Hoje, 11 de janeiro de 2020, ficam redondos os 35 anos desde que o projeto Rock in Rio foi erguido pela primeira vez no Brasil pelo publicitário Roberto Medina. Um ato solitário e de risco sem rede de proteção tomado por um jovem de 28 anos que acreditou que o mundo poderia levá-lo a sério – ele e sua assustadora ideia de fazer com que, pelo menos por uma vez na história, o eixo dos grandes shows fosse deslocado para as selvas da América do Sul, como imaginavam que o Brasil seria muitos empresários de grandes bandas internacionais. Com um espírito quixotesco, entre tudo o que soava delírio e o que parecia real, Medina bateu em portas que nem sempre se abriram com um discurso pronto e alguns números na planilha. Sim, ele dizia, era possível, segundo seu planejamento, colocar 1,5 milhão de pessoas em um campo de terra entre os dias 11 e 20 de janeiro em um lugar chamado Cidade do Rock, nos confins do Rio.
Era muito tabu pra se derrubar com uma pedra só. Ao mesmo tempo em que os empresários gringos desconfiavam de qualquer garoto brasileiro dizendo que daria a seus artistas uma experiência histórica, o Brasil do império das gravadoras nem sabia que havia um mercado de música ao vivo a se explorar. O poder público do Rio não tinha histórico de operações gigantescas, a mão de obra técnica para lidar com uma tecnologia sonora que levaria anos para chegar era simplesmente inexistente e o Brasil sisudo desde 1964, com uma gente no poder não muito alinhada ao Iron Maiden, tinha ainda um sorriso nervoso.
Mas foi assim, depois de muita negociação e de uma expectativa alimentada por páginas e páginas de jornais, que o primeiro dia foi anunciado como um sonho. Para quem nunca havia visto nada parecido, estariam juntos, um após o outro, Queen, Iron Maiden, Whitesnake, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Erasmo Carlos e Ney Matogrosso. Só no primeiro dia, 300 mil pessoas. Para efeito comparativo, um dia cheio, nas últimas edições, em 2019, fica entre 70 e 80 mil. O segundo dia teria George Benson, James Taylor, Al Jarreau, Gilberto Gil, Elba Ramalho e Ivan Lins. O AC/DC tocaria dia 15 e 19. O Yes, 17 e 20.
Ney Matogrosso, para quem diz que os anos foram tirando o rock da programação, foi o primeiro show do evento. E a primeira música que o mundo veria naquela colossal reunião era América do Sul, com Ney afirmando a todas as bandas que o viam dos bastidores, incluindo o lépido guitarrista Bryan May, do Queen, na beira do palco, “Deus salve a América do Sul”. O Rock in Rio estreava sem rock, no sentido clássico da palavra, e com vaia. Pois esse personagem que voltaria outras vezes, depois de ter dado as caras pela primeira vez na era dos festivais da canção nos anos 1960 e 1970, tentava pegar Ney de jeito e levava um chute no traseiro. Ainda com o céu querendo escurecer, Ney cantava para um público predominantemente roqueiro que esperava o Iron Maiden e o Queen justificadamente espumando. Uma turma mais concentrada à frente do palco passou a gritar “fora” e a jogar o que havia levado para comer no palco. Mas Ney, com histórias acumuladas que tornavam aquele foco de cabeludos uma claque do Chacrinha, seguiu cantando “Deus salve a América do Sul” e chutando de volta os ovos antes que eles caíssem no palco.
O Rock in Rio, filho de um tempo que não existe mais, parece precisar reencontrar seu espaço de relevância a cada ano. Medina acredita que sua estratégia, a de colocar mais foco na marca, reforçada pela ideia de parque de diversões, do que na programação dos palcos, tem sido a saída para que as noites sigam lotadas. “A pesquisa mais recente que recebemos mostra que 68% das pessoas que foram ao Rock in Rio em 2019 não estiveram lá para ver uma banda. Eu posso colocar o Metallica e o Iron todos os anos que vai lotar, mas, no conjunto do projeto, não é isso que vai resolver.” Mais longevo que o próprio rock, mais sólido que o próprio Rio, o Rock in Rio se parece cada vez mais com uma grande nave espacial retornando a cada dois anos.