Ao revelar suas atrações na tarde desta quarta, 27, o festival espanhol Primavera Sound, que chega ao Brasil pela primeira vez com mais de 100 shows que serão realizados dias 5 e 6 de novembro, no Anhembi e, em 31 e outubro, em outros três pontos da cidade, pode chamar atenção por duas razões tensas em meio a tantas informações aparentemente extasiantes. Afinal, há muito a se comemorar por um novo festival depois de dois anos de silêncio. Mas a primeira delas diz respeito ao preço. Um ingresso de valor cheio para os dois dias sai por R$ 1,4 mil no primeiro lote, que acaba em segundos e passa a custar R$ 1,6 mil no segundo, que também evapora e vai a R$ 1.720 mil no terceiro. Por um dia de festival, a inteira sai por R$ 820 e pode chegar a R$ 920. Será um dos maiores valores já cobrados na história de shows no País. A segunda delas requer atenção e planejamento pelo histórico trágico. Seu nome é Travis Scott.
Travis é um homem bomba – o que pode não se tratar exatamente de um elogio. Aos 30 anos, o rapper nascido em Houston, Estados Unidos, criou uma carreira de três poderosos álbuns de estúdio e shows tão desafiadores quanto, mas incontrolavelmente perigosos. Seu público sabe o que deve fazer assim que as luzes se apagam, e sai de casa pronto para isso. Grandes rodas de mosh, uma tradição dos anos 80 criada em apresentações de bandas punk e thrash metal, serão abertas assim que o show começar para dar início a uma experiência de liberação de energia física que impressiona aos não iniciados. Não é briga e ninguém se odeia, mas as coisas nem sempre acabam bem.
A tragédia que poderia ser prevista em noites anteriores acabou acontecendo durante uma apresentação de Travis no festival Scott’s Astroworld, para 50 mil pessoas, em Houston, no dia 5 de novembro de 2021. Oito fãs morreram por asfixia em meio à multidão, pisoteados ou espremidos, e 300 ficaram feridos. Um garoto de 9 anos estava entre os mortos. Assim que o show começou, de acordo com o relato de testemunhas, correntezas humanas passaram a se movimentar na plateia para ficarem mais próximas do palco enquanto as rodas se abriam. Uma viatura de ambulância chegou a entrar no meio da multidão enquanto Travis olhava para a plateia sem entender muito o que havia acontecido. Um vídeo mostra o momento em que as pessoas passam a chamá-lo, “Travis!”, para alertar dos incidentes, mas ele decide continuar o show: “Eu quero ver se tem louco de verdade aqui. Quem quer botar pra f...?” “Coloquem as duas mãos para cima, vocês sabem o que vieram fazer aqui.” Os mortos, nesse momento, já estavam sendo pisoteados.
Samuel Peña, chefe dos bombeiros de Houston, deu uma entrevista dias depois culpando o artista e os organizadores do evento: “Se as luzes tivessem sido acesas, se o promotor ou o artista pedissem isso, teria acalmado a multidão. Quem sabe qual teria sido o resultado? Mas todos naquele local, começando pelo artista, são responsáveis pela segurança pública”, afirmou, em entrevista à CNN. Uma análise feita por repórteres do jornal The Washington Post mostrou que as tentativas de soarem um alarme no estádio foram abafadas pela música. Por sua vez, Travis Scott disse que não sabia que havia fãs feridos no show e negou a responsabilidade pelas mortes. As investigações ainda não chegaram ao fim.
O que pode se tornar desagradável no Brasil é, além da sensação de insegurança, a data. O show de Travis Scott, dia 6 de novembro, será um dia depois de se completar um ano da morte dos oito fãs em Houston. Ele vai fechar a noite que terá Lorde, Phoebe Bridgers, Joy Orbison e vários outros artistas. A reportagem do Estadão procurou a organização do Primavera Sound para saber se existe um plano de segurança para os fãs do rapper, mas a resposta, por meio da assessoria de imprensa, foi de que “os organizadores preferem não comentar nada nesse momento”.