Com mais de 50 mil títulos lançados anualmente pelas editoras brasileiras é uma tarefa quase impossível elaborar uma lista mensal dos melhores livros. Desse modo, o caderno Aliás vai publicar, no último domingo de cada mês, a partir desta edição, uma lista não dos 10 melhores, mas de 10 títulos essenciais que as editoras colocam nas livrarias.
O primeiro Painel de Vendas de Livros no Brasil de 2018 mostrou um crescimento de 14% no faturamento em relação ao mesmo período do ano passado, o primeiro resultado positivo desde 2013, o que é animador e tem reflexo imediato na produção editorial. Novos autores brasileiros são publicados e coleções ambiciosas são lançadas. Obras completas de escritores que fazem parte da história literária, como Albert Camus (1930-1960) e o veterano George Steiner, que completou 89 anos este mês, são relançadas.
Editoras apostam em nomes pouco conhecidos do leitor brasileiro, entre eles o romeno Panaït Istatri ( 1884-1935) e a atriz de origem alemã Anne Wiazemsky (1947-2017), que fez filmes importantes ao lado de cineastas como Bresson, Godard e Pasolini e escreveu um livro valioso sobre o conturbado ano de 1968.
A lista traz títulos publicados este mês por editoras brasileiras e estrangeiras em áreas cobertas por nossos colaboradores (literatura, cinema, teatro, música, artes visuais). Alguns estavam fora de catálogo, como A Experiência do Cinema, do professor Ismail Xavier. Outros ganham sua primeira edição, como a biografia do crítico inglês Kenneth Clark . Na área de ficção destacam-se dois títulos: Uniões, do austríaco Robert Musil (1880-1942) e As Luas de Júpiter, da canadense Alice Munro, Nobel de 2013.
O HOMEM QUE PLANTAVA ÁRVORES Autor: Jean Giono Editora: 34 R$ 49
O francês Jean Giono (1895-1970) ainda é um nome pouco conhecido no Brasil, mas escreveu este livro maravilhoso que, em 1988, foi adaptado para o cinema por Frédéric Back e ganhou o Oscar de melhor curta de animação. A história se passa no sul da França, onde um rapaz, caminhando por uma região desértica, avista um silencioso pastor de ovelhas que semeia árvores e sacia sua sede. A vida se renova no lugar graças a essa intervenção, mas ninguém sabe quem a provocou. A fábula é um dos pontos altos da carreira literária de Giono, autor ainda de dois ciclos de romances e ensaios históricos nos anos 1960, como Le Désastre de Pavie.
A EXPERIÊNCIA DO CINEMA Autor: Ismail Xavier Editora: Paz e Terra R$ 64,90
Livro essencial na formação de qualquer cinéfilo, A Experiência do Cinema, do professor, crítico e historiador Ismail Xavier, é um extenso painel da história do cinema, das origens até a década de 1980, apresentando ao leitor as teorias essenciais, de Pudovkin a Merleau-Ponty, passando por Eisenstein e André Bazin. Elas contemplam desde a tradição formativa até a teoria contemporânea consagrada pelos franceses, sempre sob a inspiração do filósofo Walter Benjamin. A Experiência do Cinema tem um diálogo estreito com outro livro do autor, O Discurso Cinematográfico, denso, mas acessível. A nova edição reúne textos de críticos, filósofos e cineastas estrangeiros.
KYRA KYRALINA Autor: Panaït Istrati Editora: Carambaia R$ 74,90
O escritor romeno Panaït Istatri (1884-1935), apelidado pelo Nobel francês Romain Rolland de ‘Górki dos Balcãs’, publicou, em 1923, o romance de viagem Kyra Kyralina, sobre o vagabundo errante Stavro, que vive de pequenos bicos e tem sua vida narrada por Adrien Zograffi, alter-ego do autor. O livro acompanha a saga de Stavro para reencontrar a irmã Kyra, de quem foi separado de forma traumática por ação do rigoroso pai, que comanda com mão de ferro a casa, enquanto as irmãs e a mãe de Stavro o tratam com todos os mimos. O livro é o primeiro a ser protagonizado por Zograffi. O autor virou um fenômeno literário nos anos 1920.
UM ANO DEPOIS Autora: Anne Wiazemsky Editora: Todavia R$ 32,90
A alemã Anne Wiazemsky (1947-2017) foi atriz em vários clássicos do cinema, tendo atuado sob a direção de Bresson (A Grande Testemunha) e Pasolini (Teorema). Ex-mulher do cineasta Jean-Luc Godard, um dos grandes nomes da nouvelle vague francesa, Wiazemsky trabalhou com ele no polêmico e premonitório A Chinesa, rodado em 1967, um ano antes da revolta estudantil de maio de 1968 na França, justamente o ano a que se refere o título de seu livro. Nele, a atriz conta sua atribulada experiência ao lado de Godard no Quartier Latin, ao lado da Sorbonne, universidade que estava no centro dos conflitos de maio de 1968.
O TEATRO DO ABSURDO Autor: Martin Esslin Editora: Zahar R$ 79,90
Beckett, Ionesco e Harold Pinter são três dos autores analisados pelo tradutor e crítico húngaro Martin Esslin (1918-2002) no essencial Teatro do Absurdo, agora revisto e ampliado. O termo foi cunhado pelo próprio Esslin para definir o grupo de dramaturgos que se afastaram da linguagem naturalista e se aproximaram do existencialismo em suas peças. Esslin, que trocou a Hungria pela Inglaterra durante a ascensão do nazismo, foi próximo de alguns desses autores e analisa em seu livro peças que passaram à história do teatro moderno, como Esperando Godot, de Beckett, e A Cantora Careca, de Ionesco. A tradução é da crítica Bárbara Heliodora.
TRIO PAGÃO Autor: Sérgio Medeiros Editora: Iluminuras R$ 49
O poeta Sérgio Medeiros é também um antropólogo com ensaios em sua área, entre eles o livro O Dono dos Sonhos. Agora, ele volta a explorar as crenças indígenas em um dos três textos que tratam do trânsito entre a expressão gráfica e a verbal. Nele, Medeiros retoma uma narrativa do índio xavante Jerônimo Tsawé registrada numa folha coberta de linhas sinuosas, que o antropólogo se propõe a interpretar no livro Trio Pagão. Em outra proposta, ele aborda um personagem inventado pelo irlandês James Joyce em seu Ulisses, um músico português chamado Enrique Flor. Na terceira proposta, o poeta conta a história de uma ninfa que envelhece com os rios.
MOZART IN VIENNA Autor: Simon P. Keefe Editora: Cambridge Univestity Press US$ 44,99
Concentrado na atuação de Mozart como intérprete, o livro Mozart in Vienna: The Final Decade trata do último período da vida do compositor austríaco – mais especificamente, de 1781 a 1791. Mozart, aos 22 anos, foi para Paris com a mãe, deixando o pai em Salzburgo. Lá, ele demonstrou sua técnica em salões da nobreza francesa, que esnobou o músico. Porém, sempre aparecia um duque ou outro disposto a prestar atenção no tecladista, frustrado diante de uma plateia rude e pouco atenta. O livro mostra como a situação muda na década final do músico, que integra composição e interpretação num único corpo antes de morrer precocemente, aos 35 anos.
KENNETH CLARK Autor: James Stourton Editora: Knopf/Vintage US$ 35
O inglês Kenneth Clark (1903-1983) foi o mais festejado historiador de arte até 1980, quando as universidades descobriram uma fórmula para tratar do assunto de modo diverso desse respeitado acadêmico, ao incorporar teses sociológicas. Rico e inteligente, Kenneth Clark era visto com desconfiança por colegas, justamente por facilitar a vida dos não especialistas. Seu objetivo ao escrever sobre arte era justamente traduzir para o público leigo seus insights sobre os artistas, tendo como fonte de inspiração o grande John Ruskin. O livro de James Stourton, uma biografia, além de arte, trata da vida amorosa de Kenneth Clark, que adorava as mulheres.
AS LUAS DE JÚPITER Autora: Alice Munro Editora: Biblioteca Azul R$ 49,90
A canadense Alice Munro, que ganhou o Nobel de Literatura em 2013, é certamente a melhor contista do continente americano desde Flannery O’Connor, sendo com justiça comparada a Chekhov. Em seu livro de contos As Luas de Júpiter, Munro fala de mulheres fortes, vistas como frágeis por outras pessoas, e de suas relações com maridos traidores. Um deles deixa a família para ficar com a amante. Outro olha com indiferença para o corpo da mulher, já não tão atraente como na juventude. As Luas de Júpiter reúne 12 contos de extrema sensibilidade, escritos por uma mulher sintonizada com sua época e que teve obras adaptadas para o cinema.
UNIÕES Autor: Robert Musil Editora: Perspectiva R$ 54
Duas histórias do escritor austríaco Robert Musil (1880-1941), autor do clássico O Homem Sem Qualidades, compõem o livro Uniões: A Perfeição do Amor e A Tentação da Quieta Verônica. Ambas as narrativas lidam com a experiência existencial de mulheres com precoces fantasias eróticas. Musil foi influenciado pela literatura de Dostoievski e marcou muitos outros escritores contemporâneos, entre eles Milan Kundera e Clarice Lispector, que retrabalharam a abordagem sutil do mundo feminino pelo austríaco e sua visão crítica da sociedade europeia. Thomas Mann considerava O Homem Sem Qualidades uma verdadeira epifania literária.