O carnaval é a festa do Brasil e, cada vez mais, vem mostrando a cara do povo brasileiro. Quem já se aventurou por bloquinhos ou outros eventos ligados à data deve ter percebido: a cadência do samba e das marchinhas agora se mistura com as batidas rápidas do pagodão baiano e do funk.
Em 2024, são três os ritmos que mais devem tocar em festas no carnaval: o próprio pagodão baiano, o tecnomelody – derivado do tecnobrega – e o funknejo. O Estadão já fez uma lista com apostas de hits que não vão parar de tocar este ano e, agora, explica cada um dos ritmos que não vão sair dos ouvidos dos brasileiros nas comemorações. Veja abaixo.
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Pagodão Baiano
Nas ruas da Bahia ou nos blocos de carnaval do Rio de Janeiro e São Paulo, a música Macetando, um feat da baiana Ivete Sangalo com a carioca Ludmilla desponta, ao lado de Perna Bamba, de Leo Santana e a banda Parangolé, como candidata a hit do carnaval 2024.
Tanto uma quanto a outra é embalada pelo ritmo do pagode baiano, também conhecido como pagodão baiano ou swingueira, e pelo groove arrastado, um desdobramento do gênero.
Em entrevista ao Estadão, Ivete diz que o pagodão baiano é algo genuíno, que tem comunicação direta com o público. “Ele é imediato, verdadeiro. Do povo para o povo”. A cantora diz que o ritmo está nas ruas e que, por isso, vai se transformando de maneira natural, por meio da criatividade de quem tem contato com ele.
“Em toda garagem, em toda laje, em todo canto, tem um grupo de músicos criando novas ondas. E isso vai incrementando (o gênero) e a gente vai usufruindo. Eu usufruo de tudo o que a Bahia tem para me dar”, diz Ivete.
O jornalista e pesquisador baiano Marcelo Argôlo explica que o pagode baiano tem suas raízes no samba de roda e no samba chula do Recôncavo Baiano. Sua primeira grande expressão midiática pop, segundo ele, foi o grupo É o Tchan, nos anos 1990.
“No sudeste, ficou conhecido como axé music. Mas, na Bahia, o pagode e a axé music sempre foram coisas distintas. A novidade é que agora o mercado também sabe diferenciá-los”, diz.
O instrumento essencial do pagodão é a bacurinha, uma espécie de repinique tocado com baquetas de silicone que é posicionada entre as pernas do instrumentista. Uma invenção de Carlinhos Brown nos anos 1990. O toque é uma sequência de batidas rápidas que se assemelham a uma metralhadora, dando o swing do pagodão.
Segundo o pesquisador, no início dos anos 2000, com a banda Psirico, o pagodão baiano ganhou uma nova célula rítmica. “Em vez de usar a célula clássica do É o Tchan, que é a do samba duro, o (percussionista e cantor) Márcio Vitor introduziu o groove arrastado, que é o que bandas como a BaianaSystem e o Àttooxxá usam e também é a base do trabalho do Leo Santana”, explica.
Marcelo Argôlo fala sobre a principal característica do groove arrastado
custom_embed - assetsArgôlo diz que o pagodão baiano tem uma ligação intrínseca com o corpo e com a dança. “Um pagode baiano que não dá para dançar não é uma boa música. A função dele é fazer com que as pessoas dancem. A letra já indica os passos da dança. Isso ocorre desde o É o Tchan”, diz.
“Hoje em dia, isso funciona muito bem no TikTok e ajuda na viralização”, diz o pesquisador. Macetando, de Ivete e Ludmilla, é um exemplo clássico desse atalho entre a rua e as redes sociais.
Tecnomelody
O tecnomelody, um gênero derivado do tecnobrega, não é nenhuma grande novidade deste ano. Em 2013, o ritmo foi reconhecido como patrimônio cultural e artístico do Pará. Nascido em Belém, o estilo impressiona pela força e espaço que vem ganhando no cenário musical do Brasil – e até do mundo – nos últimos tempos.
O DJ e produtor Waldo Squash, à frente da Gang do Eletro, explica que o ritmo que originou o tecnomelody, o tecnobrega, já havia dado um ar de novidade ao mercado musical paraense no início dos anos 2000. À época, o estilo significou a incorporação da tecnologia ao brega: se antes o som era feito com o auxílio de uma banda, recursos como computadores e softwares de produção mudaram até a forma de dançar o ritmo.
Com o tempo, o tecnobrega foi ficando cada vez mais acelerado com um aumento crescente do andamento – medido por batidas por minuto (bpm) – da música. “Começaram a acelerar mais um pouquinho, acelerar mais um pouquinho e aquele tecnobrega gravado em 160 bpm foi mudando para 170 e, depois, 180, 190, 200, 210″, exemplifica Waldo.
Curiosamente, o tecnomelody surgiu fazendo um movimento contrário: de 200 bpm, o tecnobrega ganhou um novo ritmo embalado por letras românticas com 160 bpm. Houve até uma criação de outra vertente pelo DJ, chamada por ele de eletromelody, com a inserção de bumbos e referências à electro house.
Talvez uma das maiores diferenças entre o tecnobrega e o tecnomelody esteja no tema das canções: falam de amor, desiludido ou não, e traição. Foi falando de uma paixão que supera todos os obstáculos que Manu Bahtidão, ex-integrante da Banda Batidão, deu sua contribuição no ano passado para a popularização cada vez maior do estilo.
Ela se uniu à sertaneja Simone Mendes, também um dos grandes destaques do cenário da música brasileira em 2023, para lançar Daqui Pra Sempre. Ficou quase impossível não se lembrar de, um dia, já ter ouvido a canção, que promete embalar ainda mais as festas no carnaval 2024.
Waldo celebra a popularização cada vez maior do tecnomelody até fora do Brasil. Em 2014, a pedido do duo Pet Shop Boys, o DJ produziu um remix para Memory Of The Future ao som do tecnobrega. Dois anos depois, o grupo lançaria Twenty-something, também inspirado pelo ritmo.
Para ele, o “segredo” para uma popularização cada vez maior de ambos está no retorno recente de bandas que se dedicam ao estilo. Como exemplo, ele cita a Banda Uó e o seu próprio grupo, a Gang do Eletro, que retornou depois de um hiato de cinco anos.
O produtor também chama a atenção para a volta de Gaby Amarantos ao ritmo. No ano passado, a cantora ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum De Música De Raízes Em Língua Portuguesa por TecnoShow.
Quem também deve investir no estilo esse ano é Pabllo Vittar, que deve lançar uma regravação de Ai Ai Ai Mega Príncipe, da Banda Batidão, no segundo volume do álbum Batidão Tropical. O disco é uma homenagem da cantora a ritmos do norte e nordeste do País.
“Todo ritmo musical tem espaço para crescimento no país. O que precisamos entender é se artistas, grupos e representantes de estilos X ou Y contam com apoio, espaço e oportunidades para levar sua arte além e solidificar sua presença junto ao público”, comenta o empresário da artista, Rodrigo Gorky. Para ele, o tecnomelody já permeia há anos o mercado musical brasileiro, com muitas pessoas sem nem ter consciência de que ouvem o ritmo.
Gorky avalia que a variedade de gêneros presente no carnaval atualmente é apenas um reflexo do que está presente nos “fones de ouvido dos brasileiros” o ano todo. “É um convite para entendermos que o gosto musical do brasileiro é, e sempre foi, muito plural e perceber que diferentes gêneros estão inseridos há muito tempo no imaginário coletivo, por mais que a gente tenha essa impressão de novidade”, diz.
Funknejo ou agronejo
O melhor exemplo para se entender o tem sido chamado de funknejo ou agronejo é a música Dentro da Hilux, do ainda novato Luan Pereira em parceria com MC Ryan SP e MC Daniel, dois representantes do funk paulista. A música está entre as 20 mais ouvidas no País no ranking do Spotify.
E como a música atual não é apenas som, mas, principalmente, imagem, é preciso assistir ao clipe de Dentro da Hilux para ver que, como diz a letra, o “rolê na cidade do interior” é com carrões, roupas da moda e batidão. Bastante distante da imagem, talvez estereotipada, que se tem do sertanejo.
Antes disso, no entanto, a cantora e compositora Ana Castela, que, aos 20 anos, é a mais ouvida do País, já havia acelerado o sertanejo com Pipoco, faixa lançada em 2022, uma parceria com o DJ Chris no Beat e a midiática MC Melody.
Ana Castela se tornou um símbolo dessa mistura de gêneros que se convencionou chamar de agronejo - uma exaltação não só à música, mas ao agronegócio. Uma questão, portanto, também comercial. Criticada, a cantora, que vem de uma família ligada ao cultivo de soja, respondeu em forma de música: “não é porque eu sou da roça/ que eu não rodo no asfalto”, canta em Neon.
O jornalista especialista em música sertaneja, André Piunti, concorda que o sertanejo tem ficado cada vez mais perto do pop, mas que essa é uma discussão antiga dentro do gênero. Segundo ele, Zezé di Camargo fez isso ao gravar Menina Veneno, sucesso pop rock de Ritchie, na década de 1990. Antes, Léo Canhoto & Robertinho, nos anos 1970, e Chitãozinho & Xororó, nos 1980, haviam dado suas contribuições para esse caldeirão sonoro.
Piunti lembra que, nos anos 1950, a dupla sertaneja Cascatinha & Inhana se aproximou de ritmos populares, como a guaranha, e fez sucesso com versões de Meu Primeiro Amor e Índia.
“Ana Castela e Luan Pereira estão dando mais um passo nessa direção. A música jovem atual, a viral, é o funk. E os dois estão se aproximando dele. Não acho um jeito ruim (de fazer). Eles têm se aproveitado do funk e o funk têm se aproveitado deles”, diz Piunti.
Tudo isso vai dar direto nas baladas ou festas e festivais sertanejos. E, nessa época do ano, em trios e camarotes do carnaval.
Piunti não vê um grande risco do sertanejo se perder ao se juntar com os batidões do funk ou com os graves do trap. “Não tenho essa preocupação. O mercado não está limitado a isso”, diz.
Para o jornalista, há uma grande produção com raízes mais fincadas no gênero ou que utiliza os elementos do pop de maneira mais parcimoniosa - e que, de maneira mais tradicional, busca ouvintes em rádios espalhadas pelo País e não apenas nos rankings das plataformas digitais.