Silva se assume como cantor romântico no álbum mais difícil da carreira: ‘Enferrujado’


Músico falou ao ‘Estadão’ sobre ‘Encantado’, seu sexto álbum de estúdio, com parcerias com Arthur Verocai, Marcos Valle e Leci Brandão

Por Dora Guerra

Silva chega ao seu sexto álbum de estúdio, Encantado, como quem se apresenta pela primeira vez. “Encantado, Silva”, brinca.

Silva fala sobre o álbum 'Encantado' Foto: Reprodução/Jorge Bispo

O álbum, lançado no último dia 23, vem quatro anos depois do último disco, Cinco. Não é exagero dizer - sobre Silva ou qualquer um de nós - que tudo mudou desde 2020. Quatro anos e muitas emoções depois, o músico teve que recalcular rota.

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“A gente já tinha vários compromissos marcados naquela pandemia. Esse adiamento, para mim, para minha vida, custou muito para a minha cabeça”, conta. Quando a vida finalmente voltou a alguma normalidade, o cantor tinha outros compromissos a cumprir – incluindo várias datas do seu projeto carnavalesco, o Bloco do Silva. “O Cinco não teve turnê. Isso pra mim foi muito estranho como músico”, lembra.

Portanto, Encantado serve como um rito de passagem: o projeto marca o retorno do artista ao seu trabalho e aos shows autorais - sua reabertura para o mundo. “Eu estava sentindo falta, pô, cadê minhas coisas?”, conta o músico. “Estava com muita vontade de criar e comecei a achar o meu processo de novo”.

E como todo rito de passagem, foi dolorido. “Acho que talvez tenha sido o álbum mais difícil que eu fiz até agora”, revela. “Eu estava enferrujado mesmo”.

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Segundo ele, o primeiro passo foi se entender como um cantor romântico - graças ao irmão e colaborador musical, Lucas Silva. “Ele falou assim: ‘Já parou para pensar que você é um cantor romântico?’. Eu achei que ele estava me zoando”, brinca. “Eu tinha uma visão de canto romântico de um jeito muito cafona, melodramático. Eu sou também, né? Sou canceriano”.

Reza a lenda que o professor de violão de Silva, ao ouvir uma música autoral dele, disse que o fã de Los Hermanos estava mais para Fábio Jr. Nem um, nem outro - o jeito foi ser Silva.

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“Você pode cantar de um amor de vários jeitos, né? Você pode cantar desse amor ‘Eu te amo’, pode cantar de desamor também. O tema continua ali”, reflete.

Encantado visita amores e desamores ao longo de 16 músicas, entre samba, MPB, indie rock e até um pouco de funk. Não é somente um álbum romântico, como uma declaração às paixões musicais de Silva: tem Arthur Verocai, Leci Brandão e Marcos Valle entre os colaboradores.

E ele reforça que as participações foram de coração. “Dessa vez, eu não usei nenhuma tática comercial. Não vejo problema nisso. Tem gente que faz muito bem - não todo mundo”, brinca. “Mas eu quis usar a intuição. Quis pensar criativamente, para o feat fazer parte da criação”.

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Para ele, Verocai “é um gênio”. “Gênio mesmo. O lugar de maestro não é um lugar muito visto, né? Mas Verocai é um dos maiores, um dos homens mais importantes da música brasileira. E a gente já louvou mais os maestros. Tom Jobim é muito falado, mas já teve a época de ser o mais falado”.

O maestro estava a um contato de distância - foi a assessora Luisi Valadão quem fez a ponte. “Ela falou: ‘vou mandar para ele a música, mas ele só faz o que gosta. Se ele gostar, ele entrará em contato’”, conta. “Isso é uma coisa que eu nunca tive medo. Aquele famoso: ‘O não eu já tenho’. Se fosse dessa época, eu pediria até o Frank Sinatra”.

Não teve Sinatra, mas teve Leci Brandão, que entra na canção Amanhã de Manhã (Para Lecy). Essa é quase coisa do destino: Lecy, com Y, é tanto o nome da mãe da sambista, quanto da avó de Silva, “uma mulher cristã, do ambiente evangélico tradicional”, diz. Para honrar ambas, o músico incorporou melodias típicas da música cristã em um sambinha - e trouxe Leci consigo.

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Na faixa Copo D’Água, Marcos Valle – “outro gênio” – traz seu suingue e frescor. “Ele é a pessoa mais legal do mundo”, conta Silva. “Se você quiser fazer uma lista depois, no Estadão: ‘Os artistas mais legais do mundo’, Marcos Valle tem que estar. Porque ele é esse cool guy até hoje, ele tem 80 anos, e é mais jovem que eu, com aquele cabelinho surfista”, brinca.

Formado em violino pela Fames (Faculdade de Música do Espírito Santo), Silva é sobretudo um eterno estudante, apaixonado por música. Na entrevista, ele cita músicos clássicos e contemporâneos - de Verocai a Ravel. Para ele, é necessário abraçar os ídolos enquanto houver tempo.

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“Esse disco [Encantado] é dedicado a João Donato”, revela. Os dois colaboraram na faixa Quem Disse, do álbum anterior, e tinham mais planos: “Ele me mandava WhatsApp, ‘E aí, quando a gente vai fazer mais música?’. Cheguei a olhar um apartamento na Urca, onde ele morava no Rio, para fazer pelo menos um EP, criar umas cinco músicas juntos. Mas não deu tempo”, lamenta.

“Quero aprender muito enquanto [meus ídolos] estão aqui. Tem gente que perdi: Gal Costa, gravei com ela, fiz show com ela. As pessoas que você mais admira, às vezes a gente não dá valor em vida. E depois que morre, todo mundo quer fazer tributo”.

Entre colaborar com seus ídolos e ter tempo para criar em casa, o músico vê sua posição hoje como um imenso privilégio. “Peguei o mercadão [da música]. Meu primeiro álbum foi gravado dentro do meu quarto, literalmente. Com a pior acústica do mundo. Eu entrava literalmente dentro do armário e gravava a minha voz”, lembra. Para ele, imaginar ter tantos instrumentos, recursos e conexões era inimaginável.

“Então eu sou muito grato por muita coisa que aconteceu”, diz. “Mas eu comecei a limpar tudo que não tinha a ver com o meu rolê. Agora, estou me prezando mais. Tá difícil, é muita correria, muita pressa, e a gente precisa conseguir ter tempo para criar. Só tem criação quando você tem espaço vazio, respiro”.

Com respiro, o músico ainda reside (”escondidinho”, diz) em Vitória, no Espírito Santo, onde criou Encantado. O disco é solar, mas é agridoce: encerra na frase “a vida é triste, mas não precisa ser”, repetida algumas vezes.

“A gente não é só alegria. A gente aprende a lidar com a melancolia, e eu acho ela tão bonita. Sou fã de Radiohead”, brinca. Para ele, esse é o lugar da música. “Uma pianista que eu amo, a Martha Argerich, fala que só a música consegue levar a gente para esse lugar de abstração. Tem uma gama tão grande entre o triste e o alegre”.

“A vida é triste, fato. A gente sabe que é, e vai continuar sendo. A gente pode não estar triste, mas aí vem a tragédia no Rio Grande do Sul, a guerra que não acaba nunca…”, reflete. “É uma coisa de lutar, entender que a tristeza vem e vai”.

Silva (e seu novo álbum) tentam sorrir frente à dureza da vida - um sentimento bem pós-pandemia. “A vida é triste, mas não precisa ser”, reforça. “A gente faz o que pode. Sem dar receitas, porque eu não sei dar receitas. Acho que a gente tem que querer viver. É bom querer viver”.

Silva chega ao seu sexto álbum de estúdio, Encantado, como quem se apresenta pela primeira vez. “Encantado, Silva”, brinca.

Silva fala sobre o álbum 'Encantado' Foto: Reprodução/Jorge Bispo

O álbum, lançado no último dia 23, vem quatro anos depois do último disco, Cinco. Não é exagero dizer - sobre Silva ou qualquer um de nós - que tudo mudou desde 2020. Quatro anos e muitas emoções depois, o músico teve que recalcular rota.

“A gente já tinha vários compromissos marcados naquela pandemia. Esse adiamento, para mim, para minha vida, custou muito para a minha cabeça”, conta. Quando a vida finalmente voltou a alguma normalidade, o cantor tinha outros compromissos a cumprir – incluindo várias datas do seu projeto carnavalesco, o Bloco do Silva. “O Cinco não teve turnê. Isso pra mim foi muito estranho como músico”, lembra.

Portanto, Encantado serve como um rito de passagem: o projeto marca o retorno do artista ao seu trabalho e aos shows autorais - sua reabertura para o mundo. “Eu estava sentindo falta, pô, cadê minhas coisas?”, conta o músico. “Estava com muita vontade de criar e comecei a achar o meu processo de novo”.

E como todo rito de passagem, foi dolorido. “Acho que talvez tenha sido o álbum mais difícil que eu fiz até agora”, revela. “Eu estava enferrujado mesmo”.

Segundo ele, o primeiro passo foi se entender como um cantor romântico - graças ao irmão e colaborador musical, Lucas Silva. “Ele falou assim: ‘Já parou para pensar que você é um cantor romântico?’. Eu achei que ele estava me zoando”, brinca. “Eu tinha uma visão de canto romântico de um jeito muito cafona, melodramático. Eu sou também, né? Sou canceriano”.

Reza a lenda que o professor de violão de Silva, ao ouvir uma música autoral dele, disse que o fã de Los Hermanos estava mais para Fábio Jr. Nem um, nem outro - o jeito foi ser Silva.

“Você pode cantar de um amor de vários jeitos, né? Você pode cantar desse amor ‘Eu te amo’, pode cantar de desamor também. O tema continua ali”, reflete.

Encantado visita amores e desamores ao longo de 16 músicas, entre samba, MPB, indie rock e até um pouco de funk. Não é somente um álbum romântico, como uma declaração às paixões musicais de Silva: tem Arthur Verocai, Leci Brandão e Marcos Valle entre os colaboradores.

E ele reforça que as participações foram de coração. “Dessa vez, eu não usei nenhuma tática comercial. Não vejo problema nisso. Tem gente que faz muito bem - não todo mundo”, brinca. “Mas eu quis usar a intuição. Quis pensar criativamente, para o feat fazer parte da criação”.

Para ele, Verocai “é um gênio”. “Gênio mesmo. O lugar de maestro não é um lugar muito visto, né? Mas Verocai é um dos maiores, um dos homens mais importantes da música brasileira. E a gente já louvou mais os maestros. Tom Jobim é muito falado, mas já teve a época de ser o mais falado”.

O maestro estava a um contato de distância - foi a assessora Luisi Valadão quem fez a ponte. “Ela falou: ‘vou mandar para ele a música, mas ele só faz o que gosta. Se ele gostar, ele entrará em contato’”, conta. “Isso é uma coisa que eu nunca tive medo. Aquele famoso: ‘O não eu já tenho’. Se fosse dessa época, eu pediria até o Frank Sinatra”.

Não teve Sinatra, mas teve Leci Brandão, que entra na canção Amanhã de Manhã (Para Lecy). Essa é quase coisa do destino: Lecy, com Y, é tanto o nome da mãe da sambista, quanto da avó de Silva, “uma mulher cristã, do ambiente evangélico tradicional”, diz. Para honrar ambas, o músico incorporou melodias típicas da música cristã em um sambinha - e trouxe Leci consigo.

Na faixa Copo D’Água, Marcos Valle – “outro gênio” – traz seu suingue e frescor. “Ele é a pessoa mais legal do mundo”, conta Silva. “Se você quiser fazer uma lista depois, no Estadão: ‘Os artistas mais legais do mundo’, Marcos Valle tem que estar. Porque ele é esse cool guy até hoje, ele tem 80 anos, e é mais jovem que eu, com aquele cabelinho surfista”, brinca.

Formado em violino pela Fames (Faculdade de Música do Espírito Santo), Silva é sobretudo um eterno estudante, apaixonado por música. Na entrevista, ele cita músicos clássicos e contemporâneos - de Verocai a Ravel. Para ele, é necessário abraçar os ídolos enquanto houver tempo.

“Esse disco [Encantado] é dedicado a João Donato”, revela. Os dois colaboraram na faixa Quem Disse, do álbum anterior, e tinham mais planos: “Ele me mandava WhatsApp, ‘E aí, quando a gente vai fazer mais música?’. Cheguei a olhar um apartamento na Urca, onde ele morava no Rio, para fazer pelo menos um EP, criar umas cinco músicas juntos. Mas não deu tempo”, lamenta.

“Quero aprender muito enquanto [meus ídolos] estão aqui. Tem gente que perdi: Gal Costa, gravei com ela, fiz show com ela. As pessoas que você mais admira, às vezes a gente não dá valor em vida. E depois que morre, todo mundo quer fazer tributo”.

Entre colaborar com seus ídolos e ter tempo para criar em casa, o músico vê sua posição hoje como um imenso privilégio. “Peguei o mercadão [da música]. Meu primeiro álbum foi gravado dentro do meu quarto, literalmente. Com a pior acústica do mundo. Eu entrava literalmente dentro do armário e gravava a minha voz”, lembra. Para ele, imaginar ter tantos instrumentos, recursos e conexões era inimaginável.

“Então eu sou muito grato por muita coisa que aconteceu”, diz. “Mas eu comecei a limpar tudo que não tinha a ver com o meu rolê. Agora, estou me prezando mais. Tá difícil, é muita correria, muita pressa, e a gente precisa conseguir ter tempo para criar. Só tem criação quando você tem espaço vazio, respiro”.

Com respiro, o músico ainda reside (”escondidinho”, diz) em Vitória, no Espírito Santo, onde criou Encantado. O disco é solar, mas é agridoce: encerra na frase “a vida é triste, mas não precisa ser”, repetida algumas vezes.

“A gente não é só alegria. A gente aprende a lidar com a melancolia, e eu acho ela tão bonita. Sou fã de Radiohead”, brinca. Para ele, esse é o lugar da música. “Uma pianista que eu amo, a Martha Argerich, fala que só a música consegue levar a gente para esse lugar de abstração. Tem uma gama tão grande entre o triste e o alegre”.

“A vida é triste, fato. A gente sabe que é, e vai continuar sendo. A gente pode não estar triste, mas aí vem a tragédia no Rio Grande do Sul, a guerra que não acaba nunca…”, reflete. “É uma coisa de lutar, entender que a tristeza vem e vai”.

Silva (e seu novo álbum) tentam sorrir frente à dureza da vida - um sentimento bem pós-pandemia. “A vida é triste, mas não precisa ser”, reforça. “A gente faz o que pode. Sem dar receitas, porque eu não sei dar receitas. Acho que a gente tem que querer viver. É bom querer viver”.

Silva chega ao seu sexto álbum de estúdio, Encantado, como quem se apresenta pela primeira vez. “Encantado, Silva”, brinca.

Silva fala sobre o álbum 'Encantado' Foto: Reprodução/Jorge Bispo

O álbum, lançado no último dia 23, vem quatro anos depois do último disco, Cinco. Não é exagero dizer - sobre Silva ou qualquer um de nós - que tudo mudou desde 2020. Quatro anos e muitas emoções depois, o músico teve que recalcular rota.

“A gente já tinha vários compromissos marcados naquela pandemia. Esse adiamento, para mim, para minha vida, custou muito para a minha cabeça”, conta. Quando a vida finalmente voltou a alguma normalidade, o cantor tinha outros compromissos a cumprir – incluindo várias datas do seu projeto carnavalesco, o Bloco do Silva. “O Cinco não teve turnê. Isso pra mim foi muito estranho como músico”, lembra.

Portanto, Encantado serve como um rito de passagem: o projeto marca o retorno do artista ao seu trabalho e aos shows autorais - sua reabertura para o mundo. “Eu estava sentindo falta, pô, cadê minhas coisas?”, conta o músico. “Estava com muita vontade de criar e comecei a achar o meu processo de novo”.

E como todo rito de passagem, foi dolorido. “Acho que talvez tenha sido o álbum mais difícil que eu fiz até agora”, revela. “Eu estava enferrujado mesmo”.

Segundo ele, o primeiro passo foi se entender como um cantor romântico - graças ao irmão e colaborador musical, Lucas Silva. “Ele falou assim: ‘Já parou para pensar que você é um cantor romântico?’. Eu achei que ele estava me zoando”, brinca. “Eu tinha uma visão de canto romântico de um jeito muito cafona, melodramático. Eu sou também, né? Sou canceriano”.

Reza a lenda que o professor de violão de Silva, ao ouvir uma música autoral dele, disse que o fã de Los Hermanos estava mais para Fábio Jr. Nem um, nem outro - o jeito foi ser Silva.

“Você pode cantar de um amor de vários jeitos, né? Você pode cantar desse amor ‘Eu te amo’, pode cantar de desamor também. O tema continua ali”, reflete.

Encantado visita amores e desamores ao longo de 16 músicas, entre samba, MPB, indie rock e até um pouco de funk. Não é somente um álbum romântico, como uma declaração às paixões musicais de Silva: tem Arthur Verocai, Leci Brandão e Marcos Valle entre os colaboradores.

E ele reforça que as participações foram de coração. “Dessa vez, eu não usei nenhuma tática comercial. Não vejo problema nisso. Tem gente que faz muito bem - não todo mundo”, brinca. “Mas eu quis usar a intuição. Quis pensar criativamente, para o feat fazer parte da criação”.

Para ele, Verocai “é um gênio”. “Gênio mesmo. O lugar de maestro não é um lugar muito visto, né? Mas Verocai é um dos maiores, um dos homens mais importantes da música brasileira. E a gente já louvou mais os maestros. Tom Jobim é muito falado, mas já teve a época de ser o mais falado”.

O maestro estava a um contato de distância - foi a assessora Luisi Valadão quem fez a ponte. “Ela falou: ‘vou mandar para ele a música, mas ele só faz o que gosta. Se ele gostar, ele entrará em contato’”, conta. “Isso é uma coisa que eu nunca tive medo. Aquele famoso: ‘O não eu já tenho’. Se fosse dessa época, eu pediria até o Frank Sinatra”.

Não teve Sinatra, mas teve Leci Brandão, que entra na canção Amanhã de Manhã (Para Lecy). Essa é quase coisa do destino: Lecy, com Y, é tanto o nome da mãe da sambista, quanto da avó de Silva, “uma mulher cristã, do ambiente evangélico tradicional”, diz. Para honrar ambas, o músico incorporou melodias típicas da música cristã em um sambinha - e trouxe Leci consigo.

Na faixa Copo D’Água, Marcos Valle – “outro gênio” – traz seu suingue e frescor. “Ele é a pessoa mais legal do mundo”, conta Silva. “Se você quiser fazer uma lista depois, no Estadão: ‘Os artistas mais legais do mundo’, Marcos Valle tem que estar. Porque ele é esse cool guy até hoje, ele tem 80 anos, e é mais jovem que eu, com aquele cabelinho surfista”, brinca.

Formado em violino pela Fames (Faculdade de Música do Espírito Santo), Silva é sobretudo um eterno estudante, apaixonado por música. Na entrevista, ele cita músicos clássicos e contemporâneos - de Verocai a Ravel. Para ele, é necessário abraçar os ídolos enquanto houver tempo.

“Esse disco [Encantado] é dedicado a João Donato”, revela. Os dois colaboraram na faixa Quem Disse, do álbum anterior, e tinham mais planos: “Ele me mandava WhatsApp, ‘E aí, quando a gente vai fazer mais música?’. Cheguei a olhar um apartamento na Urca, onde ele morava no Rio, para fazer pelo menos um EP, criar umas cinco músicas juntos. Mas não deu tempo”, lamenta.

“Quero aprender muito enquanto [meus ídolos] estão aqui. Tem gente que perdi: Gal Costa, gravei com ela, fiz show com ela. As pessoas que você mais admira, às vezes a gente não dá valor em vida. E depois que morre, todo mundo quer fazer tributo”.

Entre colaborar com seus ídolos e ter tempo para criar em casa, o músico vê sua posição hoje como um imenso privilégio. “Peguei o mercadão [da música]. Meu primeiro álbum foi gravado dentro do meu quarto, literalmente. Com a pior acústica do mundo. Eu entrava literalmente dentro do armário e gravava a minha voz”, lembra. Para ele, imaginar ter tantos instrumentos, recursos e conexões era inimaginável.

“Então eu sou muito grato por muita coisa que aconteceu”, diz. “Mas eu comecei a limpar tudo que não tinha a ver com o meu rolê. Agora, estou me prezando mais. Tá difícil, é muita correria, muita pressa, e a gente precisa conseguir ter tempo para criar. Só tem criação quando você tem espaço vazio, respiro”.

Com respiro, o músico ainda reside (”escondidinho”, diz) em Vitória, no Espírito Santo, onde criou Encantado. O disco é solar, mas é agridoce: encerra na frase “a vida é triste, mas não precisa ser”, repetida algumas vezes.

“A gente não é só alegria. A gente aprende a lidar com a melancolia, e eu acho ela tão bonita. Sou fã de Radiohead”, brinca. Para ele, esse é o lugar da música. “Uma pianista que eu amo, a Martha Argerich, fala que só a música consegue levar a gente para esse lugar de abstração. Tem uma gama tão grande entre o triste e o alegre”.

“A vida é triste, fato. A gente sabe que é, e vai continuar sendo. A gente pode não estar triste, mas aí vem a tragédia no Rio Grande do Sul, a guerra que não acaba nunca…”, reflete. “É uma coisa de lutar, entender que a tristeza vem e vai”.

Silva (e seu novo álbum) tentam sorrir frente à dureza da vida - um sentimento bem pós-pandemia. “A vida é triste, mas não precisa ser”, reforça. “A gente faz o que pode. Sem dar receitas, porque eu não sei dar receitas. Acho que a gente tem que querer viver. É bom querer viver”.

Silva chega ao seu sexto álbum de estúdio, Encantado, como quem se apresenta pela primeira vez. “Encantado, Silva”, brinca.

Silva fala sobre o álbum 'Encantado' Foto: Reprodução/Jorge Bispo

O álbum, lançado no último dia 23, vem quatro anos depois do último disco, Cinco. Não é exagero dizer - sobre Silva ou qualquer um de nós - que tudo mudou desde 2020. Quatro anos e muitas emoções depois, o músico teve que recalcular rota.

“A gente já tinha vários compromissos marcados naquela pandemia. Esse adiamento, para mim, para minha vida, custou muito para a minha cabeça”, conta. Quando a vida finalmente voltou a alguma normalidade, o cantor tinha outros compromissos a cumprir – incluindo várias datas do seu projeto carnavalesco, o Bloco do Silva. “O Cinco não teve turnê. Isso pra mim foi muito estranho como músico”, lembra.

Portanto, Encantado serve como um rito de passagem: o projeto marca o retorno do artista ao seu trabalho e aos shows autorais - sua reabertura para o mundo. “Eu estava sentindo falta, pô, cadê minhas coisas?”, conta o músico. “Estava com muita vontade de criar e comecei a achar o meu processo de novo”.

E como todo rito de passagem, foi dolorido. “Acho que talvez tenha sido o álbum mais difícil que eu fiz até agora”, revela. “Eu estava enferrujado mesmo”.

Segundo ele, o primeiro passo foi se entender como um cantor romântico - graças ao irmão e colaborador musical, Lucas Silva. “Ele falou assim: ‘Já parou para pensar que você é um cantor romântico?’. Eu achei que ele estava me zoando”, brinca. “Eu tinha uma visão de canto romântico de um jeito muito cafona, melodramático. Eu sou também, né? Sou canceriano”.

Reza a lenda que o professor de violão de Silva, ao ouvir uma música autoral dele, disse que o fã de Los Hermanos estava mais para Fábio Jr. Nem um, nem outro - o jeito foi ser Silva.

“Você pode cantar de um amor de vários jeitos, né? Você pode cantar desse amor ‘Eu te amo’, pode cantar de desamor também. O tema continua ali”, reflete.

Encantado visita amores e desamores ao longo de 16 músicas, entre samba, MPB, indie rock e até um pouco de funk. Não é somente um álbum romântico, como uma declaração às paixões musicais de Silva: tem Arthur Verocai, Leci Brandão e Marcos Valle entre os colaboradores.

E ele reforça que as participações foram de coração. “Dessa vez, eu não usei nenhuma tática comercial. Não vejo problema nisso. Tem gente que faz muito bem - não todo mundo”, brinca. “Mas eu quis usar a intuição. Quis pensar criativamente, para o feat fazer parte da criação”.

Para ele, Verocai “é um gênio”. “Gênio mesmo. O lugar de maestro não é um lugar muito visto, né? Mas Verocai é um dos maiores, um dos homens mais importantes da música brasileira. E a gente já louvou mais os maestros. Tom Jobim é muito falado, mas já teve a época de ser o mais falado”.

O maestro estava a um contato de distância - foi a assessora Luisi Valadão quem fez a ponte. “Ela falou: ‘vou mandar para ele a música, mas ele só faz o que gosta. Se ele gostar, ele entrará em contato’”, conta. “Isso é uma coisa que eu nunca tive medo. Aquele famoso: ‘O não eu já tenho’. Se fosse dessa época, eu pediria até o Frank Sinatra”.

Não teve Sinatra, mas teve Leci Brandão, que entra na canção Amanhã de Manhã (Para Lecy). Essa é quase coisa do destino: Lecy, com Y, é tanto o nome da mãe da sambista, quanto da avó de Silva, “uma mulher cristã, do ambiente evangélico tradicional”, diz. Para honrar ambas, o músico incorporou melodias típicas da música cristã em um sambinha - e trouxe Leci consigo.

Na faixa Copo D’Água, Marcos Valle – “outro gênio” – traz seu suingue e frescor. “Ele é a pessoa mais legal do mundo”, conta Silva. “Se você quiser fazer uma lista depois, no Estadão: ‘Os artistas mais legais do mundo’, Marcos Valle tem que estar. Porque ele é esse cool guy até hoje, ele tem 80 anos, e é mais jovem que eu, com aquele cabelinho surfista”, brinca.

Formado em violino pela Fames (Faculdade de Música do Espírito Santo), Silva é sobretudo um eterno estudante, apaixonado por música. Na entrevista, ele cita músicos clássicos e contemporâneos - de Verocai a Ravel. Para ele, é necessário abraçar os ídolos enquanto houver tempo.

“Esse disco [Encantado] é dedicado a João Donato”, revela. Os dois colaboraram na faixa Quem Disse, do álbum anterior, e tinham mais planos: “Ele me mandava WhatsApp, ‘E aí, quando a gente vai fazer mais música?’. Cheguei a olhar um apartamento na Urca, onde ele morava no Rio, para fazer pelo menos um EP, criar umas cinco músicas juntos. Mas não deu tempo”, lamenta.

“Quero aprender muito enquanto [meus ídolos] estão aqui. Tem gente que perdi: Gal Costa, gravei com ela, fiz show com ela. As pessoas que você mais admira, às vezes a gente não dá valor em vida. E depois que morre, todo mundo quer fazer tributo”.

Entre colaborar com seus ídolos e ter tempo para criar em casa, o músico vê sua posição hoje como um imenso privilégio. “Peguei o mercadão [da música]. Meu primeiro álbum foi gravado dentro do meu quarto, literalmente. Com a pior acústica do mundo. Eu entrava literalmente dentro do armário e gravava a minha voz”, lembra. Para ele, imaginar ter tantos instrumentos, recursos e conexões era inimaginável.

“Então eu sou muito grato por muita coisa que aconteceu”, diz. “Mas eu comecei a limpar tudo que não tinha a ver com o meu rolê. Agora, estou me prezando mais. Tá difícil, é muita correria, muita pressa, e a gente precisa conseguir ter tempo para criar. Só tem criação quando você tem espaço vazio, respiro”.

Com respiro, o músico ainda reside (”escondidinho”, diz) em Vitória, no Espírito Santo, onde criou Encantado. O disco é solar, mas é agridoce: encerra na frase “a vida é triste, mas não precisa ser”, repetida algumas vezes.

“A gente não é só alegria. A gente aprende a lidar com a melancolia, e eu acho ela tão bonita. Sou fã de Radiohead”, brinca. Para ele, esse é o lugar da música. “Uma pianista que eu amo, a Martha Argerich, fala que só a música consegue levar a gente para esse lugar de abstração. Tem uma gama tão grande entre o triste e o alegre”.

“A vida é triste, fato. A gente sabe que é, e vai continuar sendo. A gente pode não estar triste, mas aí vem a tragédia no Rio Grande do Sul, a guerra que não acaba nunca…”, reflete. “É uma coisa de lutar, entender que a tristeza vem e vai”.

Silva (e seu novo álbum) tentam sorrir frente à dureza da vida - um sentimento bem pós-pandemia. “A vida é triste, mas não precisa ser”, reforça. “A gente faz o que pode. Sem dar receitas, porque eu não sei dar receitas. Acho que a gente tem que querer viver. É bom querer viver”.

Silva chega ao seu sexto álbum de estúdio, Encantado, como quem se apresenta pela primeira vez. “Encantado, Silva”, brinca.

Silva fala sobre o álbum 'Encantado' Foto: Reprodução/Jorge Bispo

O álbum, lançado no último dia 23, vem quatro anos depois do último disco, Cinco. Não é exagero dizer - sobre Silva ou qualquer um de nós - que tudo mudou desde 2020. Quatro anos e muitas emoções depois, o músico teve que recalcular rota.

“A gente já tinha vários compromissos marcados naquela pandemia. Esse adiamento, para mim, para minha vida, custou muito para a minha cabeça”, conta. Quando a vida finalmente voltou a alguma normalidade, o cantor tinha outros compromissos a cumprir – incluindo várias datas do seu projeto carnavalesco, o Bloco do Silva. “O Cinco não teve turnê. Isso pra mim foi muito estranho como músico”, lembra.

Portanto, Encantado serve como um rito de passagem: o projeto marca o retorno do artista ao seu trabalho e aos shows autorais - sua reabertura para o mundo. “Eu estava sentindo falta, pô, cadê minhas coisas?”, conta o músico. “Estava com muita vontade de criar e comecei a achar o meu processo de novo”.

E como todo rito de passagem, foi dolorido. “Acho que talvez tenha sido o álbum mais difícil que eu fiz até agora”, revela. “Eu estava enferrujado mesmo”.

Segundo ele, o primeiro passo foi se entender como um cantor romântico - graças ao irmão e colaborador musical, Lucas Silva. “Ele falou assim: ‘Já parou para pensar que você é um cantor romântico?’. Eu achei que ele estava me zoando”, brinca. “Eu tinha uma visão de canto romântico de um jeito muito cafona, melodramático. Eu sou também, né? Sou canceriano”.

Reza a lenda que o professor de violão de Silva, ao ouvir uma música autoral dele, disse que o fã de Los Hermanos estava mais para Fábio Jr. Nem um, nem outro - o jeito foi ser Silva.

“Você pode cantar de um amor de vários jeitos, né? Você pode cantar desse amor ‘Eu te amo’, pode cantar de desamor também. O tema continua ali”, reflete.

Encantado visita amores e desamores ao longo de 16 músicas, entre samba, MPB, indie rock e até um pouco de funk. Não é somente um álbum romântico, como uma declaração às paixões musicais de Silva: tem Arthur Verocai, Leci Brandão e Marcos Valle entre os colaboradores.

E ele reforça que as participações foram de coração. “Dessa vez, eu não usei nenhuma tática comercial. Não vejo problema nisso. Tem gente que faz muito bem - não todo mundo”, brinca. “Mas eu quis usar a intuição. Quis pensar criativamente, para o feat fazer parte da criação”.

Para ele, Verocai “é um gênio”. “Gênio mesmo. O lugar de maestro não é um lugar muito visto, né? Mas Verocai é um dos maiores, um dos homens mais importantes da música brasileira. E a gente já louvou mais os maestros. Tom Jobim é muito falado, mas já teve a época de ser o mais falado”.

O maestro estava a um contato de distância - foi a assessora Luisi Valadão quem fez a ponte. “Ela falou: ‘vou mandar para ele a música, mas ele só faz o que gosta. Se ele gostar, ele entrará em contato’”, conta. “Isso é uma coisa que eu nunca tive medo. Aquele famoso: ‘O não eu já tenho’. Se fosse dessa época, eu pediria até o Frank Sinatra”.

Não teve Sinatra, mas teve Leci Brandão, que entra na canção Amanhã de Manhã (Para Lecy). Essa é quase coisa do destino: Lecy, com Y, é tanto o nome da mãe da sambista, quanto da avó de Silva, “uma mulher cristã, do ambiente evangélico tradicional”, diz. Para honrar ambas, o músico incorporou melodias típicas da música cristã em um sambinha - e trouxe Leci consigo.

Na faixa Copo D’Água, Marcos Valle – “outro gênio” – traz seu suingue e frescor. “Ele é a pessoa mais legal do mundo”, conta Silva. “Se você quiser fazer uma lista depois, no Estadão: ‘Os artistas mais legais do mundo’, Marcos Valle tem que estar. Porque ele é esse cool guy até hoje, ele tem 80 anos, e é mais jovem que eu, com aquele cabelinho surfista”, brinca.

Formado em violino pela Fames (Faculdade de Música do Espírito Santo), Silva é sobretudo um eterno estudante, apaixonado por música. Na entrevista, ele cita músicos clássicos e contemporâneos - de Verocai a Ravel. Para ele, é necessário abraçar os ídolos enquanto houver tempo.

“Esse disco [Encantado] é dedicado a João Donato”, revela. Os dois colaboraram na faixa Quem Disse, do álbum anterior, e tinham mais planos: “Ele me mandava WhatsApp, ‘E aí, quando a gente vai fazer mais música?’. Cheguei a olhar um apartamento na Urca, onde ele morava no Rio, para fazer pelo menos um EP, criar umas cinco músicas juntos. Mas não deu tempo”, lamenta.

“Quero aprender muito enquanto [meus ídolos] estão aqui. Tem gente que perdi: Gal Costa, gravei com ela, fiz show com ela. As pessoas que você mais admira, às vezes a gente não dá valor em vida. E depois que morre, todo mundo quer fazer tributo”.

Entre colaborar com seus ídolos e ter tempo para criar em casa, o músico vê sua posição hoje como um imenso privilégio. “Peguei o mercadão [da música]. Meu primeiro álbum foi gravado dentro do meu quarto, literalmente. Com a pior acústica do mundo. Eu entrava literalmente dentro do armário e gravava a minha voz”, lembra. Para ele, imaginar ter tantos instrumentos, recursos e conexões era inimaginável.

“Então eu sou muito grato por muita coisa que aconteceu”, diz. “Mas eu comecei a limpar tudo que não tinha a ver com o meu rolê. Agora, estou me prezando mais. Tá difícil, é muita correria, muita pressa, e a gente precisa conseguir ter tempo para criar. Só tem criação quando você tem espaço vazio, respiro”.

Com respiro, o músico ainda reside (”escondidinho”, diz) em Vitória, no Espírito Santo, onde criou Encantado. O disco é solar, mas é agridoce: encerra na frase “a vida é triste, mas não precisa ser”, repetida algumas vezes.

“A gente não é só alegria. A gente aprende a lidar com a melancolia, e eu acho ela tão bonita. Sou fã de Radiohead”, brinca. Para ele, esse é o lugar da música. “Uma pianista que eu amo, a Martha Argerich, fala que só a música consegue levar a gente para esse lugar de abstração. Tem uma gama tão grande entre o triste e o alegre”.

“A vida é triste, fato. A gente sabe que é, e vai continuar sendo. A gente pode não estar triste, mas aí vem a tragédia no Rio Grande do Sul, a guerra que não acaba nunca…”, reflete. “É uma coisa de lutar, entender que a tristeza vem e vai”.

Silva (e seu novo álbum) tentam sorrir frente à dureza da vida - um sentimento bem pós-pandemia. “A vida é triste, mas não precisa ser”, reforça. “A gente faz o que pode. Sem dar receitas, porque eu não sei dar receitas. Acho que a gente tem que querer viver. É bom querer viver”.

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