A foto de Olivier Perroy para a capa de 'Tropicália ou Panis Et Circencis', gravado em maio de 1968, mostra, naturalmente, a linha de frente do movimento tropicalista. O discreto produtor Manoel Barenbein não está na imagem. Bem que poderia. Em seu livro 'Verdade Tropical', Caetano Veloso endossa sua importância, definindo-o como “um judeu paulista narigudíssimo que era produtor contratado da Philips e que comprara nossa briga com carinho e determinação”. Nas comemorações dos 50 anos do álbum, seu nome deve ser lembrado, mas ele estará longe da badalação. A não ser que haja alguma em Ma'ale Adumim, cidade próxima a Jerusalém. É para lá que, aos 75 anos, ele se muda no fim de fevereiro, em uma viagem sem perspectiva de retorno.
Nos últimos anos, depois de uma passagem pela Record TV, Barenbein produziu artistas contemporâneos, como Gabriel Guerra e Joana Flor, e tentou viabilizar projetos que não se concretizaram. Constatou que as novas formas de gravação e divulgação de música haviam se modificado definitivamente. Decidiu ficar perto do filho e dos netos, ainda sem saber o que irá fazer em Israel. “O princípio básico quando comecei a produzir era fazer um trabalho a longo prazo. Não se pensava no primeiro disco, mas sim em uma carreira.
Para eu conseguir estabelecer os artistas com quem quero trabalhar, é necessário tempo. Hoje se pensa na audiência e no imediatismo. Do jeito que está o sistema, eu não tenho como entrar”, diz Barenbein, para quem discos devem ser tratados como obras de arte. A decadência do suporte físico, portanto, é outro fator que motivou a mudança de vida e País.
Barenbein era conhecido por ser rápido e certeiro, em uma época em que as gravações eram tecnicamente limitadas, geralmente feitas em dois ou quatro canais. Quando era da gravadora Philips (hoje Universal Music), chegou a produzir 18 discos por ano. Seu nível de exigência foi além dos corredores dos estúdios. Chico Buarque, na contracapa de seu álbum de estreia, aquele em que aparece com uma cara alegre e outra séria, cita “Mané Berimbau e seus braços urgentes”. Na gravação de Pega a Voga, Cabeludo, Gilberto Gil e os Mutantes avisam, debochadamente: “Manoel, para de encher!”. “É que eu era um chato, não conseguia ficar dentro do estúdio esperando as coisas acontecerem. O Chico escreveu aquilo na contracapa porque eu ficava mexendo os braços para acabar a gravação. Mas ficava até achar que estava bom e os artistas entendiam isso. O clima era o melhor possível”, conta o produtor.
Nascido em Ponta Grossa, Barenbein chegou a São Paulo aos sete anos de idade. No fim dos anos 1950, começou a carreira como divulgador. Foi técnico de som do show Dois Na Bossa (1965), que reuniu Elis Regina e Jair Rodrigues e chegou ser a diretor musical da TV Tupi. Também passou pela Rádio América, cuja discoteca era frequentada com assiduidade por um cantor que começava a despontar chamado Roberto Carlos. Por meio do radialista Walter Silva, o Pica-Pau, Barenbein conseguiu o posto de assistente da direção artística da RGE. Uma de suas primeiras descobertas, indicação de Toquinho, foi Chico Buarque.
Barenbein se diz distante dos artistas que produziu há 50 anos. “Eles continuam os mesmos, mas as pessoas em volta são outras. E eu não sou muito fã de ir em camarim”. Ele não se lembra quando foi a última vez que esteve com Gil, só se recorda de que foi durante uma premiação em São Paulo. O encontro mais recente com Caetano ocorreu em 2004, quando o baiano participou da festa de aniversário da cidade que foi ao ar pelo SBT, onde Barenbein trabalhava. Ele se emocionou na coletiva de imprensa, em que o compositor fez questão de saudá-lo. “Olha, o Barenbein está aqui. Ele é a Tropicália”.
Já com a saída do Brasil definida, Barenbein quis falar com um velho amigo que não encontra há muito tempo. Ligou para seu empresário no fim do ano passado e deixou um número de telefone. Em uma noite, no meio do ensaio para o show Caravanas, Chico ligou. Foram 15 minutos de conversa, em que lembraram os trabalhos que fizeram juntos. Barenbein aproveitou para fazer um pedido: que a caravana de Chico vá para Israel. “Fico contente em ver que os artistas que conheci há mais de 50 anos continuam aí”.