Nova biografia compara Dostoievski a seus personagens complexos


Um dos maiores romancistas russos foi analisado pelo austríaco Stefan Zweig

Por Antonio Gonçalves Filho

Ensaísta prolífico, o austríaco Stefan Zweig escreveu sobre a vida e a obra de grandes romancistas, poetas e filósofos, de Balzac a Tolstoi, passando por Hölderlin e Nietzsche. Sua biografia de um dos monumentos literários russos, Dostoievski: Vida e Obra, que acaba de sair pela Biblioteca Diamante, da Editora Nova Fronteira, é uma das melhores. Enquanto Tolstoi, segundo Zweig, devia sua produção a uma saúde de ferro, Dostoievski tinha uma dívida literária com sua doença, como observaram críticos sobre seus estudos a respeito das obras de ambos. Dostoievski era um domem doente, como ele mesmo diz na abertura do comovente Memórias do Subsolo, recentemente relançado com tradução de Rubens Figueiredo para a coleção Clássicos, da Penguin/Companhia.

Quadro do escritor russo Dostoievski pintado por Wassili Grigorjewitsch Perow e pertencente galeria Tretjakow, de Moscou Foto: Tretjakow-Galerie

É possível acrescentar que Zweig, identificando-se com a vida dos dois russos, nutria igualmente uma atração pelos conflitos morais de Tolstoi e os tormentos físicos de Dostoievski. Isso fica claro no episódio em que Dostoievski se livra da morte diante de um pelotão de fuzilamento, de olhos vendados e amarrado a uma estaca. Como descrever os sentimentos de um homem que ouve sua sentença de morte e o rufar dos tambores para em seguida receber com alívio e surpresa o anúncio da comutação da pena da morte por um oficial? Zweig é o homem certo para isso: fugiu da intolerância e da perseguição política para acabar se matando no Brasil, em 1942. Dostoievski escapou da morte, mas foi despachado para uma prisão na Sibéria, o que vem a dar no mesmo.

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Dostoievski foi sempre um homem taciturno e solitário, escreve Zweig. Teve alguns amigos só na juventude. Sua infância é um mistério, diz ele, descrevendo o russo como um homem de faces fundas, cor de argila, com maçãs do rosto que eram dois blocos de pedra, massacradas por mais de 20 anos de doença e sofrimento atroz. Como numa história do Velho Testamento, observa Zweig, Dostoievski, a exemplo de Jó, rebelava-se contra Deus, mas não deixava de obedecê-lo. Ao voltar da Sibéria, é praticamente ignorado por seus patronos literários e amigos. “Foi precisamente dos perigos exteriores de sua vida que vieram suas maiores certezas internas”, escreve Zweig. A proprietária cobra o aluguel? A epilepsia o ataca? Ele responde com obras-primas: Crime e Castigo, Os Demônios, O Idiota, O Jogador. A contribuição de Zweig como biógrafo é identificar onde se encaixa a vida de Dostoievski nessas obras. Essa resposta é dada da metade do livro em diante, quando Zweig parte para a análise dos personagens de Dostoievski. Esses personagens, adverte, “não procuram e não encontram absolutamente nenhuma relação com a vida real”. Esta é sua singularidade, ao contrário dos personagens de Balzac, que se identificam como metáforas da ambição (Rastignac) ou do sacrifício (Goriot). Já os personagens de Dostoievski bebem para esquecer a loucura e jogam não para ganhar dinheiro, mas para matar o tempo, defende Zweig. “Desejam saber quem são, portanto buscam seus limites”. Já seus heróis (Raskónikov, Rogójin) aniquilam seu eu social, segundo Zweig, para desafiar a lei da gravidade e voar para o céu. Ao fim de cada romance seu está a catarse grega. Entramos num romance de Dostoievski como se entra num quarto escuro, compara Zweig. O leitor só tem acesso aos contornos, replicando a atmosfera crepuscular e espiritual das pinturas de Rembrandt, com quem, aliás, tem em comum uma vida de privações e adversidades. De todos os transgressores da literatura, Dostoievski foi o maior, sentencia Zweig, um autor de textos messiânicos que anuncia o caminho de seu Cristo russo para os descrentes europeus: como o Messias, sacrificou seu conhecimento em favor da fé, conclui Zweig.

Ensaísta prolífico, o austríaco Stefan Zweig escreveu sobre a vida e a obra de grandes romancistas, poetas e filósofos, de Balzac a Tolstoi, passando por Hölderlin e Nietzsche. Sua biografia de um dos monumentos literários russos, Dostoievski: Vida e Obra, que acaba de sair pela Biblioteca Diamante, da Editora Nova Fronteira, é uma das melhores. Enquanto Tolstoi, segundo Zweig, devia sua produção a uma saúde de ferro, Dostoievski tinha uma dívida literária com sua doença, como observaram críticos sobre seus estudos a respeito das obras de ambos. Dostoievski era um domem doente, como ele mesmo diz na abertura do comovente Memórias do Subsolo, recentemente relançado com tradução de Rubens Figueiredo para a coleção Clássicos, da Penguin/Companhia.

Quadro do escritor russo Dostoievski pintado por Wassili Grigorjewitsch Perow e pertencente galeria Tretjakow, de Moscou Foto: Tretjakow-Galerie

É possível acrescentar que Zweig, identificando-se com a vida dos dois russos, nutria igualmente uma atração pelos conflitos morais de Tolstoi e os tormentos físicos de Dostoievski. Isso fica claro no episódio em que Dostoievski se livra da morte diante de um pelotão de fuzilamento, de olhos vendados e amarrado a uma estaca. Como descrever os sentimentos de um homem que ouve sua sentença de morte e o rufar dos tambores para em seguida receber com alívio e surpresa o anúncio da comutação da pena da morte por um oficial? Zweig é o homem certo para isso: fugiu da intolerância e da perseguição política para acabar se matando no Brasil, em 1942. Dostoievski escapou da morte, mas foi despachado para uma prisão na Sibéria, o que vem a dar no mesmo.

Dostoievski foi sempre um homem taciturno e solitário, escreve Zweig. Teve alguns amigos só na juventude. Sua infância é um mistério, diz ele, descrevendo o russo como um homem de faces fundas, cor de argila, com maçãs do rosto que eram dois blocos de pedra, massacradas por mais de 20 anos de doença e sofrimento atroz. Como numa história do Velho Testamento, observa Zweig, Dostoievski, a exemplo de Jó, rebelava-se contra Deus, mas não deixava de obedecê-lo. Ao voltar da Sibéria, é praticamente ignorado por seus patronos literários e amigos. “Foi precisamente dos perigos exteriores de sua vida que vieram suas maiores certezas internas”, escreve Zweig. A proprietária cobra o aluguel? A epilepsia o ataca? Ele responde com obras-primas: Crime e Castigo, Os Demônios, O Idiota, O Jogador. A contribuição de Zweig como biógrafo é identificar onde se encaixa a vida de Dostoievski nessas obras. Essa resposta é dada da metade do livro em diante, quando Zweig parte para a análise dos personagens de Dostoievski. Esses personagens, adverte, “não procuram e não encontram absolutamente nenhuma relação com a vida real”. Esta é sua singularidade, ao contrário dos personagens de Balzac, que se identificam como metáforas da ambição (Rastignac) ou do sacrifício (Goriot). Já os personagens de Dostoievski bebem para esquecer a loucura e jogam não para ganhar dinheiro, mas para matar o tempo, defende Zweig. “Desejam saber quem são, portanto buscam seus limites”. Já seus heróis (Raskónikov, Rogójin) aniquilam seu eu social, segundo Zweig, para desafiar a lei da gravidade e voar para o céu. Ao fim de cada romance seu está a catarse grega. Entramos num romance de Dostoievski como se entra num quarto escuro, compara Zweig. O leitor só tem acesso aos contornos, replicando a atmosfera crepuscular e espiritual das pinturas de Rembrandt, com quem, aliás, tem em comum uma vida de privações e adversidades. De todos os transgressores da literatura, Dostoievski foi o maior, sentencia Zweig, um autor de textos messiânicos que anuncia o caminho de seu Cristo russo para os descrentes europeus: como o Messias, sacrificou seu conhecimento em favor da fé, conclui Zweig.

Ensaísta prolífico, o austríaco Stefan Zweig escreveu sobre a vida e a obra de grandes romancistas, poetas e filósofos, de Balzac a Tolstoi, passando por Hölderlin e Nietzsche. Sua biografia de um dos monumentos literários russos, Dostoievski: Vida e Obra, que acaba de sair pela Biblioteca Diamante, da Editora Nova Fronteira, é uma das melhores. Enquanto Tolstoi, segundo Zweig, devia sua produção a uma saúde de ferro, Dostoievski tinha uma dívida literária com sua doença, como observaram críticos sobre seus estudos a respeito das obras de ambos. Dostoievski era um domem doente, como ele mesmo diz na abertura do comovente Memórias do Subsolo, recentemente relançado com tradução de Rubens Figueiredo para a coleção Clássicos, da Penguin/Companhia.

Quadro do escritor russo Dostoievski pintado por Wassili Grigorjewitsch Perow e pertencente galeria Tretjakow, de Moscou Foto: Tretjakow-Galerie

É possível acrescentar que Zweig, identificando-se com a vida dos dois russos, nutria igualmente uma atração pelos conflitos morais de Tolstoi e os tormentos físicos de Dostoievski. Isso fica claro no episódio em que Dostoievski se livra da morte diante de um pelotão de fuzilamento, de olhos vendados e amarrado a uma estaca. Como descrever os sentimentos de um homem que ouve sua sentença de morte e o rufar dos tambores para em seguida receber com alívio e surpresa o anúncio da comutação da pena da morte por um oficial? Zweig é o homem certo para isso: fugiu da intolerância e da perseguição política para acabar se matando no Brasil, em 1942. Dostoievski escapou da morte, mas foi despachado para uma prisão na Sibéria, o que vem a dar no mesmo.

Dostoievski foi sempre um homem taciturno e solitário, escreve Zweig. Teve alguns amigos só na juventude. Sua infância é um mistério, diz ele, descrevendo o russo como um homem de faces fundas, cor de argila, com maçãs do rosto que eram dois blocos de pedra, massacradas por mais de 20 anos de doença e sofrimento atroz. Como numa história do Velho Testamento, observa Zweig, Dostoievski, a exemplo de Jó, rebelava-se contra Deus, mas não deixava de obedecê-lo. Ao voltar da Sibéria, é praticamente ignorado por seus patronos literários e amigos. “Foi precisamente dos perigos exteriores de sua vida que vieram suas maiores certezas internas”, escreve Zweig. A proprietária cobra o aluguel? A epilepsia o ataca? Ele responde com obras-primas: Crime e Castigo, Os Demônios, O Idiota, O Jogador. A contribuição de Zweig como biógrafo é identificar onde se encaixa a vida de Dostoievski nessas obras. Essa resposta é dada da metade do livro em diante, quando Zweig parte para a análise dos personagens de Dostoievski. Esses personagens, adverte, “não procuram e não encontram absolutamente nenhuma relação com a vida real”. Esta é sua singularidade, ao contrário dos personagens de Balzac, que se identificam como metáforas da ambição (Rastignac) ou do sacrifício (Goriot). Já os personagens de Dostoievski bebem para esquecer a loucura e jogam não para ganhar dinheiro, mas para matar o tempo, defende Zweig. “Desejam saber quem são, portanto buscam seus limites”. Já seus heróis (Raskónikov, Rogójin) aniquilam seu eu social, segundo Zweig, para desafiar a lei da gravidade e voar para o céu. Ao fim de cada romance seu está a catarse grega. Entramos num romance de Dostoievski como se entra num quarto escuro, compara Zweig. O leitor só tem acesso aos contornos, replicando a atmosfera crepuscular e espiritual das pinturas de Rembrandt, com quem, aliás, tem em comum uma vida de privações e adversidades. De todos os transgressores da literatura, Dostoievski foi o maior, sentencia Zweig, um autor de textos messiânicos que anuncia o caminho de seu Cristo russo para os descrentes europeus: como o Messias, sacrificou seu conhecimento em favor da fé, conclui Zweig.

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