Os 20 anos sem Wilson Simonal respondem por si à dúvida: e então, Simonal foi absolvido? Se ser absolvido é ser lembrado e ser condenado é amargar o silêncio, não há dúvidas de que sim, Simonal vive. Sua obra ganhou uma concorrência séria que poderia abafá-la, a acusação de colaboração com o regime militar por ter pedido que alguns brucutus do Dops dessem uma coça em seu contador. Um erro sob todos os ângulos que a passagem for analisada, mas também um ato impensado que ganhou proporções descomunais ao que de fato foi. Um documentário, um filme e algumas biografias depois, Wilson Simonal, defenestrado em vida da própria carreira, é reabilitado a um posto difícil de ser roubado.
Ele morreu há exatos 20 anos, a 25 de julho de 2000, e, em mais um ato de onipresença, tem um single retrabalhado pelo filho, Wilson Simoninha, e pelo parceiro, autor de Sá Marina com Tibério Gaspar, o pianista Antonio Adolfo. E assim se percebe uma abrangência em Simonal digna de poucos. Ele colocava sua voz grande e cheia de recursos a serviço de uma música pop sem necessariamente ser fácil ou plagiada. Muito graças também a quem esteve a seu lado, como Cesar Camargo Mariano e Adolfo, sua canção se tornou popular na comunicação e interessante na feitura, e isso foi conseguido poucas vezes na MPB.
Correnteza, que estava em um compacto distribuído pela gravadora Odeon nas versões simples e dupla, em 1968, um tanto eclipsada pelo sucesso de Sá Marina, ressurge agora, pelas mãos do filho Simoninha e do pianista Antonio Adolfo, justamente um dos autores de Sá Marina e da própria Correnteza, ao lado de Tibério Gaspar, quando já se chamava o que Simonal fazia de toada moderna, um conceito mais aprofundado à “pilantragem” de Carlos Imperial.
Quem explica a criação da linguagem de Simonal é seu próprio criador, Antonio Adolfo: “Logo depois que Simonal gravou Sá Marina e foi aquele sucesso total, eu e Tibério apresentamos Correnteza. Ele adorou e fez uma bela gravação. Uma pena que não tenha feito tanto sucesso naquela época, mas agora com essa regravação tenho certeza que vai ser um estouro.”
A origem de tudo, Adolfo também conta: “Tudo vem daquela linguagem que Simonal lançou em Mamãe passou açúcar em mim, Carango e Meu limão, meu limoeiro. Eu e Tibério estávamos compondo o que chamamos de toada moderna. Só que eu já tinha tocado com Simonal com o Trio 3D, já tinha feito vários shows com ele e a Darlene Glória, aqui no Beco da Garrafas.” Depois de várias apresentações por clubes e temporadas fora do Rio, Antonio Adolfo pensou: “Olha essa toada aqui, se colocar um molho aqui do tipo que Simonal faz, vai ser demais”. E foi o que aconteceu com Sá Marina.
Antonio Adolfo conta que Simoninha o perguntou com qual música eles poderiam homenagear Simonal. “Eu disse que poderia até tocar o piano e fazer um arranjo básico para Correnteza. Gravei na casa da minha filha, que tem umas câmeras, junto com o baixista Pedro Garcia. Não sabia que ia ficar tão legal depois que Simoninha colocou bateria, guitarra e ele cantando.” O brasiliense Gabriel Grossi faz um belo improviso de gaita.
Simoninha fala do pai. Ele responde o que sente sobre o episódio do contador 20 anos depois, quando a história já foi revisitada algumas vezes. “Não tenho dúvidas. Simonal é um cara que foi proscrito da música popular brasileira e nem todo mundo sabia dos detalhes. Ter a história dele contada de diversas formas em diferentes manifestações artísticas dá uma dimensão da quantidade de fãs e de gente que ele representa. É impressionante o retorno que temos por meio de mensagens vindas daqui e de fora. Os números também. As pessoas escutam muito mais as músicas. Acho que o mundo, diante de tudo o que aconteceu principalmente nos últimos tempos aqui no país, havia uma coisa meio que proibida a respeito da história do contador. Como dizem os sábios, o Brasil não é um país para amadores. Aconteceu tantas coisas e tentaram entender melhor determinados fatos e versões. A prova maior é tudo que saia sobre Simonal tem uma vírgula e hoje superamos isso.”