Nova biografia mostra como o escritor H.G. Wells queria mudar o mundo


Autor de 'O Homem Invisível', 'Guerra dos Mundos' e 'A Máquina do Tempo' foi também combativo fora da literatura

Por Michael Dirda

A mais recente biografia de Claire Tomalin, The Young H.G. Wells: Changing the World [O Jovem H.G. Wells: Mudando o Mundo], tem uma escrita clara, está repleta de acontecimentos e é elogiosa – com justiça – sem ser acrítica. Em comparação com, digamos, o premiado Samuel Pepys: The Unequaled Self, seu novo livro também é abertamente pessoal: “A Ilha do Dr. Moreau”, escreve Tomalin, “é uma história perturbadora e ainda hesito antes de voltar a ela, mas quando volto, descubro que seu poder narrativo me arrebata mais uma vez, apesar da minha relutância”.

O escritor britânico H. G. Wells Foto: Editora Zahar

Herbert George Wells nasceu em 1866, filho de um comerciante malsucedido e uma ex-criada. Aos 14 anos, foi aprendiz numa loja de tecidos, trabalho enfadonho que o menino odiava. Como Tomalin enfatiza, foi só por meio de várias reviravoltas na sorte que Wells conseguiu adquirir rudimentos de uma educação e sobreviver a uma desnutrição severa – aos 20 anos, ele tinha apenas 1,65 metros de altura e pesava cerca de 50 quilos. Por volta dessa época, porém, ele teve um desempenho excepcionalmente bom num exame nacional que o levou a se inscrever num programa de ciências supervisionado por Thomas Henry Huxley, grande defensor de Charles Darwin.

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A saúde precária continuou a atormentar o jovem Wells. Um grave acidente provocou a destruição de um rim. Logo depois veio uma condição tuberculosa em que ele tossia sangue. Até chegar aos 40 anos, Wells escreveu mais tarde, “o sentimento de inferioridade física era uma angústia aguda e constante para mim, um sentimento que nenhuma filosofia conseguia mitigar”. Ainda assim, o jovem era indomável, quase um garoto-propaganda das emocionantes palavras de Invictus: “Sou o senhor do meu destino, o capitão da minha alma”. Muito apropriadamente, o autor desse poema, William Ernest Henley, seria o editor da revista que viria a publicar a série A Máquina do Tempo, de Wells. Quando a versão em livro apareceu em 1895, o professor de ciências sempre em dificuldades acordou numa bela manhã e se descobriu famoso. Tinha 28 anos de idade.

Até hoje, ninguém entende muito bem como um homem, mesmo que fosse um gênio, conseguiu escrever tanto e tão bem durante as duas décadas seguintes, mas aí, como diz Tomalin, “abraçar tudo foi a maneira como Wells viveu sua vida”. Este é o período dos principais romances científicos, entre eles A Guerra dos Mundos, mas também da obra-prima semirrealista, Tono-Bungay, da traquinagem séria/cômica, The History of Mr. Polly e de uma séria de contos brilhantes, como The Country of the Blind e The Door in the Wall. Durante esses mesmos anos, Wells também produziu alguns ensaios (On the Art of Staying the Seaside), especulações sobre o futuro (Anticipations, publicado em 1902) e até mesmo um impressionante panfleto político para a organização socialista Fabian Society: em The Misery of Boots, ele fala sobre os calçados baratos e mal ajustados dos pobres para ressaltar as injustiças do sistema de classes. Ao longo desses mesmos anos, Wells se correspondeu com Henry James e Joseph Conrad (que dedicou O Agente Secreto a ele), ajudou a cuidar dos romancistas Stephen Crane e George Gissing, então gravemente doentes, e fez uma amizade duradoura e versátil com Arnold Bennett.

Por trás de suas muitas facetas, Wells continuou sendo educador e proselitista de coração, usando ficção e não ficção como pontos de debate para, como diz o subtítulo de Tomalin, “mudar o mundo”. Seus últimos livros, especialmente, enfatizaram o que ele via como a mensagem central da República de Platão: “A maioria dos males sociais e políticos que você sofre estão sob seu controle, basta ter vontade e coragem de mudá-los. Você pode viver de um jeito diferente e mais sábio, basta decidir que vai raciocinar e resolver as coisas”. Já durante uma visita aos Estados Unidos em 1906, ele expressou sua estima pelos negros americanos que lutavam para viver uma vida digna dentro de “uma civilização que os despreza e renega”. A própria democracia americana, afirmou ele, estava sendo distorcida pelos ricos, minada pelo “poder anárquico e irresponsável dos proprietários privados”.

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Não é de surpreender que os últimos anos de Wells – ele morreu aos 79 anos de idade, em 1946 – foram sombreados por um cansaço infinito. Em vez do surgimento de uma sociedade global e racional, o que ele testemunhava era uma humanidade infeliz que ainda sofria com a incoerência, os ódios e a violência do sectarismo político e religioso. Ele fracassara em mudar o mundo. No entanto, o historiador Norman Stone declarou certa vez que, de todos os escritores ingleses do século 20, Wells é aquele que ele mais gostaria de chamar de volta dos mortos.

E, no entanto, por mais magnífico que possa ser o Wells visionário de espírito público, o Wells de vida íntima foi bastante problemático. “Ele era”, como escreve Tomalin, “um marido ruim e um amante pouco confiável”.

Ansioso por experiência sexual, Wells se casou aos 25 anos com uma linda prima. A noite de núpcias foi desastrosa e logo depois ele começou a galantear e acabou ficando com uma de suas alunas, Amy Catherine Robbins. Wells mais tarde se casou com Robbins, a quem ele insistia em chamar de Jane, por não gostar de seu nome de batismo. Ele também insistia que lhe fosse permitido manter todo e qualquer caso de amor que lhe parecesse necessário para sua saúde e bem-estar. Esta era, na sua opinião, simplesmente a atitude mais correta e esclarecida em relação ao sexo. Muitas mulheres inteligentes e independentes, entre elas a formidável intelectual Rebecca West e a tradutora e espiã russa Moura Budberg, acabaram recebendo suas carícias. Ainda assim, Jane – Tomalin a chama de “a verdadeira heroína desta história” – continuou sendo a âncora de sua vida e também sua datilógrafa.

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Dois relacionamentos problemáticos envolveram admiradoras apaixonadas que tinham metade de sua idade, começando com Rosamund Bland, de 19 anos, com quem Wells quase fugiu para Paris: a tentativa foi interceptada pelo indignado pai da moça já na estação de trem. Ainda mais escandaloso foi sua ligação com Amber Reeves, uma estudante de Cambridge que tempos depois lhe daria um filho. Seu caso formou a base do romance mais chocante de Wells, Ann Veronica, no qual uma jovem solteira se entrega avidamente a um homem casado e mais velho. E o que é ainda mais chocante: o livro tem final feliz.

Três excelentes biografias bem completas – de Norman e Jeanne Mackenzie, David C. Smith e Michael Sherborne – narram a vida colorida de Wells na íntegra. Mas, para uma visão compacta desse homem e escritor infinitamente fascinante, The Young H.G. Wells é quase imbatível, além de ser acessível, astuto e um prazer de ler. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU.

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Michael Dirda resenha livros todas as semanas para o Washington Post.

A mais recente biografia de Claire Tomalin, The Young H.G. Wells: Changing the World [O Jovem H.G. Wells: Mudando o Mundo], tem uma escrita clara, está repleta de acontecimentos e é elogiosa – com justiça – sem ser acrítica. Em comparação com, digamos, o premiado Samuel Pepys: The Unequaled Self, seu novo livro também é abertamente pessoal: “A Ilha do Dr. Moreau”, escreve Tomalin, “é uma história perturbadora e ainda hesito antes de voltar a ela, mas quando volto, descubro que seu poder narrativo me arrebata mais uma vez, apesar da minha relutância”.

O escritor britânico H. G. Wells Foto: Editora Zahar

Herbert George Wells nasceu em 1866, filho de um comerciante malsucedido e uma ex-criada. Aos 14 anos, foi aprendiz numa loja de tecidos, trabalho enfadonho que o menino odiava. Como Tomalin enfatiza, foi só por meio de várias reviravoltas na sorte que Wells conseguiu adquirir rudimentos de uma educação e sobreviver a uma desnutrição severa – aos 20 anos, ele tinha apenas 1,65 metros de altura e pesava cerca de 50 quilos. Por volta dessa época, porém, ele teve um desempenho excepcionalmente bom num exame nacional que o levou a se inscrever num programa de ciências supervisionado por Thomas Henry Huxley, grande defensor de Charles Darwin.

A saúde precária continuou a atormentar o jovem Wells. Um grave acidente provocou a destruição de um rim. Logo depois veio uma condição tuberculosa em que ele tossia sangue. Até chegar aos 40 anos, Wells escreveu mais tarde, “o sentimento de inferioridade física era uma angústia aguda e constante para mim, um sentimento que nenhuma filosofia conseguia mitigar”. Ainda assim, o jovem era indomável, quase um garoto-propaganda das emocionantes palavras de Invictus: “Sou o senhor do meu destino, o capitão da minha alma”. Muito apropriadamente, o autor desse poema, William Ernest Henley, seria o editor da revista que viria a publicar a série A Máquina do Tempo, de Wells. Quando a versão em livro apareceu em 1895, o professor de ciências sempre em dificuldades acordou numa bela manhã e se descobriu famoso. Tinha 28 anos de idade.

Até hoje, ninguém entende muito bem como um homem, mesmo que fosse um gênio, conseguiu escrever tanto e tão bem durante as duas décadas seguintes, mas aí, como diz Tomalin, “abraçar tudo foi a maneira como Wells viveu sua vida”. Este é o período dos principais romances científicos, entre eles A Guerra dos Mundos, mas também da obra-prima semirrealista, Tono-Bungay, da traquinagem séria/cômica, The History of Mr. Polly e de uma séria de contos brilhantes, como The Country of the Blind e The Door in the Wall. Durante esses mesmos anos, Wells também produziu alguns ensaios (On the Art of Staying the Seaside), especulações sobre o futuro (Anticipations, publicado em 1902) e até mesmo um impressionante panfleto político para a organização socialista Fabian Society: em The Misery of Boots, ele fala sobre os calçados baratos e mal ajustados dos pobres para ressaltar as injustiças do sistema de classes. Ao longo desses mesmos anos, Wells se correspondeu com Henry James e Joseph Conrad (que dedicou O Agente Secreto a ele), ajudou a cuidar dos romancistas Stephen Crane e George Gissing, então gravemente doentes, e fez uma amizade duradoura e versátil com Arnold Bennett.

Por trás de suas muitas facetas, Wells continuou sendo educador e proselitista de coração, usando ficção e não ficção como pontos de debate para, como diz o subtítulo de Tomalin, “mudar o mundo”. Seus últimos livros, especialmente, enfatizaram o que ele via como a mensagem central da República de Platão: “A maioria dos males sociais e políticos que você sofre estão sob seu controle, basta ter vontade e coragem de mudá-los. Você pode viver de um jeito diferente e mais sábio, basta decidir que vai raciocinar e resolver as coisas”. Já durante uma visita aos Estados Unidos em 1906, ele expressou sua estima pelos negros americanos que lutavam para viver uma vida digna dentro de “uma civilização que os despreza e renega”. A própria democracia americana, afirmou ele, estava sendo distorcida pelos ricos, minada pelo “poder anárquico e irresponsável dos proprietários privados”.

Não é de surpreender que os últimos anos de Wells – ele morreu aos 79 anos de idade, em 1946 – foram sombreados por um cansaço infinito. Em vez do surgimento de uma sociedade global e racional, o que ele testemunhava era uma humanidade infeliz que ainda sofria com a incoerência, os ódios e a violência do sectarismo político e religioso. Ele fracassara em mudar o mundo. No entanto, o historiador Norman Stone declarou certa vez que, de todos os escritores ingleses do século 20, Wells é aquele que ele mais gostaria de chamar de volta dos mortos.

E, no entanto, por mais magnífico que possa ser o Wells visionário de espírito público, o Wells de vida íntima foi bastante problemático. “Ele era”, como escreve Tomalin, “um marido ruim e um amante pouco confiável”.

Ansioso por experiência sexual, Wells se casou aos 25 anos com uma linda prima. A noite de núpcias foi desastrosa e logo depois ele começou a galantear e acabou ficando com uma de suas alunas, Amy Catherine Robbins. Wells mais tarde se casou com Robbins, a quem ele insistia em chamar de Jane, por não gostar de seu nome de batismo. Ele também insistia que lhe fosse permitido manter todo e qualquer caso de amor que lhe parecesse necessário para sua saúde e bem-estar. Esta era, na sua opinião, simplesmente a atitude mais correta e esclarecida em relação ao sexo. Muitas mulheres inteligentes e independentes, entre elas a formidável intelectual Rebecca West e a tradutora e espiã russa Moura Budberg, acabaram recebendo suas carícias. Ainda assim, Jane – Tomalin a chama de “a verdadeira heroína desta história” – continuou sendo a âncora de sua vida e também sua datilógrafa.

Dois relacionamentos problemáticos envolveram admiradoras apaixonadas que tinham metade de sua idade, começando com Rosamund Bland, de 19 anos, com quem Wells quase fugiu para Paris: a tentativa foi interceptada pelo indignado pai da moça já na estação de trem. Ainda mais escandaloso foi sua ligação com Amber Reeves, uma estudante de Cambridge que tempos depois lhe daria um filho. Seu caso formou a base do romance mais chocante de Wells, Ann Veronica, no qual uma jovem solteira se entrega avidamente a um homem casado e mais velho. E o que é ainda mais chocante: o livro tem final feliz.

Três excelentes biografias bem completas – de Norman e Jeanne Mackenzie, David C. Smith e Michael Sherborne – narram a vida colorida de Wells na íntegra. Mas, para uma visão compacta desse homem e escritor infinitamente fascinante, The Young H.G. Wells é quase imbatível, além de ser acessível, astuto e um prazer de ler. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU.

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Michael Dirda resenha livros todas as semanas para o Washington Post.

A mais recente biografia de Claire Tomalin, The Young H.G. Wells: Changing the World [O Jovem H.G. Wells: Mudando o Mundo], tem uma escrita clara, está repleta de acontecimentos e é elogiosa – com justiça – sem ser acrítica. Em comparação com, digamos, o premiado Samuel Pepys: The Unequaled Self, seu novo livro também é abertamente pessoal: “A Ilha do Dr. Moreau”, escreve Tomalin, “é uma história perturbadora e ainda hesito antes de voltar a ela, mas quando volto, descubro que seu poder narrativo me arrebata mais uma vez, apesar da minha relutância”.

O escritor britânico H. G. Wells Foto: Editora Zahar

Herbert George Wells nasceu em 1866, filho de um comerciante malsucedido e uma ex-criada. Aos 14 anos, foi aprendiz numa loja de tecidos, trabalho enfadonho que o menino odiava. Como Tomalin enfatiza, foi só por meio de várias reviravoltas na sorte que Wells conseguiu adquirir rudimentos de uma educação e sobreviver a uma desnutrição severa – aos 20 anos, ele tinha apenas 1,65 metros de altura e pesava cerca de 50 quilos. Por volta dessa época, porém, ele teve um desempenho excepcionalmente bom num exame nacional que o levou a se inscrever num programa de ciências supervisionado por Thomas Henry Huxley, grande defensor de Charles Darwin.

A saúde precária continuou a atormentar o jovem Wells. Um grave acidente provocou a destruição de um rim. Logo depois veio uma condição tuberculosa em que ele tossia sangue. Até chegar aos 40 anos, Wells escreveu mais tarde, “o sentimento de inferioridade física era uma angústia aguda e constante para mim, um sentimento que nenhuma filosofia conseguia mitigar”. Ainda assim, o jovem era indomável, quase um garoto-propaganda das emocionantes palavras de Invictus: “Sou o senhor do meu destino, o capitão da minha alma”. Muito apropriadamente, o autor desse poema, William Ernest Henley, seria o editor da revista que viria a publicar a série A Máquina do Tempo, de Wells. Quando a versão em livro apareceu em 1895, o professor de ciências sempre em dificuldades acordou numa bela manhã e se descobriu famoso. Tinha 28 anos de idade.

Até hoje, ninguém entende muito bem como um homem, mesmo que fosse um gênio, conseguiu escrever tanto e tão bem durante as duas décadas seguintes, mas aí, como diz Tomalin, “abraçar tudo foi a maneira como Wells viveu sua vida”. Este é o período dos principais romances científicos, entre eles A Guerra dos Mundos, mas também da obra-prima semirrealista, Tono-Bungay, da traquinagem séria/cômica, The History of Mr. Polly e de uma séria de contos brilhantes, como The Country of the Blind e The Door in the Wall. Durante esses mesmos anos, Wells também produziu alguns ensaios (On the Art of Staying the Seaside), especulações sobre o futuro (Anticipations, publicado em 1902) e até mesmo um impressionante panfleto político para a organização socialista Fabian Society: em The Misery of Boots, ele fala sobre os calçados baratos e mal ajustados dos pobres para ressaltar as injustiças do sistema de classes. Ao longo desses mesmos anos, Wells se correspondeu com Henry James e Joseph Conrad (que dedicou O Agente Secreto a ele), ajudou a cuidar dos romancistas Stephen Crane e George Gissing, então gravemente doentes, e fez uma amizade duradoura e versátil com Arnold Bennett.

Por trás de suas muitas facetas, Wells continuou sendo educador e proselitista de coração, usando ficção e não ficção como pontos de debate para, como diz o subtítulo de Tomalin, “mudar o mundo”. Seus últimos livros, especialmente, enfatizaram o que ele via como a mensagem central da República de Platão: “A maioria dos males sociais e políticos que você sofre estão sob seu controle, basta ter vontade e coragem de mudá-los. Você pode viver de um jeito diferente e mais sábio, basta decidir que vai raciocinar e resolver as coisas”. Já durante uma visita aos Estados Unidos em 1906, ele expressou sua estima pelos negros americanos que lutavam para viver uma vida digna dentro de “uma civilização que os despreza e renega”. A própria democracia americana, afirmou ele, estava sendo distorcida pelos ricos, minada pelo “poder anárquico e irresponsável dos proprietários privados”.

Não é de surpreender que os últimos anos de Wells – ele morreu aos 79 anos de idade, em 1946 – foram sombreados por um cansaço infinito. Em vez do surgimento de uma sociedade global e racional, o que ele testemunhava era uma humanidade infeliz que ainda sofria com a incoerência, os ódios e a violência do sectarismo político e religioso. Ele fracassara em mudar o mundo. No entanto, o historiador Norman Stone declarou certa vez que, de todos os escritores ingleses do século 20, Wells é aquele que ele mais gostaria de chamar de volta dos mortos.

E, no entanto, por mais magnífico que possa ser o Wells visionário de espírito público, o Wells de vida íntima foi bastante problemático. “Ele era”, como escreve Tomalin, “um marido ruim e um amante pouco confiável”.

Ansioso por experiência sexual, Wells se casou aos 25 anos com uma linda prima. A noite de núpcias foi desastrosa e logo depois ele começou a galantear e acabou ficando com uma de suas alunas, Amy Catherine Robbins. Wells mais tarde se casou com Robbins, a quem ele insistia em chamar de Jane, por não gostar de seu nome de batismo. Ele também insistia que lhe fosse permitido manter todo e qualquer caso de amor que lhe parecesse necessário para sua saúde e bem-estar. Esta era, na sua opinião, simplesmente a atitude mais correta e esclarecida em relação ao sexo. Muitas mulheres inteligentes e independentes, entre elas a formidável intelectual Rebecca West e a tradutora e espiã russa Moura Budberg, acabaram recebendo suas carícias. Ainda assim, Jane – Tomalin a chama de “a verdadeira heroína desta história” – continuou sendo a âncora de sua vida e também sua datilógrafa.

Dois relacionamentos problemáticos envolveram admiradoras apaixonadas que tinham metade de sua idade, começando com Rosamund Bland, de 19 anos, com quem Wells quase fugiu para Paris: a tentativa foi interceptada pelo indignado pai da moça já na estação de trem. Ainda mais escandaloso foi sua ligação com Amber Reeves, uma estudante de Cambridge que tempos depois lhe daria um filho. Seu caso formou a base do romance mais chocante de Wells, Ann Veronica, no qual uma jovem solteira se entrega avidamente a um homem casado e mais velho. E o que é ainda mais chocante: o livro tem final feliz.

Três excelentes biografias bem completas – de Norman e Jeanne Mackenzie, David C. Smith e Michael Sherborne – narram a vida colorida de Wells na íntegra. Mas, para uma visão compacta desse homem e escritor infinitamente fascinante, The Young H.G. Wells é quase imbatível, além de ser acessível, astuto e um prazer de ler. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU.

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