Silêncio de Rita Lee no mundo das estridências se torna a sua última rebeldia


Aos 74 anos, cantora homenageada por nova geração no Grammy Latino mantém sua 'discrição atenta' e resiste ao vale tudo das redes sociais

Por Julio Maria
Atualização:

Falar da Rita Lee de ontem é mais fácil. Existe uma ideia sólida, mesmo beirando a rasura dos clichês, que evoca a “mulher corajosa”, a “roqueira precursora”, a “rebelde indomável” e a “eterna mutante” – todas legítimas e justificando ações bem intencionadas como esta que o Grammy Latino acaba de prestar ao chamar vozes femininas para cantá-la. Vieram Giulia Be, Luísa Sonza, Manu Gavassi e a mais veterana Paula Lima, mas poderiam ter vindo também Annita, Liniker, Ney Matogrosso, Pitty, Glória Groove, Vanessa Moreno, Criss, Patrícia Bastos, Tulipa Ruiz, Xênia França. Quem canta qualquer coisa no Brasil depois de 1966 pode nem saber, mas teve sua influência.

Rita Lee no ano em que foi detida por porte de maconha Foto: Bob Wolfenson

Menos visível por escolha, desde que o mundo começou a ficar histérico, Rita precisa ser decifrada em seu silêncio. Hoje, é ele, a ausência de som, que a prova corajosa, precursora e indomável. Enquanto a ordem é aparecer, lacrar, viralizar e engajar com estratégias que combinam singles/factoides com uma frequência de, no máximo, 30 dias, como regem as plataformas de streaming, criando um vale tudo de retroalimentação digital, Rita se recolhe com Roberto de Carvalho. Ela se recupera do ano em que travou uma implacável batalha contra um tumor no pulmão de cabelos ainda curtos e sensibilidade aflorada, mas, bem antes disso, já havia tomado a decisão de sumir. Rita não dá entrevistas que não sejam por e-mail, não aceita convites para programas de internet ou TV e não se apresenta ao vivo em turnê desde o show de muita truculência policial e outras péssimas lembranças que terminou em uma delegacia de Sergipe – e um dia será contado espalhando sujeira para todo lado – em janeiro de 2012. O mundo ficou heavy metal demais para o rock and roll de Rita Lee.

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O silêncio, aos 74 anos, é sua última rebeldia. Um silêncio que vira ruído na lógica dos popstars: como assim pausa entre tantas notas? Invisibilidade entre tantos pavões? Mansidão na ostentação? Não deve ser fácil vencer a tentação do viral e da mega exposição no jogo que sempre dá resultados de audiência no pior de cada like. Cansada de indiferenças sobre seus álbuns, Bebel Gilberto pisoteou a bandeira do Brasil e conseguiu dez ou onze horas de fama nas redes sociais. E, certamente, alguns seguidores a mais. Anitta, alimentando sua base de fãs com cookies entre um single e outro, foi ao tatuador em 2021 registrar o momento em que ele delineava sua região anal. 

Os barulhos dos tempos de Rita rendiam o contrário: a não audiência, o sumiço e a prisão. Sua alta visibilidade à época fez até a polícia dar um jeito de encontrar em sua residência 300 gramas de maconha, restos de cigarro e um narguilê de altíssima periculosidade. Grávida de Beto Lee, ela não fumava maconha não por puritanismo, que não era seu caso, mas por instinto de mãe. Sem um celular para registrar a cena, postar em seu instagram e ganhar milhares de likes, Elis Regina foi visitá-la distribuindo broncas aos gorilas enquanto segurava o filho João Marcello Bôscoli, de seis anos. Eles que cuidassem bem de sua amiga. Os policiais se calaram e a voz de Rita nunca mais parou de soar.   

Falar da Rita Lee de ontem é mais fácil. Existe uma ideia sólida, mesmo beirando a rasura dos clichês, que evoca a “mulher corajosa”, a “roqueira precursora”, a “rebelde indomável” e a “eterna mutante” – todas legítimas e justificando ações bem intencionadas como esta que o Grammy Latino acaba de prestar ao chamar vozes femininas para cantá-la. Vieram Giulia Be, Luísa Sonza, Manu Gavassi e a mais veterana Paula Lima, mas poderiam ter vindo também Annita, Liniker, Ney Matogrosso, Pitty, Glória Groove, Vanessa Moreno, Criss, Patrícia Bastos, Tulipa Ruiz, Xênia França. Quem canta qualquer coisa no Brasil depois de 1966 pode nem saber, mas teve sua influência.

Rita Lee no ano em que foi detida por porte de maconha Foto: Bob Wolfenson

Menos visível por escolha, desde que o mundo começou a ficar histérico, Rita precisa ser decifrada em seu silêncio. Hoje, é ele, a ausência de som, que a prova corajosa, precursora e indomável. Enquanto a ordem é aparecer, lacrar, viralizar e engajar com estratégias que combinam singles/factoides com uma frequência de, no máximo, 30 dias, como regem as plataformas de streaming, criando um vale tudo de retroalimentação digital, Rita se recolhe com Roberto de Carvalho. Ela se recupera do ano em que travou uma implacável batalha contra um tumor no pulmão de cabelos ainda curtos e sensibilidade aflorada, mas, bem antes disso, já havia tomado a decisão de sumir. Rita não dá entrevistas que não sejam por e-mail, não aceita convites para programas de internet ou TV e não se apresenta ao vivo em turnê desde o show de muita truculência policial e outras péssimas lembranças que terminou em uma delegacia de Sergipe – e um dia será contado espalhando sujeira para todo lado – em janeiro de 2012. O mundo ficou heavy metal demais para o rock and roll de Rita Lee.

O silêncio, aos 74 anos, é sua última rebeldia. Um silêncio que vira ruído na lógica dos popstars: como assim pausa entre tantas notas? Invisibilidade entre tantos pavões? Mansidão na ostentação? Não deve ser fácil vencer a tentação do viral e da mega exposição no jogo que sempre dá resultados de audiência no pior de cada like. Cansada de indiferenças sobre seus álbuns, Bebel Gilberto pisoteou a bandeira do Brasil e conseguiu dez ou onze horas de fama nas redes sociais. E, certamente, alguns seguidores a mais. Anitta, alimentando sua base de fãs com cookies entre um single e outro, foi ao tatuador em 2021 registrar o momento em que ele delineava sua região anal. 

Os barulhos dos tempos de Rita rendiam o contrário: a não audiência, o sumiço e a prisão. Sua alta visibilidade à época fez até a polícia dar um jeito de encontrar em sua residência 300 gramas de maconha, restos de cigarro e um narguilê de altíssima periculosidade. Grávida de Beto Lee, ela não fumava maconha não por puritanismo, que não era seu caso, mas por instinto de mãe. Sem um celular para registrar a cena, postar em seu instagram e ganhar milhares de likes, Elis Regina foi visitá-la distribuindo broncas aos gorilas enquanto segurava o filho João Marcello Bôscoli, de seis anos. Eles que cuidassem bem de sua amiga. Os policiais se calaram e a voz de Rita nunca mais parou de soar.   

Falar da Rita Lee de ontem é mais fácil. Existe uma ideia sólida, mesmo beirando a rasura dos clichês, que evoca a “mulher corajosa”, a “roqueira precursora”, a “rebelde indomável” e a “eterna mutante” – todas legítimas e justificando ações bem intencionadas como esta que o Grammy Latino acaba de prestar ao chamar vozes femininas para cantá-la. Vieram Giulia Be, Luísa Sonza, Manu Gavassi e a mais veterana Paula Lima, mas poderiam ter vindo também Annita, Liniker, Ney Matogrosso, Pitty, Glória Groove, Vanessa Moreno, Criss, Patrícia Bastos, Tulipa Ruiz, Xênia França. Quem canta qualquer coisa no Brasil depois de 1966 pode nem saber, mas teve sua influência.

Rita Lee no ano em que foi detida por porte de maconha Foto: Bob Wolfenson

Menos visível por escolha, desde que o mundo começou a ficar histérico, Rita precisa ser decifrada em seu silêncio. Hoje, é ele, a ausência de som, que a prova corajosa, precursora e indomável. Enquanto a ordem é aparecer, lacrar, viralizar e engajar com estratégias que combinam singles/factoides com uma frequência de, no máximo, 30 dias, como regem as plataformas de streaming, criando um vale tudo de retroalimentação digital, Rita se recolhe com Roberto de Carvalho. Ela se recupera do ano em que travou uma implacável batalha contra um tumor no pulmão de cabelos ainda curtos e sensibilidade aflorada, mas, bem antes disso, já havia tomado a decisão de sumir. Rita não dá entrevistas que não sejam por e-mail, não aceita convites para programas de internet ou TV e não se apresenta ao vivo em turnê desde o show de muita truculência policial e outras péssimas lembranças que terminou em uma delegacia de Sergipe – e um dia será contado espalhando sujeira para todo lado – em janeiro de 2012. O mundo ficou heavy metal demais para o rock and roll de Rita Lee.

O silêncio, aos 74 anos, é sua última rebeldia. Um silêncio que vira ruído na lógica dos popstars: como assim pausa entre tantas notas? Invisibilidade entre tantos pavões? Mansidão na ostentação? Não deve ser fácil vencer a tentação do viral e da mega exposição no jogo que sempre dá resultados de audiência no pior de cada like. Cansada de indiferenças sobre seus álbuns, Bebel Gilberto pisoteou a bandeira do Brasil e conseguiu dez ou onze horas de fama nas redes sociais. E, certamente, alguns seguidores a mais. Anitta, alimentando sua base de fãs com cookies entre um single e outro, foi ao tatuador em 2021 registrar o momento em que ele delineava sua região anal. 

Os barulhos dos tempos de Rita rendiam o contrário: a não audiência, o sumiço e a prisão. Sua alta visibilidade à época fez até a polícia dar um jeito de encontrar em sua residência 300 gramas de maconha, restos de cigarro e um narguilê de altíssima periculosidade. Grávida de Beto Lee, ela não fumava maconha não por puritanismo, que não era seu caso, mas por instinto de mãe. Sem um celular para registrar a cena, postar em seu instagram e ganhar milhares de likes, Elis Regina foi visitá-la distribuindo broncas aos gorilas enquanto segurava o filho João Marcello Bôscoli, de seis anos. Eles que cuidassem bem de sua amiga. Os policiais se calaram e a voz de Rita nunca mais parou de soar.   

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