Trap: Como variação do rap ganha cara brasileira e vira febre que disputa paradas com sertanejos


Estilo nasceu no sul dos EUA com batidas graves e letras sobre ostentação e superação. Ele foi incorporado ao pop global, ganhou tempero brasileiro e cria ídolos como os paulistas Kayblack e Veigh, que chegaram ao topo do Spotify no mundo

Por Bárbara Correa
Atualização:

Thiago Veigh, cantor de 22 anos, criado na Cohab 1, na periferia de Itapevi, São Paulo, teve o álbum de estreia mais ouvido no mundo no Spotify no dia 21 de maio. Nenhum artista pop brasileiro, seja Anitta ou Gusttavo Lima, conseguiu antes 6,5 milhões de plays no serviço de streaming em um álbum no dia do lançamento.

Dos prédios Deluxe, segundo álbum de Veigh, também teve todas as faixas entre as 50 mais ouvidas no Brasil no Spotify, serviço de música mais popular por aqui. Ele não é o único fenômeno brasileiro do trap, variação do rap surgida no sul dos EUA, que há uma década se infiltra no pop global.

Nos últimos dias, entre as cinco músicas mais ouvidas no Brasil no Spotify, duas são de sertanejo, o estilo que tradicionalmente domina os rankings. Seu maior concorrente agora é o trap. As outras três faixas no top 5 hoje são de novos ídolos deste estilo. O som urbano bateu o som do agro - um feito e tanto para o mercado do país em 2023.

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Cartão Black, faixa dos irmãos Kayblack e Mc Caveirinha, também paulistanos, é a música mais ouvida no país atualmente. Kaíque Menezes, o Kayblack, 23 anos, lançou o primeiro EP, Contradições, e se tornou o segundo artista mais ouvido do país em menos de 48 horas. Todas as 7 faixas do projeto figuram no top 100 do Spotify Brasil.

Kayblack Foto: Fernandezz / GR6 / Divulgação

Por trás da numeralha impressionante estão batidas graves e arrastadas, um prato corrido agudo e letras hedonistas, sobre diversão e conquistas financeiras e sexuais, que refletem o desejo de festa e de ascensão social de milhões de jovens pelo mundo.

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Conheça 10 músicas para entender o fenômeno do trap no Brasil

O festival The Town, maior evento musical do segundo semestre em São Paulo, escalou quase todos os novos ídolos brasileiros de trap. Conclusão: mesmo quem não escuta as músicas não tem fuga: vai ouvir falar do trap e seus novos ídolos.

Essa mudança é perceptível no mercado musical brasileiro desde 2020, segundo Rodrigo Azevedo, editor de música no Spotify no Brasil.

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O trapper cearense Matuê teve, na semana de 11 a 18 de maio, oito músicas entre as 200 mais tocadas do país, sendo Conexões de Mafia, seu lançamento mais recente, o segundo lugar na parada.

MC Cabelinho, funkeiro que estreou no trap no fim do ano passado, conta com 10 faixas na parada. Como se não bastasse, virou estrela de novelas da TV Globo, no ar em Vai na Fé.

Rodrigo explica que o ritmo cresce há alguns anos, mas “sua presença tem se tornado cada vez maior devido ao crescimento do interesse do público mais jovem, aliado ao amadurecimento da identidade brasileira do trap, aumento de produção e colaboração entre artistas de trap e funk”.

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Além disso, o comportamento do consumo do público desse gênero, majoritariamente jovem, é diferente. Rodrigo Oliveira e Igor de Carvalho, fundador e diretor da GR6, maior produtora de funk e músicas urbanas do país, explicam o porquê.

Trap como estilo de vida, colado ao funk

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Rodrigo e Igor alegam que esse movimento do trap já aconteceu há mais tempo com o funk, mas, com a onipresença das redes sociais e sua influência no consumo, “hoje, tudo é 10 vezes mais viral”.

O que Rodrigo cita como viral Igor descreve como lifestyle (estilo de vida, em português). “As pessoas mais novas estão ansiosas por comprar lifestyle. Elas querem ser alguém e, por isso, se espelham em quem está mais próximo, falando coisas que elas vivem.”

“Isso é o que acontece nos dois gêneros. O trap fala a mesma coisa que o funk, mas com uma sonoridade diferente, que, talvez, as pessoas estejam aceitando mais”, reflete Igor. As correntes douradas e papos sobre festas e ostentação do trap são os espelhos para os fãs.

O empresário acrescenta: “Acho que o trap está crescendo e ocupando posições que eram do sertanejo, por exemplo, porque quem mais consome são os jovens e onde eles estão? Na internet, nos streamings, no TikTok etc”.

O rapper Matuê no Palco Sunset do Rock In Rio 2022 em 4 de setembro de 2022 Foto: Mauro Pimentel/AFP

Rodrigo ainda descreve esse público como “uma tribo”, porque o consumo não se restringe às músicas. “No trap, a gente viu que os fãs são muito loucos, compram tudo, a ideia, a situação da música e as marcas de roupas que os ‘trappers’ usam”.

“São números absurdos em tudo que os artistas lançam. Quando o Kayblack começou a postar sobre Contradições nas redes, a gente via que ele batia mais comentários que o Neymar, por exemplo”, acrescenta.

Os artistas conseguem dialogar diretamente com a vivência de seus fãs, que se sentem representados e inspirados nas letras e melodias do gênero.

Tambor brasileiro é o tempero

Não existe uma fórmula para o sucesso no gênero, mas uma coisa os dois artistas que estão no topo das paradas nacionais têm em comum: letras sobre superação e versatilidade nas batidas. É justamente o “tempero brasileiro”.

“Diferentemente do praticado em outros territórios em que se percebe uma enfatização nos vocais e efeitos vocais, o trap brasileiro incorporou frequências graves muito presentes, como nos bumbos, diretamente ligado à nossa relação com o tambor e também praticado pelo funk, o tornando único e nacional”, descreve Rodrigo, do Spotify.

Já as letras costumam abordar temas como desigualdade social, violência e racismo, mas também ascensão, sexo e amor. Enquanto Veigh tinha referências musicais no funk, Kayblack teve o samba e pagode como primeiras influências, herdadas de seus pais. O irmão mais novo, Mc Caveirinha, o apresentou ao trap.

“Eu acho que o funk e trap conversam com o mesmo público, mas em beats diferentes. No meu álbum, coloquei várias vertentes de batidas do próprio trap, como o plug (foco maior nas melodias e acordes mais elaborados) e jersey (gênero da música eletrônica popular no hip hop), pra eu me consolidar como um artista versátil”, diz Veigh.

Sobre as letras de Dos Prédios Deluxe, ele diz: “Falo muito sobre superação, mas não de uma forma triste, com batidas emocionais e uma voz emotiva. Canto sobre isso nos shows com as pessoas pulando, falo sobre relacionamentos e pautas sérias, mas de forma leve”.

Já Kayblack criou Contradições a partir da experiência de um relacionamento que chegou ao fim. “Eu falo muito de amor, mas o trap também representa muito o que nós, pessoas da periferia, vivemos, o que queremos vestir, quem queremos ser, o que queremos falar e o que um dia queremos alcançar”, reflete.

“Acredito que o trap brasileiro tem um molejo diferente, uma pegada melódica mais vinda do samba e pagode, isso é a cara do Brasil. É um ‘tempero’ que vem de um canto africano e uma mistura de instrumentos que usamos aqui”, afirma.

Veigh e Kayblack Foto: Alisson Gabriel/ @fernandezz.br

Espelhos para mudar de vida

Assim como Kayblack se inspirou na ascensão do seu irmão Caveirinha e percebeu que era possível “furar a bolha” e trazer narrativas periféricas pros topos das paradas, Veigh via nos funkeiros a possibilidade de mudar de vida.

“Eu queria ser igual os caras que faziam o funk ostentação, com cordão de ouro. Hoje eu tenho um dente de ouro, ando com roupas que os caras usam. Isso ainda é muito novo pra mim (...) Mas, é muito difícil chegar nesse lugar”, reflete Thiago.

Rodrigo Oliveira, dono da GR6, maior produtora de música urbana do Brasil Foto: GR6 / Divulgação

“Agora, faço show de graça na ‘quebrada’, porque gosto de mostrar pra eles que eu consegui fazer as coisas acontecerem. Eles não têm muitas inspirações. De onde eu vim, fui o primeiro artista a crescer assim e carrego a responsabilidade de mostrar que é possível”, afirma.

As letras muitas vezes parecem escapistas ao exaltar uma figura rica, chapada e poderosa. Mas a lição, segundo Kayblack, é “dar a voz à nossa periferia é mostrar para quem está lá que o trap é a oportunidade que eles podem ter de mudar de vida”.

Conheça outros nomes do trap nacional:

  • Rio de Janeiro: Filipe Ret, L7, MC Cabelinho, TZ da Coronel, Major RD
  • Fortaleza: Matuê e WIU
  • Bahia: Teto, Ryu, the Runner e Cryzin
  • Minas Gerais: Sidoka, Abbott Og e Braão.

Nomes femininos fortes da cena são: N.I.NA, Tasha e Tracie, Ajuliacosta e Mc Luanna.

Thiago Veigh, cantor de 22 anos, criado na Cohab 1, na periferia de Itapevi, São Paulo, teve o álbum de estreia mais ouvido no mundo no Spotify no dia 21 de maio. Nenhum artista pop brasileiro, seja Anitta ou Gusttavo Lima, conseguiu antes 6,5 milhões de plays no serviço de streaming em um álbum no dia do lançamento.

Dos prédios Deluxe, segundo álbum de Veigh, também teve todas as faixas entre as 50 mais ouvidas no Brasil no Spotify, serviço de música mais popular por aqui. Ele não é o único fenômeno brasileiro do trap, variação do rap surgida no sul dos EUA, que há uma década se infiltra no pop global.

Nos últimos dias, entre as cinco músicas mais ouvidas no Brasil no Spotify, duas são de sertanejo, o estilo que tradicionalmente domina os rankings. Seu maior concorrente agora é o trap. As outras três faixas no top 5 hoje são de novos ídolos deste estilo. O som urbano bateu o som do agro - um feito e tanto para o mercado do país em 2023.

Cartão Black, faixa dos irmãos Kayblack e Mc Caveirinha, também paulistanos, é a música mais ouvida no país atualmente. Kaíque Menezes, o Kayblack, 23 anos, lançou o primeiro EP, Contradições, e se tornou o segundo artista mais ouvido do país em menos de 48 horas. Todas as 7 faixas do projeto figuram no top 100 do Spotify Brasil.

Kayblack Foto: Fernandezz / GR6 / Divulgação

Por trás da numeralha impressionante estão batidas graves e arrastadas, um prato corrido agudo e letras hedonistas, sobre diversão e conquistas financeiras e sexuais, que refletem o desejo de festa e de ascensão social de milhões de jovens pelo mundo.

Conheça 10 músicas para entender o fenômeno do trap no Brasil

O festival The Town, maior evento musical do segundo semestre em São Paulo, escalou quase todos os novos ídolos brasileiros de trap. Conclusão: mesmo quem não escuta as músicas não tem fuga: vai ouvir falar do trap e seus novos ídolos.

Essa mudança é perceptível no mercado musical brasileiro desde 2020, segundo Rodrigo Azevedo, editor de música no Spotify no Brasil.

O trapper cearense Matuê teve, na semana de 11 a 18 de maio, oito músicas entre as 200 mais tocadas do país, sendo Conexões de Mafia, seu lançamento mais recente, o segundo lugar na parada.

MC Cabelinho, funkeiro que estreou no trap no fim do ano passado, conta com 10 faixas na parada. Como se não bastasse, virou estrela de novelas da TV Globo, no ar em Vai na Fé.

Rodrigo explica que o ritmo cresce há alguns anos, mas “sua presença tem se tornado cada vez maior devido ao crescimento do interesse do público mais jovem, aliado ao amadurecimento da identidade brasileira do trap, aumento de produção e colaboração entre artistas de trap e funk”.

Além disso, o comportamento do consumo do público desse gênero, majoritariamente jovem, é diferente. Rodrigo Oliveira e Igor de Carvalho, fundador e diretor da GR6, maior produtora de funk e músicas urbanas do país, explicam o porquê.

Trap como estilo de vida, colado ao funk

Rodrigo e Igor alegam que esse movimento do trap já aconteceu há mais tempo com o funk, mas, com a onipresença das redes sociais e sua influência no consumo, “hoje, tudo é 10 vezes mais viral”.

O que Rodrigo cita como viral Igor descreve como lifestyle (estilo de vida, em português). “As pessoas mais novas estão ansiosas por comprar lifestyle. Elas querem ser alguém e, por isso, se espelham em quem está mais próximo, falando coisas que elas vivem.”

“Isso é o que acontece nos dois gêneros. O trap fala a mesma coisa que o funk, mas com uma sonoridade diferente, que, talvez, as pessoas estejam aceitando mais”, reflete Igor. As correntes douradas e papos sobre festas e ostentação do trap são os espelhos para os fãs.

O empresário acrescenta: “Acho que o trap está crescendo e ocupando posições que eram do sertanejo, por exemplo, porque quem mais consome são os jovens e onde eles estão? Na internet, nos streamings, no TikTok etc”.

O rapper Matuê no Palco Sunset do Rock In Rio 2022 em 4 de setembro de 2022 Foto: Mauro Pimentel/AFP

Rodrigo ainda descreve esse público como “uma tribo”, porque o consumo não se restringe às músicas. “No trap, a gente viu que os fãs são muito loucos, compram tudo, a ideia, a situação da música e as marcas de roupas que os ‘trappers’ usam”.

“São números absurdos em tudo que os artistas lançam. Quando o Kayblack começou a postar sobre Contradições nas redes, a gente via que ele batia mais comentários que o Neymar, por exemplo”, acrescenta.

Os artistas conseguem dialogar diretamente com a vivência de seus fãs, que se sentem representados e inspirados nas letras e melodias do gênero.

Tambor brasileiro é o tempero

Não existe uma fórmula para o sucesso no gênero, mas uma coisa os dois artistas que estão no topo das paradas nacionais têm em comum: letras sobre superação e versatilidade nas batidas. É justamente o “tempero brasileiro”.

“Diferentemente do praticado em outros territórios em que se percebe uma enfatização nos vocais e efeitos vocais, o trap brasileiro incorporou frequências graves muito presentes, como nos bumbos, diretamente ligado à nossa relação com o tambor e também praticado pelo funk, o tornando único e nacional”, descreve Rodrigo, do Spotify.

Já as letras costumam abordar temas como desigualdade social, violência e racismo, mas também ascensão, sexo e amor. Enquanto Veigh tinha referências musicais no funk, Kayblack teve o samba e pagode como primeiras influências, herdadas de seus pais. O irmão mais novo, Mc Caveirinha, o apresentou ao trap.

“Eu acho que o funk e trap conversam com o mesmo público, mas em beats diferentes. No meu álbum, coloquei várias vertentes de batidas do próprio trap, como o plug (foco maior nas melodias e acordes mais elaborados) e jersey (gênero da música eletrônica popular no hip hop), pra eu me consolidar como um artista versátil”, diz Veigh.

Sobre as letras de Dos Prédios Deluxe, ele diz: “Falo muito sobre superação, mas não de uma forma triste, com batidas emocionais e uma voz emotiva. Canto sobre isso nos shows com as pessoas pulando, falo sobre relacionamentos e pautas sérias, mas de forma leve”.

Já Kayblack criou Contradições a partir da experiência de um relacionamento que chegou ao fim. “Eu falo muito de amor, mas o trap também representa muito o que nós, pessoas da periferia, vivemos, o que queremos vestir, quem queremos ser, o que queremos falar e o que um dia queremos alcançar”, reflete.

“Acredito que o trap brasileiro tem um molejo diferente, uma pegada melódica mais vinda do samba e pagode, isso é a cara do Brasil. É um ‘tempero’ que vem de um canto africano e uma mistura de instrumentos que usamos aqui”, afirma.

Veigh e Kayblack Foto: Alisson Gabriel/ @fernandezz.br

Espelhos para mudar de vida

Assim como Kayblack se inspirou na ascensão do seu irmão Caveirinha e percebeu que era possível “furar a bolha” e trazer narrativas periféricas pros topos das paradas, Veigh via nos funkeiros a possibilidade de mudar de vida.

“Eu queria ser igual os caras que faziam o funk ostentação, com cordão de ouro. Hoje eu tenho um dente de ouro, ando com roupas que os caras usam. Isso ainda é muito novo pra mim (...) Mas, é muito difícil chegar nesse lugar”, reflete Thiago.

Rodrigo Oliveira, dono da GR6, maior produtora de música urbana do Brasil Foto: GR6 / Divulgação

“Agora, faço show de graça na ‘quebrada’, porque gosto de mostrar pra eles que eu consegui fazer as coisas acontecerem. Eles não têm muitas inspirações. De onde eu vim, fui o primeiro artista a crescer assim e carrego a responsabilidade de mostrar que é possível”, afirma.

As letras muitas vezes parecem escapistas ao exaltar uma figura rica, chapada e poderosa. Mas a lição, segundo Kayblack, é “dar a voz à nossa periferia é mostrar para quem está lá que o trap é a oportunidade que eles podem ter de mudar de vida”.

Conheça outros nomes do trap nacional:

  • Rio de Janeiro: Filipe Ret, L7, MC Cabelinho, TZ da Coronel, Major RD
  • Fortaleza: Matuê e WIU
  • Bahia: Teto, Ryu, the Runner e Cryzin
  • Minas Gerais: Sidoka, Abbott Og e Braão.

Nomes femininos fortes da cena são: N.I.NA, Tasha e Tracie, Ajuliacosta e Mc Luanna.

Thiago Veigh, cantor de 22 anos, criado na Cohab 1, na periferia de Itapevi, São Paulo, teve o álbum de estreia mais ouvido no mundo no Spotify no dia 21 de maio. Nenhum artista pop brasileiro, seja Anitta ou Gusttavo Lima, conseguiu antes 6,5 milhões de plays no serviço de streaming em um álbum no dia do lançamento.

Dos prédios Deluxe, segundo álbum de Veigh, também teve todas as faixas entre as 50 mais ouvidas no Brasil no Spotify, serviço de música mais popular por aqui. Ele não é o único fenômeno brasileiro do trap, variação do rap surgida no sul dos EUA, que há uma década se infiltra no pop global.

Nos últimos dias, entre as cinco músicas mais ouvidas no Brasil no Spotify, duas são de sertanejo, o estilo que tradicionalmente domina os rankings. Seu maior concorrente agora é o trap. As outras três faixas no top 5 hoje são de novos ídolos deste estilo. O som urbano bateu o som do agro - um feito e tanto para o mercado do país em 2023.

Cartão Black, faixa dos irmãos Kayblack e Mc Caveirinha, também paulistanos, é a música mais ouvida no país atualmente. Kaíque Menezes, o Kayblack, 23 anos, lançou o primeiro EP, Contradições, e se tornou o segundo artista mais ouvido do país em menos de 48 horas. Todas as 7 faixas do projeto figuram no top 100 do Spotify Brasil.

Kayblack Foto: Fernandezz / GR6 / Divulgação

Por trás da numeralha impressionante estão batidas graves e arrastadas, um prato corrido agudo e letras hedonistas, sobre diversão e conquistas financeiras e sexuais, que refletem o desejo de festa e de ascensão social de milhões de jovens pelo mundo.

Conheça 10 músicas para entender o fenômeno do trap no Brasil

O festival The Town, maior evento musical do segundo semestre em São Paulo, escalou quase todos os novos ídolos brasileiros de trap. Conclusão: mesmo quem não escuta as músicas não tem fuga: vai ouvir falar do trap e seus novos ídolos.

Essa mudança é perceptível no mercado musical brasileiro desde 2020, segundo Rodrigo Azevedo, editor de música no Spotify no Brasil.

O trapper cearense Matuê teve, na semana de 11 a 18 de maio, oito músicas entre as 200 mais tocadas do país, sendo Conexões de Mafia, seu lançamento mais recente, o segundo lugar na parada.

MC Cabelinho, funkeiro que estreou no trap no fim do ano passado, conta com 10 faixas na parada. Como se não bastasse, virou estrela de novelas da TV Globo, no ar em Vai na Fé.

Rodrigo explica que o ritmo cresce há alguns anos, mas “sua presença tem se tornado cada vez maior devido ao crescimento do interesse do público mais jovem, aliado ao amadurecimento da identidade brasileira do trap, aumento de produção e colaboração entre artistas de trap e funk”.

Além disso, o comportamento do consumo do público desse gênero, majoritariamente jovem, é diferente. Rodrigo Oliveira e Igor de Carvalho, fundador e diretor da GR6, maior produtora de funk e músicas urbanas do país, explicam o porquê.

Trap como estilo de vida, colado ao funk

Rodrigo e Igor alegam que esse movimento do trap já aconteceu há mais tempo com o funk, mas, com a onipresença das redes sociais e sua influência no consumo, “hoje, tudo é 10 vezes mais viral”.

O que Rodrigo cita como viral Igor descreve como lifestyle (estilo de vida, em português). “As pessoas mais novas estão ansiosas por comprar lifestyle. Elas querem ser alguém e, por isso, se espelham em quem está mais próximo, falando coisas que elas vivem.”

“Isso é o que acontece nos dois gêneros. O trap fala a mesma coisa que o funk, mas com uma sonoridade diferente, que, talvez, as pessoas estejam aceitando mais”, reflete Igor. As correntes douradas e papos sobre festas e ostentação do trap são os espelhos para os fãs.

O empresário acrescenta: “Acho que o trap está crescendo e ocupando posições que eram do sertanejo, por exemplo, porque quem mais consome são os jovens e onde eles estão? Na internet, nos streamings, no TikTok etc”.

O rapper Matuê no Palco Sunset do Rock In Rio 2022 em 4 de setembro de 2022 Foto: Mauro Pimentel/AFP

Rodrigo ainda descreve esse público como “uma tribo”, porque o consumo não se restringe às músicas. “No trap, a gente viu que os fãs são muito loucos, compram tudo, a ideia, a situação da música e as marcas de roupas que os ‘trappers’ usam”.

“São números absurdos em tudo que os artistas lançam. Quando o Kayblack começou a postar sobre Contradições nas redes, a gente via que ele batia mais comentários que o Neymar, por exemplo”, acrescenta.

Os artistas conseguem dialogar diretamente com a vivência de seus fãs, que se sentem representados e inspirados nas letras e melodias do gênero.

Tambor brasileiro é o tempero

Não existe uma fórmula para o sucesso no gênero, mas uma coisa os dois artistas que estão no topo das paradas nacionais têm em comum: letras sobre superação e versatilidade nas batidas. É justamente o “tempero brasileiro”.

“Diferentemente do praticado em outros territórios em que se percebe uma enfatização nos vocais e efeitos vocais, o trap brasileiro incorporou frequências graves muito presentes, como nos bumbos, diretamente ligado à nossa relação com o tambor e também praticado pelo funk, o tornando único e nacional”, descreve Rodrigo, do Spotify.

Já as letras costumam abordar temas como desigualdade social, violência e racismo, mas também ascensão, sexo e amor. Enquanto Veigh tinha referências musicais no funk, Kayblack teve o samba e pagode como primeiras influências, herdadas de seus pais. O irmão mais novo, Mc Caveirinha, o apresentou ao trap.

“Eu acho que o funk e trap conversam com o mesmo público, mas em beats diferentes. No meu álbum, coloquei várias vertentes de batidas do próprio trap, como o plug (foco maior nas melodias e acordes mais elaborados) e jersey (gênero da música eletrônica popular no hip hop), pra eu me consolidar como um artista versátil”, diz Veigh.

Sobre as letras de Dos Prédios Deluxe, ele diz: “Falo muito sobre superação, mas não de uma forma triste, com batidas emocionais e uma voz emotiva. Canto sobre isso nos shows com as pessoas pulando, falo sobre relacionamentos e pautas sérias, mas de forma leve”.

Já Kayblack criou Contradições a partir da experiência de um relacionamento que chegou ao fim. “Eu falo muito de amor, mas o trap também representa muito o que nós, pessoas da periferia, vivemos, o que queremos vestir, quem queremos ser, o que queremos falar e o que um dia queremos alcançar”, reflete.

“Acredito que o trap brasileiro tem um molejo diferente, uma pegada melódica mais vinda do samba e pagode, isso é a cara do Brasil. É um ‘tempero’ que vem de um canto africano e uma mistura de instrumentos que usamos aqui”, afirma.

Veigh e Kayblack Foto: Alisson Gabriel/ @fernandezz.br

Espelhos para mudar de vida

Assim como Kayblack se inspirou na ascensão do seu irmão Caveirinha e percebeu que era possível “furar a bolha” e trazer narrativas periféricas pros topos das paradas, Veigh via nos funkeiros a possibilidade de mudar de vida.

“Eu queria ser igual os caras que faziam o funk ostentação, com cordão de ouro. Hoje eu tenho um dente de ouro, ando com roupas que os caras usam. Isso ainda é muito novo pra mim (...) Mas, é muito difícil chegar nesse lugar”, reflete Thiago.

Rodrigo Oliveira, dono da GR6, maior produtora de música urbana do Brasil Foto: GR6 / Divulgação

“Agora, faço show de graça na ‘quebrada’, porque gosto de mostrar pra eles que eu consegui fazer as coisas acontecerem. Eles não têm muitas inspirações. De onde eu vim, fui o primeiro artista a crescer assim e carrego a responsabilidade de mostrar que é possível”, afirma.

As letras muitas vezes parecem escapistas ao exaltar uma figura rica, chapada e poderosa. Mas a lição, segundo Kayblack, é “dar a voz à nossa periferia é mostrar para quem está lá que o trap é a oportunidade que eles podem ter de mudar de vida”.

Conheça outros nomes do trap nacional:

  • Rio de Janeiro: Filipe Ret, L7, MC Cabelinho, TZ da Coronel, Major RD
  • Fortaleza: Matuê e WIU
  • Bahia: Teto, Ryu, the Runner e Cryzin
  • Minas Gerais: Sidoka, Abbott Og e Braão.

Nomes femininos fortes da cena são: N.I.NA, Tasha e Tracie, Ajuliacosta e Mc Luanna.

Thiago Veigh, cantor de 22 anos, criado na Cohab 1, na periferia de Itapevi, São Paulo, teve o álbum de estreia mais ouvido no mundo no Spotify no dia 21 de maio. Nenhum artista pop brasileiro, seja Anitta ou Gusttavo Lima, conseguiu antes 6,5 milhões de plays no serviço de streaming em um álbum no dia do lançamento.

Dos prédios Deluxe, segundo álbum de Veigh, também teve todas as faixas entre as 50 mais ouvidas no Brasil no Spotify, serviço de música mais popular por aqui. Ele não é o único fenômeno brasileiro do trap, variação do rap surgida no sul dos EUA, que há uma década se infiltra no pop global.

Nos últimos dias, entre as cinco músicas mais ouvidas no Brasil no Spotify, duas são de sertanejo, o estilo que tradicionalmente domina os rankings. Seu maior concorrente agora é o trap. As outras três faixas no top 5 hoje são de novos ídolos deste estilo. O som urbano bateu o som do agro - um feito e tanto para o mercado do país em 2023.

Cartão Black, faixa dos irmãos Kayblack e Mc Caveirinha, também paulistanos, é a música mais ouvida no país atualmente. Kaíque Menezes, o Kayblack, 23 anos, lançou o primeiro EP, Contradições, e se tornou o segundo artista mais ouvido do país em menos de 48 horas. Todas as 7 faixas do projeto figuram no top 100 do Spotify Brasil.

Kayblack Foto: Fernandezz / GR6 / Divulgação

Por trás da numeralha impressionante estão batidas graves e arrastadas, um prato corrido agudo e letras hedonistas, sobre diversão e conquistas financeiras e sexuais, que refletem o desejo de festa e de ascensão social de milhões de jovens pelo mundo.

Conheça 10 músicas para entender o fenômeno do trap no Brasil

O festival The Town, maior evento musical do segundo semestre em São Paulo, escalou quase todos os novos ídolos brasileiros de trap. Conclusão: mesmo quem não escuta as músicas não tem fuga: vai ouvir falar do trap e seus novos ídolos.

Essa mudança é perceptível no mercado musical brasileiro desde 2020, segundo Rodrigo Azevedo, editor de música no Spotify no Brasil.

O trapper cearense Matuê teve, na semana de 11 a 18 de maio, oito músicas entre as 200 mais tocadas do país, sendo Conexões de Mafia, seu lançamento mais recente, o segundo lugar na parada.

MC Cabelinho, funkeiro que estreou no trap no fim do ano passado, conta com 10 faixas na parada. Como se não bastasse, virou estrela de novelas da TV Globo, no ar em Vai na Fé.

Rodrigo explica que o ritmo cresce há alguns anos, mas “sua presença tem se tornado cada vez maior devido ao crescimento do interesse do público mais jovem, aliado ao amadurecimento da identidade brasileira do trap, aumento de produção e colaboração entre artistas de trap e funk”.

Além disso, o comportamento do consumo do público desse gênero, majoritariamente jovem, é diferente. Rodrigo Oliveira e Igor de Carvalho, fundador e diretor da GR6, maior produtora de funk e músicas urbanas do país, explicam o porquê.

Trap como estilo de vida, colado ao funk

Rodrigo e Igor alegam que esse movimento do trap já aconteceu há mais tempo com o funk, mas, com a onipresença das redes sociais e sua influência no consumo, “hoje, tudo é 10 vezes mais viral”.

O que Rodrigo cita como viral Igor descreve como lifestyle (estilo de vida, em português). “As pessoas mais novas estão ansiosas por comprar lifestyle. Elas querem ser alguém e, por isso, se espelham em quem está mais próximo, falando coisas que elas vivem.”

“Isso é o que acontece nos dois gêneros. O trap fala a mesma coisa que o funk, mas com uma sonoridade diferente, que, talvez, as pessoas estejam aceitando mais”, reflete Igor. As correntes douradas e papos sobre festas e ostentação do trap são os espelhos para os fãs.

O empresário acrescenta: “Acho que o trap está crescendo e ocupando posições que eram do sertanejo, por exemplo, porque quem mais consome são os jovens e onde eles estão? Na internet, nos streamings, no TikTok etc”.

O rapper Matuê no Palco Sunset do Rock In Rio 2022 em 4 de setembro de 2022 Foto: Mauro Pimentel/AFP

Rodrigo ainda descreve esse público como “uma tribo”, porque o consumo não se restringe às músicas. “No trap, a gente viu que os fãs são muito loucos, compram tudo, a ideia, a situação da música e as marcas de roupas que os ‘trappers’ usam”.

“São números absurdos em tudo que os artistas lançam. Quando o Kayblack começou a postar sobre Contradições nas redes, a gente via que ele batia mais comentários que o Neymar, por exemplo”, acrescenta.

Os artistas conseguem dialogar diretamente com a vivência de seus fãs, que se sentem representados e inspirados nas letras e melodias do gênero.

Tambor brasileiro é o tempero

Não existe uma fórmula para o sucesso no gênero, mas uma coisa os dois artistas que estão no topo das paradas nacionais têm em comum: letras sobre superação e versatilidade nas batidas. É justamente o “tempero brasileiro”.

“Diferentemente do praticado em outros territórios em que se percebe uma enfatização nos vocais e efeitos vocais, o trap brasileiro incorporou frequências graves muito presentes, como nos bumbos, diretamente ligado à nossa relação com o tambor e também praticado pelo funk, o tornando único e nacional”, descreve Rodrigo, do Spotify.

Já as letras costumam abordar temas como desigualdade social, violência e racismo, mas também ascensão, sexo e amor. Enquanto Veigh tinha referências musicais no funk, Kayblack teve o samba e pagode como primeiras influências, herdadas de seus pais. O irmão mais novo, Mc Caveirinha, o apresentou ao trap.

“Eu acho que o funk e trap conversam com o mesmo público, mas em beats diferentes. No meu álbum, coloquei várias vertentes de batidas do próprio trap, como o plug (foco maior nas melodias e acordes mais elaborados) e jersey (gênero da música eletrônica popular no hip hop), pra eu me consolidar como um artista versátil”, diz Veigh.

Sobre as letras de Dos Prédios Deluxe, ele diz: “Falo muito sobre superação, mas não de uma forma triste, com batidas emocionais e uma voz emotiva. Canto sobre isso nos shows com as pessoas pulando, falo sobre relacionamentos e pautas sérias, mas de forma leve”.

Já Kayblack criou Contradições a partir da experiência de um relacionamento que chegou ao fim. “Eu falo muito de amor, mas o trap também representa muito o que nós, pessoas da periferia, vivemos, o que queremos vestir, quem queremos ser, o que queremos falar e o que um dia queremos alcançar”, reflete.

“Acredito que o trap brasileiro tem um molejo diferente, uma pegada melódica mais vinda do samba e pagode, isso é a cara do Brasil. É um ‘tempero’ que vem de um canto africano e uma mistura de instrumentos que usamos aqui”, afirma.

Veigh e Kayblack Foto: Alisson Gabriel/ @fernandezz.br

Espelhos para mudar de vida

Assim como Kayblack se inspirou na ascensão do seu irmão Caveirinha e percebeu que era possível “furar a bolha” e trazer narrativas periféricas pros topos das paradas, Veigh via nos funkeiros a possibilidade de mudar de vida.

“Eu queria ser igual os caras que faziam o funk ostentação, com cordão de ouro. Hoje eu tenho um dente de ouro, ando com roupas que os caras usam. Isso ainda é muito novo pra mim (...) Mas, é muito difícil chegar nesse lugar”, reflete Thiago.

Rodrigo Oliveira, dono da GR6, maior produtora de música urbana do Brasil Foto: GR6 / Divulgação

“Agora, faço show de graça na ‘quebrada’, porque gosto de mostrar pra eles que eu consegui fazer as coisas acontecerem. Eles não têm muitas inspirações. De onde eu vim, fui o primeiro artista a crescer assim e carrego a responsabilidade de mostrar que é possível”, afirma.

As letras muitas vezes parecem escapistas ao exaltar uma figura rica, chapada e poderosa. Mas a lição, segundo Kayblack, é “dar a voz à nossa periferia é mostrar para quem está lá que o trap é a oportunidade que eles podem ter de mudar de vida”.

Conheça outros nomes do trap nacional:

  • Rio de Janeiro: Filipe Ret, L7, MC Cabelinho, TZ da Coronel, Major RD
  • Fortaleza: Matuê e WIU
  • Bahia: Teto, Ryu, the Runner e Cryzin
  • Minas Gerais: Sidoka, Abbott Og e Braão.

Nomes femininos fortes da cena são: N.I.NA, Tasha e Tracie, Ajuliacosta e Mc Luanna.

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