A segunda edição do festival Primavera Sound em São Paulo, que aconteceu neste sábado, 2, e no domingo, 3, no Autódromo de Interlagos, foi, em alguns sentidos, mais madura. Para começar, os headliners eram veteranos. The Cure, The Killers, Pet Shop Boys e Beck, com uma média de idade maior do que o usual para o festival alternativo surgido na Espanha, atraíram um público igualmente mais velho para um festival pop brasileiro.
ANÁLISE: COMO FOI O SHOW DO THE CURE NO PRIMAVERA.
Outro amadurecimento notável foi da organização, que passou por um teste em dois dias de calor intenso, com máximas de mais de 30ºC em São Paulo. A produção do evento foi da T4F, responsável pela turnê de Taylor Swift em que uma fã morreu em um dia quente no Rio. Naquela ocasião, a entrada com garrafas de água não era permitida e o copo custava R$ 8. A produtora disse ao Estadão que iria mudar os procedimentos no festival paulista após a morte da fã no Rio.
O esforço foi visível. Houve distribuição farta de água pela organização (seguindo a determinação da Secretaria do Consumidor do Ministério da Justiça) e de protetor solar por um patrocinador, avisos frequentes nos telões para que o público se hidratasse e recados nas grades para evitar queimaduras. Mas o preço da água de ambulantes, para quem não encontrasse a distribuição gratuita, continuou salgado: R$ 7.
Agora é preciso conferir se foi só o susto com a tragédia no show da Taylor ou se esse será o novo padrão em grandes eventos no Brasil: oferecer água ao público em um País que já era quente antes da crise climática é o mínimo a se esperar das produtoras.
Houve também uma redenção do Autódromo de Interlagos, casa dos três principais festivais de música em São Paulo. Antes do Primavera, houve reclamações do público sobre transporte e logística nas edições de 2023 do Lollapalooza e, principalmente, do The Town. Mas, no Primavera, pela primeira vez no Autódromo, o esquema foi muito mais suave, desde a entrada até a volta para casa. Tudo bem que o público de cada dia foi de 50 mil pessoas, metade da média diária de seus concorrentes. Mas ficou a impressão de que o local pode, sim, oferecer uma estrutura boa para estes eventos.
O último amadurecimento foi um processo que acontece há anos nos grandes festivais brasileiros: a falta de preconceito e a abertura para todo tipo de som, sem separações de estilos por dia. Nesse quesito, o Primavera, com a curadoria mais cabeça aberta do que os outros colegas de Interlagos, segue campeão, mesmo que um pouco mais conservador em relação ao ano passado. Ainda é um festival para quem gosta de música.
Uma prova dessa liberdade é a mistura de perfis de artistas nos 10 melhores shows de 2023 segundo as críticas do Estadão ao longo do evento. Confira abaixo:
10º - The Hives
Ponto de vista: você é um homem sueco de meia idade e está de terno preto e gravata, de frente para um Sol de mais de 30ºC, diante de milhares de pessoas que esperam que você fique gritando e pulando durante uma hora, ao lado de quatro colegas de trabalho na mesma situação. Difícil saber o que você enxerga atrás das gotas de suor, mas as pessoas que te olham parecem se divertir. Aos 45 anos, o vocalista sueco Howlin’ Pelle Almqvist cantou rosado e suado, com a mesma disposição de quem o conheceu no auge de sua banda, na primeira década dos anos 2000. No fim da tarde, ele deu a quantidade suficiente de chutes, pulos, chicotadas de microfone e uivos para fazer o show ser brilhante. LEIA A ANÁLISE DO SHOW DO THE HIVES NO PRIMAVERA SOUND
9º - Filipe Catto
Nem o sol escaldante ou o fato de ter passado a noite em claro (como confessou ao público) foram capazes de segurar a empolgação ou diminuir a voz de Filipe Catto. Apresentando o show Belezas são coisas acesas por dentro, um dos mais acertados tributos a Gal Costa, a cantora destilou emoção e gritos potentes que vestiram de rock o repertório de Maria da Graça. Ora munida de um leque, ora de uma guitarra, Catto foi literalmente ao chão no fim de Nada Mais (Lately) e recebeu de volta um coro de “Artista!” da plateia. (Por: João Ker)
8º - Beck
Neste Primavera Sound amadurecido, que busca um perfil mais velho sem perder o espírito moderno, difícil uma atração tão certeira quanto Beck. Aos 53 anos, o jovial californiano fez um show que poderia ser descrito como “multifacetado” por alguma finada revista impressa de música ou como de um “divo que faz tudo” por alguém no TikTok. Beck é um artista que sacou lá no início dos anos 90, uma era paleozóica em que se falava de “tribos” adolescentes, o quanto essas divisões eram bobagens. Foi aclamado como gênio prodígio por fazer um tipo de pop sem nenhum respeito por regras de gêneros musicais que hoje é normal entre os novinhos. LEIA A ANÁLISE DO SHOW DO BECK NO PRIMAVERA SOUND.
7º - Pet Shop Boys
É difícil traduzir para um festival a atmosfera, acústica e incentivo à dança de uma balada eletrônica. Mas os Pet Shop Boys conseguiram. A dupla britânica, já acostumada a fazer shows no Brasil, se dividiu bem: enquanto Tennant, do alto dos seus 69 anos, ditou o ritmo do show, indo de um lado ao outro do palco, trocando de figurino quatro vezes, interagindo com a plateia - e a convidando a responder -, se pendurando no poste cenográfico e esbanjando carisma e teatralidade durante todo o espetáculo, Lowe não abriu sequer um sorriso, não falou e nem se mexeu por trás do seu equipamento eletrônico. LEIA A ANÁLISE DO SHOW DO PET SHOP BOYS NO PRIMAVERA.
6º - MC Bin Laden
O sábado poderia ter sido uma noite de justiça para MC Bin Laden, criador de Bololo haha e Tá tranquilo, tá favorável, um dos artistas mais criativos dos últimos anos no Brasil - não por acaso requisitado por figurões gringos como Diplo e Damon Albarn. Não foi tudo o que ele merecia: o show aconteceu quase no mesmo horário dos headliners The Killers no palco principal, o que deixou o público escasso. Ainda por cima, de última hora foi incluída, sem explicação, uma participação de MC Mari, uma cantora sem liga com ele. Mas, enquanto estava no palco, Bin Laden fez o que pôde - e foi bastante, inclusive o perfeito remix Shake It Bololo, com a base de Shake It off, de Taylor Swift. Também rolou Controllah, parceria (essa real e oficial) de Bin Laden com os Gorillaz. O MC merecia disso para cima. (Por: Rodrigo Ortega)
5º - Carly Rae Jepsen
O ato mais puramente pop a se apresentar no domingo, Carly Rae Jepsen subiu ao Palco Corona do festival às 15h30 para encontrar algumas centenas de fãs que já esperavam por ela na grade. Ao longo da próxima hora, a canadense provou que, pelo menos no Brasil, sua carreira não se resume ao megahit Call Me Maybe. Da primeira à última música, não houve um refrão ileso pelo coro da plateia, que cantou, dançou e pulou junto com a artista, mesmo com o calor de 35⁰C que castigava o Autódromo de Interlagos. Logo na segunda música, Run Away With Me, a euforia que a artista parecia sentir no palco foi transformada literalmente numa explosão de confetes, acionados outras duas vezes ao longo do show. LEIA A ANÁLISE DO SHOW DE CARLY RAE JEPSEN NO PRIMAVERA.
4º - Marisa Monte
Em seu show no sábado, Marisa começou a cantar no fim da tarde e encerrou sob o céu estrelado, anunciando a chegada de uma bela noite. E chegou preparada: trouxe um repertório especial, emocionante, e uma participação surpresa arrebatadora. Para homenagear Rita Lee, Marisa convidou Roberto De Carvalho para Doce Vampiro, Mania de Você e Já Sei Namorar. Foi a primeira apresentação do músico num palco desde a morte de Rita Lee. E fez sentido. Quem, melhor que Marisa, padroeira dos românticos, homenagearia o casal mais apaixonado que a música brasileira já viu? LEIA A ANÁLISE DO SHOW DE MARISA MONTE NO PRIMAVERA.
3º - Cansei de Ser Sexy
Com um macacão de arco-íris e pulando feito um unicórnio, a vocalista Lovefoxxx apareceu em frente a uma sucessão de memes no telão, das imagens de uma Shakira jovem aprendendo a usar o computador a um rato saxofonista e uma barata bailarina. Esse nonsense despreocupado é o que tornou o CSS tão singular entre seus contemporâneos dos anos 2000. A energia neste sábado foi tamanha que o figurino de entrada não durou quatro músicas e começou a se desfazer. “Vocês deram sorte porque a gente tá no nosso período de ovulação. Se fosse em outro momento, o show não seria tão bom assim”, disse a vocalista do CSS, meio séria, meio brincando.
Na grade do palco, o público era formado em sua maioria por jovens com mais de 30 anos que acompanharam o início da banda. Lovefoxxx trocou de roupa no palco (“É um momento especial, mas não temos muito tempo então vai ser aqui mesmo”) e leu uma carta aberta com as mãos tremendo. “Quem aqui já viveu uma história na rodoviária Tietê? Quem chegou aqui em um ônibus Cometa só com um sonho na mala?”, disse, enquanto admitia que “saiu de um buraco há um ano” e “é muito bom recomeçar”. (Por: João Ker)
2º - The Killers
É inegável que o The Killers tenha uma fórmula. A influência marcante da música dos anos 1980 - e até, por vezes, do gospel -, processada à moda do indie rock dos anos 2000, a voz inconfundível do showman Brandon Flowers, uma música que parece explodir nos ouvidos: é sempre muito fácil identificar quando toca uma canção da banda. No palco do Primavera Sound, o sucesso do grupo é colocado à prova. Afinal, é um desafio fazer com que a tal fórmula também funcione ao vivo ao longo de 1h30. Faz pouco mais de um ano que a banda pisou em São Paulo: eles foram a principal atração da primeira edição do GP Week. No Primavera, o grupo precisou mostrar o quanto ainda merece o título de headliner. LEIA MAIS SOBRE O SHOW DO THE KILLERS NO PRIMAVERA SOUND
1º - The Cure
Escolhido para encerrar esta segunda edição do Primavera Sound, , o The Cure sustentou mais de 2h30 de um show que uniu gerações de fãs em clima catártico e romântico com os maiores sucessos e outras faixas mais obscuras da banda inglesa. Ao fim, ficou provado porque o grupo era o maior nome do evento: nenhuma apresentação reuniu um público tão grande, que invadia os limites dos outros palcos e se mantinha atento do início ao fim. LEIA A ANÁLISE DO SHOW DO THE CURE NO PRIMAVERA.