A importância da contribuição de Itamar Assumpção (1949-2003) para a música brasileira deve passar por uma nova reavaliação com uma série de projetos que sua filha, a cantora e compositora Anelis Assumpção, prepara em 2019, ano em que Itamar completaria 70 anos. Os novos projetos vão de uma opereta a ser dirigida por Grace Passô, passam por novos livros infantis, uma coleção de roupas, shows, exposição e até um palco na Virada Cultural de São Paulo, no dia 18 de maio.
Este é o evento mais perto de ser concretizado: ainda com a programação oficial a ser anunciada, a Virada Cultural terá um Palco Itamar Assumpção, no Copan, com curadoria de Anelis. A ideia é não só colocar artistas parceiros de Itamar, como Arrigo Barnabé e Zélia Duncan, mas também novos atos cujos mundos se conectam com as ideias do músico – é o caso de As Bahias e a Cozinha Mineira e a banda Porcas Borboletas. Outros nomes que vão se apresentar no palco: BNegão, André Abujamra, Denise Assumpção, Chico Eller, a banda Orquídeas do Brasil, e a própria Anelis, ao lado de Tulipa Ruiz e Negro Leo. “Não deixa de ser uma homenagem da cidade”, diz Anelis.
Um site reunindo informações biográficas, muitas vezes desencontradas na web, e elementos do acervo também já está em fase de desenvolvimento. A ideia é fazer o espaço ser um museu virtual, com metodologia de catalogação, por exemplo – um trabalho de preservação de memória.
“Ele deu uma entrevista para o MIS na década de 1990, quando o museu começou a fazer uma catalogação em vídeo da música brasileira. Ele conta uma história de que quando foi batizado o padre não queria batizá-lo com o nome Itamar, porque era estranho. Padre do interior, 70 anos atrás, então na igreja ele foi batizado como Francisco José Itamar Assumpção. Mas ele é registrado oficialmente apenas como Itamar. Alguém viu esse vídeo no MIS e depois nunca mais conseguimos voltar atrás. Na Enciclopédia da Música Brasileira, ele está no F de Francisco. Isso atrapalha a catalogação, porque é uma parte da história, é um nome que ele teve, mas nenhuma documentação dele foi registrada com esse nome. Isso deu até complicações legais para ele uma época”, conta Anelis.
A quantidade de produção acadêmica sobre a obra de Itamar e suas relações com as linguagens e com a cidade de São Paulo foi outro fator que motivou a concepção do site. “Senti falta de uma fonte oficial porque comecei a entender que ele já um documento para a história da cultura”, diz Anelis – é ela, junto com a mãe Elizena Brigo de Assumpção, hoje com 78 anos, quem cuida do acervo do músico, ainda não catalogado oficialmente.
Um dos itens do acervo, por exemplo, é de uma ópera que Itamar escreveu e compôs, um trabalho sobre o aniversário de 500 anos do “descobrimento” do Brasil, que permanece inédito – Itamar gravou estudos para a obra, e os áudios, segundo Anelis, preenchem 14 CDs.
Por outro lado, Anelis desenvolve agora com a atriz e diretora Grace Passô uma “opereta biográfica”, que deve se chamar Itamares. “Ele se entendia como ator e levava isso para o show”, comenta Anelis. A ideia é desenhar um espetáculo musical, “mas não no formato clássico”, e sim injetar uma linguagem brasileira de teatro e quebrar com padrões do gênero, como ter um intérprete parecido fisicamente com o retratado e que cante parecido. O projeto está em fase de negociação com produtoras e com o Sesc.
Também em negociação com editoras está uma coleção de cinco livros infantis assinados por Itamar, todos inéditos. Seus dois primeiros discos, Beleléu, Leléu, Eu (1980) e Às Próprias Custas S.A. (1981), ganham reedições em vinil ainda em 2019. Uma coleção de roupas inspiradas na produção visual de Itamar também está na mesa de negociações com uma marca criativa da moda contemporânea em São Paulo.
Direitos do espólio de Itamar
Anelis e Elizena detêm todos os direitos autorais da música de Itamar (ou quase todos) porque ele nunca editou a própria obra – editoras são uma ponta da indústria da música e cuidam de direitos de composição, entre outras atribuições. “O fato de ele não ter feito isso me faz pensar como a presença e a existência dele são fundamentais para a transformação do mercado. Porque se tivemos um facilitador de relançar discos e uma liberdade de trabalhar com o material do espólio, foi devido a isso. Poucos artistas e herdeiros têm essa liberdade. Hoje em dia, praticamente todo mundo é independente. A Vanguarda Paulista foi importante nisso, mas ele é o único que nunca editou, que criou uma postura de enfrentamento com a Ordem dos Músicos do Brasil, por exemplo. É preciso lembrar que ele começou esse movimento solitário”, analisa a cantora.
Nos últimos 16 anos, elas já fizeram outros trabalhos de reedições e lançamentos de cadernos inéditos por exemplo, ao lado de Serena Assumpção, irmã de Anelis que morreu em 2016. Agora ela passa pelo desafio, mais solitário, de lidar com o espólio e entender o que fazer com o material que Itamar deixou. “Sei que não precisa ser uma exploração a qualquer custo, mas precisamos colocar essa obra tão importante em um patamar acima”, reconhece.
O fato de Itamar ser um artista negro, ligado à USP de maneira não oficial, e outras questões sociais o empurravam para um tipo de reflexão diferente dos seus companheiros do movimento de que fez parte nos anos 1980 e 1990, a Vanguarda Paulista, ao lado de nomes como Arrigo Barnabé e Grupo Rumo. “Ele tinha questões sociais que os outros não tinham. Pensar a necessidade de se sentir livre era maior e mais intensa. A busca inconsciente por ser independente, livre, era muito maior. É importante, agora, pensar por que ele fazia tanta questão dessa liberdade”, comenta Anelis. “Ele tinha uma teimosia em ser um artista livre.” A influência das decisões que ele tomou lá atrás reverberam na carreira dela (que nunca teve carteirinha da Ordem, explica) e de muitos de seus companheiros de geração na música brasileira.