No segundo dia de shows do cantor britânico Roger Waters no Brasil, o público em São Paulo se dividiu na noite desta quarta-feira, 10, entre o #elenão, vaias, xingamentos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aplausos ao músico. Waters fez uma crítica velada ao candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) no intervalo do espetáculo.
O clima no estádio Allianz Parque, onde o show ocorreu, era tranquilo no começo da noite. Do lado de fora, por volta das 20 horas, inúmeras pessoas vestiam camisetas pretas, do Pink Floyd ou de outras bandas, como Ramones e AC/DC. Camelôs vendiam camisetas não-oficiais e faixas. Mas faziam sucesso aqueles que vendiam capas de chuva a R$ 5, dada a garoa fina. Alguns, como acontece em dias de show, também vendiam e compravam ingressos.No trajeto até a pista, apenas uma jovem vestia uma camiseta #elenão. Não havia camisetas de Bolsonaro à vista.
Por volta de 20h50, um coro na pista começou a gritar #elenão. E a arquibancada reagiu com vaias. Algumas pessoas reclamavam de ir ao show para ver e ouvir música e ter de presenciar manifestações políticas. E reagiram gritando “hoje não”. Muita gente conversava sobre o que o cantor diria, se discursaria. “A gente vem pra relaxar a cabeça e tem de ouvir isso”, reclamava um.
Às 21 horas, uma projeção de um homem sentado na praia olhando o mar tomou o telão. Nesse momento, houve aplausos, mas duraram pouco - e logo mais gritos de #elenão. “Gente que não entende essa música nem deveria estar aqui”, diziam algumas pessoas na pista.E mais vaias da cadeira e arquibancada.
Às 21h09, o som começou. Uma música calma, com vozes femininas, que mais pareciam entoar um mantra. 21h15 e as luzes se apagaram e a imagem da praia deu lugar a uma imagem da terra, em vermelho, com gritos nos alto-falantes. Depois, uma batida mais lenta e a terra em azul. O público aplaudiu. Waters começou a cantar às 21h17 a música Breathe. Foi aplaudido. A pista cantou junto. Quando a imagem de Waters apareceu no telão, o músico foi ovacionado.
Na quarta música, Time, divergências políticas ficaram de lado e pista, arquibancada e cadeiras cantaram, todos juntos. E foi assim em grande parte do tempo. O coro tomou conta do estádio em Wish You Were Here. Mas em Another Brick In the Wall, um dos maiores sucessos do Pink Floyd, a pista gritou #elenão de novo, misturado à letra.
Durante a canção, Waters foi acompanhando por um grupo de crianças vestidas com uniformes laranjas, em uma clara alusão às roupas que vestem os prisioneiros americanos. Por baixo do macacão, os jovens vestiam camisetas pretas com a palavra 'resist'. Foram aplaudidos. “Vocês, crianças, são fantásticas. Vou fazer um intervalo e continuar com a resistência!”, ele disse.
No intervalo, a arquibancada puxou um grito de “ei, Lula, vai tomar no c*”. Neste momento, foram exibidos no telão novamente nomes de presidentes como Vladimir Putin, da Rússia, da líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, de um dos líderes nas negociações do Brexit, Nigel Farage. Mas, ao contrário do primeiro dia, em que o nome de Jair Bolsonaro fechava a lista, podia-se ler: “Ponto de vista político censurado”. Só depois, apareceu o nome do candidato do PSL Jair Bolsonaro. Então, surgiram frases que pediam resistência contra as forças policiais.
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Público grita #elenão e parte vaia
Na volta do intervalo, Waters fez críticas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na música Pig (Three Different Ones), exibiu a frase “Trump é um porco!”. Depois, no telão, apareceram diversas imagens satirizando o presidente americano. Na música Money, um vídeo exibiu imagens de vários líderes mundiais como Kim Jong-un, da Coreia do Norte, Vladimir Putin, da Rússia, Theresa May, do Reino Unido, Silvio Berlusconi, da Itália, entre outros. Um balão em formato de porco circulou pela pista, com a inscrição “be human”, “mantenha-se humano”.
Waters foi aclamado pelo público no final do show, quando parou para apresentar a banda. A plateia aplaudia e gritava “Roger, Roger!”. O músico se emocionou e agradeceu. E disse: “Me ouçam, eu sinto o amor neste lugar. E queremos um futuro para crianças que tenha respeito aos direitos humanos e às leis.” Emendou a canção Mother e exibiu a frase “nem f*” no telão no lugar do #elenão do primeiro dia.
O polêmico primeiro show de Roger Waters
O primeiro show, na terça, 9, transcorria bem até o final do primeiro ato. Roger Waters tinha o público de cerca de 45 mil pessoas nas mãos. Eram todos seus, entregues ao espetáculo cênico musical que de clima tenso desde a abertura de Breathe, passando pela nova Picture That e por Wish You Were Here. Já perto do final, depois de uma encenação assustadora de Another Brick in the Wall Part 2, os ruídos começaram.
O grande telão ao fundo do palco trazia uma lista de líderes mundiais considerados pelo músico como neofascistas. Estavam ali nomes como Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria; Marine Le Pen, liderança de extrema-direita da França; Lech Kaczynski, ex-presidente da Polônia; Vladimir Putin, presidente da Rússia e, por último, o candidato Jair Bolsonaro.
Houve uma espécie de susto coletivo no início para que logo uma guerra de gritos de ordem começasse. Os primeiros foram “ele não”, vindos sobretudo das arquibancadas. Logo depois, o “fora PT” veio nas mesmas dimensões. As provocações de Waters seguiriam na segunda parte do show, depois do intervalo de 20 minutos. Seu telão mostrava agora um visível “ele não” em fundo negro, como se despejasse gasolina nas chamas. Os bolsonaristas passaram a vaiar estrondosamente em vários momentos do show e entre as músicas. Alguns chegaram a deixar o estádio.
O momento tenso foi ao final, quando Roger Waters se preparava para cantar Comfortably Numb, a última do show. A mistura de vaias e aplausos pareciam deixá-lo desconcertado. Ele, no entanto, não amarelou. Falou em tom ainda contundente contra o fascismo e disse não acreditar em regimes ditatoriais. As vaias voltaram enquanto Waters e sua banda se despediam da plateia. A turnê segue agora para Brasília, dia 13; Salvador, 17; Belo Horizonte, 21; Rio de Janeiro, 24; Curitiba, 27 (véspera de eleições) e Porto Alegre, 30. / JULIO MARIA