O dia 27 de novembro de 1970 foi uma espécie de redenção para milhares de adolescentes que haviam passado esse período mágico da vida ao som dos Beatles. Até essa data, desde o fatídico 10 de abril desse mesmo ano, quando Paul McCartney anunciou o fim da banda, a impressão era de que a juventude havia acabado.
Mas foi justamente o Beatle mais acanhado, quieto e de talento desprezado pela dupla Lennon e McCartney que reviveu o sonho que toda uma geração pensava estar morto. George Harrison apresentava seu álbum solo All Things Must Pass.
Agora, 50 anos depois do lançamento dessa peça histórica, Olivia e Dhani Harrison, viúva e filho de George, preparam uma nova surpresa: uma reedição especial do álbum que colocou o ex-Beatle no pedestal dos grandes compositores.
Até então, nada semelhante havia aparecido no mercado do rock/pop: um álbum com três LPs, acondicionados em uma caixa de muito bom gosto, letras das canções, fotos, arranjos demolidores de Harrison e de um certo Phil Spector, sem contar a ajuda de um grupo invejável de músicos de apoio que ia de Eric Clapton a Billy Preston, de Ringo Starr a Bob Dylan, para citar apenas alguns poucos exemplos.
Para resgatar essas preciosidades, uma equipe formada por engenheiros de som, músicos e amigos, comandada por Dhani Harrison, está mergulhada há meses em velhas caixas contendo as fitas originais das sessões de gravação de All Things Must Pass.
“Temos pessoas vasculhando montanhas de fitas e elas continuam chegando até nós”, diz Dhani com entusiasmo. “São caixas e mais caixas de material, com muita coisa inédita e que não se limita apenas às gravações de All Things Must Pass, mas também à fase do selo Dark Horse, criado por George depois da dissolução da Apple.”
“Infelizmente, muito desse material foi pirateado, mal aproveitado”, disse Olivia. “Mas o lado bom de tudo isso é que, aos poucos, vamos descobrindo, por exemplo, várias versões de uma mesma música. Conseguimos recuperar todas as 24 faixas de All Things Must Pass em seus vários takes, além de muitas conversas em estúdio.”
Para aumentar a expectativa que já se forma em torno da celebração dos 50 anos do álbum, Olivia deixa escapar que, no material pesquisado, há vários covers de Bob Dylan nunca editados e uma canção composta por Harrison e Dylan chamada Window Window, até hoje nunca lançada formalmente.
Em novembro de 1970, o lançamento de All Things Must Pass foi um choque, no melhor dos sentidos, para o mercado fonográfico da época. O álbum trouxe à luz um George Harrison paciente que, ao longo do tempo em que integrou os Beatles, armazenou com cuidado as muitas canções rejeitadas por Lennon e McCartney, sob o argumento discutível de que eram inadequadas para a banda.
Músicas como Let it Down e mesmo a faixa-título All Things Must Pass chegaram a ser ensaiadas pela banda, como revelou o projeto Anthology, de meados dos anos 1990, mas descartadas sem maiores explicações ao autor.
O fim dos Beatles, portanto, foi libertador para Harrison. Valeu-se de sua afinidade poética e amizade fraterna com Bob Dylan e com ele compôs I’d Have You Anytime, faixa que abre o álbum triplo. Deu seu toque pessoal a If Not For You, também de Dylan, e reafirmou ao mundo sua profunda religiosidade com Beware of Darkness e My Sweet Lord.
Um ano depois da morte de George Harrison, em 29 de novembro de 2001, aos 58 anos, Eric Clapton organizou um grande encontro de músicos no Royal Albert Hall, em Londres, para celebrar “a vida e a música de George Harrison”, como afirmou na abertura do concerto.
No palco, além de Clapton, músicos indianos como Ravi Shankar e sua filha Anouska, Jeff Lynne, Ringo Starr, Tom Petty, Billy Preston e, finalmente, Paul McCartney, que se rendeu ao seu “baby brother” e o homenageou com For You Blue, Something (em arranjo magistral de Clapton e grupo), While My Guitar Gently Weeps e, claro, All Things Must Pass. Estava feita justiça ao grande músico.
Agora é aguardar o lançamento da edição comemorativa de 50 anos de uma obra-prima, que hoje figura entre os 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.