'Não fumamos com o bolso'


Ele ingeriu nicotina por mais de 50 anos. Parou. E não foi por causa do preço do cigarro

Por Monica Manir

Ivan Izquierdo ainda não viu Gran Torino. Não absorveu a figura de Clint Eastwood sorvendo um cigarro após o outro, sendo consumido pelo remorso e por um câncer de pulmão. Mas esse estudioso da memória, argentino radicado no Brasil desde 1973, tem na cabeça várias cenas de cinema em que o fumo era autorizadíssimo. Lembra as clássicas dos anos 40, 50, nas quais o cirurgião que acaba de operar o paciente vai vê-lo no quarto, oferece-lhe um cigarro e fumam os dois. "Hoje ficamos estarrecidos ao ver um filme assim, mas era raro quem não fumava naquela época", diz. Ele começou por esse tempo e, durante 50 anos, tentou parar com a dependência. Só conseguiu há seis anos e meio, depois de estabelecer um pacto com a neta, que o induziu a mastigar chicletes... de nicotina. Doutor em farmacologia, pesquisador da PUCRS, o médico tem acompanhado as últimas investidas contra o fumo, entre elas a insistência em imagens grotescas nos maços e o aumento dos impostos sobre o cigarro. Uma lhe parece over. Outra, inócua. Ponto a ponto, ele expõe abaixo o que considera eficaz contra o mais persistente dos vícios. Trocar a palavra "vício" por "dependência", aliás, seria um bom começo. "Dependência é uma doença que se trata; vício sugere um problema moral, como se o dependente fosse sem-vergonha, coisa que não é." O ACCUMBENS"Existe uma área cerebral, o núcleo accumbens, que regula a atenção, mas também a formação de dependência das drogas. De alguma forma esse núcleo, localizado perto do hipotálamo, registra a memória dos efeitos da substância e passa a cobrar mais e mais. Cria uma necessidade, não um desejo. No início o dependente usa a droga porque gosta. Em pouco tempo passa a não querer mais ingeri-la, mas se sente muito mal com essa ausência. Em alguns casos, a última dose, a máxima, ainda parece insuficiente. Então se chega à overdose. É muito sutil a diferença entre um momento não extremo e o momento extremo. Por isso é um problema mundial tão grave. UM BALAIO DE DROGAS"Pelo fato de existirem mecanismos fisiológicos comuns a muitas drogas, o indivíduo, quando não tem uma disponível, procura outra, e muitas vezes gosta de misturar várias porque chega uma hora em que o efeito de cada uma não é suficiente. Isso é relativamente comum entre os humanos e menos nos animais. Uma pessoa com carência de crack, por exemplo, se embebeda ou fuma como um doido até conseguir novamente o acesso à pedra. Geralmente a segunda droga para todos é o álcool. A terceira, a maconha.CIGARRO, O MAIS DIFÍCIL"O cigarro é o pior de parar porque não causa grandes problemas de comportamento. Um drogado que comete atos ilícitos, crimes, pode ser preso. A consequência social dessa sua dependência é grave. Com o fumante isso não acontece. Ao mesmo tempo, o usuário sabe que o cigarro não é benigno. O fumante se sente muito mal quando fica mais de uma hora sem fumar. Bate uma angústia, uma ansiedade, ele enxerga cores alteradas, agride no trânsito. O cigarro é um companheiro tão próximo que, sem ele, a pessoa sente que vai matar ou morrer. Daí prefere voltar a fumar.FUMANTES ANÔNIMOS"Não-fumantes vão cobrar do fumante que largue a dependência, o que não funciona. Melhor é a pessoa se rodear de outros na mesma situação para ter reforço. Existem os fumantes anônimos, os alcoólicos anônimos, os narcóticos anônimos. Sim, fumantes às vezes precisam do anonimato. Trabalho num hospital e ali há preconceito. Pacientes apontam o dedo para médicos que saem do prédio para fumar. Para alcoólatras e drogados, o problema é terrível. O indivíduo pode parar de beber ou de usar drogas por décadas que ainda será classificado assim. Maradona deixou de se drogar, custou-lhe muito, foi um mérito parar, mas ainda o insultam chamando-o de drogado. Uma vez dependente, sempre dependente, mas pode ser um dependente parado. É o princípio levantado pelos grupos anônimos justamente para que o indivíduo abandone a dependência. Não precisa colocar no pescoço dele um cartaz em que esteja escrito ?ex-dependente?. O CHATO"Não é verdade que, depois de parar de fumar, o ex-fumante vira um chato. Pelo contrário. Quem para geralmente se sente melhor. Eu hoje consigo cantar, a voz antes saía alterada. Tenho mais saúde, corro, caminho... Aquele que bebe vai dizer isso ao que parou de beber. O fumante que continua fumando vai dizer isso ao ex-fumante porque lhe convém fazê-lo para poder continuar. Se alguém precisa de droga ou fumo para se sentir alegre, não é uma boa alegria.SEM IDADE PARA COMEÇAR"Todas as idades estão sujeitas à dependência. A maioria de nós começa na adolescência, quando gostamos de experimentar algo novo. Mas há muitos que, depois de aposentados, por volta dos 70 ou 80 anos, se dedicam à bebida. É mais comum do que se pensa. Quanto ao cigarro, não sei. Mas conheço pessoas que começaram a fumar depois dos 50. ABRINDO O CÉREBRO"Hitler pensou em operações cerebrais para acabar com a dependência do cigarro. Ele era muito antifumo. Seria uma barbaridade, um crime. O que se pode fazer com terapias ou com remédios é melhor do que com a cirurgia, que sempre envolve riscos. Operar seres humanos para tentar resolver isso seria uma bestialidade. DÁ-LHE CAMPANHA!"Em relação ao tabaco, foi fantástico o efeito das campanhas educativas. A proporção de brasileiros que fumam hoje em dia é infinitamente menor do que há dez anos. Mas acho que há muito exagero nessas imagens colocadas nos versos dos maços. Não ajuda, satura. Diante do retrato de uma pessoa com graves deformidades, o fumante de 15 anos vai dizer: ?Eu não sou assim, meu tio fuma há 20 anos e não ficou assim?. Quanto ao aumento do preço do maço em função do aumento de impostos, acho em vão. O cigarro custa muitíssimo mais caro em outros países e lá se fuma mais do que aqui. Veja a Grécia. A gente não fuma com o bolso. A gente fuma com a garganta. E com o cérebro.HISTERIA GLOBALIZADA"Hoje, ao mesmo tempo que faltam dados importantes sobre os efeitos da droga, existe um excesso de informações em geral que nos deixa a todos mais ou menos histéricos, com um nervosismo e uma ansiedade enormes. Agora, é claro que existe dependência há muito tempo. Dependência da cocaína, por exemplo. Vi um filme do Chaplin da década de 1920 em que se percebe o consumo livre da droga. Chaplin faz um boxeador que, caído no canto do ringue, consome cocaína e volta a lutar. O consumo de cocaína não era visto como doença. Passou a ser na década de 30, 40. Perceberam que havia consequências para a saúde física.MINORIA"Os fumantes têm de se dar conta de que não têm mais lugar no mundo. É uma minoria que não possui nenhum direito de reclamar porque promove e motiva doença. Morre mais cedo do que os outros e causa a morte de outros mais cedo também. Acabo de ver aqui no meu computador mais uma pesquisa, desta vez americana, mostrando que os fumantes passivos sofrem danos à saúde comparáveis aos dos ativos. Há milhares de pesquisas demonstrando isso, milhares. O fumante está matando as pessoas que o rodeiam. E está matando pelo exemplo, inclusive."

Ivan Izquierdo ainda não viu Gran Torino. Não absorveu a figura de Clint Eastwood sorvendo um cigarro após o outro, sendo consumido pelo remorso e por um câncer de pulmão. Mas esse estudioso da memória, argentino radicado no Brasil desde 1973, tem na cabeça várias cenas de cinema em que o fumo era autorizadíssimo. Lembra as clássicas dos anos 40, 50, nas quais o cirurgião que acaba de operar o paciente vai vê-lo no quarto, oferece-lhe um cigarro e fumam os dois. "Hoje ficamos estarrecidos ao ver um filme assim, mas era raro quem não fumava naquela época", diz. Ele começou por esse tempo e, durante 50 anos, tentou parar com a dependência. Só conseguiu há seis anos e meio, depois de estabelecer um pacto com a neta, que o induziu a mastigar chicletes... de nicotina. Doutor em farmacologia, pesquisador da PUCRS, o médico tem acompanhado as últimas investidas contra o fumo, entre elas a insistência em imagens grotescas nos maços e o aumento dos impostos sobre o cigarro. Uma lhe parece over. Outra, inócua. Ponto a ponto, ele expõe abaixo o que considera eficaz contra o mais persistente dos vícios. Trocar a palavra "vício" por "dependência", aliás, seria um bom começo. "Dependência é uma doença que se trata; vício sugere um problema moral, como se o dependente fosse sem-vergonha, coisa que não é." O ACCUMBENS"Existe uma área cerebral, o núcleo accumbens, que regula a atenção, mas também a formação de dependência das drogas. De alguma forma esse núcleo, localizado perto do hipotálamo, registra a memória dos efeitos da substância e passa a cobrar mais e mais. Cria uma necessidade, não um desejo. No início o dependente usa a droga porque gosta. Em pouco tempo passa a não querer mais ingeri-la, mas se sente muito mal com essa ausência. Em alguns casos, a última dose, a máxima, ainda parece insuficiente. Então se chega à overdose. É muito sutil a diferença entre um momento não extremo e o momento extremo. Por isso é um problema mundial tão grave. UM BALAIO DE DROGAS"Pelo fato de existirem mecanismos fisiológicos comuns a muitas drogas, o indivíduo, quando não tem uma disponível, procura outra, e muitas vezes gosta de misturar várias porque chega uma hora em que o efeito de cada uma não é suficiente. Isso é relativamente comum entre os humanos e menos nos animais. Uma pessoa com carência de crack, por exemplo, se embebeda ou fuma como um doido até conseguir novamente o acesso à pedra. Geralmente a segunda droga para todos é o álcool. A terceira, a maconha.CIGARRO, O MAIS DIFÍCIL"O cigarro é o pior de parar porque não causa grandes problemas de comportamento. Um drogado que comete atos ilícitos, crimes, pode ser preso. A consequência social dessa sua dependência é grave. Com o fumante isso não acontece. Ao mesmo tempo, o usuário sabe que o cigarro não é benigno. O fumante se sente muito mal quando fica mais de uma hora sem fumar. Bate uma angústia, uma ansiedade, ele enxerga cores alteradas, agride no trânsito. O cigarro é um companheiro tão próximo que, sem ele, a pessoa sente que vai matar ou morrer. Daí prefere voltar a fumar.FUMANTES ANÔNIMOS"Não-fumantes vão cobrar do fumante que largue a dependência, o que não funciona. Melhor é a pessoa se rodear de outros na mesma situação para ter reforço. Existem os fumantes anônimos, os alcoólicos anônimos, os narcóticos anônimos. Sim, fumantes às vezes precisam do anonimato. Trabalho num hospital e ali há preconceito. Pacientes apontam o dedo para médicos que saem do prédio para fumar. Para alcoólatras e drogados, o problema é terrível. O indivíduo pode parar de beber ou de usar drogas por décadas que ainda será classificado assim. Maradona deixou de se drogar, custou-lhe muito, foi um mérito parar, mas ainda o insultam chamando-o de drogado. Uma vez dependente, sempre dependente, mas pode ser um dependente parado. É o princípio levantado pelos grupos anônimos justamente para que o indivíduo abandone a dependência. Não precisa colocar no pescoço dele um cartaz em que esteja escrito ?ex-dependente?. O CHATO"Não é verdade que, depois de parar de fumar, o ex-fumante vira um chato. Pelo contrário. Quem para geralmente se sente melhor. Eu hoje consigo cantar, a voz antes saía alterada. Tenho mais saúde, corro, caminho... Aquele que bebe vai dizer isso ao que parou de beber. O fumante que continua fumando vai dizer isso ao ex-fumante porque lhe convém fazê-lo para poder continuar. Se alguém precisa de droga ou fumo para se sentir alegre, não é uma boa alegria.SEM IDADE PARA COMEÇAR"Todas as idades estão sujeitas à dependência. A maioria de nós começa na adolescência, quando gostamos de experimentar algo novo. Mas há muitos que, depois de aposentados, por volta dos 70 ou 80 anos, se dedicam à bebida. É mais comum do que se pensa. Quanto ao cigarro, não sei. Mas conheço pessoas que começaram a fumar depois dos 50. ABRINDO O CÉREBRO"Hitler pensou em operações cerebrais para acabar com a dependência do cigarro. Ele era muito antifumo. Seria uma barbaridade, um crime. O que se pode fazer com terapias ou com remédios é melhor do que com a cirurgia, que sempre envolve riscos. Operar seres humanos para tentar resolver isso seria uma bestialidade. DÁ-LHE CAMPANHA!"Em relação ao tabaco, foi fantástico o efeito das campanhas educativas. A proporção de brasileiros que fumam hoje em dia é infinitamente menor do que há dez anos. Mas acho que há muito exagero nessas imagens colocadas nos versos dos maços. Não ajuda, satura. Diante do retrato de uma pessoa com graves deformidades, o fumante de 15 anos vai dizer: ?Eu não sou assim, meu tio fuma há 20 anos e não ficou assim?. Quanto ao aumento do preço do maço em função do aumento de impostos, acho em vão. O cigarro custa muitíssimo mais caro em outros países e lá se fuma mais do que aqui. Veja a Grécia. A gente não fuma com o bolso. A gente fuma com a garganta. E com o cérebro.HISTERIA GLOBALIZADA"Hoje, ao mesmo tempo que faltam dados importantes sobre os efeitos da droga, existe um excesso de informações em geral que nos deixa a todos mais ou menos histéricos, com um nervosismo e uma ansiedade enormes. Agora, é claro que existe dependência há muito tempo. Dependência da cocaína, por exemplo. Vi um filme do Chaplin da década de 1920 em que se percebe o consumo livre da droga. Chaplin faz um boxeador que, caído no canto do ringue, consome cocaína e volta a lutar. O consumo de cocaína não era visto como doença. Passou a ser na década de 30, 40. Perceberam que havia consequências para a saúde física.MINORIA"Os fumantes têm de se dar conta de que não têm mais lugar no mundo. É uma minoria que não possui nenhum direito de reclamar porque promove e motiva doença. Morre mais cedo do que os outros e causa a morte de outros mais cedo também. Acabo de ver aqui no meu computador mais uma pesquisa, desta vez americana, mostrando que os fumantes passivos sofrem danos à saúde comparáveis aos dos ativos. Há milhares de pesquisas demonstrando isso, milhares. O fumante está matando as pessoas que o rodeiam. E está matando pelo exemplo, inclusive."

Ivan Izquierdo ainda não viu Gran Torino. Não absorveu a figura de Clint Eastwood sorvendo um cigarro após o outro, sendo consumido pelo remorso e por um câncer de pulmão. Mas esse estudioso da memória, argentino radicado no Brasil desde 1973, tem na cabeça várias cenas de cinema em que o fumo era autorizadíssimo. Lembra as clássicas dos anos 40, 50, nas quais o cirurgião que acaba de operar o paciente vai vê-lo no quarto, oferece-lhe um cigarro e fumam os dois. "Hoje ficamos estarrecidos ao ver um filme assim, mas era raro quem não fumava naquela época", diz. Ele começou por esse tempo e, durante 50 anos, tentou parar com a dependência. Só conseguiu há seis anos e meio, depois de estabelecer um pacto com a neta, que o induziu a mastigar chicletes... de nicotina. Doutor em farmacologia, pesquisador da PUCRS, o médico tem acompanhado as últimas investidas contra o fumo, entre elas a insistência em imagens grotescas nos maços e o aumento dos impostos sobre o cigarro. Uma lhe parece over. Outra, inócua. Ponto a ponto, ele expõe abaixo o que considera eficaz contra o mais persistente dos vícios. Trocar a palavra "vício" por "dependência", aliás, seria um bom começo. "Dependência é uma doença que se trata; vício sugere um problema moral, como se o dependente fosse sem-vergonha, coisa que não é." O ACCUMBENS"Existe uma área cerebral, o núcleo accumbens, que regula a atenção, mas também a formação de dependência das drogas. De alguma forma esse núcleo, localizado perto do hipotálamo, registra a memória dos efeitos da substância e passa a cobrar mais e mais. Cria uma necessidade, não um desejo. No início o dependente usa a droga porque gosta. Em pouco tempo passa a não querer mais ingeri-la, mas se sente muito mal com essa ausência. Em alguns casos, a última dose, a máxima, ainda parece insuficiente. Então se chega à overdose. É muito sutil a diferença entre um momento não extremo e o momento extremo. Por isso é um problema mundial tão grave. UM BALAIO DE DROGAS"Pelo fato de existirem mecanismos fisiológicos comuns a muitas drogas, o indivíduo, quando não tem uma disponível, procura outra, e muitas vezes gosta de misturar várias porque chega uma hora em que o efeito de cada uma não é suficiente. Isso é relativamente comum entre os humanos e menos nos animais. Uma pessoa com carência de crack, por exemplo, se embebeda ou fuma como um doido até conseguir novamente o acesso à pedra. Geralmente a segunda droga para todos é o álcool. A terceira, a maconha.CIGARRO, O MAIS DIFÍCIL"O cigarro é o pior de parar porque não causa grandes problemas de comportamento. Um drogado que comete atos ilícitos, crimes, pode ser preso. A consequência social dessa sua dependência é grave. Com o fumante isso não acontece. Ao mesmo tempo, o usuário sabe que o cigarro não é benigno. O fumante se sente muito mal quando fica mais de uma hora sem fumar. Bate uma angústia, uma ansiedade, ele enxerga cores alteradas, agride no trânsito. O cigarro é um companheiro tão próximo que, sem ele, a pessoa sente que vai matar ou morrer. Daí prefere voltar a fumar.FUMANTES ANÔNIMOS"Não-fumantes vão cobrar do fumante que largue a dependência, o que não funciona. Melhor é a pessoa se rodear de outros na mesma situação para ter reforço. Existem os fumantes anônimos, os alcoólicos anônimos, os narcóticos anônimos. Sim, fumantes às vezes precisam do anonimato. Trabalho num hospital e ali há preconceito. Pacientes apontam o dedo para médicos que saem do prédio para fumar. Para alcoólatras e drogados, o problema é terrível. O indivíduo pode parar de beber ou de usar drogas por décadas que ainda será classificado assim. Maradona deixou de se drogar, custou-lhe muito, foi um mérito parar, mas ainda o insultam chamando-o de drogado. Uma vez dependente, sempre dependente, mas pode ser um dependente parado. É o princípio levantado pelos grupos anônimos justamente para que o indivíduo abandone a dependência. Não precisa colocar no pescoço dele um cartaz em que esteja escrito ?ex-dependente?. O CHATO"Não é verdade que, depois de parar de fumar, o ex-fumante vira um chato. Pelo contrário. Quem para geralmente se sente melhor. Eu hoje consigo cantar, a voz antes saía alterada. Tenho mais saúde, corro, caminho... Aquele que bebe vai dizer isso ao que parou de beber. O fumante que continua fumando vai dizer isso ao ex-fumante porque lhe convém fazê-lo para poder continuar. Se alguém precisa de droga ou fumo para se sentir alegre, não é uma boa alegria.SEM IDADE PARA COMEÇAR"Todas as idades estão sujeitas à dependência. A maioria de nós começa na adolescência, quando gostamos de experimentar algo novo. Mas há muitos que, depois de aposentados, por volta dos 70 ou 80 anos, se dedicam à bebida. É mais comum do que se pensa. Quanto ao cigarro, não sei. Mas conheço pessoas que começaram a fumar depois dos 50. ABRINDO O CÉREBRO"Hitler pensou em operações cerebrais para acabar com a dependência do cigarro. Ele era muito antifumo. Seria uma barbaridade, um crime. O que se pode fazer com terapias ou com remédios é melhor do que com a cirurgia, que sempre envolve riscos. Operar seres humanos para tentar resolver isso seria uma bestialidade. DÁ-LHE CAMPANHA!"Em relação ao tabaco, foi fantástico o efeito das campanhas educativas. A proporção de brasileiros que fumam hoje em dia é infinitamente menor do que há dez anos. Mas acho que há muito exagero nessas imagens colocadas nos versos dos maços. Não ajuda, satura. Diante do retrato de uma pessoa com graves deformidades, o fumante de 15 anos vai dizer: ?Eu não sou assim, meu tio fuma há 20 anos e não ficou assim?. Quanto ao aumento do preço do maço em função do aumento de impostos, acho em vão. O cigarro custa muitíssimo mais caro em outros países e lá se fuma mais do que aqui. Veja a Grécia. A gente não fuma com o bolso. A gente fuma com a garganta. E com o cérebro.HISTERIA GLOBALIZADA"Hoje, ao mesmo tempo que faltam dados importantes sobre os efeitos da droga, existe um excesso de informações em geral que nos deixa a todos mais ou menos histéricos, com um nervosismo e uma ansiedade enormes. Agora, é claro que existe dependência há muito tempo. Dependência da cocaína, por exemplo. Vi um filme do Chaplin da década de 1920 em que se percebe o consumo livre da droga. Chaplin faz um boxeador que, caído no canto do ringue, consome cocaína e volta a lutar. O consumo de cocaína não era visto como doença. Passou a ser na década de 30, 40. Perceberam que havia consequências para a saúde física.MINORIA"Os fumantes têm de se dar conta de que não têm mais lugar no mundo. É uma minoria que não possui nenhum direito de reclamar porque promove e motiva doença. Morre mais cedo do que os outros e causa a morte de outros mais cedo também. Acabo de ver aqui no meu computador mais uma pesquisa, desta vez americana, mostrando que os fumantes passivos sofrem danos à saúde comparáveis aos dos ativos. Há milhares de pesquisas demonstrando isso, milhares. O fumante está matando as pessoas que o rodeiam. E está matando pelo exemplo, inclusive."

Ivan Izquierdo ainda não viu Gran Torino. Não absorveu a figura de Clint Eastwood sorvendo um cigarro após o outro, sendo consumido pelo remorso e por um câncer de pulmão. Mas esse estudioso da memória, argentino radicado no Brasil desde 1973, tem na cabeça várias cenas de cinema em que o fumo era autorizadíssimo. Lembra as clássicas dos anos 40, 50, nas quais o cirurgião que acaba de operar o paciente vai vê-lo no quarto, oferece-lhe um cigarro e fumam os dois. "Hoje ficamos estarrecidos ao ver um filme assim, mas era raro quem não fumava naquela época", diz. Ele começou por esse tempo e, durante 50 anos, tentou parar com a dependência. Só conseguiu há seis anos e meio, depois de estabelecer um pacto com a neta, que o induziu a mastigar chicletes... de nicotina. Doutor em farmacologia, pesquisador da PUCRS, o médico tem acompanhado as últimas investidas contra o fumo, entre elas a insistência em imagens grotescas nos maços e o aumento dos impostos sobre o cigarro. Uma lhe parece over. Outra, inócua. Ponto a ponto, ele expõe abaixo o que considera eficaz contra o mais persistente dos vícios. Trocar a palavra "vício" por "dependência", aliás, seria um bom começo. "Dependência é uma doença que se trata; vício sugere um problema moral, como se o dependente fosse sem-vergonha, coisa que não é." O ACCUMBENS"Existe uma área cerebral, o núcleo accumbens, que regula a atenção, mas também a formação de dependência das drogas. De alguma forma esse núcleo, localizado perto do hipotálamo, registra a memória dos efeitos da substância e passa a cobrar mais e mais. Cria uma necessidade, não um desejo. No início o dependente usa a droga porque gosta. Em pouco tempo passa a não querer mais ingeri-la, mas se sente muito mal com essa ausência. Em alguns casos, a última dose, a máxima, ainda parece insuficiente. Então se chega à overdose. É muito sutil a diferença entre um momento não extremo e o momento extremo. Por isso é um problema mundial tão grave. UM BALAIO DE DROGAS"Pelo fato de existirem mecanismos fisiológicos comuns a muitas drogas, o indivíduo, quando não tem uma disponível, procura outra, e muitas vezes gosta de misturar várias porque chega uma hora em que o efeito de cada uma não é suficiente. Isso é relativamente comum entre os humanos e menos nos animais. Uma pessoa com carência de crack, por exemplo, se embebeda ou fuma como um doido até conseguir novamente o acesso à pedra. Geralmente a segunda droga para todos é o álcool. A terceira, a maconha.CIGARRO, O MAIS DIFÍCIL"O cigarro é o pior de parar porque não causa grandes problemas de comportamento. Um drogado que comete atos ilícitos, crimes, pode ser preso. A consequência social dessa sua dependência é grave. Com o fumante isso não acontece. Ao mesmo tempo, o usuário sabe que o cigarro não é benigno. O fumante se sente muito mal quando fica mais de uma hora sem fumar. Bate uma angústia, uma ansiedade, ele enxerga cores alteradas, agride no trânsito. O cigarro é um companheiro tão próximo que, sem ele, a pessoa sente que vai matar ou morrer. Daí prefere voltar a fumar.FUMANTES ANÔNIMOS"Não-fumantes vão cobrar do fumante que largue a dependência, o que não funciona. Melhor é a pessoa se rodear de outros na mesma situação para ter reforço. Existem os fumantes anônimos, os alcoólicos anônimos, os narcóticos anônimos. Sim, fumantes às vezes precisam do anonimato. Trabalho num hospital e ali há preconceito. Pacientes apontam o dedo para médicos que saem do prédio para fumar. Para alcoólatras e drogados, o problema é terrível. O indivíduo pode parar de beber ou de usar drogas por décadas que ainda será classificado assim. Maradona deixou de se drogar, custou-lhe muito, foi um mérito parar, mas ainda o insultam chamando-o de drogado. Uma vez dependente, sempre dependente, mas pode ser um dependente parado. É o princípio levantado pelos grupos anônimos justamente para que o indivíduo abandone a dependência. Não precisa colocar no pescoço dele um cartaz em que esteja escrito ?ex-dependente?. O CHATO"Não é verdade que, depois de parar de fumar, o ex-fumante vira um chato. Pelo contrário. Quem para geralmente se sente melhor. Eu hoje consigo cantar, a voz antes saía alterada. Tenho mais saúde, corro, caminho... Aquele que bebe vai dizer isso ao que parou de beber. O fumante que continua fumando vai dizer isso ao ex-fumante porque lhe convém fazê-lo para poder continuar. Se alguém precisa de droga ou fumo para se sentir alegre, não é uma boa alegria.SEM IDADE PARA COMEÇAR"Todas as idades estão sujeitas à dependência. A maioria de nós começa na adolescência, quando gostamos de experimentar algo novo. Mas há muitos que, depois de aposentados, por volta dos 70 ou 80 anos, se dedicam à bebida. É mais comum do que se pensa. Quanto ao cigarro, não sei. Mas conheço pessoas que começaram a fumar depois dos 50. ABRINDO O CÉREBRO"Hitler pensou em operações cerebrais para acabar com a dependência do cigarro. Ele era muito antifumo. Seria uma barbaridade, um crime. O que se pode fazer com terapias ou com remédios é melhor do que com a cirurgia, que sempre envolve riscos. Operar seres humanos para tentar resolver isso seria uma bestialidade. DÁ-LHE CAMPANHA!"Em relação ao tabaco, foi fantástico o efeito das campanhas educativas. A proporção de brasileiros que fumam hoje em dia é infinitamente menor do que há dez anos. Mas acho que há muito exagero nessas imagens colocadas nos versos dos maços. Não ajuda, satura. Diante do retrato de uma pessoa com graves deformidades, o fumante de 15 anos vai dizer: ?Eu não sou assim, meu tio fuma há 20 anos e não ficou assim?. Quanto ao aumento do preço do maço em função do aumento de impostos, acho em vão. O cigarro custa muitíssimo mais caro em outros países e lá se fuma mais do que aqui. Veja a Grécia. A gente não fuma com o bolso. A gente fuma com a garganta. E com o cérebro.HISTERIA GLOBALIZADA"Hoje, ao mesmo tempo que faltam dados importantes sobre os efeitos da droga, existe um excesso de informações em geral que nos deixa a todos mais ou menos histéricos, com um nervosismo e uma ansiedade enormes. Agora, é claro que existe dependência há muito tempo. Dependência da cocaína, por exemplo. Vi um filme do Chaplin da década de 1920 em que se percebe o consumo livre da droga. Chaplin faz um boxeador que, caído no canto do ringue, consome cocaína e volta a lutar. O consumo de cocaína não era visto como doença. Passou a ser na década de 30, 40. Perceberam que havia consequências para a saúde física.MINORIA"Os fumantes têm de se dar conta de que não têm mais lugar no mundo. É uma minoria que não possui nenhum direito de reclamar porque promove e motiva doença. Morre mais cedo do que os outros e causa a morte de outros mais cedo também. Acabo de ver aqui no meu computador mais uma pesquisa, desta vez americana, mostrando que os fumantes passivos sofrem danos à saúde comparáveis aos dos ativos. Há milhares de pesquisas demonstrando isso, milhares. O fumante está matando as pessoas que o rodeiam. E está matando pelo exemplo, inclusive."

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