Os dicionários dizem que a palavra fado, além de dar nome à “canção popular portuguesa, dolente e triste” é também “aquilo que tem que ser, o que acontece independentemente da vontade humana; um destino, uma sina, um vaticínio, um oráculo ou uma profecia.” Mortes então são fados, todas elas, mas a de Roberto Leão não será um fado qualquer. Se tivesse de escolher um deles para representar sua partida, talvez elegesse algo das urgências de Carlos do Carmo, o Frank Sinatra lisboeta morto em 2021, que Roberto homenageou no lindo álbum Pela Cidade, ou algumas das belezas de finais silenciosos de Amália Rodrigues, a maior. Mas Roberto também estaria feliz também com as canções banhadas em fado, como sua versão de Por Causa de Você, que ele fez ao lado do amigo pianista Breno Ruiz. Havia, sabe-se lá como, alegria em sua nostalgia, esperança em sua tristeza e uma vontade de viver imensa em cada lágrima que derramava baixinho em sua voz.
Aos 37 anos, Roberto Leão estudava como erguer seu próximo projeto depois do álbum Alegria, gravado com Breno. Já rascunhava quem seria o arranjador, queria muito Cristóvão Bastos, e o que gostaria de cantar. Mais uma vez, sua força viria da solidão. “A beleza da melancolia é o que nos salva. Não estamos menos por estarmos tristes. Há força na nossa tristeza continental”, escreveu a uma amiga. Na madrugada de sábado para domingo, o órgão humano ao qual Roberto devotou tamanha lealdade começou a traí-lo. Depois de um infarto seguido de uma convulsão, ele foi levado para o hospital. Golpeado pela segunda vez com um novo infarto, seu coração não resistiu.
A morte de Roberto Leão cala de forma precoce uma voz poderosamente dramática ofertada à música brasileira. Havia uma vida a se viver e seu lugar só estava sendo naturalmente tomado ao lado de amigos como Dori Caymmi, Renato Braz, Yamandú Costa e Breno Ruiz, mas o caminho que ele apontava com tamanha delicadeza e um jeito de criar relações horizontais mostrava um norte auspicioso. “Ele tinha uma potência de voz que, a gente brincava, permitia que cantasse até sem microfone. Ao mesmo tempo, o controle nos volumes baixos era impressionante”, lembra Renato Braz.
Nada se parece com a essência de um jovem português que chegou para morar no Brasil em 2012 decidido a ir onde fosse necessário para devotar-se à música brasileira. Roberto vinha com um descomunal talento sedimentado sobretudo no homem de fala, poesia e tempo portugueses, não em uma idolatria brasilianista. Por isso, o que fazia era honesto e comovente. “Você deu uma vida nova à música do meu pai”, disse a ele Nana Caymmi depois de ouvi-lo gravar Francisca Santos das Flores, um fado feito por Dorival em homenagem a Amália Rodrigues.
Sua vida começa em Santa Maria da Feira, norte de Portugal, em julho de 1985. Ele estuda sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, faz teatro e declama poesia na Escola Fernando Pessoa e pesquisa música por, além de Portugal, Brasil, Espanha e Venezuela. Por reconhecimento de Dori Caymmi, chega a Renato Braz, que o conduz a Breno Ruiz e com os quais grava Mar Aberto, tudo isso equilibrando-se como profissional de recursos humanos no mundo empresarial enquanto anota poesias nas horas vagas. “Horas vagas?”, reprovaria. A poesia, sabiam os amigos, era digna de suas horas mais plenas. “Ele sempre chegava com aquele sorriso farto, com um presente, um vinho, uma poesia. Jamais visitava alguém sem levar algo, nem que fosse uma palavra”, diz Breno Ruiz. Ele e Renato Braz souberam da morte do amigo por telefone, quando estavam para subir ao palco de um teatro em São Paulo. “E então, fazer ou não o show?”, perguntaram-se. Entenderam que era pela música que diriam o que precisariam dizer a Roberto naquele instante, e entraram em cena para cantar um fado que não tem fim.