma maneira mais simples...

Sim, mesmo dentro de estilos diferentes, a gente identifica a mensagem. Cada um se expressa de uma maneira. Essa é a dela. Nem todo mundo cresceu com acesso a mesma linguagem. Novamente, o que importa é o conteúdo, não a forma. A MC Carol tem putaria na obra dela. Mas também, fora de uma mulher padrão, ela fala sobre empoderamento. E, se afirmar fora de um corpo de uma mulher padrão, é muito mais complicado. E isso me interessa muito.

A Pabllo fez uma versão totalmente diferente para Equalize, com batida eletrônica, que abre um bloco interessante dentro do álbum que aponta para uma diversidade sonora para muito além do rock...

Eu achei a versão dela divertidíssima! Ela fez com o Gorky (o produtor Rodrigo Gorky), um cara antenado com os beats. Ela se expressou. Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! Ela me encantou.

Você deu total liberdade para os artistas convidados criarem em cima desse repertório, foi isso?

Total. Estou como ouvinte. Dei zero opinião. Eu e o Rafael Ramos fomos escolhendo quem seriam os artistas e as músicas. Queríamos que todos ficassem confortáveis, que trouxessem suas identidades. Queria ser surpreendida. Ouvir algo que nunca imaginei nessas músicas. Ainda vou fazer um podcast contando como escolhemos cada convidado.

Estou tentando ser menos neurótica. Não que eu tenha conseguido, mas estou no caminho.

Você teve que praticar o desapego com essas músicas que ficaram muito marcadas na sua voz...

Muito. Estou no ano do desapego e achando ótimo. Gosto de cuidar de todos os aspectos da minha carreira. Estou tentando ser menos neurótica. Não que eu tenha conseguido, mas estou no caminho.

Como foi ouvi-las cantadas por homens?

A fluidez passa por isso. Homens, mulheres, queers... É uma gama que mostra como o rock pode e deve ser permeável em todas as camadas. Quem sabe, dessa forma, ele possa ir em direção ao futuro. Dizem que a gente só tem o agora, mas eu gosto de pensar que temos também o futuro (risos).

Você foi anunciada no line up do festival I Wanna Be. Ele tem uma certa nostalgia emo. Achou importante estar nele?

Achei que seria interessante estar porque os line-ups de festivais são carentes de figuras femininas. É importante ocupar os espaços que podemos, desde que não nos ofenda artisticamente.

Ao se colocar como mera ouvinte de onze intérpretes das músicas de seu álbum inegavelmente mais significativo, Admirável Chip Novo, Pitty praticou não apenas o desapego à letras de canções como Equalize, Teto de Vidro e Máscara, mas também como espectadora sobre o futuro do rock brasileiro, do qual ela é figura fundamental.

Em Admirável Chip Novo (Re) Ativado, que chega às plataformas de música nesta sexta-feira, 6 de outubro, Pabllo Vittar coloca novos beats em Equalize, Emicida versa sobre Teto de Vidro e Ney Matogrosso traz maturidade para Máscara.

O disco, produzido por Pitty e Rafael Ramos - que assinam a direção artística em conjunto, mas não participaram dos caminhos musicais das 11 faixas, delegados a cada convidado e seus produtores - é plural. Talvez como o rock deveria ser para conseguir sair de seu nicho.

A cantora e compositora Pitty: desapego às faixas importantes de sua carreira Foto: Caio Lirio

“Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência”, diz Pitty ao Estadão.

Além de Pitty, Emicida e Ney, participam dessa reativação de Admirável Chip Novo Planet Hemp, Tuyo, Céu, Criolo, Tropkillaz, Sandy, MC Carol, Marina Peralta e Rockers Control e Supercombo. Com tamanha diversidade sonora, coube à masterização deixar tudo equilibrado a favor de uma linearidade e um conforto de audição que, incrivelmente, ocorre e faz a iniciativa passar longe de um amontoado de faixas desencontradas ou que prestam mero culto às gravações originais.

Em conversa com a reportagem do Estadão, Pitty falou ainda sobre a posição do rock brasileiro no cenário musical atual, sobre gêneros como o rap, o trap e o funk - que atualmente ocupam os rankings de músicas mais ouvidas no País - e , em especial, de duas artistas que participaram do do álbum Admirável Chip Novo (Re) Ativado. Pabllo e MC Carol. “Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! A Pabllo me encantou”, diz.

Você tem feito a turnê de 20 anos do álbum Admirável Chip Novo, inclusive no festival Turá e no The Town. Ela gera certa nostalgia no público - e é recebida com afeto. É isso mesmo que você percebe?

Eu percebo, sim, esse afeto. Mas também percebo que o público ressignificou as canções (do álbum) e as entende na contemporaneidade. Todos estão em outro momento da vida, mas as músicas continuam fazendo sentido para eles. Ou despertam outros entendimentos. Pode ser que algumas pessoas antes entendiam apenas a sonoridade delas, mas agora entendem a lírica.

E você? Ressignificou esse álbum?

Sim. Passei anos sem tocar metade de suas músicas. Fui fazendo outras canções, outros discos. Foi uma surpresa cantá-las novamente. Perceber que elas ainda fazem sentido para mim, que não precisei mexer nos tons. Minha voz está aqui. É um repertório rock’n’ roll mesmo!

Por falar em rock, você foi a única artista brasileira no dia do rock no palco principal do The Town. O que isso mostra sobre a cena do rock brasileiro?

Essa análise não é para os críticos de música? Difícil falar como uma personagem que está dentro do rolê. Mas, tudo bem, vou dar a minha visão. Sempre houve altos e baixos.

De certa forma, o rock foi se tornando muito hermético. E isso o afastou das camadas mais populares. O purismo, o reacionarismo, ou o medo de ele se entregar para novas linguagem fez com que ele tivesse parado em um tempo e espaço que atende a um nicho, mas perde conexão com a contemporaneidade.

Eu não consigo ficar parada no que o rock era. Sou artista do meu tempo e do futuro. E não por necessidade de mercado. Tenho essa inquietude desde minha adolescência. Isso dá trabalho. Precisa ser feito com coerência artística. Mas, o que é o rock? Ele tem muito mais a ver com o conteúdo do que a forma, não é?

A capa do álbum 'Admirável Chip Novo (Re) Ativado' Foto: Divulgação

Você vem de uma linhagem que talvez tenha começado com Celly Campello, que era mais comportada, mas que deu seu recado. Depois, a Wanderléa mexeu com os costumes. Aí veio Rita Lee mudando tudo. Paula Toller, uma mulher entre os roqueiros dos anos 1980. Por isso, essa sua não adesão apenas a uma forma? Elas sempre foram livres...

Sim, totalmente. Incluo Cássia Eller, muitas vezes colocada como uma artista de MPB, mas que era totalmente rock’n’roll. Rita era ‘vendida’ como artista de rock, mas fez marchinhas, sambas, era extremamente carnavalesca também. Mas a alma dela era roqueira. David Bowie era assim. Eles sempre deram vazão à sua criatividade. E não deixavam de ter uma identidade.

Ainda sobre o The Town. Artistas como Jão, Marina Sena, Alok e Luísa Sonza se manifestaram contra as críticas que receberam da imprensa e nas redes sociais. O que você pensa sobre isso? E como lida com as críticas?

É o seguinte: se você está apresentando um espetáculo, está sujeito à apreciação pública. Quando eu comecei a ter banda, existia uma tradição muito forte de revistas de música. E as resenhas de discos e shows eram muito importantes. O artista poderia se achar injustiçado e não existia nem as redes sociais para a gente se defender. Hoje, o artista pode dar esse toque.

Porém, também é preciso respeitar a opinião de quem viu. Pensar: ‘será que essa pessoa não está falando algo certo? Será que eu não tinha que ter me preparado melhor? Será que eu estava mesmo pronta para fazer isso?’. Eu, como artista, me ponho nesses dois lugares.

Você tem se apresentado para o público que era adolescente há 20 anos e continua te acompanhando ou novas plateias? Ou uma mistura?

É uma experiência doida de observar! Estou tocando para todo mundo! É lindo! Eu sempre quis isso. Eu sempre falei para a diversidade. (a música) Máscara é sobre isso. Quando eu toco em praça pública, fora das grandes cidades, vejo praças com 40, 50 mil pessoas. Na rua! Vejo crianças, vejo gente da minha idade, mais velha, mais nova. Muitas mulheres, público LGBTQIA +, roqueiros com camisa preta. Não sei se poderia almejar outra coisa. Uma mulher nordestina, artista de rock... Para mim, isso é sucesso.

Uma coisa é você chegar em uma praça e tocar para 50 mil pessoas. Outra, é comprar um lugar em uma playlist. Não se fala sobre isso, mas a gente sabe que o jabá foi mudando de lugar, né?

Para você, isso é mais importante do que aparecer em um top 10 de artistas mais tocados atualmente?

Não vou fazer juízo de valor. Cada um que faça o seu. Mas, posso trazer um debate para o mercado da música: uma coisa é você chegar em uma praça e tocar para 50 mil pessoas. Outra, é comprar um lugar em uma playlist. Não se fala sobre isso, mas a gente sabe que o jabá foi mudando de lugar, né? Existem práticas e estratégias de marketing que fazem esses números acontecerem.

Eu mesma já vi que alguns desses artistas não conseguem botar nem duas mil pessoas em uma casa de show. O que será isso? Será que as pessoas estão ouvindo mais música em casa? Esse pode ser um comportamento geracional? Pode! Mas, para mim, é muito bom saber que tenho público para me assistir.

Nos rankings das mais ouvidas há o rap, o trap e o funk. Muitos desses artistas se declara fã de rock, como o Xamã, por exemplo. O DJ K disse que não fez rock porque ele não é mais comercial, não oferece possibilidade de ascensão artística e social. O rock, de certa forma, abriu possibilidades para essa geração?

O rap e o rock têm muito a ver. Falo isso desde os anos 1990. É uma música de rua, de transgressão, de recolocação no mundo. Eles dialogam. Essa geração mais nova, por questão estética, se identifica muito mais com o rap, o trap e o funk. E há a questão da acessibilidade. Basta ter um software para fazer sua música. Para ter banda de rock, é preciso ensaiar, ter os instrumentos, alugar estúdio. Quando a tecnologia permitiu fazer música de dentro de um quarto, a possibilidade de se expressar se popularizou.

Você é letrista. Como vê as letras atuais, sobretudo as do funk? Nem todas são favoráveis às mulheres...

Isso não é normal. E não é de agora. Sempre existiram letras sexistas e machistas. Não posso esquecer que fui adolescente na época da Tiazinha, da Banheira do Gugu e do É o Tchan. Até por isso, eu quis trazer outra visão de mulher. Quis oferecer para outras adolescentes como eu outras possibilidades de mulheridade. Não corroborareii e não corroboro com letras machistas. Elas não cabiam antes e cabem menos agora. Fora isso, dentro do funk, do rap e do trap, tem coisas muito interessantes.

Do palco, Pitty diz enxergar todo tipo de público. E adora isso Foto: Stephanie Hahne

No Admirável Chip Novo (Re) Ativado, você convidou a MC Carol para cantar Só de Passagem, que é uma letra sua que fala sobre aceitação, de ser o que se é. O principal sucesso dela é ‘meu namorado é mó otário/ Ele lava minhas calcinha (sic)’. De certa forma, a MC Carol tem essa mesma mensagem de afirmação. Talvez de uma maneira mais simples...

Sim, mesmo dentro de estilos diferentes, a gente identifica a mensagem. Cada um se expressa de uma maneira. Essa é a dela. Nem todo mundo cresceu com acesso a mesma linguagem. Novamente, o que importa é o conteúdo, não a forma. A MC Carol tem putaria na obra dela. Mas também, fora de uma mulher padrão, ela fala sobre empoderamento. E, se afirmar fora de um corpo de uma mulher padrão, é muito mais complicado. E isso me interessa muito.

A Pabllo fez uma versão totalmente diferente para Equalize, com batida eletrônica, que abre um bloco interessante dentro do álbum que aponta para uma diversidade sonora para muito além do rock...

Eu achei a versão dela divertidíssima! Ela fez com o Gorky (o produtor Rodrigo Gorky), um cara antenado com os beats. Ela se expressou. Fiquei passada, chocada, e, ao mesmo tempo, admirada. Que loucura maravilhosa! Ela me encantou.

Você deu total liberdade para os artistas convidados criarem em cima desse repertório, foi isso?

Total. Estou como ouvinte. Dei zero opinião. Eu e o Rafael Ramos fomos escolhendo quem seriam os artistas e as músicas. Queríamos que todos ficassem confortáveis, que trouxessem suas identidades. Queria ser surpreendida. Ouvir algo que nunca imaginei nessas músicas. Ainda vou fazer um podcast contando como escolhemos cada convidado.

Estou tentando ser menos neurótica. Não que eu tenha conseguido, mas estou no caminho.

Você teve que praticar o desapego com essas músicas que ficaram muito marcadas na sua voz...

Muito. Estou no ano do desapego e achando ótimo. Gosto de cuidar de todos os aspectos da minha carreira. Estou tentando ser menos neurótica. Não que eu tenha conseguido, mas estou no caminho.

Como foi ouvi-las cantadas por homens?

A fluidez passa por isso. Homens, mulheres, queers... É uma gama que mostra como o rock pode e deve ser permeável em todas as camadas. Quem sabe, dessa forma, ele possa ir em direção ao futuro. Dizem que a gente só tem o agora, mas eu gosto de pensar que temos também o futuro (risos).

Você foi anunciada no line up do festival I Wanna Be. Ele tem uma certa nostalgia emo. Achou importante estar nele?

Achei que seria interessante estar porque os line-ups de festivais são carentes de figuras femininas. É importante ocupar os espaços que podemos, desde que não nos ofenda artisticamente.

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