Despedidas não são fáceis. Elas representam o fim de uma fase, de uma experiência de vida, de uma convivência com alguém que amamos. Encerrar uma carreira é algo simbólico. No mundo da música, as obras de artistas são eternizadas, não só pela voz e melodia, mas por habitarem nossas memórias afetivas. E quantas músicas pode ter um cantor como Milton Nascimento, que gravou 43 discos em 60 anos de estrada, sendo trilhas sonoras de nossas vidas?
Depois de seis décadas, ele decidiu parar de se apresentar nos palcos. Intitulada ‘A Última Sessão de Música', a turnê passará por países da Europa, como Itália, Inglaterra, Portugal e Suíça, e pelos Estados Unidos a partir de junho. Antes da viagem internacional, no dia 11 do próximo mês, no Rio de Janeiro, haverá uma pré-estreia exclusiva, restrita a amigos, artistas e aqueles que adquirirem o NFT de um desenho que o artista fez quando era menino (mais informações no fim da reportagem).
As apresentações terminarão no Brasil em agosto, com shows no Rio de Janeiro, no Jeunesse Arena, em São Paulo, no Espaço das Américas e em Belo Horizonte, no Estádio Mineirão. “Só vou parar no palco e não vou parar de ‘desencantar’ também. Eu jamais poderia encerrar essa parte da minha vida de tantos anos na estrada sem homenagear aqueles que me acompanham esse tempo todo: os fãs”, disse Milton Nascimento, em entrevista ao Estadão.
Sobre o repertório, ele já adianta que clássicos como Ponta de Areia, Encontros e Despedidas, Travessia, Cio da Terra e Nos Bailes da Vida, não podem faltar. Recluso por três anos em casa por causa da pandemia de covid-19, o cantor sofreu com o distanciamento social e teve tempo para fazer muitas reflexões sobre a vida. Delas, nasceram três canções inéditas, duas que compôs sozinho e outra em parceria. “A gente ficou muito tempo sem falar com ninguém, né? Consegui fazer três canções, uma com Ronaldo Bastos (Sorte no Amor) e outras duas sozinho. Uma delas foi inspirada no pós-pandemia”.
Uma das músicas, inclusive, é em homenagem ao filho, Augusto, que ficou o tempo inteiro ao lado do pai durante a quarentena. Aos 80 anos de idade, o artista é convidado, ao longo da entrevista ao Estadão, a se recordar da primeira vez que subiu ao palco na vida. “Foi em Minas, em uma ruela. Uma coisa que nunca vou esquecer. Eu tinha 13 anos de idade, o Wagner Tiso estava lá. Era um baile profissional. Antes de subir no palco estava bem nervoso. Tinha outros cantores na cidade e eu queria ser o melhor”, lembra.
Mas Bituca cantava desde pequenino, já aos oito anos. E sempre foi encorajado pela mãe. “Ela sempre foi a favor da minha carreira. Até me deu uma sanfoninha quando era criança e depois me deu uma gaita. Na época, a minha madrinha deu um violão pra minha mãe, mas roubei dela (risos)”, brinca. O violão era a paixão de Milton.
referenceDa sanfona e do violão da mãe para os ‘bailes da vida’, a trajetória de Milton Nascimento é repleta de premiações e reconhecimentos: conquistou cinco prêmios Grammy e o título de Doutor Honoris Causa em música pela Universidade de Berklee, em Boston, nos Estados Unidos.
Dos palcos, ele tem a lembrança marcante da apresentação que fez no Maracanãzinho, no show ‘Travessia’, de 1967. “Foi o Festival da Canção, na época da ditadura. Era muito difícil. Na Cinelândia, a polícia fotografava a gente e botava um número em cima de cada foto. Era o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e éramos persona non grata”, conta.
Milton Nascimento relata que ele, Beto Guedes, Lô Borges e um primo compunham músicas em Piratininga. “A gente fazia música o dia inteiro. A gente via os pescadores chegando com a pesca e isso já dava um negócio na vida da gente incrível. Nos inspiramos nas praias, nas cenas do cotidiano, nas árvores. Mas eu gosto mais de me inspirar nas pessoas”, revela.
E, saudoso do público, o artista terá a oportunidade de voltar aos palcos agora, não para dizer adeus, mas um ‘tchau’ aos fãs. “'A Última Sessão de Música’ é a turnê que vai marcar minha despedida dos palcos. Da música, jamais. Tomara que aconteçam muitos abraços e muitos beijos”, afirma. Com direção geral de Augusto Nascimento e musical do maestro Wilson Lopes, a turnê tem o cenário assinado pelos artistas OSGEMEOS e os figurinos usados por Milton são do estilista Ronaldo Fraga.