Twitch, plataforma de jogos, se torna nova esperança dos músicos ainda sem shows


Lives permitem que artistas ganhem fãs que patrocinam suas apresentações

Por Ben Sisario
Atualização:

Todos os dias da semana, às 8h30, depois de vestir e alimentar seus filhos gêmeos de 2 anos e abrir a porta para a babá, Matthew K. Heafy foge para um quarto desocupado em sua casa em Orlando, Flórida, liga três computadores, três câmeras e uma bateria de equipamentos e se prepara para sua transmissão matinal ao vivo. Heafy, guitarrista e vocalista da banda de metal Trivium, é um dos músicos mais dedicados do Twitch, a plataforma de streaming ao vivo que começou há uma década como um paraíso dos games, mas se tornou uma miscelânea sempre ativa de entretenimento - uma plataforma que se provou especialmente atraente para músicos durante a pandemia.

O Twitch, que é propriedade da Amazon, atrai uma média de 30 milhões de visitantes por dia e seus usuários assistiram a mais de 1 trilhão de minutos de conteúdo no ano passado, de acordo com a empresa.

Matthew Heafy, integrante da banda de metal Trivium, se prepara para transmitir música ao vivo no Twitch de sua casa em Orlando, Flórida. Foto: Matt Grubb/The New York Times
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Os aplicativos de livestreaming estão pagando pouco atualmente. Mas o que faz o Twitch se destacar, especialmente na música, é a maneira como a plataforma promove conexões entre os artistas e seu público, permitindo que essas conexões sejam monetizadas de forma eficiente. As interações com fãs - que se espalham pela tela num rio de pedidos de músicas, piadas internas e “emoticons” (emojis específicos do Twitch) - fazem tanta parte do show quanto o artista na tela, transmitindo a sensação de uma comunidade de apoio mútuo. Desde janeiro de 2018, Heafy, 35 anos, vem mantendo uma rotina estrita de Twitch, transmitindo quase todos os dias da semana às 9h00 e 15h00. Ao longo de até três horas seguidas, ele pratica riffs de guitarra - explicando pedagogicamente sua técnica para os alunos-fãs que fazem perguntas no bate-papo - improvisa com sua banda e joga games de tiro em primeira pessoa. Heafy tem cerca de 220 mil seguidores no Twitch e, a qualquer momento, bem mais de 10 mil pessoas costumam assistir. Toda essa atenção, disse ele, o mantém motivado. “Mesmo quando não sinto vontade de tocar, sei que as pessoas vão estar lá, querendo ouvir algumas horas de suas músicas favoritas do Trivium”, disse Heafy. “Então, tenho certeza de que estou lá para proporcionar um dia bom para eles”. O fator principal para a popularidade do Twitch entre os músicos é o seu modelo econômico, que está revolucionando silenciosamente os negócios ao fornecer uma alternativa ao sistema de serviços sob demanda nos quais o vencedor leva tudo, como Spotify, Apple Music e YouTube. Essas plataformas viraram o modo de consumo padrão, disponibilizando praticamente todas as músicas existentes de graça ou por uma pequena taxa de assinatura. Como feito tecnológico e oferta ao consumidor, são quase milagrosas. Mas, como sistemas de compartilhamento de receita, vêm sendo criticadas por pessoas que as acusam de desvalorizar a música a ponto de apenas as estrelas poderem ganhar a vida com as gravações. De acordo com os próprios números do Spotify, 97% dos artistas geraram menos de US$ 1 mil em pagamentos no ano passado. (O Spotify diz que o número crescente de músicos que ganham grandes somas é um sinal de seu valor).

Assista a apresentação de Heafy:

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O Twitch, por outro lado, é um universo alternativo onde até mesmo artistas de nicho conseguem ganhar milhares de dólares por mês cultivando tribos de fãs cuja lealdade se expressa por meio do patrocínio. Com suas conversas interativas e uma economia interna de assinaturas de canais e bits (doações), o Twitch parece cumprir a promessa há muito alardeada, mas fugidia, de comércio criativo na internet. No entanto, a plataforma talvez funcione bem apenas para alguns tipos de artistas (ela é extremamente trabalhosa). Seu relacionamento com os detentores de direitos é tenso. E, embora tenha ganhado um impulso durante a pandemia, o Twitch em breve pode enfrentar um desafio quando os artistas e seus fãs saírem de seus casulos e voltarem aos eventos presenciais. Mas, para aqueles que ganham a vida na plataforma, tem sido uma revelação. Seu potencial foi destacado num relatório recente de Will Page, ex-economista-chefe do Spotify, que comparou os ganhos dos músicos e o alcance da audiência no Twitch com os de serviços de áudio sob demanda, como Spotify e Apple Music. Os números, embora anedóticos, são impressionantes. De acordo com o relatório de Page, Laura Shigihara, uma compositora de música para videogame, no ano passado ganhou uma média de cerca de US$ 700 por mês em plataformas de áudio, mas US$ 8 mil por mês no Twitch, onde ela canta e toca piano em uma sala aconchegante, cheia bichos de pelúcia de estilo anime. Em 2019 e 2020, a banda de Heafy, a Trivium, arrecadou uma média de US$ 11 mil por mês com os serviços de áudio, enquanto seu próprio canal no Twitch gerou quase o mesmo tanto (pouco menos de US$ 10 mil) de um público que tinha cerca de um décimo do tamanho. A banda Aeseaes, um casal de Austin, Texas, especializado em covers acústicos, ganhou 70% de sua renda em 2019 e 2020 com o Twitch; apenas 6% vieram de serviços de streaming de áudio e Bandcamp, a loja de música indie online. “Tem algo a ver com poder apoiar diretamente um artista de que você está gostando, poder ver esse apoio aceito por esse artista e receber um agradecimento imediato”, disse Travis, da Aeseaes, que toca baixo e faz os microfones que ele e sua esposa, Allie, que canta e toca violão, usa nas transmissões. (Ambos estão na casa dos 30 anos e usam apenas os primeiros nomes profissionalmente).

Allie e Travis, um casal que se apresenta como Aeseaes, fazem transmissão ao vivo pelo Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

Tracy Patrick Chan, diretor de música do Twitch, disse que dos músicos que conseguem ganhar US$ 50 mil por ano na plataforma, sua audiência média - o número de pessoas assistindo a suas transmissões num determinado momento - é de apenas 183. Em comparação, seriam necessários de 5 milhões a 10 milhões de streams para render o mesmo pagamento nas principais plataformas de streaming de áudio, de acordo com a maioria das estimativas das taxas por stream desses serviços. “O que os artistas do Twitch estão mostrando é que você só precisa de um público apaixonado e eles estarão lá para apoiá-lo”, disse Chan. O dinheiro vem na forma de assinaturas - por $ 5, $ 10 ou $ 25 por mês - bem como bits e links para sites de doação e arrecadação de fundos de terceiros, como o Patreon. À medida que cresce, o Twitch parece cada vez mais capaz de apoiar uma ampla classe média de músicos, um conceito que há anos vem sendo discutido nas conversas de relações públicas nos serviços digitais. O Twitch consegue fazer tudo isso gamificando a relação artista-fã e canalizando os pagamentos do público diretamente para os músicos. (O Twitch fica com 50% ou menos das assinaturas e compartilha a receita de bits com os streamers). Isso contrasta com o chamado método pro rata de distribuição de royalties usado pela maioria dos serviços de áudio sob demanda, onde todo o dinheiro recebido pela plataforma é dividido pelo número total de cliques. Esse sistema equaliza as taxas, mas também significa que os usuários subsidiam muitas músicas que nunca ouvem, e o “pico” de alto rendimento da curva de distribuição - superestrelas como Drake e Dua Lipa - é quem mais se beneficia. “O foco do Twitch não é a cabeça ou o rabo da curva, mas o crescimento do torso - o corpo de artistas de classe média”, disse Page. “É algo distante do tradicional modelo de sucesso ou fracasso, onde os sucessos ficam com tudo e os fracassos perdem muito”. Li Jin, um capitalista de risco especializado no mundo dos influenciadores de redes sociais, vê o Twitch como um pioneiro no que se tornou uma tendência de rápida disseminação na ampla “economia de criadores” online. Criadores de conteúdo de todos os tipos estão encontrando maneiras de monetizar públicos pequenos, mas dedicados, e as plataformas estão competindo para atendê-los - como as newsletters da Substack, o novo recurso Super Follows do Twitter e assinaturas de podcast da Apple. “Você não pode simplesmente oferecer uma maneira de monetizar os criadores, porque seus fãs são heterogêneos; todos eles têm diferentes graus de intensidade de fandom”, disse Jin. Os criadores precisam de “uma variedade de maneiras diferentes de monetizar diferentes subconjuntos de seu público”. Ter sucesso no streaming de música, porém, é um trabalho árduo. Travis e Allie, da Aeseaes (pronuncia-se “A.C.S.”, uma abreviação do nome do canal: a_couple_streams) deixaram seus empregos de escritório há cinco anos para se concentrar no Twitch. Ao contrário de muitos que usam a plataforma para dar vislumbres dos bastidores de seu processo criativo, Travis e Allie apresentam o equivalente a um show intimista no palco, com iluminação ambiente e uma câmera dedicada a um de seus gatos fofos. A única conversa é seu efusivo agradecimento aos contribuidores. Aeseaes tem mais de 5 mil espectadores em cada transmissão, com cerca de 1 mil sintonizando a qualquer momento, e seu canal manteve bem mais de 1 mil assinantes pagantes a cada mês nos últimos dois anos, de acordo com um relatório de dados que o casal compartilhou com o New York Times. Esse sucesso permite que Travis e Allie se dediquem em tempo integral a fazer música em casa. Mas, para manter seus negócios e seu engajamento, eles precisam produzir conteúdo regularmente, ficando online três vezes por semana por cerca de três horas a cada vez. “Desde o início, sabemos que o streaming no Twitch é uma espécie de corrida de resistência”, disse Allie. Page compara a gestão de uma conta no Twitch com a operação de um táxi: você só ganha dinheiro se o taxímetro estiver funcionando. E as viagens longas são as mais lucrativas.

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Em Ottawa, no Canadá, Danielle Allard também toca, ao vivo, através da plataforma Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

A vastidão do público do Twitch significa que os streamers devem aproveitar todas as oportunidades para aumentar o alcance. Este mês, Danielle Allard, uma musicista e professora de 31 anos de Ottawa, Ontário, que começou a fazer experiências com transmissão ao vivo há um ano, soube que um set planejado para as 6h da manhã seria destaque na página inicial do Twitch - o equivalente ao horário nobre na TV. Allard acordou às 4, preparou o equipamento, fez um chá e ficou online - por quase sete horas, tocando originais, covers de Cranberries e Chris Isaak e alguns solos chorosos. No final, ela estava às lágrimas e parecia quase delirar de alegria. Seu stream, que geralmente consegue algumas centenas de espectadores por vez, atraiu 408 novos assinantes e 1.659 seguidores, o que a levou a ultrapassar a marca de 10 mil. (As principais contas de games têm bem mais de 5 milhões de seguidores). Falando cerca de uma hora depois que sua transmissão terminou - e ainda sem ter comido - Allard elogiou a generosidade de seus fãs, a quem ela chama de “dinos”. Suas contribuições, disse, rendem a ela alguns milhares de dólares por mês. Ela tem um álbum e um EP nas plataformas de streaming de áudio. Rendem algum dinheiro? “Oh, meu Deus, não”, disse ela.

Tradução de Renato Prelorentzou.

Todos os dias da semana, às 8h30, depois de vestir e alimentar seus filhos gêmeos de 2 anos e abrir a porta para a babá, Matthew K. Heafy foge para um quarto desocupado em sua casa em Orlando, Flórida, liga três computadores, três câmeras e uma bateria de equipamentos e se prepara para sua transmissão matinal ao vivo. Heafy, guitarrista e vocalista da banda de metal Trivium, é um dos músicos mais dedicados do Twitch, a plataforma de streaming ao vivo que começou há uma década como um paraíso dos games, mas se tornou uma miscelânea sempre ativa de entretenimento - uma plataforma que se provou especialmente atraente para músicos durante a pandemia.

O Twitch, que é propriedade da Amazon, atrai uma média de 30 milhões de visitantes por dia e seus usuários assistiram a mais de 1 trilhão de minutos de conteúdo no ano passado, de acordo com a empresa.

Matthew Heafy, integrante da banda de metal Trivium, se prepara para transmitir música ao vivo no Twitch de sua casa em Orlando, Flórida. Foto: Matt Grubb/The New York Times

Os aplicativos de livestreaming estão pagando pouco atualmente. Mas o que faz o Twitch se destacar, especialmente na música, é a maneira como a plataforma promove conexões entre os artistas e seu público, permitindo que essas conexões sejam monetizadas de forma eficiente. As interações com fãs - que se espalham pela tela num rio de pedidos de músicas, piadas internas e “emoticons” (emojis específicos do Twitch) - fazem tanta parte do show quanto o artista na tela, transmitindo a sensação de uma comunidade de apoio mútuo. Desde janeiro de 2018, Heafy, 35 anos, vem mantendo uma rotina estrita de Twitch, transmitindo quase todos os dias da semana às 9h00 e 15h00. Ao longo de até três horas seguidas, ele pratica riffs de guitarra - explicando pedagogicamente sua técnica para os alunos-fãs que fazem perguntas no bate-papo - improvisa com sua banda e joga games de tiro em primeira pessoa. Heafy tem cerca de 220 mil seguidores no Twitch e, a qualquer momento, bem mais de 10 mil pessoas costumam assistir. Toda essa atenção, disse ele, o mantém motivado. “Mesmo quando não sinto vontade de tocar, sei que as pessoas vão estar lá, querendo ouvir algumas horas de suas músicas favoritas do Trivium”, disse Heafy. “Então, tenho certeza de que estou lá para proporcionar um dia bom para eles”. O fator principal para a popularidade do Twitch entre os músicos é o seu modelo econômico, que está revolucionando silenciosamente os negócios ao fornecer uma alternativa ao sistema de serviços sob demanda nos quais o vencedor leva tudo, como Spotify, Apple Music e YouTube. Essas plataformas viraram o modo de consumo padrão, disponibilizando praticamente todas as músicas existentes de graça ou por uma pequena taxa de assinatura. Como feito tecnológico e oferta ao consumidor, são quase milagrosas. Mas, como sistemas de compartilhamento de receita, vêm sendo criticadas por pessoas que as acusam de desvalorizar a música a ponto de apenas as estrelas poderem ganhar a vida com as gravações. De acordo com os próprios números do Spotify, 97% dos artistas geraram menos de US$ 1 mil em pagamentos no ano passado. (O Spotify diz que o número crescente de músicos que ganham grandes somas é um sinal de seu valor).

Assista a apresentação de Heafy:

O Twitch, por outro lado, é um universo alternativo onde até mesmo artistas de nicho conseguem ganhar milhares de dólares por mês cultivando tribos de fãs cuja lealdade se expressa por meio do patrocínio. Com suas conversas interativas e uma economia interna de assinaturas de canais e bits (doações), o Twitch parece cumprir a promessa há muito alardeada, mas fugidia, de comércio criativo na internet. No entanto, a plataforma talvez funcione bem apenas para alguns tipos de artistas (ela é extremamente trabalhosa). Seu relacionamento com os detentores de direitos é tenso. E, embora tenha ganhado um impulso durante a pandemia, o Twitch em breve pode enfrentar um desafio quando os artistas e seus fãs saírem de seus casulos e voltarem aos eventos presenciais. Mas, para aqueles que ganham a vida na plataforma, tem sido uma revelação. Seu potencial foi destacado num relatório recente de Will Page, ex-economista-chefe do Spotify, que comparou os ganhos dos músicos e o alcance da audiência no Twitch com os de serviços de áudio sob demanda, como Spotify e Apple Music. Os números, embora anedóticos, são impressionantes. De acordo com o relatório de Page, Laura Shigihara, uma compositora de música para videogame, no ano passado ganhou uma média de cerca de US$ 700 por mês em plataformas de áudio, mas US$ 8 mil por mês no Twitch, onde ela canta e toca piano em uma sala aconchegante, cheia bichos de pelúcia de estilo anime. Em 2019 e 2020, a banda de Heafy, a Trivium, arrecadou uma média de US$ 11 mil por mês com os serviços de áudio, enquanto seu próprio canal no Twitch gerou quase o mesmo tanto (pouco menos de US$ 10 mil) de um público que tinha cerca de um décimo do tamanho. A banda Aeseaes, um casal de Austin, Texas, especializado em covers acústicos, ganhou 70% de sua renda em 2019 e 2020 com o Twitch; apenas 6% vieram de serviços de streaming de áudio e Bandcamp, a loja de música indie online. “Tem algo a ver com poder apoiar diretamente um artista de que você está gostando, poder ver esse apoio aceito por esse artista e receber um agradecimento imediato”, disse Travis, da Aeseaes, que toca baixo e faz os microfones que ele e sua esposa, Allie, que canta e toca violão, usa nas transmissões. (Ambos estão na casa dos 30 anos e usam apenas os primeiros nomes profissionalmente).

Allie e Travis, um casal que se apresenta como Aeseaes, fazem transmissão ao vivo pelo Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

Tracy Patrick Chan, diretor de música do Twitch, disse que dos músicos que conseguem ganhar US$ 50 mil por ano na plataforma, sua audiência média - o número de pessoas assistindo a suas transmissões num determinado momento - é de apenas 183. Em comparação, seriam necessários de 5 milhões a 10 milhões de streams para render o mesmo pagamento nas principais plataformas de streaming de áudio, de acordo com a maioria das estimativas das taxas por stream desses serviços. “O que os artistas do Twitch estão mostrando é que você só precisa de um público apaixonado e eles estarão lá para apoiá-lo”, disse Chan. O dinheiro vem na forma de assinaturas - por $ 5, $ 10 ou $ 25 por mês - bem como bits e links para sites de doação e arrecadação de fundos de terceiros, como o Patreon. À medida que cresce, o Twitch parece cada vez mais capaz de apoiar uma ampla classe média de músicos, um conceito que há anos vem sendo discutido nas conversas de relações públicas nos serviços digitais. O Twitch consegue fazer tudo isso gamificando a relação artista-fã e canalizando os pagamentos do público diretamente para os músicos. (O Twitch fica com 50% ou menos das assinaturas e compartilha a receita de bits com os streamers). Isso contrasta com o chamado método pro rata de distribuição de royalties usado pela maioria dos serviços de áudio sob demanda, onde todo o dinheiro recebido pela plataforma é dividido pelo número total de cliques. Esse sistema equaliza as taxas, mas também significa que os usuários subsidiam muitas músicas que nunca ouvem, e o “pico” de alto rendimento da curva de distribuição - superestrelas como Drake e Dua Lipa - é quem mais se beneficia. “O foco do Twitch não é a cabeça ou o rabo da curva, mas o crescimento do torso - o corpo de artistas de classe média”, disse Page. “É algo distante do tradicional modelo de sucesso ou fracasso, onde os sucessos ficam com tudo e os fracassos perdem muito”. Li Jin, um capitalista de risco especializado no mundo dos influenciadores de redes sociais, vê o Twitch como um pioneiro no que se tornou uma tendência de rápida disseminação na ampla “economia de criadores” online. Criadores de conteúdo de todos os tipos estão encontrando maneiras de monetizar públicos pequenos, mas dedicados, e as plataformas estão competindo para atendê-los - como as newsletters da Substack, o novo recurso Super Follows do Twitter e assinaturas de podcast da Apple. “Você não pode simplesmente oferecer uma maneira de monetizar os criadores, porque seus fãs são heterogêneos; todos eles têm diferentes graus de intensidade de fandom”, disse Jin. Os criadores precisam de “uma variedade de maneiras diferentes de monetizar diferentes subconjuntos de seu público”. Ter sucesso no streaming de música, porém, é um trabalho árduo. Travis e Allie, da Aeseaes (pronuncia-se “A.C.S.”, uma abreviação do nome do canal: a_couple_streams) deixaram seus empregos de escritório há cinco anos para se concentrar no Twitch. Ao contrário de muitos que usam a plataforma para dar vislumbres dos bastidores de seu processo criativo, Travis e Allie apresentam o equivalente a um show intimista no palco, com iluminação ambiente e uma câmera dedicada a um de seus gatos fofos. A única conversa é seu efusivo agradecimento aos contribuidores. Aeseaes tem mais de 5 mil espectadores em cada transmissão, com cerca de 1 mil sintonizando a qualquer momento, e seu canal manteve bem mais de 1 mil assinantes pagantes a cada mês nos últimos dois anos, de acordo com um relatório de dados que o casal compartilhou com o New York Times. Esse sucesso permite que Travis e Allie se dediquem em tempo integral a fazer música em casa. Mas, para manter seus negócios e seu engajamento, eles precisam produzir conteúdo regularmente, ficando online três vezes por semana por cerca de três horas a cada vez. “Desde o início, sabemos que o streaming no Twitch é uma espécie de corrida de resistência”, disse Allie. Page compara a gestão de uma conta no Twitch com a operação de um táxi: você só ganha dinheiro se o taxímetro estiver funcionando. E as viagens longas são as mais lucrativas.

Em Ottawa, no Canadá, Danielle Allard também toca, ao vivo, através da plataforma Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

A vastidão do público do Twitch significa que os streamers devem aproveitar todas as oportunidades para aumentar o alcance. Este mês, Danielle Allard, uma musicista e professora de 31 anos de Ottawa, Ontário, que começou a fazer experiências com transmissão ao vivo há um ano, soube que um set planejado para as 6h da manhã seria destaque na página inicial do Twitch - o equivalente ao horário nobre na TV. Allard acordou às 4, preparou o equipamento, fez um chá e ficou online - por quase sete horas, tocando originais, covers de Cranberries e Chris Isaak e alguns solos chorosos. No final, ela estava às lágrimas e parecia quase delirar de alegria. Seu stream, que geralmente consegue algumas centenas de espectadores por vez, atraiu 408 novos assinantes e 1.659 seguidores, o que a levou a ultrapassar a marca de 10 mil. (As principais contas de games têm bem mais de 5 milhões de seguidores). Falando cerca de uma hora depois que sua transmissão terminou - e ainda sem ter comido - Allard elogiou a generosidade de seus fãs, a quem ela chama de “dinos”. Suas contribuições, disse, rendem a ela alguns milhares de dólares por mês. Ela tem um álbum e um EP nas plataformas de streaming de áudio. Rendem algum dinheiro? “Oh, meu Deus, não”, disse ela.

Tradução de Renato Prelorentzou.

Todos os dias da semana, às 8h30, depois de vestir e alimentar seus filhos gêmeos de 2 anos e abrir a porta para a babá, Matthew K. Heafy foge para um quarto desocupado em sua casa em Orlando, Flórida, liga três computadores, três câmeras e uma bateria de equipamentos e se prepara para sua transmissão matinal ao vivo. Heafy, guitarrista e vocalista da banda de metal Trivium, é um dos músicos mais dedicados do Twitch, a plataforma de streaming ao vivo que começou há uma década como um paraíso dos games, mas se tornou uma miscelânea sempre ativa de entretenimento - uma plataforma que se provou especialmente atraente para músicos durante a pandemia.

O Twitch, que é propriedade da Amazon, atrai uma média de 30 milhões de visitantes por dia e seus usuários assistiram a mais de 1 trilhão de minutos de conteúdo no ano passado, de acordo com a empresa.

Matthew Heafy, integrante da banda de metal Trivium, se prepara para transmitir música ao vivo no Twitch de sua casa em Orlando, Flórida. Foto: Matt Grubb/The New York Times

Os aplicativos de livestreaming estão pagando pouco atualmente. Mas o que faz o Twitch se destacar, especialmente na música, é a maneira como a plataforma promove conexões entre os artistas e seu público, permitindo que essas conexões sejam monetizadas de forma eficiente. As interações com fãs - que se espalham pela tela num rio de pedidos de músicas, piadas internas e “emoticons” (emojis específicos do Twitch) - fazem tanta parte do show quanto o artista na tela, transmitindo a sensação de uma comunidade de apoio mútuo. Desde janeiro de 2018, Heafy, 35 anos, vem mantendo uma rotina estrita de Twitch, transmitindo quase todos os dias da semana às 9h00 e 15h00. Ao longo de até três horas seguidas, ele pratica riffs de guitarra - explicando pedagogicamente sua técnica para os alunos-fãs que fazem perguntas no bate-papo - improvisa com sua banda e joga games de tiro em primeira pessoa. Heafy tem cerca de 220 mil seguidores no Twitch e, a qualquer momento, bem mais de 10 mil pessoas costumam assistir. Toda essa atenção, disse ele, o mantém motivado. “Mesmo quando não sinto vontade de tocar, sei que as pessoas vão estar lá, querendo ouvir algumas horas de suas músicas favoritas do Trivium”, disse Heafy. “Então, tenho certeza de que estou lá para proporcionar um dia bom para eles”. O fator principal para a popularidade do Twitch entre os músicos é o seu modelo econômico, que está revolucionando silenciosamente os negócios ao fornecer uma alternativa ao sistema de serviços sob demanda nos quais o vencedor leva tudo, como Spotify, Apple Music e YouTube. Essas plataformas viraram o modo de consumo padrão, disponibilizando praticamente todas as músicas existentes de graça ou por uma pequena taxa de assinatura. Como feito tecnológico e oferta ao consumidor, são quase milagrosas. Mas, como sistemas de compartilhamento de receita, vêm sendo criticadas por pessoas que as acusam de desvalorizar a música a ponto de apenas as estrelas poderem ganhar a vida com as gravações. De acordo com os próprios números do Spotify, 97% dos artistas geraram menos de US$ 1 mil em pagamentos no ano passado. (O Spotify diz que o número crescente de músicos que ganham grandes somas é um sinal de seu valor).

Assista a apresentação de Heafy:

O Twitch, por outro lado, é um universo alternativo onde até mesmo artistas de nicho conseguem ganhar milhares de dólares por mês cultivando tribos de fãs cuja lealdade se expressa por meio do patrocínio. Com suas conversas interativas e uma economia interna de assinaturas de canais e bits (doações), o Twitch parece cumprir a promessa há muito alardeada, mas fugidia, de comércio criativo na internet. No entanto, a plataforma talvez funcione bem apenas para alguns tipos de artistas (ela é extremamente trabalhosa). Seu relacionamento com os detentores de direitos é tenso. E, embora tenha ganhado um impulso durante a pandemia, o Twitch em breve pode enfrentar um desafio quando os artistas e seus fãs saírem de seus casulos e voltarem aos eventos presenciais. Mas, para aqueles que ganham a vida na plataforma, tem sido uma revelação. Seu potencial foi destacado num relatório recente de Will Page, ex-economista-chefe do Spotify, que comparou os ganhos dos músicos e o alcance da audiência no Twitch com os de serviços de áudio sob demanda, como Spotify e Apple Music. Os números, embora anedóticos, são impressionantes. De acordo com o relatório de Page, Laura Shigihara, uma compositora de música para videogame, no ano passado ganhou uma média de cerca de US$ 700 por mês em plataformas de áudio, mas US$ 8 mil por mês no Twitch, onde ela canta e toca piano em uma sala aconchegante, cheia bichos de pelúcia de estilo anime. Em 2019 e 2020, a banda de Heafy, a Trivium, arrecadou uma média de US$ 11 mil por mês com os serviços de áudio, enquanto seu próprio canal no Twitch gerou quase o mesmo tanto (pouco menos de US$ 10 mil) de um público que tinha cerca de um décimo do tamanho. A banda Aeseaes, um casal de Austin, Texas, especializado em covers acústicos, ganhou 70% de sua renda em 2019 e 2020 com o Twitch; apenas 6% vieram de serviços de streaming de áudio e Bandcamp, a loja de música indie online. “Tem algo a ver com poder apoiar diretamente um artista de que você está gostando, poder ver esse apoio aceito por esse artista e receber um agradecimento imediato”, disse Travis, da Aeseaes, que toca baixo e faz os microfones que ele e sua esposa, Allie, que canta e toca violão, usa nas transmissões. (Ambos estão na casa dos 30 anos e usam apenas os primeiros nomes profissionalmente).

Allie e Travis, um casal que se apresenta como Aeseaes, fazem transmissão ao vivo pelo Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

Tracy Patrick Chan, diretor de música do Twitch, disse que dos músicos que conseguem ganhar US$ 50 mil por ano na plataforma, sua audiência média - o número de pessoas assistindo a suas transmissões num determinado momento - é de apenas 183. Em comparação, seriam necessários de 5 milhões a 10 milhões de streams para render o mesmo pagamento nas principais plataformas de streaming de áudio, de acordo com a maioria das estimativas das taxas por stream desses serviços. “O que os artistas do Twitch estão mostrando é que você só precisa de um público apaixonado e eles estarão lá para apoiá-lo”, disse Chan. O dinheiro vem na forma de assinaturas - por $ 5, $ 10 ou $ 25 por mês - bem como bits e links para sites de doação e arrecadação de fundos de terceiros, como o Patreon. À medida que cresce, o Twitch parece cada vez mais capaz de apoiar uma ampla classe média de músicos, um conceito que há anos vem sendo discutido nas conversas de relações públicas nos serviços digitais. O Twitch consegue fazer tudo isso gamificando a relação artista-fã e canalizando os pagamentos do público diretamente para os músicos. (O Twitch fica com 50% ou menos das assinaturas e compartilha a receita de bits com os streamers). Isso contrasta com o chamado método pro rata de distribuição de royalties usado pela maioria dos serviços de áudio sob demanda, onde todo o dinheiro recebido pela plataforma é dividido pelo número total de cliques. Esse sistema equaliza as taxas, mas também significa que os usuários subsidiam muitas músicas que nunca ouvem, e o “pico” de alto rendimento da curva de distribuição - superestrelas como Drake e Dua Lipa - é quem mais se beneficia. “O foco do Twitch não é a cabeça ou o rabo da curva, mas o crescimento do torso - o corpo de artistas de classe média”, disse Page. “É algo distante do tradicional modelo de sucesso ou fracasso, onde os sucessos ficam com tudo e os fracassos perdem muito”. Li Jin, um capitalista de risco especializado no mundo dos influenciadores de redes sociais, vê o Twitch como um pioneiro no que se tornou uma tendência de rápida disseminação na ampla “economia de criadores” online. Criadores de conteúdo de todos os tipos estão encontrando maneiras de monetizar públicos pequenos, mas dedicados, e as plataformas estão competindo para atendê-los - como as newsletters da Substack, o novo recurso Super Follows do Twitter e assinaturas de podcast da Apple. “Você não pode simplesmente oferecer uma maneira de monetizar os criadores, porque seus fãs são heterogêneos; todos eles têm diferentes graus de intensidade de fandom”, disse Jin. Os criadores precisam de “uma variedade de maneiras diferentes de monetizar diferentes subconjuntos de seu público”. Ter sucesso no streaming de música, porém, é um trabalho árduo. Travis e Allie, da Aeseaes (pronuncia-se “A.C.S.”, uma abreviação do nome do canal: a_couple_streams) deixaram seus empregos de escritório há cinco anos para se concentrar no Twitch. Ao contrário de muitos que usam a plataforma para dar vislumbres dos bastidores de seu processo criativo, Travis e Allie apresentam o equivalente a um show intimista no palco, com iluminação ambiente e uma câmera dedicada a um de seus gatos fofos. A única conversa é seu efusivo agradecimento aos contribuidores. Aeseaes tem mais de 5 mil espectadores em cada transmissão, com cerca de 1 mil sintonizando a qualquer momento, e seu canal manteve bem mais de 1 mil assinantes pagantes a cada mês nos últimos dois anos, de acordo com um relatório de dados que o casal compartilhou com o New York Times. Esse sucesso permite que Travis e Allie se dediquem em tempo integral a fazer música em casa. Mas, para manter seus negócios e seu engajamento, eles precisam produzir conteúdo regularmente, ficando online três vezes por semana por cerca de três horas a cada vez. “Desde o início, sabemos que o streaming no Twitch é uma espécie de corrida de resistência”, disse Allie. Page compara a gestão de uma conta no Twitch com a operação de um táxi: você só ganha dinheiro se o taxímetro estiver funcionando. E as viagens longas são as mais lucrativas.

Em Ottawa, no Canadá, Danielle Allard também toca, ao vivo, através da plataforma Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

A vastidão do público do Twitch significa que os streamers devem aproveitar todas as oportunidades para aumentar o alcance. Este mês, Danielle Allard, uma musicista e professora de 31 anos de Ottawa, Ontário, que começou a fazer experiências com transmissão ao vivo há um ano, soube que um set planejado para as 6h da manhã seria destaque na página inicial do Twitch - o equivalente ao horário nobre na TV. Allard acordou às 4, preparou o equipamento, fez um chá e ficou online - por quase sete horas, tocando originais, covers de Cranberries e Chris Isaak e alguns solos chorosos. No final, ela estava às lágrimas e parecia quase delirar de alegria. Seu stream, que geralmente consegue algumas centenas de espectadores por vez, atraiu 408 novos assinantes e 1.659 seguidores, o que a levou a ultrapassar a marca de 10 mil. (As principais contas de games têm bem mais de 5 milhões de seguidores). Falando cerca de uma hora depois que sua transmissão terminou - e ainda sem ter comido - Allard elogiou a generosidade de seus fãs, a quem ela chama de “dinos”. Suas contribuições, disse, rendem a ela alguns milhares de dólares por mês. Ela tem um álbum e um EP nas plataformas de streaming de áudio. Rendem algum dinheiro? “Oh, meu Deus, não”, disse ela.

Tradução de Renato Prelorentzou.

Todos os dias da semana, às 8h30, depois de vestir e alimentar seus filhos gêmeos de 2 anos e abrir a porta para a babá, Matthew K. Heafy foge para um quarto desocupado em sua casa em Orlando, Flórida, liga três computadores, três câmeras e uma bateria de equipamentos e se prepara para sua transmissão matinal ao vivo. Heafy, guitarrista e vocalista da banda de metal Trivium, é um dos músicos mais dedicados do Twitch, a plataforma de streaming ao vivo que começou há uma década como um paraíso dos games, mas se tornou uma miscelânea sempre ativa de entretenimento - uma plataforma que se provou especialmente atraente para músicos durante a pandemia.

O Twitch, que é propriedade da Amazon, atrai uma média de 30 milhões de visitantes por dia e seus usuários assistiram a mais de 1 trilhão de minutos de conteúdo no ano passado, de acordo com a empresa.

Matthew Heafy, integrante da banda de metal Trivium, se prepara para transmitir música ao vivo no Twitch de sua casa em Orlando, Flórida. Foto: Matt Grubb/The New York Times

Os aplicativos de livestreaming estão pagando pouco atualmente. Mas o que faz o Twitch se destacar, especialmente na música, é a maneira como a plataforma promove conexões entre os artistas e seu público, permitindo que essas conexões sejam monetizadas de forma eficiente. As interações com fãs - que se espalham pela tela num rio de pedidos de músicas, piadas internas e “emoticons” (emojis específicos do Twitch) - fazem tanta parte do show quanto o artista na tela, transmitindo a sensação de uma comunidade de apoio mútuo. Desde janeiro de 2018, Heafy, 35 anos, vem mantendo uma rotina estrita de Twitch, transmitindo quase todos os dias da semana às 9h00 e 15h00. Ao longo de até três horas seguidas, ele pratica riffs de guitarra - explicando pedagogicamente sua técnica para os alunos-fãs que fazem perguntas no bate-papo - improvisa com sua banda e joga games de tiro em primeira pessoa. Heafy tem cerca de 220 mil seguidores no Twitch e, a qualquer momento, bem mais de 10 mil pessoas costumam assistir. Toda essa atenção, disse ele, o mantém motivado. “Mesmo quando não sinto vontade de tocar, sei que as pessoas vão estar lá, querendo ouvir algumas horas de suas músicas favoritas do Trivium”, disse Heafy. “Então, tenho certeza de que estou lá para proporcionar um dia bom para eles”. O fator principal para a popularidade do Twitch entre os músicos é o seu modelo econômico, que está revolucionando silenciosamente os negócios ao fornecer uma alternativa ao sistema de serviços sob demanda nos quais o vencedor leva tudo, como Spotify, Apple Music e YouTube. Essas plataformas viraram o modo de consumo padrão, disponibilizando praticamente todas as músicas existentes de graça ou por uma pequena taxa de assinatura. Como feito tecnológico e oferta ao consumidor, são quase milagrosas. Mas, como sistemas de compartilhamento de receita, vêm sendo criticadas por pessoas que as acusam de desvalorizar a música a ponto de apenas as estrelas poderem ganhar a vida com as gravações. De acordo com os próprios números do Spotify, 97% dos artistas geraram menos de US$ 1 mil em pagamentos no ano passado. (O Spotify diz que o número crescente de músicos que ganham grandes somas é um sinal de seu valor).

Assista a apresentação de Heafy:

O Twitch, por outro lado, é um universo alternativo onde até mesmo artistas de nicho conseguem ganhar milhares de dólares por mês cultivando tribos de fãs cuja lealdade se expressa por meio do patrocínio. Com suas conversas interativas e uma economia interna de assinaturas de canais e bits (doações), o Twitch parece cumprir a promessa há muito alardeada, mas fugidia, de comércio criativo na internet. No entanto, a plataforma talvez funcione bem apenas para alguns tipos de artistas (ela é extremamente trabalhosa). Seu relacionamento com os detentores de direitos é tenso. E, embora tenha ganhado um impulso durante a pandemia, o Twitch em breve pode enfrentar um desafio quando os artistas e seus fãs saírem de seus casulos e voltarem aos eventos presenciais. Mas, para aqueles que ganham a vida na plataforma, tem sido uma revelação. Seu potencial foi destacado num relatório recente de Will Page, ex-economista-chefe do Spotify, que comparou os ganhos dos músicos e o alcance da audiência no Twitch com os de serviços de áudio sob demanda, como Spotify e Apple Music. Os números, embora anedóticos, são impressionantes. De acordo com o relatório de Page, Laura Shigihara, uma compositora de música para videogame, no ano passado ganhou uma média de cerca de US$ 700 por mês em plataformas de áudio, mas US$ 8 mil por mês no Twitch, onde ela canta e toca piano em uma sala aconchegante, cheia bichos de pelúcia de estilo anime. Em 2019 e 2020, a banda de Heafy, a Trivium, arrecadou uma média de US$ 11 mil por mês com os serviços de áudio, enquanto seu próprio canal no Twitch gerou quase o mesmo tanto (pouco menos de US$ 10 mil) de um público que tinha cerca de um décimo do tamanho. A banda Aeseaes, um casal de Austin, Texas, especializado em covers acústicos, ganhou 70% de sua renda em 2019 e 2020 com o Twitch; apenas 6% vieram de serviços de streaming de áudio e Bandcamp, a loja de música indie online. “Tem algo a ver com poder apoiar diretamente um artista de que você está gostando, poder ver esse apoio aceito por esse artista e receber um agradecimento imediato”, disse Travis, da Aeseaes, que toca baixo e faz os microfones que ele e sua esposa, Allie, que canta e toca violão, usa nas transmissões. (Ambos estão na casa dos 30 anos e usam apenas os primeiros nomes profissionalmente).

Allie e Travis, um casal que se apresenta como Aeseaes, fazem transmissão ao vivo pelo Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

Tracy Patrick Chan, diretor de música do Twitch, disse que dos músicos que conseguem ganhar US$ 50 mil por ano na plataforma, sua audiência média - o número de pessoas assistindo a suas transmissões num determinado momento - é de apenas 183. Em comparação, seriam necessários de 5 milhões a 10 milhões de streams para render o mesmo pagamento nas principais plataformas de streaming de áudio, de acordo com a maioria das estimativas das taxas por stream desses serviços. “O que os artistas do Twitch estão mostrando é que você só precisa de um público apaixonado e eles estarão lá para apoiá-lo”, disse Chan. O dinheiro vem na forma de assinaturas - por $ 5, $ 10 ou $ 25 por mês - bem como bits e links para sites de doação e arrecadação de fundos de terceiros, como o Patreon. À medida que cresce, o Twitch parece cada vez mais capaz de apoiar uma ampla classe média de músicos, um conceito que há anos vem sendo discutido nas conversas de relações públicas nos serviços digitais. O Twitch consegue fazer tudo isso gamificando a relação artista-fã e canalizando os pagamentos do público diretamente para os músicos. (O Twitch fica com 50% ou menos das assinaturas e compartilha a receita de bits com os streamers). Isso contrasta com o chamado método pro rata de distribuição de royalties usado pela maioria dos serviços de áudio sob demanda, onde todo o dinheiro recebido pela plataforma é dividido pelo número total de cliques. Esse sistema equaliza as taxas, mas também significa que os usuários subsidiam muitas músicas que nunca ouvem, e o “pico” de alto rendimento da curva de distribuição - superestrelas como Drake e Dua Lipa - é quem mais se beneficia. “O foco do Twitch não é a cabeça ou o rabo da curva, mas o crescimento do torso - o corpo de artistas de classe média”, disse Page. “É algo distante do tradicional modelo de sucesso ou fracasso, onde os sucessos ficam com tudo e os fracassos perdem muito”. Li Jin, um capitalista de risco especializado no mundo dos influenciadores de redes sociais, vê o Twitch como um pioneiro no que se tornou uma tendência de rápida disseminação na ampla “economia de criadores” online. Criadores de conteúdo de todos os tipos estão encontrando maneiras de monetizar públicos pequenos, mas dedicados, e as plataformas estão competindo para atendê-los - como as newsletters da Substack, o novo recurso Super Follows do Twitter e assinaturas de podcast da Apple. “Você não pode simplesmente oferecer uma maneira de monetizar os criadores, porque seus fãs são heterogêneos; todos eles têm diferentes graus de intensidade de fandom”, disse Jin. Os criadores precisam de “uma variedade de maneiras diferentes de monetizar diferentes subconjuntos de seu público”. Ter sucesso no streaming de música, porém, é um trabalho árduo. Travis e Allie, da Aeseaes (pronuncia-se “A.C.S.”, uma abreviação do nome do canal: a_couple_streams) deixaram seus empregos de escritório há cinco anos para se concentrar no Twitch. Ao contrário de muitos que usam a plataforma para dar vislumbres dos bastidores de seu processo criativo, Travis e Allie apresentam o equivalente a um show intimista no palco, com iluminação ambiente e uma câmera dedicada a um de seus gatos fofos. A única conversa é seu efusivo agradecimento aos contribuidores. Aeseaes tem mais de 5 mil espectadores em cada transmissão, com cerca de 1 mil sintonizando a qualquer momento, e seu canal manteve bem mais de 1 mil assinantes pagantes a cada mês nos últimos dois anos, de acordo com um relatório de dados que o casal compartilhou com o New York Times. Esse sucesso permite que Travis e Allie se dediquem em tempo integral a fazer música em casa. Mas, para manter seus negócios e seu engajamento, eles precisam produzir conteúdo regularmente, ficando online três vezes por semana por cerca de três horas a cada vez. “Desde o início, sabemos que o streaming no Twitch é uma espécie de corrida de resistência”, disse Allie. Page compara a gestão de uma conta no Twitch com a operação de um táxi: você só ganha dinheiro se o taxímetro estiver funcionando. E as viagens longas são as mais lucrativas.

Em Ottawa, no Canadá, Danielle Allard também toca, ao vivo, através da plataforma Twitch. Foto: Matt Grubb/The New York Times

A vastidão do público do Twitch significa que os streamers devem aproveitar todas as oportunidades para aumentar o alcance. Este mês, Danielle Allard, uma musicista e professora de 31 anos de Ottawa, Ontário, que começou a fazer experiências com transmissão ao vivo há um ano, soube que um set planejado para as 6h da manhã seria destaque na página inicial do Twitch - o equivalente ao horário nobre na TV. Allard acordou às 4, preparou o equipamento, fez um chá e ficou online - por quase sete horas, tocando originais, covers de Cranberries e Chris Isaak e alguns solos chorosos. No final, ela estava às lágrimas e parecia quase delirar de alegria. Seu stream, que geralmente consegue algumas centenas de espectadores por vez, atraiu 408 novos assinantes e 1.659 seguidores, o que a levou a ultrapassar a marca de 10 mil. (As principais contas de games têm bem mais de 5 milhões de seguidores). Falando cerca de uma hora depois que sua transmissão terminou - e ainda sem ter comido - Allard elogiou a generosidade de seus fãs, a quem ela chama de “dinos”. Suas contribuições, disse, rendem a ela alguns milhares de dólares por mês. Ela tem um álbum e um EP nas plataformas de streaming de áudio. Rendem algum dinheiro? “Oh, meu Deus, não”, disse ela.

Tradução de Renato Prelorentzou.

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