Análise: Por que os novos fãs do Rock in Rio odeiam tanto a crítica?


Biebers, Lovaters e Sonzers passaram a semana bombardeando pesado quem falou mal de seus ídolos – um extremismo geracional que pode revelar algo maior do que a paixão de um fã

Por Julio Maria
Atualização:

Eles passaram a semana enviando mensagens raivosas ao crítico que resolveu falar mal de seus ídolos. Em apenas uma noite, a terceira do Rock in Rio, consegui comprar brigas com três exércitos de uma só vez: fãs de Justin Bieber, fãs de Demi Lovato e fãs de Luisa Sonza. Quem quisesse jogar pedra precisava pegar senha e entrar na fila. E não foi por querer atrair suas audiências que os textos apontaram para desagrados inconvenientes de palco, mas apenas por fazer o que alguém que é pago para analisar um show deve fazer: apontar o que é bom e o que poderia ser melhor. E, acreditem, nem João Gilberto fazia todos os shows perfeitos, embora nenhum crítico tivesse coragem de dessacralizá-lo. Era menos impopular chutar a santa.

Fãs de Justin Bieber tiveram passionalidade redobrada ao verem ídolo fragilizado Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Numa única vez em que fiz isso – falar mal de João, não chutar a santa – dizendo que o mago de Juazeiro não estava em uma de suas melhores noites, uma fã mandou uma carta para o jornal relatando a genialidade de João e pedindo minha execução sumária da folha de pagamento. Em outra, sobre os Titãs lançando Volume 2, o próprio empresário da banda escreveu um fax ao editor chefe do jornal dizendo que eu não deveria ter escrito o que escrevi. Outra boa: indignado com algum comentário que fiz sobre Cosmotrom, disco do Skank de que até gostei bastante, Samuel Rosa, o próprio, ligou no telefone fixo do jornal que nem eu mesmo sabia o número para relatar sua contra crítica sem escolher palavras muito educadas.

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Insatisfações com críticas nasceram com as próprias críticas, lá pelos finais do século 18, quando só se escrevia sobre música clássica. Mas há particularidades geracionais interessantes na raiva dos novos fãs. Muitos deles nunca leram uma crítica, não porque não queiram ou saibam ler, mas porque elas, as críticas, quase não existem mais, e aquilo que eles podem pensar que é uma crítica, na verdade, não é.O jornalismo musical da era neo streaming precisou se aliar aos ídolos e aos seus respectivos fãs para agradá-los, atraí-los, marcá-los, hashtagueá-los e serem compartilhados. Falar mal dá trabalho, precisa de argumento e não leva a lugar algum. Aliás, leva ao cancelamento e à cadeira elétrica dos haters. Por uma questão de sobrevivência, melhor evitar a fadiga e dizer que tudo é, como diz Marcos Mion e sua equipe nas transmissões do Multishow, “incrível” e “histórico”. Matuê fez show histórico, Post Malone é incrível, Luisa Sonza fez show histórico, Justin Bieber é incrível. Se tentarmos traçar uma linha reta que saia das coberturas da MTV dos anos 90 e chegue nas transmissões do Multishow de 2022, vamos desenhar o rascunho de um desfiladeiro.

A “noite do ódio” nem teve tanto ódio assim. De Demi Lovato, de quem eu havia acabado de tecer louros e dar quatro estrelas ao álbum Holy Fvck, disse que ela, ao contrário do que mostrou no estúdio, veio com menos sustança vocal. O álbum parecia melhor. “Você estava com o ouvido enfiado no ... por acaso?”, me escreveu um rapaz. De Justin Bieber, falei que ele usou um playback despudorado, daqueles que a TV flagra quando seus lábios paralisam e a voz continua saindo das caixas. Depois de mandar cinco ou seis áudios, um fã escreveu: “Sei que você não vai ouvir isso, mas eu precisava desabafar”. De fato, não ouvi. E de Luisa Sonza, escrevi que ela é um exemplo de ídolo gestado pelas audiências de Spotify, e não há problema nisso quando um ídolo se converte em artista – o que ainda não foi o caso de Luisa Sonza. Spotify, disse, forma ídolos, não artistas. Mas palcos, digo agora, só aceitam os segundos.

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Não parece muita coisa, mas dois anos sem festivais são uma eternidade a quem nunca esteve em um. Quem tinha 13 anos antes da pandemia tem agora 15 e está com a barriga colada em uma grade pela primeira vez. São os first fãs, alguns dos mais indignados com tudo o que reporte algo contra seus ídolos. Eles são lindos, esperançosos e cheios de vida – e não digo nada disso para assediá-los a estarem ao lado de um velho crítico rabugento. Pelo contrário, isso só me daria desconforto e chateação. A fase mais rica da crítica deveria ser essa, em que podemos ter o tempo do show, o tempo da crítica e – com direito à cota hater e tudo – o tempo da contra crítica. A verdade absoluta do crítico não existe mais, mas precisa ser contestada em lugares mais nobres, como blogs, vídeos e canais de YouTube bem editados. Reduzir sua opinião em posts odientos de três linhas na página do próprio crítico é contentar-se com a posição medíocre de figurante desbocado – algo que só dará ao crítico mais audiência e, acredite, o deixará mais envaidecido. A guarda inegociável do sagrado é saudável, releva força de caráter e é a única coisa que nunca mudou nesse negócio de show biz desde Elvis Presley. Só cuidado com a cegueira contraída pela sacralização de qualquer coisa. O país não está nessa lama por acaso.

Eles passaram a semana enviando mensagens raivosas ao crítico que resolveu falar mal de seus ídolos. Em apenas uma noite, a terceira do Rock in Rio, consegui comprar brigas com três exércitos de uma só vez: fãs de Justin Bieber, fãs de Demi Lovato e fãs de Luisa Sonza. Quem quisesse jogar pedra precisava pegar senha e entrar na fila. E não foi por querer atrair suas audiências que os textos apontaram para desagrados inconvenientes de palco, mas apenas por fazer o que alguém que é pago para analisar um show deve fazer: apontar o que é bom e o que poderia ser melhor. E, acreditem, nem João Gilberto fazia todos os shows perfeitos, embora nenhum crítico tivesse coragem de dessacralizá-lo. Era menos impopular chutar a santa.

Fãs de Justin Bieber tiveram passionalidade redobrada ao verem ídolo fragilizado Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Numa única vez em que fiz isso – falar mal de João, não chutar a santa – dizendo que o mago de Juazeiro não estava em uma de suas melhores noites, uma fã mandou uma carta para o jornal relatando a genialidade de João e pedindo minha execução sumária da folha de pagamento. Em outra, sobre os Titãs lançando Volume 2, o próprio empresário da banda escreveu um fax ao editor chefe do jornal dizendo que eu não deveria ter escrito o que escrevi. Outra boa: indignado com algum comentário que fiz sobre Cosmotrom, disco do Skank de que até gostei bastante, Samuel Rosa, o próprio, ligou no telefone fixo do jornal que nem eu mesmo sabia o número para relatar sua contra crítica sem escolher palavras muito educadas.

Insatisfações com críticas nasceram com as próprias críticas, lá pelos finais do século 18, quando só se escrevia sobre música clássica. Mas há particularidades geracionais interessantes na raiva dos novos fãs. Muitos deles nunca leram uma crítica, não porque não queiram ou saibam ler, mas porque elas, as críticas, quase não existem mais, e aquilo que eles podem pensar que é uma crítica, na verdade, não é.O jornalismo musical da era neo streaming precisou se aliar aos ídolos e aos seus respectivos fãs para agradá-los, atraí-los, marcá-los, hashtagueá-los e serem compartilhados. Falar mal dá trabalho, precisa de argumento e não leva a lugar algum. Aliás, leva ao cancelamento e à cadeira elétrica dos haters. Por uma questão de sobrevivência, melhor evitar a fadiga e dizer que tudo é, como diz Marcos Mion e sua equipe nas transmissões do Multishow, “incrível” e “histórico”. Matuê fez show histórico, Post Malone é incrível, Luisa Sonza fez show histórico, Justin Bieber é incrível. Se tentarmos traçar uma linha reta que saia das coberturas da MTV dos anos 90 e chegue nas transmissões do Multishow de 2022, vamos desenhar o rascunho de um desfiladeiro.

A “noite do ódio” nem teve tanto ódio assim. De Demi Lovato, de quem eu havia acabado de tecer louros e dar quatro estrelas ao álbum Holy Fvck, disse que ela, ao contrário do que mostrou no estúdio, veio com menos sustança vocal. O álbum parecia melhor. “Você estava com o ouvido enfiado no ... por acaso?”, me escreveu um rapaz. De Justin Bieber, falei que ele usou um playback despudorado, daqueles que a TV flagra quando seus lábios paralisam e a voz continua saindo das caixas. Depois de mandar cinco ou seis áudios, um fã escreveu: “Sei que você não vai ouvir isso, mas eu precisava desabafar”. De fato, não ouvi. E de Luisa Sonza, escrevi que ela é um exemplo de ídolo gestado pelas audiências de Spotify, e não há problema nisso quando um ídolo se converte em artista – o que ainda não foi o caso de Luisa Sonza. Spotify, disse, forma ídolos, não artistas. Mas palcos, digo agora, só aceitam os segundos.

Não parece muita coisa, mas dois anos sem festivais são uma eternidade a quem nunca esteve em um. Quem tinha 13 anos antes da pandemia tem agora 15 e está com a barriga colada em uma grade pela primeira vez. São os first fãs, alguns dos mais indignados com tudo o que reporte algo contra seus ídolos. Eles são lindos, esperançosos e cheios de vida – e não digo nada disso para assediá-los a estarem ao lado de um velho crítico rabugento. Pelo contrário, isso só me daria desconforto e chateação. A fase mais rica da crítica deveria ser essa, em que podemos ter o tempo do show, o tempo da crítica e – com direito à cota hater e tudo – o tempo da contra crítica. A verdade absoluta do crítico não existe mais, mas precisa ser contestada em lugares mais nobres, como blogs, vídeos e canais de YouTube bem editados. Reduzir sua opinião em posts odientos de três linhas na página do próprio crítico é contentar-se com a posição medíocre de figurante desbocado – algo que só dará ao crítico mais audiência e, acredite, o deixará mais envaidecido. A guarda inegociável do sagrado é saudável, releva força de caráter e é a única coisa que nunca mudou nesse negócio de show biz desde Elvis Presley. Só cuidado com a cegueira contraída pela sacralização de qualquer coisa. O país não está nessa lama por acaso.

Eles passaram a semana enviando mensagens raivosas ao crítico que resolveu falar mal de seus ídolos. Em apenas uma noite, a terceira do Rock in Rio, consegui comprar brigas com três exércitos de uma só vez: fãs de Justin Bieber, fãs de Demi Lovato e fãs de Luisa Sonza. Quem quisesse jogar pedra precisava pegar senha e entrar na fila. E não foi por querer atrair suas audiências que os textos apontaram para desagrados inconvenientes de palco, mas apenas por fazer o que alguém que é pago para analisar um show deve fazer: apontar o que é bom e o que poderia ser melhor. E, acreditem, nem João Gilberto fazia todos os shows perfeitos, embora nenhum crítico tivesse coragem de dessacralizá-lo. Era menos impopular chutar a santa.

Fãs de Justin Bieber tiveram passionalidade redobrada ao verem ídolo fragilizado Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Numa única vez em que fiz isso – falar mal de João, não chutar a santa – dizendo que o mago de Juazeiro não estava em uma de suas melhores noites, uma fã mandou uma carta para o jornal relatando a genialidade de João e pedindo minha execução sumária da folha de pagamento. Em outra, sobre os Titãs lançando Volume 2, o próprio empresário da banda escreveu um fax ao editor chefe do jornal dizendo que eu não deveria ter escrito o que escrevi. Outra boa: indignado com algum comentário que fiz sobre Cosmotrom, disco do Skank de que até gostei bastante, Samuel Rosa, o próprio, ligou no telefone fixo do jornal que nem eu mesmo sabia o número para relatar sua contra crítica sem escolher palavras muito educadas.

Insatisfações com críticas nasceram com as próprias críticas, lá pelos finais do século 18, quando só se escrevia sobre música clássica. Mas há particularidades geracionais interessantes na raiva dos novos fãs. Muitos deles nunca leram uma crítica, não porque não queiram ou saibam ler, mas porque elas, as críticas, quase não existem mais, e aquilo que eles podem pensar que é uma crítica, na verdade, não é.O jornalismo musical da era neo streaming precisou se aliar aos ídolos e aos seus respectivos fãs para agradá-los, atraí-los, marcá-los, hashtagueá-los e serem compartilhados. Falar mal dá trabalho, precisa de argumento e não leva a lugar algum. Aliás, leva ao cancelamento e à cadeira elétrica dos haters. Por uma questão de sobrevivência, melhor evitar a fadiga e dizer que tudo é, como diz Marcos Mion e sua equipe nas transmissões do Multishow, “incrível” e “histórico”. Matuê fez show histórico, Post Malone é incrível, Luisa Sonza fez show histórico, Justin Bieber é incrível. Se tentarmos traçar uma linha reta que saia das coberturas da MTV dos anos 90 e chegue nas transmissões do Multishow de 2022, vamos desenhar o rascunho de um desfiladeiro.

A “noite do ódio” nem teve tanto ódio assim. De Demi Lovato, de quem eu havia acabado de tecer louros e dar quatro estrelas ao álbum Holy Fvck, disse que ela, ao contrário do que mostrou no estúdio, veio com menos sustança vocal. O álbum parecia melhor. “Você estava com o ouvido enfiado no ... por acaso?”, me escreveu um rapaz. De Justin Bieber, falei que ele usou um playback despudorado, daqueles que a TV flagra quando seus lábios paralisam e a voz continua saindo das caixas. Depois de mandar cinco ou seis áudios, um fã escreveu: “Sei que você não vai ouvir isso, mas eu precisava desabafar”. De fato, não ouvi. E de Luisa Sonza, escrevi que ela é um exemplo de ídolo gestado pelas audiências de Spotify, e não há problema nisso quando um ídolo se converte em artista – o que ainda não foi o caso de Luisa Sonza. Spotify, disse, forma ídolos, não artistas. Mas palcos, digo agora, só aceitam os segundos.

Não parece muita coisa, mas dois anos sem festivais são uma eternidade a quem nunca esteve em um. Quem tinha 13 anos antes da pandemia tem agora 15 e está com a barriga colada em uma grade pela primeira vez. São os first fãs, alguns dos mais indignados com tudo o que reporte algo contra seus ídolos. Eles são lindos, esperançosos e cheios de vida – e não digo nada disso para assediá-los a estarem ao lado de um velho crítico rabugento. Pelo contrário, isso só me daria desconforto e chateação. A fase mais rica da crítica deveria ser essa, em que podemos ter o tempo do show, o tempo da crítica e – com direito à cota hater e tudo – o tempo da contra crítica. A verdade absoluta do crítico não existe mais, mas precisa ser contestada em lugares mais nobres, como blogs, vídeos e canais de YouTube bem editados. Reduzir sua opinião em posts odientos de três linhas na página do próprio crítico é contentar-se com a posição medíocre de figurante desbocado – algo que só dará ao crítico mais audiência e, acredite, o deixará mais envaidecido. A guarda inegociável do sagrado é saudável, releva força de caráter e é a única coisa que nunca mudou nesse negócio de show biz desde Elvis Presley. Só cuidado com a cegueira contraída pela sacralização de qualquer coisa. O país não está nessa lama por acaso.

Eles passaram a semana enviando mensagens raivosas ao crítico que resolveu falar mal de seus ídolos. Em apenas uma noite, a terceira do Rock in Rio, consegui comprar brigas com três exércitos de uma só vez: fãs de Justin Bieber, fãs de Demi Lovato e fãs de Luisa Sonza. Quem quisesse jogar pedra precisava pegar senha e entrar na fila. E não foi por querer atrair suas audiências que os textos apontaram para desagrados inconvenientes de palco, mas apenas por fazer o que alguém que é pago para analisar um show deve fazer: apontar o que é bom e o que poderia ser melhor. E, acreditem, nem João Gilberto fazia todos os shows perfeitos, embora nenhum crítico tivesse coragem de dessacralizá-lo. Era menos impopular chutar a santa.

Fãs de Justin Bieber tiveram passionalidade redobrada ao verem ídolo fragilizado Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Numa única vez em que fiz isso – falar mal de João, não chutar a santa – dizendo que o mago de Juazeiro não estava em uma de suas melhores noites, uma fã mandou uma carta para o jornal relatando a genialidade de João e pedindo minha execução sumária da folha de pagamento. Em outra, sobre os Titãs lançando Volume 2, o próprio empresário da banda escreveu um fax ao editor chefe do jornal dizendo que eu não deveria ter escrito o que escrevi. Outra boa: indignado com algum comentário que fiz sobre Cosmotrom, disco do Skank de que até gostei bastante, Samuel Rosa, o próprio, ligou no telefone fixo do jornal que nem eu mesmo sabia o número para relatar sua contra crítica sem escolher palavras muito educadas.

Insatisfações com críticas nasceram com as próprias críticas, lá pelos finais do século 18, quando só se escrevia sobre música clássica. Mas há particularidades geracionais interessantes na raiva dos novos fãs. Muitos deles nunca leram uma crítica, não porque não queiram ou saibam ler, mas porque elas, as críticas, quase não existem mais, e aquilo que eles podem pensar que é uma crítica, na verdade, não é.O jornalismo musical da era neo streaming precisou se aliar aos ídolos e aos seus respectivos fãs para agradá-los, atraí-los, marcá-los, hashtagueá-los e serem compartilhados. Falar mal dá trabalho, precisa de argumento e não leva a lugar algum. Aliás, leva ao cancelamento e à cadeira elétrica dos haters. Por uma questão de sobrevivência, melhor evitar a fadiga e dizer que tudo é, como diz Marcos Mion e sua equipe nas transmissões do Multishow, “incrível” e “histórico”. Matuê fez show histórico, Post Malone é incrível, Luisa Sonza fez show histórico, Justin Bieber é incrível. Se tentarmos traçar uma linha reta que saia das coberturas da MTV dos anos 90 e chegue nas transmissões do Multishow de 2022, vamos desenhar o rascunho de um desfiladeiro.

A “noite do ódio” nem teve tanto ódio assim. De Demi Lovato, de quem eu havia acabado de tecer louros e dar quatro estrelas ao álbum Holy Fvck, disse que ela, ao contrário do que mostrou no estúdio, veio com menos sustança vocal. O álbum parecia melhor. “Você estava com o ouvido enfiado no ... por acaso?”, me escreveu um rapaz. De Justin Bieber, falei que ele usou um playback despudorado, daqueles que a TV flagra quando seus lábios paralisam e a voz continua saindo das caixas. Depois de mandar cinco ou seis áudios, um fã escreveu: “Sei que você não vai ouvir isso, mas eu precisava desabafar”. De fato, não ouvi. E de Luisa Sonza, escrevi que ela é um exemplo de ídolo gestado pelas audiências de Spotify, e não há problema nisso quando um ídolo se converte em artista – o que ainda não foi o caso de Luisa Sonza. Spotify, disse, forma ídolos, não artistas. Mas palcos, digo agora, só aceitam os segundos.

Não parece muita coisa, mas dois anos sem festivais são uma eternidade a quem nunca esteve em um. Quem tinha 13 anos antes da pandemia tem agora 15 e está com a barriga colada em uma grade pela primeira vez. São os first fãs, alguns dos mais indignados com tudo o que reporte algo contra seus ídolos. Eles são lindos, esperançosos e cheios de vida – e não digo nada disso para assediá-los a estarem ao lado de um velho crítico rabugento. Pelo contrário, isso só me daria desconforto e chateação. A fase mais rica da crítica deveria ser essa, em que podemos ter o tempo do show, o tempo da crítica e – com direito à cota hater e tudo – o tempo da contra crítica. A verdade absoluta do crítico não existe mais, mas precisa ser contestada em lugares mais nobres, como blogs, vídeos e canais de YouTube bem editados. Reduzir sua opinião em posts odientos de três linhas na página do próprio crítico é contentar-se com a posição medíocre de figurante desbocado – algo que só dará ao crítico mais audiência e, acredite, o deixará mais envaidecido. A guarda inegociável do sagrado é saudável, releva força de caráter e é a única coisa que nunca mudou nesse negócio de show biz desde Elvis Presley. Só cuidado com a cegueira contraída pela sacralização de qualquer coisa. O país não está nessa lama por acaso.

Eles passaram a semana enviando mensagens raivosas ao crítico que resolveu falar mal de seus ídolos. Em apenas uma noite, a terceira do Rock in Rio, consegui comprar brigas com três exércitos de uma só vez: fãs de Justin Bieber, fãs de Demi Lovato e fãs de Luisa Sonza. Quem quisesse jogar pedra precisava pegar senha e entrar na fila. E não foi por querer atrair suas audiências que os textos apontaram para desagrados inconvenientes de palco, mas apenas por fazer o que alguém que é pago para analisar um show deve fazer: apontar o que é bom e o que poderia ser melhor. E, acreditem, nem João Gilberto fazia todos os shows perfeitos, embora nenhum crítico tivesse coragem de dessacralizá-lo. Era menos impopular chutar a santa.

Fãs de Justin Bieber tiveram passionalidade redobrada ao verem ídolo fragilizado Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Numa única vez em que fiz isso – falar mal de João, não chutar a santa – dizendo que o mago de Juazeiro não estava em uma de suas melhores noites, uma fã mandou uma carta para o jornal relatando a genialidade de João e pedindo minha execução sumária da folha de pagamento. Em outra, sobre os Titãs lançando Volume 2, o próprio empresário da banda escreveu um fax ao editor chefe do jornal dizendo que eu não deveria ter escrito o que escrevi. Outra boa: indignado com algum comentário que fiz sobre Cosmotrom, disco do Skank de que até gostei bastante, Samuel Rosa, o próprio, ligou no telefone fixo do jornal que nem eu mesmo sabia o número para relatar sua contra crítica sem escolher palavras muito educadas.

Insatisfações com críticas nasceram com as próprias críticas, lá pelos finais do século 18, quando só se escrevia sobre música clássica. Mas há particularidades geracionais interessantes na raiva dos novos fãs. Muitos deles nunca leram uma crítica, não porque não queiram ou saibam ler, mas porque elas, as críticas, quase não existem mais, e aquilo que eles podem pensar que é uma crítica, na verdade, não é.O jornalismo musical da era neo streaming precisou se aliar aos ídolos e aos seus respectivos fãs para agradá-los, atraí-los, marcá-los, hashtagueá-los e serem compartilhados. Falar mal dá trabalho, precisa de argumento e não leva a lugar algum. Aliás, leva ao cancelamento e à cadeira elétrica dos haters. Por uma questão de sobrevivência, melhor evitar a fadiga e dizer que tudo é, como diz Marcos Mion e sua equipe nas transmissões do Multishow, “incrível” e “histórico”. Matuê fez show histórico, Post Malone é incrível, Luisa Sonza fez show histórico, Justin Bieber é incrível. Se tentarmos traçar uma linha reta que saia das coberturas da MTV dos anos 90 e chegue nas transmissões do Multishow de 2022, vamos desenhar o rascunho de um desfiladeiro.

A “noite do ódio” nem teve tanto ódio assim. De Demi Lovato, de quem eu havia acabado de tecer louros e dar quatro estrelas ao álbum Holy Fvck, disse que ela, ao contrário do que mostrou no estúdio, veio com menos sustança vocal. O álbum parecia melhor. “Você estava com o ouvido enfiado no ... por acaso?”, me escreveu um rapaz. De Justin Bieber, falei que ele usou um playback despudorado, daqueles que a TV flagra quando seus lábios paralisam e a voz continua saindo das caixas. Depois de mandar cinco ou seis áudios, um fã escreveu: “Sei que você não vai ouvir isso, mas eu precisava desabafar”. De fato, não ouvi. E de Luisa Sonza, escrevi que ela é um exemplo de ídolo gestado pelas audiências de Spotify, e não há problema nisso quando um ídolo se converte em artista – o que ainda não foi o caso de Luisa Sonza. Spotify, disse, forma ídolos, não artistas. Mas palcos, digo agora, só aceitam os segundos.

Não parece muita coisa, mas dois anos sem festivais são uma eternidade a quem nunca esteve em um. Quem tinha 13 anos antes da pandemia tem agora 15 e está com a barriga colada em uma grade pela primeira vez. São os first fãs, alguns dos mais indignados com tudo o que reporte algo contra seus ídolos. Eles são lindos, esperançosos e cheios de vida – e não digo nada disso para assediá-los a estarem ao lado de um velho crítico rabugento. Pelo contrário, isso só me daria desconforto e chateação. A fase mais rica da crítica deveria ser essa, em que podemos ter o tempo do show, o tempo da crítica e – com direito à cota hater e tudo – o tempo da contra crítica. A verdade absoluta do crítico não existe mais, mas precisa ser contestada em lugares mais nobres, como blogs, vídeos e canais de YouTube bem editados. Reduzir sua opinião em posts odientos de três linhas na página do próprio crítico é contentar-se com a posição medíocre de figurante desbocado – algo que só dará ao crítico mais audiência e, acredite, o deixará mais envaidecido. A guarda inegociável do sagrado é saudável, releva força de caráter e é a única coisa que nunca mudou nesse negócio de show biz desde Elvis Presley. Só cuidado com a cegueira contraída pela sacralização de qualquer coisa. O país não está nessa lama por acaso.

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