Análise: Tim Maia foi uma ilha no país que sucateou a voz na música pop


Cantor que faria 80 anos nesta quarta buscou a excelência das bases do canto norte-americano, driblando a normalização das limitações trazidas pela Bossa Nova

Por Julio Maria
Atualização:

Ele nunca foi visto por aquilo que realmente deixou em seus 55 anos de vida vividos quase todos sobre mais de 100 quilos de massa corporal. Por termos de torná-lo pop e comprá-lo em livros, filmes e documentários, passamos Tim Maia pelo filtro do anedotário e o tomamos quente e saboroso como um cappuccino. Parte da culpa desse insondável reducionismo é dele mesmo. Tim adorava contar as histórias que nos faziam rir. Ele era Sebastião Maia, tijucano, o Tião Marmiteiro, que entregava marmitas feitas pela família quando não as comia no caminho. Ensinou Roberto Carlos a tocar violão; viveu nos Estados Unidos até ser preso e deportado por porte de maconha; roubou as cadeiras de um bar; foi preso de novo; apanhou da polícia até perder os sentidos; fez parte da seita Universo em Desencanto; obrigou seus músicos a largar maconha, cocaína e álcool; sexo, só se fosse para procriação; se desencantou do Universo em Desencanto e mandou seu guru e tudo isso às favas; pediu ajuda a Roberto Carlos e não teve; morreu de infecção generalizada em 1998, aos 140 quilos.

Tim em 1970 Foto: Acervo Estadão

Esse é o Tim Maia irresistível pela própria natureza. Quem não o quer assim em um filme? Quem não o quer assim em uma biografia? Cantor de Azul da Cor do Mar, Do Leme ao Pontal, Gostava Tanto de Você e Não Quero Dinheiro, para ficar nas mais acessadas pelo Spotify, Tim também é mais que isso, superior ao ponto em que ele mesmo se via. Ao falar de sua pessoa é preciso falar de voz na música brasileira, por mais incômodo que isso possa soar ao entorno. Assim como Elis foi a maior voz feminina de seu tempo, Tim foi a maior voz masculina, e pelos mesmos motivos – recursos técnicos e de como os dois os usavam quando acionavam seus vulcões. Assim, rir de Tim, assim como rir de Elis e chamá-la de cafona no início de sua carreira, funcionou também como uma espécie de proteção de classe num país que já havia feito sua opção pela escola vocal que queria seguir.

continua após a publicidade

Generosa aos compositores, a bossa nova do final dos anos 50, o portal para a modernidade da música popular dos LPs e da pós Era do Rádio, enquadrou os antes efusivos instrumentistas e potentes cantores em campos mais delimitados. Pouca emissão, nada de improviso, quase nenhum recurso, extensões curtas e possíveis desafinações. Tudo válido, desde que a serviço de uma composição sublime. De repente, cantar não era mais um ato reservado aos agraciados por grandes vozes, mas um gesto natural possível até aos desafinados que tinham um coração. A bossa, que circunscreve e embranquece o canto brasileiro, é um ponto importante não apenas por aquilo que foi nessa meia década inicial dos anos 60, mas pelo grau de ruptura comportamental que vai provocar com relação às bases do canto pop norte-americano.

Por não terem experimentado nada comparável à bossa nova, todas as revoluções musicais dos norte-americanos se deram à luz dos instrumentos, não da voz. O blues, o soul, o jazz, o rock, o funk, o rap, o R&B e seus filhotes – as reformas foram feitas nas bases instrumentais e sob o manto de um mesmo canto que, em essência, não muda desde as blue notes de Robert Johnson e os campos de algodão do século 19. Assim, sem um ponto em sua história que validasse uma voz de amplitude menor, a música pop norte-americana pode admitir qualquer coisa, mas não admite farsas vocais. Ao contrário do pop brasileiro, ela, a farsa, não foi normalizada por lá nem nos artistas de massa.

Tim Maia vai buscar seu canto no pensamento negro norte-americano e consegue a façanha de transcrevê-lo para o português sem deixá-lo caricato. É um instante raro num país em que o canto masculino vinha sendo linearizado desde que os compositores de vozes instintivas excepcionais mas nada técnicas, como Gil, Caetano, Milton e Chico, passaram a gravar suas próprias músicas em vez de procurar intérpretes para elas. Tim é um assombro já no primeiro disco, lançado em 1970. Coroné Antonio Bento tem o drive (uma distorção típica dos roqueiros) e o vibrato negros já nos primeiros versos. Cristina traz uma mudança de marcha excepcional quando ele diz o “vou ver Cristina” pela segunda vez, jogando a voz de peito para um quase falsete, um mix voice que os cantores de blues amam. Jurema, em inglês, escancara toda a soul music que Tim queria para si, com um recurso agudo de James Brown depois do refrão. E foi só o começo. Ao reduzirmos Tim Maia a uma história cheia de passagens engraçadas, reduzimos também seu alcance. Hoje, quando faria 80 anos, ele ainda é uma ilha num país que poderia tê-lo como escola.

Ele nunca foi visto por aquilo que realmente deixou em seus 55 anos de vida vividos quase todos sobre mais de 100 quilos de massa corporal. Por termos de torná-lo pop e comprá-lo em livros, filmes e documentários, passamos Tim Maia pelo filtro do anedotário e o tomamos quente e saboroso como um cappuccino. Parte da culpa desse insondável reducionismo é dele mesmo. Tim adorava contar as histórias que nos faziam rir. Ele era Sebastião Maia, tijucano, o Tião Marmiteiro, que entregava marmitas feitas pela família quando não as comia no caminho. Ensinou Roberto Carlos a tocar violão; viveu nos Estados Unidos até ser preso e deportado por porte de maconha; roubou as cadeiras de um bar; foi preso de novo; apanhou da polícia até perder os sentidos; fez parte da seita Universo em Desencanto; obrigou seus músicos a largar maconha, cocaína e álcool; sexo, só se fosse para procriação; se desencantou do Universo em Desencanto e mandou seu guru e tudo isso às favas; pediu ajuda a Roberto Carlos e não teve; morreu de infecção generalizada em 1998, aos 140 quilos.

Tim em 1970 Foto: Acervo Estadão

Esse é o Tim Maia irresistível pela própria natureza. Quem não o quer assim em um filme? Quem não o quer assim em uma biografia? Cantor de Azul da Cor do Mar, Do Leme ao Pontal, Gostava Tanto de Você e Não Quero Dinheiro, para ficar nas mais acessadas pelo Spotify, Tim também é mais que isso, superior ao ponto em que ele mesmo se via. Ao falar de sua pessoa é preciso falar de voz na música brasileira, por mais incômodo que isso possa soar ao entorno. Assim como Elis foi a maior voz feminina de seu tempo, Tim foi a maior voz masculina, e pelos mesmos motivos – recursos técnicos e de como os dois os usavam quando acionavam seus vulcões. Assim, rir de Tim, assim como rir de Elis e chamá-la de cafona no início de sua carreira, funcionou também como uma espécie de proteção de classe num país que já havia feito sua opção pela escola vocal que queria seguir.

Generosa aos compositores, a bossa nova do final dos anos 50, o portal para a modernidade da música popular dos LPs e da pós Era do Rádio, enquadrou os antes efusivos instrumentistas e potentes cantores em campos mais delimitados. Pouca emissão, nada de improviso, quase nenhum recurso, extensões curtas e possíveis desafinações. Tudo válido, desde que a serviço de uma composição sublime. De repente, cantar não era mais um ato reservado aos agraciados por grandes vozes, mas um gesto natural possível até aos desafinados que tinham um coração. A bossa, que circunscreve e embranquece o canto brasileiro, é um ponto importante não apenas por aquilo que foi nessa meia década inicial dos anos 60, mas pelo grau de ruptura comportamental que vai provocar com relação às bases do canto pop norte-americano.

Por não terem experimentado nada comparável à bossa nova, todas as revoluções musicais dos norte-americanos se deram à luz dos instrumentos, não da voz. O blues, o soul, o jazz, o rock, o funk, o rap, o R&B e seus filhotes – as reformas foram feitas nas bases instrumentais e sob o manto de um mesmo canto que, em essência, não muda desde as blue notes de Robert Johnson e os campos de algodão do século 19. Assim, sem um ponto em sua história que validasse uma voz de amplitude menor, a música pop norte-americana pode admitir qualquer coisa, mas não admite farsas vocais. Ao contrário do pop brasileiro, ela, a farsa, não foi normalizada por lá nem nos artistas de massa.

Tim Maia vai buscar seu canto no pensamento negro norte-americano e consegue a façanha de transcrevê-lo para o português sem deixá-lo caricato. É um instante raro num país em que o canto masculino vinha sendo linearizado desde que os compositores de vozes instintivas excepcionais mas nada técnicas, como Gil, Caetano, Milton e Chico, passaram a gravar suas próprias músicas em vez de procurar intérpretes para elas. Tim é um assombro já no primeiro disco, lançado em 1970. Coroné Antonio Bento tem o drive (uma distorção típica dos roqueiros) e o vibrato negros já nos primeiros versos. Cristina traz uma mudança de marcha excepcional quando ele diz o “vou ver Cristina” pela segunda vez, jogando a voz de peito para um quase falsete, um mix voice que os cantores de blues amam. Jurema, em inglês, escancara toda a soul music que Tim queria para si, com um recurso agudo de James Brown depois do refrão. E foi só o começo. Ao reduzirmos Tim Maia a uma história cheia de passagens engraçadas, reduzimos também seu alcance. Hoje, quando faria 80 anos, ele ainda é uma ilha num país que poderia tê-lo como escola.

Ele nunca foi visto por aquilo que realmente deixou em seus 55 anos de vida vividos quase todos sobre mais de 100 quilos de massa corporal. Por termos de torná-lo pop e comprá-lo em livros, filmes e documentários, passamos Tim Maia pelo filtro do anedotário e o tomamos quente e saboroso como um cappuccino. Parte da culpa desse insondável reducionismo é dele mesmo. Tim adorava contar as histórias que nos faziam rir. Ele era Sebastião Maia, tijucano, o Tião Marmiteiro, que entregava marmitas feitas pela família quando não as comia no caminho. Ensinou Roberto Carlos a tocar violão; viveu nos Estados Unidos até ser preso e deportado por porte de maconha; roubou as cadeiras de um bar; foi preso de novo; apanhou da polícia até perder os sentidos; fez parte da seita Universo em Desencanto; obrigou seus músicos a largar maconha, cocaína e álcool; sexo, só se fosse para procriação; se desencantou do Universo em Desencanto e mandou seu guru e tudo isso às favas; pediu ajuda a Roberto Carlos e não teve; morreu de infecção generalizada em 1998, aos 140 quilos.

Tim em 1970 Foto: Acervo Estadão

Esse é o Tim Maia irresistível pela própria natureza. Quem não o quer assim em um filme? Quem não o quer assim em uma biografia? Cantor de Azul da Cor do Mar, Do Leme ao Pontal, Gostava Tanto de Você e Não Quero Dinheiro, para ficar nas mais acessadas pelo Spotify, Tim também é mais que isso, superior ao ponto em que ele mesmo se via. Ao falar de sua pessoa é preciso falar de voz na música brasileira, por mais incômodo que isso possa soar ao entorno. Assim como Elis foi a maior voz feminina de seu tempo, Tim foi a maior voz masculina, e pelos mesmos motivos – recursos técnicos e de como os dois os usavam quando acionavam seus vulcões. Assim, rir de Tim, assim como rir de Elis e chamá-la de cafona no início de sua carreira, funcionou também como uma espécie de proteção de classe num país que já havia feito sua opção pela escola vocal que queria seguir.

Generosa aos compositores, a bossa nova do final dos anos 50, o portal para a modernidade da música popular dos LPs e da pós Era do Rádio, enquadrou os antes efusivos instrumentistas e potentes cantores em campos mais delimitados. Pouca emissão, nada de improviso, quase nenhum recurso, extensões curtas e possíveis desafinações. Tudo válido, desde que a serviço de uma composição sublime. De repente, cantar não era mais um ato reservado aos agraciados por grandes vozes, mas um gesto natural possível até aos desafinados que tinham um coração. A bossa, que circunscreve e embranquece o canto brasileiro, é um ponto importante não apenas por aquilo que foi nessa meia década inicial dos anos 60, mas pelo grau de ruptura comportamental que vai provocar com relação às bases do canto pop norte-americano.

Por não terem experimentado nada comparável à bossa nova, todas as revoluções musicais dos norte-americanos se deram à luz dos instrumentos, não da voz. O blues, o soul, o jazz, o rock, o funk, o rap, o R&B e seus filhotes – as reformas foram feitas nas bases instrumentais e sob o manto de um mesmo canto que, em essência, não muda desde as blue notes de Robert Johnson e os campos de algodão do século 19. Assim, sem um ponto em sua história que validasse uma voz de amplitude menor, a música pop norte-americana pode admitir qualquer coisa, mas não admite farsas vocais. Ao contrário do pop brasileiro, ela, a farsa, não foi normalizada por lá nem nos artistas de massa.

Tim Maia vai buscar seu canto no pensamento negro norte-americano e consegue a façanha de transcrevê-lo para o português sem deixá-lo caricato. É um instante raro num país em que o canto masculino vinha sendo linearizado desde que os compositores de vozes instintivas excepcionais mas nada técnicas, como Gil, Caetano, Milton e Chico, passaram a gravar suas próprias músicas em vez de procurar intérpretes para elas. Tim é um assombro já no primeiro disco, lançado em 1970. Coroné Antonio Bento tem o drive (uma distorção típica dos roqueiros) e o vibrato negros já nos primeiros versos. Cristina traz uma mudança de marcha excepcional quando ele diz o “vou ver Cristina” pela segunda vez, jogando a voz de peito para um quase falsete, um mix voice que os cantores de blues amam. Jurema, em inglês, escancara toda a soul music que Tim queria para si, com um recurso agudo de James Brown depois do refrão. E foi só o começo. Ao reduzirmos Tim Maia a uma história cheia de passagens engraçadas, reduzimos também seu alcance. Hoje, quando faria 80 anos, ele ainda é uma ilha num país que poderia tê-lo como escola.

Ele nunca foi visto por aquilo que realmente deixou em seus 55 anos de vida vividos quase todos sobre mais de 100 quilos de massa corporal. Por termos de torná-lo pop e comprá-lo em livros, filmes e documentários, passamos Tim Maia pelo filtro do anedotário e o tomamos quente e saboroso como um cappuccino. Parte da culpa desse insondável reducionismo é dele mesmo. Tim adorava contar as histórias que nos faziam rir. Ele era Sebastião Maia, tijucano, o Tião Marmiteiro, que entregava marmitas feitas pela família quando não as comia no caminho. Ensinou Roberto Carlos a tocar violão; viveu nos Estados Unidos até ser preso e deportado por porte de maconha; roubou as cadeiras de um bar; foi preso de novo; apanhou da polícia até perder os sentidos; fez parte da seita Universo em Desencanto; obrigou seus músicos a largar maconha, cocaína e álcool; sexo, só se fosse para procriação; se desencantou do Universo em Desencanto e mandou seu guru e tudo isso às favas; pediu ajuda a Roberto Carlos e não teve; morreu de infecção generalizada em 1998, aos 140 quilos.

Tim em 1970 Foto: Acervo Estadão

Esse é o Tim Maia irresistível pela própria natureza. Quem não o quer assim em um filme? Quem não o quer assim em uma biografia? Cantor de Azul da Cor do Mar, Do Leme ao Pontal, Gostava Tanto de Você e Não Quero Dinheiro, para ficar nas mais acessadas pelo Spotify, Tim também é mais que isso, superior ao ponto em que ele mesmo se via. Ao falar de sua pessoa é preciso falar de voz na música brasileira, por mais incômodo que isso possa soar ao entorno. Assim como Elis foi a maior voz feminina de seu tempo, Tim foi a maior voz masculina, e pelos mesmos motivos – recursos técnicos e de como os dois os usavam quando acionavam seus vulcões. Assim, rir de Tim, assim como rir de Elis e chamá-la de cafona no início de sua carreira, funcionou também como uma espécie de proteção de classe num país que já havia feito sua opção pela escola vocal que queria seguir.

Generosa aos compositores, a bossa nova do final dos anos 50, o portal para a modernidade da música popular dos LPs e da pós Era do Rádio, enquadrou os antes efusivos instrumentistas e potentes cantores em campos mais delimitados. Pouca emissão, nada de improviso, quase nenhum recurso, extensões curtas e possíveis desafinações. Tudo válido, desde que a serviço de uma composição sublime. De repente, cantar não era mais um ato reservado aos agraciados por grandes vozes, mas um gesto natural possível até aos desafinados que tinham um coração. A bossa, que circunscreve e embranquece o canto brasileiro, é um ponto importante não apenas por aquilo que foi nessa meia década inicial dos anos 60, mas pelo grau de ruptura comportamental que vai provocar com relação às bases do canto pop norte-americano.

Por não terem experimentado nada comparável à bossa nova, todas as revoluções musicais dos norte-americanos se deram à luz dos instrumentos, não da voz. O blues, o soul, o jazz, o rock, o funk, o rap, o R&B e seus filhotes – as reformas foram feitas nas bases instrumentais e sob o manto de um mesmo canto que, em essência, não muda desde as blue notes de Robert Johnson e os campos de algodão do século 19. Assim, sem um ponto em sua história que validasse uma voz de amplitude menor, a música pop norte-americana pode admitir qualquer coisa, mas não admite farsas vocais. Ao contrário do pop brasileiro, ela, a farsa, não foi normalizada por lá nem nos artistas de massa.

Tim Maia vai buscar seu canto no pensamento negro norte-americano e consegue a façanha de transcrevê-lo para o português sem deixá-lo caricato. É um instante raro num país em que o canto masculino vinha sendo linearizado desde que os compositores de vozes instintivas excepcionais mas nada técnicas, como Gil, Caetano, Milton e Chico, passaram a gravar suas próprias músicas em vez de procurar intérpretes para elas. Tim é um assombro já no primeiro disco, lançado em 1970. Coroné Antonio Bento tem o drive (uma distorção típica dos roqueiros) e o vibrato negros já nos primeiros versos. Cristina traz uma mudança de marcha excepcional quando ele diz o “vou ver Cristina” pela segunda vez, jogando a voz de peito para um quase falsete, um mix voice que os cantores de blues amam. Jurema, em inglês, escancara toda a soul music que Tim queria para si, com um recurso agudo de James Brown depois do refrão. E foi só o começo. Ao reduzirmos Tim Maia a uma história cheia de passagens engraçadas, reduzimos também seu alcance. Hoje, quando faria 80 anos, ele ainda é uma ilha num país que poderia tê-lo como escola.

Ele nunca foi visto por aquilo que realmente deixou em seus 55 anos de vida vividos quase todos sobre mais de 100 quilos de massa corporal. Por termos de torná-lo pop e comprá-lo em livros, filmes e documentários, passamos Tim Maia pelo filtro do anedotário e o tomamos quente e saboroso como um cappuccino. Parte da culpa desse insondável reducionismo é dele mesmo. Tim adorava contar as histórias que nos faziam rir. Ele era Sebastião Maia, tijucano, o Tião Marmiteiro, que entregava marmitas feitas pela família quando não as comia no caminho. Ensinou Roberto Carlos a tocar violão; viveu nos Estados Unidos até ser preso e deportado por porte de maconha; roubou as cadeiras de um bar; foi preso de novo; apanhou da polícia até perder os sentidos; fez parte da seita Universo em Desencanto; obrigou seus músicos a largar maconha, cocaína e álcool; sexo, só se fosse para procriação; se desencantou do Universo em Desencanto e mandou seu guru e tudo isso às favas; pediu ajuda a Roberto Carlos e não teve; morreu de infecção generalizada em 1998, aos 140 quilos.

Tim em 1970 Foto: Acervo Estadão

Esse é o Tim Maia irresistível pela própria natureza. Quem não o quer assim em um filme? Quem não o quer assim em uma biografia? Cantor de Azul da Cor do Mar, Do Leme ao Pontal, Gostava Tanto de Você e Não Quero Dinheiro, para ficar nas mais acessadas pelo Spotify, Tim também é mais que isso, superior ao ponto em que ele mesmo se via. Ao falar de sua pessoa é preciso falar de voz na música brasileira, por mais incômodo que isso possa soar ao entorno. Assim como Elis foi a maior voz feminina de seu tempo, Tim foi a maior voz masculina, e pelos mesmos motivos – recursos técnicos e de como os dois os usavam quando acionavam seus vulcões. Assim, rir de Tim, assim como rir de Elis e chamá-la de cafona no início de sua carreira, funcionou também como uma espécie de proteção de classe num país que já havia feito sua opção pela escola vocal que queria seguir.

Generosa aos compositores, a bossa nova do final dos anos 50, o portal para a modernidade da música popular dos LPs e da pós Era do Rádio, enquadrou os antes efusivos instrumentistas e potentes cantores em campos mais delimitados. Pouca emissão, nada de improviso, quase nenhum recurso, extensões curtas e possíveis desafinações. Tudo válido, desde que a serviço de uma composição sublime. De repente, cantar não era mais um ato reservado aos agraciados por grandes vozes, mas um gesto natural possível até aos desafinados que tinham um coração. A bossa, que circunscreve e embranquece o canto brasileiro, é um ponto importante não apenas por aquilo que foi nessa meia década inicial dos anos 60, mas pelo grau de ruptura comportamental que vai provocar com relação às bases do canto pop norte-americano.

Por não terem experimentado nada comparável à bossa nova, todas as revoluções musicais dos norte-americanos se deram à luz dos instrumentos, não da voz. O blues, o soul, o jazz, o rock, o funk, o rap, o R&B e seus filhotes – as reformas foram feitas nas bases instrumentais e sob o manto de um mesmo canto que, em essência, não muda desde as blue notes de Robert Johnson e os campos de algodão do século 19. Assim, sem um ponto em sua história que validasse uma voz de amplitude menor, a música pop norte-americana pode admitir qualquer coisa, mas não admite farsas vocais. Ao contrário do pop brasileiro, ela, a farsa, não foi normalizada por lá nem nos artistas de massa.

Tim Maia vai buscar seu canto no pensamento negro norte-americano e consegue a façanha de transcrevê-lo para o português sem deixá-lo caricato. É um instante raro num país em que o canto masculino vinha sendo linearizado desde que os compositores de vozes instintivas excepcionais mas nada técnicas, como Gil, Caetano, Milton e Chico, passaram a gravar suas próprias músicas em vez de procurar intérpretes para elas. Tim é um assombro já no primeiro disco, lançado em 1970. Coroné Antonio Bento tem o drive (uma distorção típica dos roqueiros) e o vibrato negros já nos primeiros versos. Cristina traz uma mudança de marcha excepcional quando ele diz o “vou ver Cristina” pela segunda vez, jogando a voz de peito para um quase falsete, um mix voice que os cantores de blues amam. Jurema, em inglês, escancara toda a soul music que Tim queria para si, com um recurso agudo de James Brown depois do refrão. E foi só o começo. Ao reduzirmos Tim Maia a uma história cheia de passagens engraçadas, reduzimos também seu alcance. Hoje, quando faria 80 anos, ele ainda é uma ilha num país que poderia tê-lo como escola.

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.