Skank: o fim da banda que ‘axezou’ o rock nacional


Ao higienizar-se da contestação política feita na década anterior e absorver o ‘tira o pé do chão’, grupo rompeu os muros do império ‘axé-pagode-sertanejo’ às custas de um mundo imaginário

Por Julio Maria
Atualização:

O último ato do Skank, com shows lotados pelo Brasil até o próximo dia 26 de março, quando o Estádio do Mineirão será o templo de encerramento definitivo da banda, é algo pra ser visto por fãs de olhos marejados – sim, eles têm suas razões – e, pelos interessados em fenômenos de massa, com alguma reflexão. Muita gente tem comemorado a notícia do fim com escárnio, com uma espécie de “já foi tarde”, mas é bom lembrar que até o fim dos Beatles, num mundo que não havia redes sociais, suscitou essas vozes. Elas sempre existirão, mas é quando se vê por sobre as paixões e os escárnios que a coisa fica mais interessante. O Skank, mesmo pagando um preço alto por isso, evitou que os anos 90 não fossem engolidos pelo império tripartite que se sobrepunha a tudo: axé, pagode e sertanejo.

Imagens da turnê do grupo: fãs de três gerações Foto: Divulgação / Diego Ruahn

Depois de viver a fartura da década mais roqueira desde a Jovem Guarda, com o rock nacional captando o espírito das Diretas Já! e espalhando-se em todas as frentes – Legião, Paralamas, Capital, Plebe Rude, Barão, Titãs, Engenheiros, Ira! e Camisa eram a linha dura; Ultraje, Biquíni Cavadão, Blitz, Kid Abelha, Leo Jaime e João Penca eram os debochados – o pop rock nacional estava em apuros. Dentre as músicas mais tocadas nas emissoras de rádio naquele 1992, quando o Skank chegou com seu primeiro disco, lá estavam Daniela Mercury em terceiro lugar, com O Canto da Cidade; o grupo Raça Negra, com Cigana, em sexto; e Olha Amor, dos sertanejos Gian & Giovani, em décimo. Os únicos grupos de rock dentre as 50 mais tocadas eram Os Paralamas do Sucesso, em 31º, com Sábado, e o Biquíni Cavadão, com Vento Ventania, em 36º. No mais, só música internacional e muito, mas muito axé, pagode e sertanejo.

continua após a publicidade

O Skank, mesmo sem inspirar confiança nos tubarões da indústria por uma histórica falta de know-how dos mineiros com o show bizz – eles não haviam passado nem perto da cena dos anos 80 – soube negociar linguagens para se posicionar entre os gigantes e se conectar com o espírito do tempo – por mais frugal que esse espírito fosse. Ninguém queria mais saber de contestar políticos, embora o presidente prestes a sair pelas portas dos fundos fosse o contestável Fernando Collor de Mello, nem rir do auto deboche impresso pelos praianos do Rio. Aos roqueiros de olho nas FMs, restavam dois caminhos: o primeiro, ensinado pela axé: colocar tudo nas alturas e gritar “tira o pé do chão” do início ao fim. O segundo, que enriquecia o pagode e o sertanejo, falar de paixões da forma mais próxima possível. Sobre a indignação? O próprio Skank reconhecia em seu disco de 1992: “A nossa indignação / É uma mosca sem asas / Não ultrapassa as janelas / De nossas casas”.

Samuel Rosa com a plateia nas mãos Foto: Divulgação / Diego Ruahn

O Skank surge na desidratação do posicionamento político de uma banda de rock e, ao mesmo tempo, na apropriação da euforia musical da axé. Axé e Skank têm avós regueiros, um ponto de conexão de suas linguagens, e vão compartilhar com suas audiências explosões afetivas comandadas por poderosos “tira o pé do chão!” A contrapartida a essa sedução funcional e de fórmulas pop é o rompimento com a linha de possíveis fãs que, antes da invenção da Internet, dependiam do que as gravadoras lhes despejavam. Os mais velhos, que aprenderam a peitar a polícia com os Titãs ou que declamavam versos de Camões com o Legião Urbana podiam sentir alguma náusea cantando “aqui nesse mundinho fechado ela é incrível / Com seu vestidinho preto indefectível / Eu detesto o jeito dela, mas pensando bem / Ela fecha com meus sonhos como ninguém.” A saída foi separar o rock do pop, e criou-se o “pop rock brasileiro”.

continua após a publicidade

Mas o Skank, ao contrário das lanternas da axé, sobreviveu e se reorientou. Depois de quase dez anos colocando pés adolescentes nas alturas ao som de Jackie Tequila, Pacato Cidadão, O Beijo e a Reza, É Uma Partida de Futebol, Garota Nacional, Saideira e Resposta, uma conta pública fala em quase sete milhões de discos vendidos, eles abriram os anos 2000 com o frescor do disco Maquinarama, com Três Lados e Balada do Amor Inabalável, e, dois anos depois, conseguiram evoluir para Cosmotrom. A década já era outra, o rock era reavaliado no mundo por revisionistas declarados como o Oásis, e a banda fez de Dois Rios uma das canções mediadas pelo rock britânico mais belas de seu tempo.

Fãs lotaram os shows pelo país Foto: Diego Ruahn

Até onde se sabe amigos incontestes, Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti terminam a história como começaram. Sem a gene do rock and roll, que inclui a exposição pública de ruídos e estranhamentos internos, não há brigas, não há desacordos, não há processos. Os shows que passaram por São Paulo neste final de semana fizeram duas ou três gerações tirarem os pés do chão e cantarem tudo, a plenos pulmões. Mas, ao acenderem as luzes do Espaço Unimed Hall, enquanto a plateia deixava a casa, era possível sentir que tudo havia sido movido por um mundo imaginário. O Skank é um afeto juvenil, a memória de um tempo higienizado, uma ilha de fantasias. O hoje não lhe cabe mais

O último ato do Skank, com shows lotados pelo Brasil até o próximo dia 26 de março, quando o Estádio do Mineirão será o templo de encerramento definitivo da banda, é algo pra ser visto por fãs de olhos marejados – sim, eles têm suas razões – e, pelos interessados em fenômenos de massa, com alguma reflexão. Muita gente tem comemorado a notícia do fim com escárnio, com uma espécie de “já foi tarde”, mas é bom lembrar que até o fim dos Beatles, num mundo que não havia redes sociais, suscitou essas vozes. Elas sempre existirão, mas é quando se vê por sobre as paixões e os escárnios que a coisa fica mais interessante. O Skank, mesmo pagando um preço alto por isso, evitou que os anos 90 não fossem engolidos pelo império tripartite que se sobrepunha a tudo: axé, pagode e sertanejo.

Imagens da turnê do grupo: fãs de três gerações Foto: Divulgação / Diego Ruahn

Depois de viver a fartura da década mais roqueira desde a Jovem Guarda, com o rock nacional captando o espírito das Diretas Já! e espalhando-se em todas as frentes – Legião, Paralamas, Capital, Plebe Rude, Barão, Titãs, Engenheiros, Ira! e Camisa eram a linha dura; Ultraje, Biquíni Cavadão, Blitz, Kid Abelha, Leo Jaime e João Penca eram os debochados – o pop rock nacional estava em apuros. Dentre as músicas mais tocadas nas emissoras de rádio naquele 1992, quando o Skank chegou com seu primeiro disco, lá estavam Daniela Mercury em terceiro lugar, com O Canto da Cidade; o grupo Raça Negra, com Cigana, em sexto; e Olha Amor, dos sertanejos Gian & Giovani, em décimo. Os únicos grupos de rock dentre as 50 mais tocadas eram Os Paralamas do Sucesso, em 31º, com Sábado, e o Biquíni Cavadão, com Vento Ventania, em 36º. No mais, só música internacional e muito, mas muito axé, pagode e sertanejo.

O Skank, mesmo sem inspirar confiança nos tubarões da indústria por uma histórica falta de know-how dos mineiros com o show bizz – eles não haviam passado nem perto da cena dos anos 80 – soube negociar linguagens para se posicionar entre os gigantes e se conectar com o espírito do tempo – por mais frugal que esse espírito fosse. Ninguém queria mais saber de contestar políticos, embora o presidente prestes a sair pelas portas dos fundos fosse o contestável Fernando Collor de Mello, nem rir do auto deboche impresso pelos praianos do Rio. Aos roqueiros de olho nas FMs, restavam dois caminhos: o primeiro, ensinado pela axé: colocar tudo nas alturas e gritar “tira o pé do chão” do início ao fim. O segundo, que enriquecia o pagode e o sertanejo, falar de paixões da forma mais próxima possível. Sobre a indignação? O próprio Skank reconhecia em seu disco de 1992: “A nossa indignação / É uma mosca sem asas / Não ultrapassa as janelas / De nossas casas”.

Samuel Rosa com a plateia nas mãos Foto: Divulgação / Diego Ruahn

O Skank surge na desidratação do posicionamento político de uma banda de rock e, ao mesmo tempo, na apropriação da euforia musical da axé. Axé e Skank têm avós regueiros, um ponto de conexão de suas linguagens, e vão compartilhar com suas audiências explosões afetivas comandadas por poderosos “tira o pé do chão!” A contrapartida a essa sedução funcional e de fórmulas pop é o rompimento com a linha de possíveis fãs que, antes da invenção da Internet, dependiam do que as gravadoras lhes despejavam. Os mais velhos, que aprenderam a peitar a polícia com os Titãs ou que declamavam versos de Camões com o Legião Urbana podiam sentir alguma náusea cantando “aqui nesse mundinho fechado ela é incrível / Com seu vestidinho preto indefectível / Eu detesto o jeito dela, mas pensando bem / Ela fecha com meus sonhos como ninguém.” A saída foi separar o rock do pop, e criou-se o “pop rock brasileiro”.

Mas o Skank, ao contrário das lanternas da axé, sobreviveu e se reorientou. Depois de quase dez anos colocando pés adolescentes nas alturas ao som de Jackie Tequila, Pacato Cidadão, O Beijo e a Reza, É Uma Partida de Futebol, Garota Nacional, Saideira e Resposta, uma conta pública fala em quase sete milhões de discos vendidos, eles abriram os anos 2000 com o frescor do disco Maquinarama, com Três Lados e Balada do Amor Inabalável, e, dois anos depois, conseguiram evoluir para Cosmotrom. A década já era outra, o rock era reavaliado no mundo por revisionistas declarados como o Oásis, e a banda fez de Dois Rios uma das canções mediadas pelo rock britânico mais belas de seu tempo.

Fãs lotaram os shows pelo país Foto: Diego Ruahn

Até onde se sabe amigos incontestes, Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti terminam a história como começaram. Sem a gene do rock and roll, que inclui a exposição pública de ruídos e estranhamentos internos, não há brigas, não há desacordos, não há processos. Os shows que passaram por São Paulo neste final de semana fizeram duas ou três gerações tirarem os pés do chão e cantarem tudo, a plenos pulmões. Mas, ao acenderem as luzes do Espaço Unimed Hall, enquanto a plateia deixava a casa, era possível sentir que tudo havia sido movido por um mundo imaginário. O Skank é um afeto juvenil, a memória de um tempo higienizado, uma ilha de fantasias. O hoje não lhe cabe mais

O último ato do Skank, com shows lotados pelo Brasil até o próximo dia 26 de março, quando o Estádio do Mineirão será o templo de encerramento definitivo da banda, é algo pra ser visto por fãs de olhos marejados – sim, eles têm suas razões – e, pelos interessados em fenômenos de massa, com alguma reflexão. Muita gente tem comemorado a notícia do fim com escárnio, com uma espécie de “já foi tarde”, mas é bom lembrar que até o fim dos Beatles, num mundo que não havia redes sociais, suscitou essas vozes. Elas sempre existirão, mas é quando se vê por sobre as paixões e os escárnios que a coisa fica mais interessante. O Skank, mesmo pagando um preço alto por isso, evitou que os anos 90 não fossem engolidos pelo império tripartite que se sobrepunha a tudo: axé, pagode e sertanejo.

Imagens da turnê do grupo: fãs de três gerações Foto: Divulgação / Diego Ruahn

Depois de viver a fartura da década mais roqueira desde a Jovem Guarda, com o rock nacional captando o espírito das Diretas Já! e espalhando-se em todas as frentes – Legião, Paralamas, Capital, Plebe Rude, Barão, Titãs, Engenheiros, Ira! e Camisa eram a linha dura; Ultraje, Biquíni Cavadão, Blitz, Kid Abelha, Leo Jaime e João Penca eram os debochados – o pop rock nacional estava em apuros. Dentre as músicas mais tocadas nas emissoras de rádio naquele 1992, quando o Skank chegou com seu primeiro disco, lá estavam Daniela Mercury em terceiro lugar, com O Canto da Cidade; o grupo Raça Negra, com Cigana, em sexto; e Olha Amor, dos sertanejos Gian & Giovani, em décimo. Os únicos grupos de rock dentre as 50 mais tocadas eram Os Paralamas do Sucesso, em 31º, com Sábado, e o Biquíni Cavadão, com Vento Ventania, em 36º. No mais, só música internacional e muito, mas muito axé, pagode e sertanejo.

O Skank, mesmo sem inspirar confiança nos tubarões da indústria por uma histórica falta de know-how dos mineiros com o show bizz – eles não haviam passado nem perto da cena dos anos 80 – soube negociar linguagens para se posicionar entre os gigantes e se conectar com o espírito do tempo – por mais frugal que esse espírito fosse. Ninguém queria mais saber de contestar políticos, embora o presidente prestes a sair pelas portas dos fundos fosse o contestável Fernando Collor de Mello, nem rir do auto deboche impresso pelos praianos do Rio. Aos roqueiros de olho nas FMs, restavam dois caminhos: o primeiro, ensinado pela axé: colocar tudo nas alturas e gritar “tira o pé do chão” do início ao fim. O segundo, que enriquecia o pagode e o sertanejo, falar de paixões da forma mais próxima possível. Sobre a indignação? O próprio Skank reconhecia em seu disco de 1992: “A nossa indignação / É uma mosca sem asas / Não ultrapassa as janelas / De nossas casas”.

Samuel Rosa com a plateia nas mãos Foto: Divulgação / Diego Ruahn

O Skank surge na desidratação do posicionamento político de uma banda de rock e, ao mesmo tempo, na apropriação da euforia musical da axé. Axé e Skank têm avós regueiros, um ponto de conexão de suas linguagens, e vão compartilhar com suas audiências explosões afetivas comandadas por poderosos “tira o pé do chão!” A contrapartida a essa sedução funcional e de fórmulas pop é o rompimento com a linha de possíveis fãs que, antes da invenção da Internet, dependiam do que as gravadoras lhes despejavam. Os mais velhos, que aprenderam a peitar a polícia com os Titãs ou que declamavam versos de Camões com o Legião Urbana podiam sentir alguma náusea cantando “aqui nesse mundinho fechado ela é incrível / Com seu vestidinho preto indefectível / Eu detesto o jeito dela, mas pensando bem / Ela fecha com meus sonhos como ninguém.” A saída foi separar o rock do pop, e criou-se o “pop rock brasileiro”.

Mas o Skank, ao contrário das lanternas da axé, sobreviveu e se reorientou. Depois de quase dez anos colocando pés adolescentes nas alturas ao som de Jackie Tequila, Pacato Cidadão, O Beijo e a Reza, É Uma Partida de Futebol, Garota Nacional, Saideira e Resposta, uma conta pública fala em quase sete milhões de discos vendidos, eles abriram os anos 2000 com o frescor do disco Maquinarama, com Três Lados e Balada do Amor Inabalável, e, dois anos depois, conseguiram evoluir para Cosmotrom. A década já era outra, o rock era reavaliado no mundo por revisionistas declarados como o Oásis, e a banda fez de Dois Rios uma das canções mediadas pelo rock britânico mais belas de seu tempo.

Fãs lotaram os shows pelo país Foto: Diego Ruahn

Até onde se sabe amigos incontestes, Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti terminam a história como começaram. Sem a gene do rock and roll, que inclui a exposição pública de ruídos e estranhamentos internos, não há brigas, não há desacordos, não há processos. Os shows que passaram por São Paulo neste final de semana fizeram duas ou três gerações tirarem os pés do chão e cantarem tudo, a plenos pulmões. Mas, ao acenderem as luzes do Espaço Unimed Hall, enquanto a plateia deixava a casa, era possível sentir que tudo havia sido movido por um mundo imaginário. O Skank é um afeto juvenil, a memória de um tempo higienizado, uma ilha de fantasias. O hoje não lhe cabe mais

O último ato do Skank, com shows lotados pelo Brasil até o próximo dia 26 de março, quando o Estádio do Mineirão será o templo de encerramento definitivo da banda, é algo pra ser visto por fãs de olhos marejados – sim, eles têm suas razões – e, pelos interessados em fenômenos de massa, com alguma reflexão. Muita gente tem comemorado a notícia do fim com escárnio, com uma espécie de “já foi tarde”, mas é bom lembrar que até o fim dos Beatles, num mundo que não havia redes sociais, suscitou essas vozes. Elas sempre existirão, mas é quando se vê por sobre as paixões e os escárnios que a coisa fica mais interessante. O Skank, mesmo pagando um preço alto por isso, evitou que os anos 90 não fossem engolidos pelo império tripartite que se sobrepunha a tudo: axé, pagode e sertanejo.

Imagens da turnê do grupo: fãs de três gerações Foto: Divulgação / Diego Ruahn

Depois de viver a fartura da década mais roqueira desde a Jovem Guarda, com o rock nacional captando o espírito das Diretas Já! e espalhando-se em todas as frentes – Legião, Paralamas, Capital, Plebe Rude, Barão, Titãs, Engenheiros, Ira! e Camisa eram a linha dura; Ultraje, Biquíni Cavadão, Blitz, Kid Abelha, Leo Jaime e João Penca eram os debochados – o pop rock nacional estava em apuros. Dentre as músicas mais tocadas nas emissoras de rádio naquele 1992, quando o Skank chegou com seu primeiro disco, lá estavam Daniela Mercury em terceiro lugar, com O Canto da Cidade; o grupo Raça Negra, com Cigana, em sexto; e Olha Amor, dos sertanejos Gian & Giovani, em décimo. Os únicos grupos de rock dentre as 50 mais tocadas eram Os Paralamas do Sucesso, em 31º, com Sábado, e o Biquíni Cavadão, com Vento Ventania, em 36º. No mais, só música internacional e muito, mas muito axé, pagode e sertanejo.

O Skank, mesmo sem inspirar confiança nos tubarões da indústria por uma histórica falta de know-how dos mineiros com o show bizz – eles não haviam passado nem perto da cena dos anos 80 – soube negociar linguagens para se posicionar entre os gigantes e se conectar com o espírito do tempo – por mais frugal que esse espírito fosse. Ninguém queria mais saber de contestar políticos, embora o presidente prestes a sair pelas portas dos fundos fosse o contestável Fernando Collor de Mello, nem rir do auto deboche impresso pelos praianos do Rio. Aos roqueiros de olho nas FMs, restavam dois caminhos: o primeiro, ensinado pela axé: colocar tudo nas alturas e gritar “tira o pé do chão” do início ao fim. O segundo, que enriquecia o pagode e o sertanejo, falar de paixões da forma mais próxima possível. Sobre a indignação? O próprio Skank reconhecia em seu disco de 1992: “A nossa indignação / É uma mosca sem asas / Não ultrapassa as janelas / De nossas casas”.

Samuel Rosa com a plateia nas mãos Foto: Divulgação / Diego Ruahn

O Skank surge na desidratação do posicionamento político de uma banda de rock e, ao mesmo tempo, na apropriação da euforia musical da axé. Axé e Skank têm avós regueiros, um ponto de conexão de suas linguagens, e vão compartilhar com suas audiências explosões afetivas comandadas por poderosos “tira o pé do chão!” A contrapartida a essa sedução funcional e de fórmulas pop é o rompimento com a linha de possíveis fãs que, antes da invenção da Internet, dependiam do que as gravadoras lhes despejavam. Os mais velhos, que aprenderam a peitar a polícia com os Titãs ou que declamavam versos de Camões com o Legião Urbana podiam sentir alguma náusea cantando “aqui nesse mundinho fechado ela é incrível / Com seu vestidinho preto indefectível / Eu detesto o jeito dela, mas pensando bem / Ela fecha com meus sonhos como ninguém.” A saída foi separar o rock do pop, e criou-se o “pop rock brasileiro”.

Mas o Skank, ao contrário das lanternas da axé, sobreviveu e se reorientou. Depois de quase dez anos colocando pés adolescentes nas alturas ao som de Jackie Tequila, Pacato Cidadão, O Beijo e a Reza, É Uma Partida de Futebol, Garota Nacional, Saideira e Resposta, uma conta pública fala em quase sete milhões de discos vendidos, eles abriram os anos 2000 com o frescor do disco Maquinarama, com Três Lados e Balada do Amor Inabalável, e, dois anos depois, conseguiram evoluir para Cosmotrom. A década já era outra, o rock era reavaliado no mundo por revisionistas declarados como o Oásis, e a banda fez de Dois Rios uma das canções mediadas pelo rock britânico mais belas de seu tempo.

Fãs lotaram os shows pelo país Foto: Diego Ruahn

Até onde se sabe amigos incontestes, Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti terminam a história como começaram. Sem a gene do rock and roll, que inclui a exposição pública de ruídos e estranhamentos internos, não há brigas, não há desacordos, não há processos. Os shows que passaram por São Paulo neste final de semana fizeram duas ou três gerações tirarem os pés do chão e cantarem tudo, a plenos pulmões. Mas, ao acenderem as luzes do Espaço Unimed Hall, enquanto a plateia deixava a casa, era possível sentir que tudo havia sido movido por um mundo imaginário. O Skank é um afeto juvenil, a memória de um tempo higienizado, uma ilha de fantasias. O hoje não lhe cabe mais

O último ato do Skank, com shows lotados pelo Brasil até o próximo dia 26 de março, quando o Estádio do Mineirão será o templo de encerramento definitivo da banda, é algo pra ser visto por fãs de olhos marejados – sim, eles têm suas razões – e, pelos interessados em fenômenos de massa, com alguma reflexão. Muita gente tem comemorado a notícia do fim com escárnio, com uma espécie de “já foi tarde”, mas é bom lembrar que até o fim dos Beatles, num mundo que não havia redes sociais, suscitou essas vozes. Elas sempre existirão, mas é quando se vê por sobre as paixões e os escárnios que a coisa fica mais interessante. O Skank, mesmo pagando um preço alto por isso, evitou que os anos 90 não fossem engolidos pelo império tripartite que se sobrepunha a tudo: axé, pagode e sertanejo.

Imagens da turnê do grupo: fãs de três gerações Foto: Divulgação / Diego Ruahn

Depois de viver a fartura da década mais roqueira desde a Jovem Guarda, com o rock nacional captando o espírito das Diretas Já! e espalhando-se em todas as frentes – Legião, Paralamas, Capital, Plebe Rude, Barão, Titãs, Engenheiros, Ira! e Camisa eram a linha dura; Ultraje, Biquíni Cavadão, Blitz, Kid Abelha, Leo Jaime e João Penca eram os debochados – o pop rock nacional estava em apuros. Dentre as músicas mais tocadas nas emissoras de rádio naquele 1992, quando o Skank chegou com seu primeiro disco, lá estavam Daniela Mercury em terceiro lugar, com O Canto da Cidade; o grupo Raça Negra, com Cigana, em sexto; e Olha Amor, dos sertanejos Gian & Giovani, em décimo. Os únicos grupos de rock dentre as 50 mais tocadas eram Os Paralamas do Sucesso, em 31º, com Sábado, e o Biquíni Cavadão, com Vento Ventania, em 36º. No mais, só música internacional e muito, mas muito axé, pagode e sertanejo.

O Skank, mesmo sem inspirar confiança nos tubarões da indústria por uma histórica falta de know-how dos mineiros com o show bizz – eles não haviam passado nem perto da cena dos anos 80 – soube negociar linguagens para se posicionar entre os gigantes e se conectar com o espírito do tempo – por mais frugal que esse espírito fosse. Ninguém queria mais saber de contestar políticos, embora o presidente prestes a sair pelas portas dos fundos fosse o contestável Fernando Collor de Mello, nem rir do auto deboche impresso pelos praianos do Rio. Aos roqueiros de olho nas FMs, restavam dois caminhos: o primeiro, ensinado pela axé: colocar tudo nas alturas e gritar “tira o pé do chão” do início ao fim. O segundo, que enriquecia o pagode e o sertanejo, falar de paixões da forma mais próxima possível. Sobre a indignação? O próprio Skank reconhecia em seu disco de 1992: “A nossa indignação / É uma mosca sem asas / Não ultrapassa as janelas / De nossas casas”.

Samuel Rosa com a plateia nas mãos Foto: Divulgação / Diego Ruahn

O Skank surge na desidratação do posicionamento político de uma banda de rock e, ao mesmo tempo, na apropriação da euforia musical da axé. Axé e Skank têm avós regueiros, um ponto de conexão de suas linguagens, e vão compartilhar com suas audiências explosões afetivas comandadas por poderosos “tira o pé do chão!” A contrapartida a essa sedução funcional e de fórmulas pop é o rompimento com a linha de possíveis fãs que, antes da invenção da Internet, dependiam do que as gravadoras lhes despejavam. Os mais velhos, que aprenderam a peitar a polícia com os Titãs ou que declamavam versos de Camões com o Legião Urbana podiam sentir alguma náusea cantando “aqui nesse mundinho fechado ela é incrível / Com seu vestidinho preto indefectível / Eu detesto o jeito dela, mas pensando bem / Ela fecha com meus sonhos como ninguém.” A saída foi separar o rock do pop, e criou-se o “pop rock brasileiro”.

Mas o Skank, ao contrário das lanternas da axé, sobreviveu e se reorientou. Depois de quase dez anos colocando pés adolescentes nas alturas ao som de Jackie Tequila, Pacato Cidadão, O Beijo e a Reza, É Uma Partida de Futebol, Garota Nacional, Saideira e Resposta, uma conta pública fala em quase sete milhões de discos vendidos, eles abriram os anos 2000 com o frescor do disco Maquinarama, com Três Lados e Balada do Amor Inabalável, e, dois anos depois, conseguiram evoluir para Cosmotrom. A década já era outra, o rock era reavaliado no mundo por revisionistas declarados como o Oásis, e a banda fez de Dois Rios uma das canções mediadas pelo rock britânico mais belas de seu tempo.

Fãs lotaram os shows pelo país Foto: Diego Ruahn

Até onde se sabe amigos incontestes, Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti terminam a história como começaram. Sem a gene do rock and roll, que inclui a exposição pública de ruídos e estranhamentos internos, não há brigas, não há desacordos, não há processos. Os shows que passaram por São Paulo neste final de semana fizeram duas ou três gerações tirarem os pés do chão e cantarem tudo, a plenos pulmões. Mas, ao acenderem as luzes do Espaço Unimed Hall, enquanto a plateia deixava a casa, era possível sentir que tudo havia sido movido por um mundo imaginário. O Skank é um afeto juvenil, a memória de um tempo higienizado, uma ilha de fantasias. O hoje não lhe cabe mais

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.