Ubirany: o que seria do samba sem o seu repique de mão?


Mais do que o banjo, trazido da música country por Almir Guineto, foi o instrumento inserido pelo fundador do Fundo de Quintal que se tornou uma necessidade instintiva em todas as rodas do país

Por Julio Maria
Atualização:

Ubirany, um dos motores rítmicos do Fundo de Quintal, foi mais uma vítima da covid-19. Ele morreu na manhã desta sexta (11), aos 80 anos, depois de ser internado em um hospital do Rio. Seu nome todo, que talvez só a família conhecesse, era Ubirany Félix do Nascimento. Bira Presidente, o irmão mais velho em uma família de quatro sambistas, segue à frente vitalícia do Fundo de Quintal, o grupo que mudou a forma de fazer e de tocar samba no Brasil a partir do início dos anos 1980.

Show do grupo Fundo de Quintal no Allianz Parque Hall, em 2019 Foto: GUSTAVO ANTERIO/FUTURA PRESS

A presença de Ubirany era como a de um dos alicerces sustentando a solidez da sobreposição rítmica criada pelo Fundo. Dentre as inovações que o grupo trouxe para a instalação de uma nova lógica sonora no samba, moderna e respeitosa, algo que iria ter reflexos no jeito de compor o partido-alto, a parte que coube a Ubirany foi o repique de mão. Almir Guineto, um dos integrantes do grupo, já havia colocado o banjo nas rodas – depois de ter ficado maravilhado ao ouvir o instrumento sendo usado na música country norte-americana.

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Mas, ainda mais do que o banjo – que não desbancou o protagonismo do cavaquinho, como alguns temiam, e jamais chegou à gala do bandolim –, o repique de mão se tornou uma peça instintivamente obrigatória em qualquer encontro que buscasse a divisão de uma base que desse molho ao partido-alto. Na Lapa do Rio ou em qualquer esquina do País em que três ou mais partideiros se reúnam para usar o samba do Fundo como matriz (97%, segundo cálculos apenas empíricos, sendo os outros 3% para o samba de roda do Recôncavo Baiano), ninguém faz nada sem o repique criado pelas mãos de Ubirany. Ou faz, mas nada além de um samba sem as delícias do Fundo de Quintal.

A morte de Ubirany, filho de pai serralheiro e boêmio do Estácio e de mãe dessas que as periferias cedem ao mundo sob a condição de mãe de santo da umbanda, batizada também no candomblé pela ialorixá Mãe Menininha do Gantois, foi comunicada pela assessoria de imprensa do Fundo de Quintal. “Viemos a público informar o falecimento, na manhã desta sexta-feira, de Ubirany Félix do Nascimento, o nosso querido Ubirany, aos 80 anos de idade.” Uma nota seca demais talvez pelo susto. O rapper Emicida escreveu que “2020 é um ano-tragédia” e a sambista Teresa Cristina disse, em seu Twitter: “Um verdadeiro gentleman. Sempre sorridente, elegante. Esse vírus terrível leva embora um pedaço do subúrbio carioca”.

Ao ser entrevistado por este repórter em 2019, dias antes de vir a São Paulo para se apresentar com Jorge Aragão (outro a passar pelo Fundo) no Allianz Parque, Ubirany falou o que o fez deixar os bastidores da agremiação de Ramos, na zona norte do Rio, da qual seu irmão segue na liderança. “Eu fui vice-presidente de lá por 33 anos, mas os compromissos com o grupo eram muitos”, lembrou, quando já tinha 79 anos. Sobre a passagem de tanta gente pela grande quadra vermelho e branca que tem um grande índio como símbolo logo na entrada, gente que responde por Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Jorge Aragão, Ubirany disse: “A vida acaba levando as pessoas para lados diferentes, mas nunca deixamos de ser amigos”.

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Quando veio o show, no dia seguinte, Ubirany, sempre à esquerda do palco para quem olha para ele, tocava seu repique de mão de forma tão leve que parecia estar dublando. Sua mão mal encostava na pele do instrumento, como se ele estivesse ali apenas de maneira cênica, enquanto outros integrantes mais jovens seguravam as vozes e a base mais pesada da percussão.

Uma pessoa ao lado do repórter comentou o que deveria estar se passando com Ubirany, por que ele não tocava pra valer? Bira, seu irmão, mais ao centro do palco, também se entregava com poucas falas, sempre cortadas por algum outro integrante. Enquanto isso, Ubirany, tocando ou fingindo, sorria por debaixo de um bigode que parecia deixar seu sorriso ainda maior. Algum tempo depois daquela noite, sua última apresentação em São Paulo, fica mais claro. Como o irmão Bira, Ubirany não seguia mais no Fundo como um integrante. Ele já era maior que isso. Só estava ali para emprestar um pouco do seu passado.

Ubirany, um dos motores rítmicos do Fundo de Quintal, foi mais uma vítima da covid-19. Ele morreu na manhã desta sexta (11), aos 80 anos, depois de ser internado em um hospital do Rio. Seu nome todo, que talvez só a família conhecesse, era Ubirany Félix do Nascimento. Bira Presidente, o irmão mais velho em uma família de quatro sambistas, segue à frente vitalícia do Fundo de Quintal, o grupo que mudou a forma de fazer e de tocar samba no Brasil a partir do início dos anos 1980.

Show do grupo Fundo de Quintal no Allianz Parque Hall, em 2019 Foto: GUSTAVO ANTERIO/FUTURA PRESS

A presença de Ubirany era como a de um dos alicerces sustentando a solidez da sobreposição rítmica criada pelo Fundo. Dentre as inovações que o grupo trouxe para a instalação de uma nova lógica sonora no samba, moderna e respeitosa, algo que iria ter reflexos no jeito de compor o partido-alto, a parte que coube a Ubirany foi o repique de mão. Almir Guineto, um dos integrantes do grupo, já havia colocado o banjo nas rodas – depois de ter ficado maravilhado ao ouvir o instrumento sendo usado na música country norte-americana.

Mas, ainda mais do que o banjo – que não desbancou o protagonismo do cavaquinho, como alguns temiam, e jamais chegou à gala do bandolim –, o repique de mão se tornou uma peça instintivamente obrigatória em qualquer encontro que buscasse a divisão de uma base que desse molho ao partido-alto. Na Lapa do Rio ou em qualquer esquina do País em que três ou mais partideiros se reúnam para usar o samba do Fundo como matriz (97%, segundo cálculos apenas empíricos, sendo os outros 3% para o samba de roda do Recôncavo Baiano), ninguém faz nada sem o repique criado pelas mãos de Ubirany. Ou faz, mas nada além de um samba sem as delícias do Fundo de Quintal.

A morte de Ubirany, filho de pai serralheiro e boêmio do Estácio e de mãe dessas que as periferias cedem ao mundo sob a condição de mãe de santo da umbanda, batizada também no candomblé pela ialorixá Mãe Menininha do Gantois, foi comunicada pela assessoria de imprensa do Fundo de Quintal. “Viemos a público informar o falecimento, na manhã desta sexta-feira, de Ubirany Félix do Nascimento, o nosso querido Ubirany, aos 80 anos de idade.” Uma nota seca demais talvez pelo susto. O rapper Emicida escreveu que “2020 é um ano-tragédia” e a sambista Teresa Cristina disse, em seu Twitter: “Um verdadeiro gentleman. Sempre sorridente, elegante. Esse vírus terrível leva embora um pedaço do subúrbio carioca”.

Ao ser entrevistado por este repórter em 2019, dias antes de vir a São Paulo para se apresentar com Jorge Aragão (outro a passar pelo Fundo) no Allianz Parque, Ubirany falou o que o fez deixar os bastidores da agremiação de Ramos, na zona norte do Rio, da qual seu irmão segue na liderança. “Eu fui vice-presidente de lá por 33 anos, mas os compromissos com o grupo eram muitos”, lembrou, quando já tinha 79 anos. Sobre a passagem de tanta gente pela grande quadra vermelho e branca que tem um grande índio como símbolo logo na entrada, gente que responde por Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Jorge Aragão, Ubirany disse: “A vida acaba levando as pessoas para lados diferentes, mas nunca deixamos de ser amigos”.

Quando veio o show, no dia seguinte, Ubirany, sempre à esquerda do palco para quem olha para ele, tocava seu repique de mão de forma tão leve que parecia estar dublando. Sua mão mal encostava na pele do instrumento, como se ele estivesse ali apenas de maneira cênica, enquanto outros integrantes mais jovens seguravam as vozes e a base mais pesada da percussão.

Uma pessoa ao lado do repórter comentou o que deveria estar se passando com Ubirany, por que ele não tocava pra valer? Bira, seu irmão, mais ao centro do palco, também se entregava com poucas falas, sempre cortadas por algum outro integrante. Enquanto isso, Ubirany, tocando ou fingindo, sorria por debaixo de um bigode que parecia deixar seu sorriso ainda maior. Algum tempo depois daquela noite, sua última apresentação em São Paulo, fica mais claro. Como o irmão Bira, Ubirany não seguia mais no Fundo como um integrante. Ele já era maior que isso. Só estava ali para emprestar um pouco do seu passado.

Ubirany, um dos motores rítmicos do Fundo de Quintal, foi mais uma vítima da covid-19. Ele morreu na manhã desta sexta (11), aos 80 anos, depois de ser internado em um hospital do Rio. Seu nome todo, que talvez só a família conhecesse, era Ubirany Félix do Nascimento. Bira Presidente, o irmão mais velho em uma família de quatro sambistas, segue à frente vitalícia do Fundo de Quintal, o grupo que mudou a forma de fazer e de tocar samba no Brasil a partir do início dos anos 1980.

Show do grupo Fundo de Quintal no Allianz Parque Hall, em 2019 Foto: GUSTAVO ANTERIO/FUTURA PRESS

A presença de Ubirany era como a de um dos alicerces sustentando a solidez da sobreposição rítmica criada pelo Fundo. Dentre as inovações que o grupo trouxe para a instalação de uma nova lógica sonora no samba, moderna e respeitosa, algo que iria ter reflexos no jeito de compor o partido-alto, a parte que coube a Ubirany foi o repique de mão. Almir Guineto, um dos integrantes do grupo, já havia colocado o banjo nas rodas – depois de ter ficado maravilhado ao ouvir o instrumento sendo usado na música country norte-americana.

Mas, ainda mais do que o banjo – que não desbancou o protagonismo do cavaquinho, como alguns temiam, e jamais chegou à gala do bandolim –, o repique de mão se tornou uma peça instintivamente obrigatória em qualquer encontro que buscasse a divisão de uma base que desse molho ao partido-alto. Na Lapa do Rio ou em qualquer esquina do País em que três ou mais partideiros se reúnam para usar o samba do Fundo como matriz (97%, segundo cálculos apenas empíricos, sendo os outros 3% para o samba de roda do Recôncavo Baiano), ninguém faz nada sem o repique criado pelas mãos de Ubirany. Ou faz, mas nada além de um samba sem as delícias do Fundo de Quintal.

A morte de Ubirany, filho de pai serralheiro e boêmio do Estácio e de mãe dessas que as periferias cedem ao mundo sob a condição de mãe de santo da umbanda, batizada também no candomblé pela ialorixá Mãe Menininha do Gantois, foi comunicada pela assessoria de imprensa do Fundo de Quintal. “Viemos a público informar o falecimento, na manhã desta sexta-feira, de Ubirany Félix do Nascimento, o nosso querido Ubirany, aos 80 anos de idade.” Uma nota seca demais talvez pelo susto. O rapper Emicida escreveu que “2020 é um ano-tragédia” e a sambista Teresa Cristina disse, em seu Twitter: “Um verdadeiro gentleman. Sempre sorridente, elegante. Esse vírus terrível leva embora um pedaço do subúrbio carioca”.

Ao ser entrevistado por este repórter em 2019, dias antes de vir a São Paulo para se apresentar com Jorge Aragão (outro a passar pelo Fundo) no Allianz Parque, Ubirany falou o que o fez deixar os bastidores da agremiação de Ramos, na zona norte do Rio, da qual seu irmão segue na liderança. “Eu fui vice-presidente de lá por 33 anos, mas os compromissos com o grupo eram muitos”, lembrou, quando já tinha 79 anos. Sobre a passagem de tanta gente pela grande quadra vermelho e branca que tem um grande índio como símbolo logo na entrada, gente que responde por Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Jorge Aragão, Ubirany disse: “A vida acaba levando as pessoas para lados diferentes, mas nunca deixamos de ser amigos”.

Quando veio o show, no dia seguinte, Ubirany, sempre à esquerda do palco para quem olha para ele, tocava seu repique de mão de forma tão leve que parecia estar dublando. Sua mão mal encostava na pele do instrumento, como se ele estivesse ali apenas de maneira cênica, enquanto outros integrantes mais jovens seguravam as vozes e a base mais pesada da percussão.

Uma pessoa ao lado do repórter comentou o que deveria estar se passando com Ubirany, por que ele não tocava pra valer? Bira, seu irmão, mais ao centro do palco, também se entregava com poucas falas, sempre cortadas por algum outro integrante. Enquanto isso, Ubirany, tocando ou fingindo, sorria por debaixo de um bigode que parecia deixar seu sorriso ainda maior. Algum tempo depois daquela noite, sua última apresentação em São Paulo, fica mais claro. Como o irmão Bira, Ubirany não seguia mais no Fundo como um integrante. Ele já era maior que isso. Só estava ali para emprestar um pouco do seu passado.

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