Taylor Swift se fez na relação com os fãs, mas se ausentou quando mais precisaram dela; leia análise


Cantora não falou em seu show sobre morte de fã, nem se ofereceu para ajudar a família; apesar de não ser responsável pelo ocorrido, o distanciamento de Taylor para preservar sua imagem é justamente o que causa problemas a ela

Por Dora Guerra
Atualização:

Ao longo de sua vida profissional, Taylor Swift se beneficiou incansavelmente da ideia de intimidade. Escreveu músicas sobre sua vida pessoal, seus relacionamentos, problemas de saúde mental, até um suposto aborto. Ela se criou, se moldou e se consolidou a partir do sentimento de que estava trocando cartas com quem a ouvia. E assim, desenvolveu laços estreitos com milhões de fãs em todo o mundo, dando a proposital impressão de que seriam um só.

Não à toa, seu fã clube tem um comportamento tão dedicado: Taylor sempre fez parecer que era amiga de cada um dos fãs que cresceu junto a ela. Por isso eles fazem de tudo pela artista – porque foi construída a noção de que ela faria tudo por eles também.

Taylor Swift Foto: Sarah Yenesel/EFE/EPA
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No show da The Eras Tour, Taylor dedica diversos momentos a eles, aliás. Um ponto famoso é quando, na música 22, ela tira o chapéu – simbólico – para um jovem fã e o presenteia com o acessório. “I love you”, diz ela. Mas “love”, uma palavra que se fez presente em grandes sucessos de Swift, soa contraditório com o sentimento de abandono que surgiu recentemente.

Fã apaixonada por Taylor Swift, Ana Clara Benevides morreu na última sexta-feira, 17, durante um show da artista. Até onde se sabe, a responsabilidade por essa morte não é de Taylor ou de sua equipe.

No próprio dia, a resposta da artista foi rápida – eu, que não estava acordada durante os fatos, recebi tanto a notícia da morte quanto a nota de Taylor ao mesmo tempo.

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“É com o coração devastado que digo que perdemos uma fã esta noite”, escreveu ela. A nota é aparentemente manuscrita – mas ao olhar mais atento, é possível perceber que trata-se de uma fonte criada com a caligrafia de Taylor. Tudo bem, artistas têm equipes e seria ilusório acreditar que esse tipo de comunicado não passou por várias mãos.

“Eu não vou conseguir dizer sobre isso no palco porque me sinto tomada pelo luto até quando tento falar disso”, continua o texto. “Eu sinto essa perda profundamente e meu coração partido vai à sua família e amigos”.

Fã morre após desmaiar na grade antes do primeiro show da 'The Eras Tour' da Taylor Swift começar no Rio. Foto: Reprodução/@taylowswift
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Aí, entra a parte difícil de compreender.

Molly McPherson, profissional de Relações Públicas estadunidense conhecida por fazer análises de declarações de artistas, fez um vídeo sobre a nota de Swift. Para ela, o texto expressa distanciamento: ao publicar um comunicado nos Stories (que dura somente 24h em seu Instagram) e alegar que não faria referência ao ocorrido, a artista não quer ficar marcada pelo fato.

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Não consigo imaginar a dor de saber que uma fã sua, que se mobilizou para te ver, morreu nesse exato contexto. Nem me atrevo a imaginar como é para uma cantora desse porte continuar trabalhando, como se nada tivesse acontecido, cumprindo uma agenda com outros milhares de fãs.

Mas o problema que ficou foi justamente esse: continuar, quase como se nada tivesse acontecido. Porque algo da ordem mais grave aconteceu.

Já se passaram quase quatro dias da morte de Ana Clara. E se a equipe de Swift foi rápida para falar sobre o assunto em inglês, não houve preocupação alguma em procurar os pais da menina de 23 anos.

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A família de Ana confessou, aos prantos, que teria que arcar com o traslado do corpo de sua filha, sem qualquer ajuda da organizadora dos shows ou da equipe da artista. Enquanto essa informação era revelada no Fantástico, Taylor cantava Bigger Than The Whole Sky em seu segundo show no Rio de Janeiro. A faixa, que entrou dentro das já previstas músicas surpresa do show, é conhecida por falar sobre luto.

Fã de Taylor Swift morre após passar mal em show da cantora Foto: Chris Pizzello/Invision/AP/Reprodução/@acbenevidesm

Mas como a própria Taylor havia avisado, não houve menção ao nome de Ana Clara ou ao ocorrido. Não foram mostradas fotos da fã falecida. Nem sequer um genérico, mas simbólico, pedido para que os fãs se cuidassem – pois nada, nem ela mesma, vale arriscar uma vida.

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Não. Da mesma forma que Taylor anuncia novos discos ou conta histórias de sua vida, ela “homenageou” sua fã nas entrelinhas. Foi uma apresentação sentimental, bonita, totalmente restrita ao “quem entendeu, entendeu”.

Mas uma homenagem que não é explícita não significa absolutamente nada. Já a falta de explicitude significa muita coisa.

Significa mesmo porque nada foi feito – nos shows ou fora deles. Nesta segunda-feira, 20, foram fãs de Taylor que organizaram uma vaquinha online e conseguiram financiar os gastos da família para velar Ana Clara. Não houve envolvimento por parte da equipe da artista bilionária.

Não era obrigação dela, é verdade. Mas seria um sinal de humanidade que não a faria culpada – na verdade, ressaltaria que Taylor está do lado certo das coisas. E ironicamente, com a negligência, o que não era responsabilidade dela começa a parecer.

Sejamos honestos aqui: ela pode ter recebido toda a orientação jurídica do mundo. Mas não há quem decida o que Taylor Swift, uma das artistas mais poderosas do mundo, faz com seu próprio dinheiro e imagem. A última decisão é dela.

E a decisão dela foi de não comparecer.

Eu não gosto das músicas de Taylor, mas sempre a acompanhei. Gostava dela em si, sempre com a reticência de não saber onde acaba a pessoa e começa a empresa. Mas é justamente por entender quem ela diz ser – e o tipo de relação que insistiu em firmar com seus fãs ao longo de 17 anos de carreira – que tudo se torna tão decepcionante.

Taylor Swift Foto: MICHAEL TRAN / AFP

Taylor sobrevive graças à ideia, muito bem construída, de que ela se importa. De que, quando necessário, ela enfrenta grandes corporações como o Spotify; artistas robustos, como o Kanye West. Isso quando convém à sua imagem e ganho próprio. Mas nesse momento, quando a questão é humana e envolve a empresa Taylor Swift, ela optou por ficar em silêncio.

Artistas estão lá para fomentar a ilusão de que são o que prometem ser. Para uma cantora que fez bilhões de reais escrevendo sobre as questões mais humanas do mundo, a ilusão se quebrou: porque quando importou, faltou humanidade. Faltou preocupação com quem mais a ama no mundo. E ironicamente, por tanto tentar preservar o nome Taylor Swift, é esse que começa a se esfacelar.

“Nunca conheça os seus ídolos”, dizem as más línguas. Esse é um lado de Taylor Swift que eu não queria conhecer.

Ao longo de sua vida profissional, Taylor Swift se beneficiou incansavelmente da ideia de intimidade. Escreveu músicas sobre sua vida pessoal, seus relacionamentos, problemas de saúde mental, até um suposto aborto. Ela se criou, se moldou e se consolidou a partir do sentimento de que estava trocando cartas com quem a ouvia. E assim, desenvolveu laços estreitos com milhões de fãs em todo o mundo, dando a proposital impressão de que seriam um só.

Não à toa, seu fã clube tem um comportamento tão dedicado: Taylor sempre fez parecer que era amiga de cada um dos fãs que cresceu junto a ela. Por isso eles fazem de tudo pela artista – porque foi construída a noção de que ela faria tudo por eles também.

Taylor Swift Foto: Sarah Yenesel/EFE/EPA

No show da The Eras Tour, Taylor dedica diversos momentos a eles, aliás. Um ponto famoso é quando, na música 22, ela tira o chapéu – simbólico – para um jovem fã e o presenteia com o acessório. “I love you”, diz ela. Mas “love”, uma palavra que se fez presente em grandes sucessos de Swift, soa contraditório com o sentimento de abandono que surgiu recentemente.

Fã apaixonada por Taylor Swift, Ana Clara Benevides morreu na última sexta-feira, 17, durante um show da artista. Até onde se sabe, a responsabilidade por essa morte não é de Taylor ou de sua equipe.

No próprio dia, a resposta da artista foi rápida – eu, que não estava acordada durante os fatos, recebi tanto a notícia da morte quanto a nota de Taylor ao mesmo tempo.

“É com o coração devastado que digo que perdemos uma fã esta noite”, escreveu ela. A nota é aparentemente manuscrita – mas ao olhar mais atento, é possível perceber que trata-se de uma fonte criada com a caligrafia de Taylor. Tudo bem, artistas têm equipes e seria ilusório acreditar que esse tipo de comunicado não passou por várias mãos.

“Eu não vou conseguir dizer sobre isso no palco porque me sinto tomada pelo luto até quando tento falar disso”, continua o texto. “Eu sinto essa perda profundamente e meu coração partido vai à sua família e amigos”.

Fã morre após desmaiar na grade antes do primeiro show da 'The Eras Tour' da Taylor Swift começar no Rio. Foto: Reprodução/@taylowswift

Aí, entra a parte difícil de compreender.

Molly McPherson, profissional de Relações Públicas estadunidense conhecida por fazer análises de declarações de artistas, fez um vídeo sobre a nota de Swift. Para ela, o texto expressa distanciamento: ao publicar um comunicado nos Stories (que dura somente 24h em seu Instagram) e alegar que não faria referência ao ocorrido, a artista não quer ficar marcada pelo fato.

Não consigo imaginar a dor de saber que uma fã sua, que se mobilizou para te ver, morreu nesse exato contexto. Nem me atrevo a imaginar como é para uma cantora desse porte continuar trabalhando, como se nada tivesse acontecido, cumprindo uma agenda com outros milhares de fãs.

Mas o problema que ficou foi justamente esse: continuar, quase como se nada tivesse acontecido. Porque algo da ordem mais grave aconteceu.

Já se passaram quase quatro dias da morte de Ana Clara. E se a equipe de Swift foi rápida para falar sobre o assunto em inglês, não houve preocupação alguma em procurar os pais da menina de 23 anos.

A família de Ana confessou, aos prantos, que teria que arcar com o traslado do corpo de sua filha, sem qualquer ajuda da organizadora dos shows ou da equipe da artista. Enquanto essa informação era revelada no Fantástico, Taylor cantava Bigger Than The Whole Sky em seu segundo show no Rio de Janeiro. A faixa, que entrou dentro das já previstas músicas surpresa do show, é conhecida por falar sobre luto.

Fã de Taylor Swift morre após passar mal em show da cantora Foto: Chris Pizzello/Invision/AP/Reprodução/@acbenevidesm

Mas como a própria Taylor havia avisado, não houve menção ao nome de Ana Clara ou ao ocorrido. Não foram mostradas fotos da fã falecida. Nem sequer um genérico, mas simbólico, pedido para que os fãs se cuidassem – pois nada, nem ela mesma, vale arriscar uma vida.

Não. Da mesma forma que Taylor anuncia novos discos ou conta histórias de sua vida, ela “homenageou” sua fã nas entrelinhas. Foi uma apresentação sentimental, bonita, totalmente restrita ao “quem entendeu, entendeu”.

Mas uma homenagem que não é explícita não significa absolutamente nada. Já a falta de explicitude significa muita coisa.

Significa mesmo porque nada foi feito – nos shows ou fora deles. Nesta segunda-feira, 20, foram fãs de Taylor que organizaram uma vaquinha online e conseguiram financiar os gastos da família para velar Ana Clara. Não houve envolvimento por parte da equipe da artista bilionária.

Não era obrigação dela, é verdade. Mas seria um sinal de humanidade que não a faria culpada – na verdade, ressaltaria que Taylor está do lado certo das coisas. E ironicamente, com a negligência, o que não era responsabilidade dela começa a parecer.

Sejamos honestos aqui: ela pode ter recebido toda a orientação jurídica do mundo. Mas não há quem decida o que Taylor Swift, uma das artistas mais poderosas do mundo, faz com seu próprio dinheiro e imagem. A última decisão é dela.

E a decisão dela foi de não comparecer.

Eu não gosto das músicas de Taylor, mas sempre a acompanhei. Gostava dela em si, sempre com a reticência de não saber onde acaba a pessoa e começa a empresa. Mas é justamente por entender quem ela diz ser – e o tipo de relação que insistiu em firmar com seus fãs ao longo de 17 anos de carreira – que tudo se torna tão decepcionante.

Taylor Swift Foto: MICHAEL TRAN / AFP

Taylor sobrevive graças à ideia, muito bem construída, de que ela se importa. De que, quando necessário, ela enfrenta grandes corporações como o Spotify; artistas robustos, como o Kanye West. Isso quando convém à sua imagem e ganho próprio. Mas nesse momento, quando a questão é humana e envolve a empresa Taylor Swift, ela optou por ficar em silêncio.

Artistas estão lá para fomentar a ilusão de que são o que prometem ser. Para uma cantora que fez bilhões de reais escrevendo sobre as questões mais humanas do mundo, a ilusão se quebrou: porque quando importou, faltou humanidade. Faltou preocupação com quem mais a ama no mundo. E ironicamente, por tanto tentar preservar o nome Taylor Swift, é esse que começa a se esfacelar.

“Nunca conheça os seus ídolos”, dizem as más línguas. Esse é um lado de Taylor Swift que eu não queria conhecer.

Ao longo de sua vida profissional, Taylor Swift se beneficiou incansavelmente da ideia de intimidade. Escreveu músicas sobre sua vida pessoal, seus relacionamentos, problemas de saúde mental, até um suposto aborto. Ela se criou, se moldou e se consolidou a partir do sentimento de que estava trocando cartas com quem a ouvia. E assim, desenvolveu laços estreitos com milhões de fãs em todo o mundo, dando a proposital impressão de que seriam um só.

Não à toa, seu fã clube tem um comportamento tão dedicado: Taylor sempre fez parecer que era amiga de cada um dos fãs que cresceu junto a ela. Por isso eles fazem de tudo pela artista – porque foi construída a noção de que ela faria tudo por eles também.

Taylor Swift Foto: Sarah Yenesel/EFE/EPA

No show da The Eras Tour, Taylor dedica diversos momentos a eles, aliás. Um ponto famoso é quando, na música 22, ela tira o chapéu – simbólico – para um jovem fã e o presenteia com o acessório. “I love you”, diz ela. Mas “love”, uma palavra que se fez presente em grandes sucessos de Swift, soa contraditório com o sentimento de abandono que surgiu recentemente.

Fã apaixonada por Taylor Swift, Ana Clara Benevides morreu na última sexta-feira, 17, durante um show da artista. Até onde se sabe, a responsabilidade por essa morte não é de Taylor ou de sua equipe.

No próprio dia, a resposta da artista foi rápida – eu, que não estava acordada durante os fatos, recebi tanto a notícia da morte quanto a nota de Taylor ao mesmo tempo.

“É com o coração devastado que digo que perdemos uma fã esta noite”, escreveu ela. A nota é aparentemente manuscrita – mas ao olhar mais atento, é possível perceber que trata-se de uma fonte criada com a caligrafia de Taylor. Tudo bem, artistas têm equipes e seria ilusório acreditar que esse tipo de comunicado não passou por várias mãos.

“Eu não vou conseguir dizer sobre isso no palco porque me sinto tomada pelo luto até quando tento falar disso”, continua o texto. “Eu sinto essa perda profundamente e meu coração partido vai à sua família e amigos”.

Fã morre após desmaiar na grade antes do primeiro show da 'The Eras Tour' da Taylor Swift começar no Rio. Foto: Reprodução/@taylowswift

Aí, entra a parte difícil de compreender.

Molly McPherson, profissional de Relações Públicas estadunidense conhecida por fazer análises de declarações de artistas, fez um vídeo sobre a nota de Swift. Para ela, o texto expressa distanciamento: ao publicar um comunicado nos Stories (que dura somente 24h em seu Instagram) e alegar que não faria referência ao ocorrido, a artista não quer ficar marcada pelo fato.

Não consigo imaginar a dor de saber que uma fã sua, que se mobilizou para te ver, morreu nesse exato contexto. Nem me atrevo a imaginar como é para uma cantora desse porte continuar trabalhando, como se nada tivesse acontecido, cumprindo uma agenda com outros milhares de fãs.

Mas o problema que ficou foi justamente esse: continuar, quase como se nada tivesse acontecido. Porque algo da ordem mais grave aconteceu.

Já se passaram quase quatro dias da morte de Ana Clara. E se a equipe de Swift foi rápida para falar sobre o assunto em inglês, não houve preocupação alguma em procurar os pais da menina de 23 anos.

A família de Ana confessou, aos prantos, que teria que arcar com o traslado do corpo de sua filha, sem qualquer ajuda da organizadora dos shows ou da equipe da artista. Enquanto essa informação era revelada no Fantástico, Taylor cantava Bigger Than The Whole Sky em seu segundo show no Rio de Janeiro. A faixa, que entrou dentro das já previstas músicas surpresa do show, é conhecida por falar sobre luto.

Fã de Taylor Swift morre após passar mal em show da cantora Foto: Chris Pizzello/Invision/AP/Reprodução/@acbenevidesm

Mas como a própria Taylor havia avisado, não houve menção ao nome de Ana Clara ou ao ocorrido. Não foram mostradas fotos da fã falecida. Nem sequer um genérico, mas simbólico, pedido para que os fãs se cuidassem – pois nada, nem ela mesma, vale arriscar uma vida.

Não. Da mesma forma que Taylor anuncia novos discos ou conta histórias de sua vida, ela “homenageou” sua fã nas entrelinhas. Foi uma apresentação sentimental, bonita, totalmente restrita ao “quem entendeu, entendeu”.

Mas uma homenagem que não é explícita não significa absolutamente nada. Já a falta de explicitude significa muita coisa.

Significa mesmo porque nada foi feito – nos shows ou fora deles. Nesta segunda-feira, 20, foram fãs de Taylor que organizaram uma vaquinha online e conseguiram financiar os gastos da família para velar Ana Clara. Não houve envolvimento por parte da equipe da artista bilionária.

Não era obrigação dela, é verdade. Mas seria um sinal de humanidade que não a faria culpada – na verdade, ressaltaria que Taylor está do lado certo das coisas. E ironicamente, com a negligência, o que não era responsabilidade dela começa a parecer.

Sejamos honestos aqui: ela pode ter recebido toda a orientação jurídica do mundo. Mas não há quem decida o que Taylor Swift, uma das artistas mais poderosas do mundo, faz com seu próprio dinheiro e imagem. A última decisão é dela.

E a decisão dela foi de não comparecer.

Eu não gosto das músicas de Taylor, mas sempre a acompanhei. Gostava dela em si, sempre com a reticência de não saber onde acaba a pessoa e começa a empresa. Mas é justamente por entender quem ela diz ser – e o tipo de relação que insistiu em firmar com seus fãs ao longo de 17 anos de carreira – que tudo se torna tão decepcionante.

Taylor Swift Foto: MICHAEL TRAN / AFP

Taylor sobrevive graças à ideia, muito bem construída, de que ela se importa. De que, quando necessário, ela enfrenta grandes corporações como o Spotify; artistas robustos, como o Kanye West. Isso quando convém à sua imagem e ganho próprio. Mas nesse momento, quando a questão é humana e envolve a empresa Taylor Swift, ela optou por ficar em silêncio.

Artistas estão lá para fomentar a ilusão de que são o que prometem ser. Para uma cantora que fez bilhões de reais escrevendo sobre as questões mais humanas do mundo, a ilusão se quebrou: porque quando importou, faltou humanidade. Faltou preocupação com quem mais a ama no mundo. E ironicamente, por tanto tentar preservar o nome Taylor Swift, é esse que começa a se esfacelar.

“Nunca conheça os seus ídolos”, dizem as más línguas. Esse é um lado de Taylor Swift que eu não queria conhecer.

Ao longo de sua vida profissional, Taylor Swift se beneficiou incansavelmente da ideia de intimidade. Escreveu músicas sobre sua vida pessoal, seus relacionamentos, problemas de saúde mental, até um suposto aborto. Ela se criou, se moldou e se consolidou a partir do sentimento de que estava trocando cartas com quem a ouvia. E assim, desenvolveu laços estreitos com milhões de fãs em todo o mundo, dando a proposital impressão de que seriam um só.

Não à toa, seu fã clube tem um comportamento tão dedicado: Taylor sempre fez parecer que era amiga de cada um dos fãs que cresceu junto a ela. Por isso eles fazem de tudo pela artista – porque foi construída a noção de que ela faria tudo por eles também.

Taylor Swift Foto: Sarah Yenesel/EFE/EPA

No show da The Eras Tour, Taylor dedica diversos momentos a eles, aliás. Um ponto famoso é quando, na música 22, ela tira o chapéu – simbólico – para um jovem fã e o presenteia com o acessório. “I love you”, diz ela. Mas “love”, uma palavra que se fez presente em grandes sucessos de Swift, soa contraditório com o sentimento de abandono que surgiu recentemente.

Fã apaixonada por Taylor Swift, Ana Clara Benevides morreu na última sexta-feira, 17, durante um show da artista. Até onde se sabe, a responsabilidade por essa morte não é de Taylor ou de sua equipe.

No próprio dia, a resposta da artista foi rápida – eu, que não estava acordada durante os fatos, recebi tanto a notícia da morte quanto a nota de Taylor ao mesmo tempo.

“É com o coração devastado que digo que perdemos uma fã esta noite”, escreveu ela. A nota é aparentemente manuscrita – mas ao olhar mais atento, é possível perceber que trata-se de uma fonte criada com a caligrafia de Taylor. Tudo bem, artistas têm equipes e seria ilusório acreditar que esse tipo de comunicado não passou por várias mãos.

“Eu não vou conseguir dizer sobre isso no palco porque me sinto tomada pelo luto até quando tento falar disso”, continua o texto. “Eu sinto essa perda profundamente e meu coração partido vai à sua família e amigos”.

Fã morre após desmaiar na grade antes do primeiro show da 'The Eras Tour' da Taylor Swift começar no Rio. Foto: Reprodução/@taylowswift

Aí, entra a parte difícil de compreender.

Molly McPherson, profissional de Relações Públicas estadunidense conhecida por fazer análises de declarações de artistas, fez um vídeo sobre a nota de Swift. Para ela, o texto expressa distanciamento: ao publicar um comunicado nos Stories (que dura somente 24h em seu Instagram) e alegar que não faria referência ao ocorrido, a artista não quer ficar marcada pelo fato.

Não consigo imaginar a dor de saber que uma fã sua, que se mobilizou para te ver, morreu nesse exato contexto. Nem me atrevo a imaginar como é para uma cantora desse porte continuar trabalhando, como se nada tivesse acontecido, cumprindo uma agenda com outros milhares de fãs.

Mas o problema que ficou foi justamente esse: continuar, quase como se nada tivesse acontecido. Porque algo da ordem mais grave aconteceu.

Já se passaram quase quatro dias da morte de Ana Clara. E se a equipe de Swift foi rápida para falar sobre o assunto em inglês, não houve preocupação alguma em procurar os pais da menina de 23 anos.

A família de Ana confessou, aos prantos, que teria que arcar com o traslado do corpo de sua filha, sem qualquer ajuda da organizadora dos shows ou da equipe da artista. Enquanto essa informação era revelada no Fantástico, Taylor cantava Bigger Than The Whole Sky em seu segundo show no Rio de Janeiro. A faixa, que entrou dentro das já previstas músicas surpresa do show, é conhecida por falar sobre luto.

Fã de Taylor Swift morre após passar mal em show da cantora Foto: Chris Pizzello/Invision/AP/Reprodução/@acbenevidesm

Mas como a própria Taylor havia avisado, não houve menção ao nome de Ana Clara ou ao ocorrido. Não foram mostradas fotos da fã falecida. Nem sequer um genérico, mas simbólico, pedido para que os fãs se cuidassem – pois nada, nem ela mesma, vale arriscar uma vida.

Não. Da mesma forma que Taylor anuncia novos discos ou conta histórias de sua vida, ela “homenageou” sua fã nas entrelinhas. Foi uma apresentação sentimental, bonita, totalmente restrita ao “quem entendeu, entendeu”.

Mas uma homenagem que não é explícita não significa absolutamente nada. Já a falta de explicitude significa muita coisa.

Significa mesmo porque nada foi feito – nos shows ou fora deles. Nesta segunda-feira, 20, foram fãs de Taylor que organizaram uma vaquinha online e conseguiram financiar os gastos da família para velar Ana Clara. Não houve envolvimento por parte da equipe da artista bilionária.

Não era obrigação dela, é verdade. Mas seria um sinal de humanidade que não a faria culpada – na verdade, ressaltaria que Taylor está do lado certo das coisas. E ironicamente, com a negligência, o que não era responsabilidade dela começa a parecer.

Sejamos honestos aqui: ela pode ter recebido toda a orientação jurídica do mundo. Mas não há quem decida o que Taylor Swift, uma das artistas mais poderosas do mundo, faz com seu próprio dinheiro e imagem. A última decisão é dela.

E a decisão dela foi de não comparecer.

Eu não gosto das músicas de Taylor, mas sempre a acompanhei. Gostava dela em si, sempre com a reticência de não saber onde acaba a pessoa e começa a empresa. Mas é justamente por entender quem ela diz ser – e o tipo de relação que insistiu em firmar com seus fãs ao longo de 17 anos de carreira – que tudo se torna tão decepcionante.

Taylor Swift Foto: MICHAEL TRAN / AFP

Taylor sobrevive graças à ideia, muito bem construída, de que ela se importa. De que, quando necessário, ela enfrenta grandes corporações como o Spotify; artistas robustos, como o Kanye West. Isso quando convém à sua imagem e ganho próprio. Mas nesse momento, quando a questão é humana e envolve a empresa Taylor Swift, ela optou por ficar em silêncio.

Artistas estão lá para fomentar a ilusão de que são o que prometem ser. Para uma cantora que fez bilhões de reais escrevendo sobre as questões mais humanas do mundo, a ilusão se quebrou: porque quando importou, faltou humanidade. Faltou preocupação com quem mais a ama no mundo. E ironicamente, por tanto tentar preservar o nome Taylor Swift, é esse que começa a se esfacelar.

“Nunca conheça os seus ídolos”, dizem as más línguas. Esse é um lado de Taylor Swift que eu não queria conhecer.

Ao longo de sua vida profissional, Taylor Swift se beneficiou incansavelmente da ideia de intimidade. Escreveu músicas sobre sua vida pessoal, seus relacionamentos, problemas de saúde mental, até um suposto aborto. Ela se criou, se moldou e se consolidou a partir do sentimento de que estava trocando cartas com quem a ouvia. E assim, desenvolveu laços estreitos com milhões de fãs em todo o mundo, dando a proposital impressão de que seriam um só.

Não à toa, seu fã clube tem um comportamento tão dedicado: Taylor sempre fez parecer que era amiga de cada um dos fãs que cresceu junto a ela. Por isso eles fazem de tudo pela artista – porque foi construída a noção de que ela faria tudo por eles também.

Taylor Swift Foto: Sarah Yenesel/EFE/EPA

No show da The Eras Tour, Taylor dedica diversos momentos a eles, aliás. Um ponto famoso é quando, na música 22, ela tira o chapéu – simbólico – para um jovem fã e o presenteia com o acessório. “I love you”, diz ela. Mas “love”, uma palavra que se fez presente em grandes sucessos de Swift, soa contraditório com o sentimento de abandono que surgiu recentemente.

Fã apaixonada por Taylor Swift, Ana Clara Benevides morreu na última sexta-feira, 17, durante um show da artista. Até onde se sabe, a responsabilidade por essa morte não é de Taylor ou de sua equipe.

No próprio dia, a resposta da artista foi rápida – eu, que não estava acordada durante os fatos, recebi tanto a notícia da morte quanto a nota de Taylor ao mesmo tempo.

“É com o coração devastado que digo que perdemos uma fã esta noite”, escreveu ela. A nota é aparentemente manuscrita – mas ao olhar mais atento, é possível perceber que trata-se de uma fonte criada com a caligrafia de Taylor. Tudo bem, artistas têm equipes e seria ilusório acreditar que esse tipo de comunicado não passou por várias mãos.

“Eu não vou conseguir dizer sobre isso no palco porque me sinto tomada pelo luto até quando tento falar disso”, continua o texto. “Eu sinto essa perda profundamente e meu coração partido vai à sua família e amigos”.

Fã morre após desmaiar na grade antes do primeiro show da 'The Eras Tour' da Taylor Swift começar no Rio. Foto: Reprodução/@taylowswift

Aí, entra a parte difícil de compreender.

Molly McPherson, profissional de Relações Públicas estadunidense conhecida por fazer análises de declarações de artistas, fez um vídeo sobre a nota de Swift. Para ela, o texto expressa distanciamento: ao publicar um comunicado nos Stories (que dura somente 24h em seu Instagram) e alegar que não faria referência ao ocorrido, a artista não quer ficar marcada pelo fato.

Não consigo imaginar a dor de saber que uma fã sua, que se mobilizou para te ver, morreu nesse exato contexto. Nem me atrevo a imaginar como é para uma cantora desse porte continuar trabalhando, como se nada tivesse acontecido, cumprindo uma agenda com outros milhares de fãs.

Mas o problema que ficou foi justamente esse: continuar, quase como se nada tivesse acontecido. Porque algo da ordem mais grave aconteceu.

Já se passaram quase quatro dias da morte de Ana Clara. E se a equipe de Swift foi rápida para falar sobre o assunto em inglês, não houve preocupação alguma em procurar os pais da menina de 23 anos.

A família de Ana confessou, aos prantos, que teria que arcar com o traslado do corpo de sua filha, sem qualquer ajuda da organizadora dos shows ou da equipe da artista. Enquanto essa informação era revelada no Fantástico, Taylor cantava Bigger Than The Whole Sky em seu segundo show no Rio de Janeiro. A faixa, que entrou dentro das já previstas músicas surpresa do show, é conhecida por falar sobre luto.

Fã de Taylor Swift morre após passar mal em show da cantora Foto: Chris Pizzello/Invision/AP/Reprodução/@acbenevidesm

Mas como a própria Taylor havia avisado, não houve menção ao nome de Ana Clara ou ao ocorrido. Não foram mostradas fotos da fã falecida. Nem sequer um genérico, mas simbólico, pedido para que os fãs se cuidassem – pois nada, nem ela mesma, vale arriscar uma vida.

Não. Da mesma forma que Taylor anuncia novos discos ou conta histórias de sua vida, ela “homenageou” sua fã nas entrelinhas. Foi uma apresentação sentimental, bonita, totalmente restrita ao “quem entendeu, entendeu”.

Mas uma homenagem que não é explícita não significa absolutamente nada. Já a falta de explicitude significa muita coisa.

Significa mesmo porque nada foi feito – nos shows ou fora deles. Nesta segunda-feira, 20, foram fãs de Taylor que organizaram uma vaquinha online e conseguiram financiar os gastos da família para velar Ana Clara. Não houve envolvimento por parte da equipe da artista bilionária.

Não era obrigação dela, é verdade. Mas seria um sinal de humanidade que não a faria culpada – na verdade, ressaltaria que Taylor está do lado certo das coisas. E ironicamente, com a negligência, o que não era responsabilidade dela começa a parecer.

Sejamos honestos aqui: ela pode ter recebido toda a orientação jurídica do mundo. Mas não há quem decida o que Taylor Swift, uma das artistas mais poderosas do mundo, faz com seu próprio dinheiro e imagem. A última decisão é dela.

E a decisão dela foi de não comparecer.

Eu não gosto das músicas de Taylor, mas sempre a acompanhei. Gostava dela em si, sempre com a reticência de não saber onde acaba a pessoa e começa a empresa. Mas é justamente por entender quem ela diz ser – e o tipo de relação que insistiu em firmar com seus fãs ao longo de 17 anos de carreira – que tudo se torna tão decepcionante.

Taylor Swift Foto: MICHAEL TRAN / AFP

Taylor sobrevive graças à ideia, muito bem construída, de que ela se importa. De que, quando necessário, ela enfrenta grandes corporações como o Spotify; artistas robustos, como o Kanye West. Isso quando convém à sua imagem e ganho próprio. Mas nesse momento, quando a questão é humana e envolve a empresa Taylor Swift, ela optou por ficar em silêncio.

Artistas estão lá para fomentar a ilusão de que são o que prometem ser. Para uma cantora que fez bilhões de reais escrevendo sobre as questões mais humanas do mundo, a ilusão se quebrou: porque quando importou, faltou humanidade. Faltou preocupação com quem mais a ama no mundo. E ironicamente, por tanto tentar preservar o nome Taylor Swift, é esse que começa a se esfacelar.

“Nunca conheça os seus ídolos”, dizem as más línguas. Esse é um lado de Taylor Swift que eu não queria conhecer.

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