Novo livro de Baricco presta tributo a García Márquez e Lampedusa


Escritor italiano busca o épico em história provinciana de 'A Noiva Jovem' e concede entrevista exclusiva ao 'Aliás'

Por Antonio Gonçalves Filho
O escritor Alessandro Baricco presou tributo a Gabriel García Márquez e Lampedusa em 'A Noiva Jovem' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Alessandro Baricco se propôs a escrever um livro com 20% de realismo mágico, 20% de Lampedusa e 60% dele mesmo. O resultado é um romance delicado sobre uma família cujos integrantes não são identificados por nomes, mas por papéis sociais. O livro, A Noiva Jovem, descreve os rituais dessa família – os longos cafés da manhã – e suas fragilidades – como um medo irracional da noite, que desperta a curiosidade da noiva do título. Ela espera na casa pelo jovem herdeiro com quem vai se casar, ausente na ocasião de sua chegada.

O enredo, aparentemente simples, tem, no entanto, a dimensão político-filosófica da obra-prima de Lampedusa, O Leopardo, justificando o êxito do 13º livro de Baricco em todo o mundo. A respeito dessa proximidade, Baricco concedeu uma entrevista exclusiva ao Aliás.

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Os personagens de seu livro A Noiva Jovem não têm nome, são reconhecidos pelos papéis sociais que desempenham, uma estratégia também usada por outros autores contemporâneos. Há alguma razão especial para que sejam anônimos? Eles não têm nome porque são, na sua terra, quase figuras míticas, legendárias. Acontece com certa frequência nas cidadezinhas: numa delas, em que passei as férias, havia um homem que só chamavam de Professor, embora soubessem seu nome. Era o Professor e bastava. Era autor de um famoso Atlas geográfico. Era, enfim, uma lenda. Morreu gemendo durante a noite, vítima de dores terríveis. Era possível ouvi-lo da rua.

Os papéis dos homens e das mulheres parecem invertidos em seu livro. Você diria que o seu romance é feminista? Não, jamais pensei no romance como um livro feminista. Mas tenho tremenda admiração pelas mulheres e pelo jeito que guardam, de modo invisível, o coração do mundo nas mãos.

Os críticos tiveram certa dificuldade em definir seu livro. Alguns classificaram A Noiva Jovem de uma romance surrealista. Outros, de uma fábula gótica e houve até mesmo quem o definisse como um conto filosófico sobre a arte de viver. O que tinha em mente quando começou a escrever o romance? Tinha em mente misturar o realismo mágico da literatura sul-americana com a prosa de Tomasi di Lampedusa e com isso escrever um livro que apenas eu no mundo poderia escrever: 20% García Márquez, 20% O Leopardo e 60% Baricco.

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Uma das estratégias notáveis em seu livro é a de se aproximar da mitologia clássica, em particular da Ilíada, uma vez que os personagens crescem à medida que a história progride. O que você encontrou na mitologia antiga que não consegue encontrar na literatura contemporânea? O épico. As raízes do épico, o momento no qual começamos a construir histórias com uma capacidade verdadeiramente elevada, o instante absolutamente fascinante em que pensamos que escrever seria mais seguro que contar oralmente uma história. É uma passagem crucial para sabermos de onde viemos e onde estamos andando.

Você considera Nabokov o maior escritor erótico que leu. Em Seda, você escreveu uma carta erótica que é quase um antecipação da cena da descoberta do sexo pela jovem noiva do seu novo livro, uma espécie de iniciação na liturgia da família que a recebe. De que modo Nabokov o influenciou? Nabokov, para mim, é inimitável. Contudo, a demonstração de que se pode com a escrita transmitir ao leitor a face invisível do desejo me levou a aceitar o desafio. Se Nabokov teve sucesso com a empreitada, pensei, por que não eu?

Como foi essa história de perder seu computador num táxi com 50 páginas de A Noiva Jovem, que depois foram recuperadas? Não, na realidade isso não me aconteceu. O personagem do escritor de A Noiva Jovem não é estritamente autobiográfico. Há muitas coisas dele que não me pertencem (por exemplo, jamais procurei um terapeuta). Porém, é verdade que há alguns anos aconteceu de eu esquecer meu computador num táxi, em Nova York, com as 50 primeiras páginas de meu romance City. Quando percebi que não iria jamais recuperar o meu computador, tranquei-me num hotel e comecei a reescrever tudo de memória. Era quase tudo, juro. Creio ter passado metade de minha vida imaginando romances. O fato é que nunca durmo sem “escrever” na cabeça um trecho; é uma coisa que adoro.

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Repetição é uma palavra estreitamente ligada ao livro A Noiva Jovem – e, talvez, isso tenha algo a ver com a teoria mimética de René Girard. Você a conhece? Ela, de alguma forma, foi útil na construção do seu romance? Não conheço a teoria de René Girard (tenho furos inexplicáveis na minha formação intelectual). Pessoalmente, não gosto da repetição. Não sou metódico, me aborreço facilmente, pesa-me ensinar duas vezes a mesma lição na escola. Mas adoro a repetição na arte: me agrada na escrita porque tem um efeito hipnótico e com frequência a uso. Agrada-me loucamente na música: as árias ‘col da capo’ de Haendel, por exemplo, que, do ponto de vista dramatúrgico, são um absurdo, para mim são irresistíveis. Retomar do mesmo ponto, mas três minutos depois, é algo belíssimo.

Capa do livro 'A Noiva Jovem', de Alessandro Baricco Foto: Editora Alfaguara

A Noiva Jovem Autor: Alessandro BariccoTradução: Joana Angélica D'Avila MelloEditora: Alfaguara (160 pág., R$ 39,90)

O escritor Alessandro Baricco presou tributo a Gabriel García Márquez e Lampedusa em 'A Noiva Jovem' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Alessandro Baricco se propôs a escrever um livro com 20% de realismo mágico, 20% de Lampedusa e 60% dele mesmo. O resultado é um romance delicado sobre uma família cujos integrantes não são identificados por nomes, mas por papéis sociais. O livro, A Noiva Jovem, descreve os rituais dessa família – os longos cafés da manhã – e suas fragilidades – como um medo irracional da noite, que desperta a curiosidade da noiva do título. Ela espera na casa pelo jovem herdeiro com quem vai se casar, ausente na ocasião de sua chegada.

O enredo, aparentemente simples, tem, no entanto, a dimensão político-filosófica da obra-prima de Lampedusa, O Leopardo, justificando o êxito do 13º livro de Baricco em todo o mundo. A respeito dessa proximidade, Baricco concedeu uma entrevista exclusiva ao Aliás.

Os personagens de seu livro A Noiva Jovem não têm nome, são reconhecidos pelos papéis sociais que desempenham, uma estratégia também usada por outros autores contemporâneos. Há alguma razão especial para que sejam anônimos? Eles não têm nome porque são, na sua terra, quase figuras míticas, legendárias. Acontece com certa frequência nas cidadezinhas: numa delas, em que passei as férias, havia um homem que só chamavam de Professor, embora soubessem seu nome. Era o Professor e bastava. Era autor de um famoso Atlas geográfico. Era, enfim, uma lenda. Morreu gemendo durante a noite, vítima de dores terríveis. Era possível ouvi-lo da rua.

Os papéis dos homens e das mulheres parecem invertidos em seu livro. Você diria que o seu romance é feminista? Não, jamais pensei no romance como um livro feminista. Mas tenho tremenda admiração pelas mulheres e pelo jeito que guardam, de modo invisível, o coração do mundo nas mãos.

Os críticos tiveram certa dificuldade em definir seu livro. Alguns classificaram A Noiva Jovem de uma romance surrealista. Outros, de uma fábula gótica e houve até mesmo quem o definisse como um conto filosófico sobre a arte de viver. O que tinha em mente quando começou a escrever o romance? Tinha em mente misturar o realismo mágico da literatura sul-americana com a prosa de Tomasi di Lampedusa e com isso escrever um livro que apenas eu no mundo poderia escrever: 20% García Márquez, 20% O Leopardo e 60% Baricco.

Uma das estratégias notáveis em seu livro é a de se aproximar da mitologia clássica, em particular da Ilíada, uma vez que os personagens crescem à medida que a história progride. O que você encontrou na mitologia antiga que não consegue encontrar na literatura contemporânea? O épico. As raízes do épico, o momento no qual começamos a construir histórias com uma capacidade verdadeiramente elevada, o instante absolutamente fascinante em que pensamos que escrever seria mais seguro que contar oralmente uma história. É uma passagem crucial para sabermos de onde viemos e onde estamos andando.

Você considera Nabokov o maior escritor erótico que leu. Em Seda, você escreveu uma carta erótica que é quase um antecipação da cena da descoberta do sexo pela jovem noiva do seu novo livro, uma espécie de iniciação na liturgia da família que a recebe. De que modo Nabokov o influenciou? Nabokov, para mim, é inimitável. Contudo, a demonstração de que se pode com a escrita transmitir ao leitor a face invisível do desejo me levou a aceitar o desafio. Se Nabokov teve sucesso com a empreitada, pensei, por que não eu?

Como foi essa história de perder seu computador num táxi com 50 páginas de A Noiva Jovem, que depois foram recuperadas? Não, na realidade isso não me aconteceu. O personagem do escritor de A Noiva Jovem não é estritamente autobiográfico. Há muitas coisas dele que não me pertencem (por exemplo, jamais procurei um terapeuta). Porém, é verdade que há alguns anos aconteceu de eu esquecer meu computador num táxi, em Nova York, com as 50 primeiras páginas de meu romance City. Quando percebi que não iria jamais recuperar o meu computador, tranquei-me num hotel e comecei a reescrever tudo de memória. Era quase tudo, juro. Creio ter passado metade de minha vida imaginando romances. O fato é que nunca durmo sem “escrever” na cabeça um trecho; é uma coisa que adoro.

Repetição é uma palavra estreitamente ligada ao livro A Noiva Jovem – e, talvez, isso tenha algo a ver com a teoria mimética de René Girard. Você a conhece? Ela, de alguma forma, foi útil na construção do seu romance? Não conheço a teoria de René Girard (tenho furos inexplicáveis na minha formação intelectual). Pessoalmente, não gosto da repetição. Não sou metódico, me aborreço facilmente, pesa-me ensinar duas vezes a mesma lição na escola. Mas adoro a repetição na arte: me agrada na escrita porque tem um efeito hipnótico e com frequência a uso. Agrada-me loucamente na música: as árias ‘col da capo’ de Haendel, por exemplo, que, do ponto de vista dramatúrgico, são um absurdo, para mim são irresistíveis. Retomar do mesmo ponto, mas três minutos depois, é algo belíssimo.

Capa do livro 'A Noiva Jovem', de Alessandro Baricco Foto: Editora Alfaguara

A Noiva Jovem Autor: Alessandro BariccoTradução: Joana Angélica D'Avila MelloEditora: Alfaguara (160 pág., R$ 39,90)

O escritor Alessandro Baricco presou tributo a Gabriel García Márquez e Lampedusa em 'A Noiva Jovem' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Alessandro Baricco se propôs a escrever um livro com 20% de realismo mágico, 20% de Lampedusa e 60% dele mesmo. O resultado é um romance delicado sobre uma família cujos integrantes não são identificados por nomes, mas por papéis sociais. O livro, A Noiva Jovem, descreve os rituais dessa família – os longos cafés da manhã – e suas fragilidades – como um medo irracional da noite, que desperta a curiosidade da noiva do título. Ela espera na casa pelo jovem herdeiro com quem vai se casar, ausente na ocasião de sua chegada.

O enredo, aparentemente simples, tem, no entanto, a dimensão político-filosófica da obra-prima de Lampedusa, O Leopardo, justificando o êxito do 13º livro de Baricco em todo o mundo. A respeito dessa proximidade, Baricco concedeu uma entrevista exclusiva ao Aliás.

Os personagens de seu livro A Noiva Jovem não têm nome, são reconhecidos pelos papéis sociais que desempenham, uma estratégia também usada por outros autores contemporâneos. Há alguma razão especial para que sejam anônimos? Eles não têm nome porque são, na sua terra, quase figuras míticas, legendárias. Acontece com certa frequência nas cidadezinhas: numa delas, em que passei as férias, havia um homem que só chamavam de Professor, embora soubessem seu nome. Era o Professor e bastava. Era autor de um famoso Atlas geográfico. Era, enfim, uma lenda. Morreu gemendo durante a noite, vítima de dores terríveis. Era possível ouvi-lo da rua.

Os papéis dos homens e das mulheres parecem invertidos em seu livro. Você diria que o seu romance é feminista? Não, jamais pensei no romance como um livro feminista. Mas tenho tremenda admiração pelas mulheres e pelo jeito que guardam, de modo invisível, o coração do mundo nas mãos.

Os críticos tiveram certa dificuldade em definir seu livro. Alguns classificaram A Noiva Jovem de uma romance surrealista. Outros, de uma fábula gótica e houve até mesmo quem o definisse como um conto filosófico sobre a arte de viver. O que tinha em mente quando começou a escrever o romance? Tinha em mente misturar o realismo mágico da literatura sul-americana com a prosa de Tomasi di Lampedusa e com isso escrever um livro que apenas eu no mundo poderia escrever: 20% García Márquez, 20% O Leopardo e 60% Baricco.

Uma das estratégias notáveis em seu livro é a de se aproximar da mitologia clássica, em particular da Ilíada, uma vez que os personagens crescem à medida que a história progride. O que você encontrou na mitologia antiga que não consegue encontrar na literatura contemporânea? O épico. As raízes do épico, o momento no qual começamos a construir histórias com uma capacidade verdadeiramente elevada, o instante absolutamente fascinante em que pensamos que escrever seria mais seguro que contar oralmente uma história. É uma passagem crucial para sabermos de onde viemos e onde estamos andando.

Você considera Nabokov o maior escritor erótico que leu. Em Seda, você escreveu uma carta erótica que é quase um antecipação da cena da descoberta do sexo pela jovem noiva do seu novo livro, uma espécie de iniciação na liturgia da família que a recebe. De que modo Nabokov o influenciou? Nabokov, para mim, é inimitável. Contudo, a demonstração de que se pode com a escrita transmitir ao leitor a face invisível do desejo me levou a aceitar o desafio. Se Nabokov teve sucesso com a empreitada, pensei, por que não eu?

Como foi essa história de perder seu computador num táxi com 50 páginas de A Noiva Jovem, que depois foram recuperadas? Não, na realidade isso não me aconteceu. O personagem do escritor de A Noiva Jovem não é estritamente autobiográfico. Há muitas coisas dele que não me pertencem (por exemplo, jamais procurei um terapeuta). Porém, é verdade que há alguns anos aconteceu de eu esquecer meu computador num táxi, em Nova York, com as 50 primeiras páginas de meu romance City. Quando percebi que não iria jamais recuperar o meu computador, tranquei-me num hotel e comecei a reescrever tudo de memória. Era quase tudo, juro. Creio ter passado metade de minha vida imaginando romances. O fato é que nunca durmo sem “escrever” na cabeça um trecho; é uma coisa que adoro.

Repetição é uma palavra estreitamente ligada ao livro A Noiva Jovem – e, talvez, isso tenha algo a ver com a teoria mimética de René Girard. Você a conhece? Ela, de alguma forma, foi útil na construção do seu romance? Não conheço a teoria de René Girard (tenho furos inexplicáveis na minha formação intelectual). Pessoalmente, não gosto da repetição. Não sou metódico, me aborreço facilmente, pesa-me ensinar duas vezes a mesma lição na escola. Mas adoro a repetição na arte: me agrada na escrita porque tem um efeito hipnótico e com frequência a uso. Agrada-me loucamente na música: as árias ‘col da capo’ de Haendel, por exemplo, que, do ponto de vista dramatúrgico, são um absurdo, para mim são irresistíveis. Retomar do mesmo ponto, mas três minutos depois, é algo belíssimo.

Capa do livro 'A Noiva Jovem', de Alessandro Baricco Foto: Editora Alfaguara

A Noiva Jovem Autor: Alessandro BariccoTradução: Joana Angélica D'Avila MelloEditora: Alfaguara (160 pág., R$ 39,90)

O escritor Alessandro Baricco presou tributo a Gabriel García Márquez e Lampedusa em 'A Noiva Jovem' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Alessandro Baricco se propôs a escrever um livro com 20% de realismo mágico, 20% de Lampedusa e 60% dele mesmo. O resultado é um romance delicado sobre uma família cujos integrantes não são identificados por nomes, mas por papéis sociais. O livro, A Noiva Jovem, descreve os rituais dessa família – os longos cafés da manhã – e suas fragilidades – como um medo irracional da noite, que desperta a curiosidade da noiva do título. Ela espera na casa pelo jovem herdeiro com quem vai se casar, ausente na ocasião de sua chegada.

O enredo, aparentemente simples, tem, no entanto, a dimensão político-filosófica da obra-prima de Lampedusa, O Leopardo, justificando o êxito do 13º livro de Baricco em todo o mundo. A respeito dessa proximidade, Baricco concedeu uma entrevista exclusiva ao Aliás.

Os personagens de seu livro A Noiva Jovem não têm nome, são reconhecidos pelos papéis sociais que desempenham, uma estratégia também usada por outros autores contemporâneos. Há alguma razão especial para que sejam anônimos? Eles não têm nome porque são, na sua terra, quase figuras míticas, legendárias. Acontece com certa frequência nas cidadezinhas: numa delas, em que passei as férias, havia um homem que só chamavam de Professor, embora soubessem seu nome. Era o Professor e bastava. Era autor de um famoso Atlas geográfico. Era, enfim, uma lenda. Morreu gemendo durante a noite, vítima de dores terríveis. Era possível ouvi-lo da rua.

Os papéis dos homens e das mulheres parecem invertidos em seu livro. Você diria que o seu romance é feminista? Não, jamais pensei no romance como um livro feminista. Mas tenho tremenda admiração pelas mulheres e pelo jeito que guardam, de modo invisível, o coração do mundo nas mãos.

Os críticos tiveram certa dificuldade em definir seu livro. Alguns classificaram A Noiva Jovem de uma romance surrealista. Outros, de uma fábula gótica e houve até mesmo quem o definisse como um conto filosófico sobre a arte de viver. O que tinha em mente quando começou a escrever o romance? Tinha em mente misturar o realismo mágico da literatura sul-americana com a prosa de Tomasi di Lampedusa e com isso escrever um livro que apenas eu no mundo poderia escrever: 20% García Márquez, 20% O Leopardo e 60% Baricco.

Uma das estratégias notáveis em seu livro é a de se aproximar da mitologia clássica, em particular da Ilíada, uma vez que os personagens crescem à medida que a história progride. O que você encontrou na mitologia antiga que não consegue encontrar na literatura contemporânea? O épico. As raízes do épico, o momento no qual começamos a construir histórias com uma capacidade verdadeiramente elevada, o instante absolutamente fascinante em que pensamos que escrever seria mais seguro que contar oralmente uma história. É uma passagem crucial para sabermos de onde viemos e onde estamos andando.

Você considera Nabokov o maior escritor erótico que leu. Em Seda, você escreveu uma carta erótica que é quase um antecipação da cena da descoberta do sexo pela jovem noiva do seu novo livro, uma espécie de iniciação na liturgia da família que a recebe. De que modo Nabokov o influenciou? Nabokov, para mim, é inimitável. Contudo, a demonstração de que se pode com a escrita transmitir ao leitor a face invisível do desejo me levou a aceitar o desafio. Se Nabokov teve sucesso com a empreitada, pensei, por que não eu?

Como foi essa história de perder seu computador num táxi com 50 páginas de A Noiva Jovem, que depois foram recuperadas? Não, na realidade isso não me aconteceu. O personagem do escritor de A Noiva Jovem não é estritamente autobiográfico. Há muitas coisas dele que não me pertencem (por exemplo, jamais procurei um terapeuta). Porém, é verdade que há alguns anos aconteceu de eu esquecer meu computador num táxi, em Nova York, com as 50 primeiras páginas de meu romance City. Quando percebi que não iria jamais recuperar o meu computador, tranquei-me num hotel e comecei a reescrever tudo de memória. Era quase tudo, juro. Creio ter passado metade de minha vida imaginando romances. O fato é que nunca durmo sem “escrever” na cabeça um trecho; é uma coisa que adoro.

Repetição é uma palavra estreitamente ligada ao livro A Noiva Jovem – e, talvez, isso tenha algo a ver com a teoria mimética de René Girard. Você a conhece? Ela, de alguma forma, foi útil na construção do seu romance? Não conheço a teoria de René Girard (tenho furos inexplicáveis na minha formação intelectual). Pessoalmente, não gosto da repetição. Não sou metódico, me aborreço facilmente, pesa-me ensinar duas vezes a mesma lição na escola. Mas adoro a repetição na arte: me agrada na escrita porque tem um efeito hipnótico e com frequência a uso. Agrada-me loucamente na música: as árias ‘col da capo’ de Haendel, por exemplo, que, do ponto de vista dramatúrgico, são um absurdo, para mim são irresistíveis. Retomar do mesmo ponto, mas três minutos depois, é algo belíssimo.

Capa do livro 'A Noiva Jovem', de Alessandro Baricco Foto: Editora Alfaguara

A Noiva Jovem Autor: Alessandro BariccoTradução: Joana Angélica D'Avila MelloEditora: Alfaguara (160 pág., R$ 39,90)

O escritor Alessandro Baricco presou tributo a Gabriel García Márquez e Lampedusa em 'A Noiva Jovem' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Alessandro Baricco se propôs a escrever um livro com 20% de realismo mágico, 20% de Lampedusa e 60% dele mesmo. O resultado é um romance delicado sobre uma família cujos integrantes não são identificados por nomes, mas por papéis sociais. O livro, A Noiva Jovem, descreve os rituais dessa família – os longos cafés da manhã – e suas fragilidades – como um medo irracional da noite, que desperta a curiosidade da noiva do título. Ela espera na casa pelo jovem herdeiro com quem vai se casar, ausente na ocasião de sua chegada.

O enredo, aparentemente simples, tem, no entanto, a dimensão político-filosófica da obra-prima de Lampedusa, O Leopardo, justificando o êxito do 13º livro de Baricco em todo o mundo. A respeito dessa proximidade, Baricco concedeu uma entrevista exclusiva ao Aliás.

Os personagens de seu livro A Noiva Jovem não têm nome, são reconhecidos pelos papéis sociais que desempenham, uma estratégia também usada por outros autores contemporâneos. Há alguma razão especial para que sejam anônimos? Eles não têm nome porque são, na sua terra, quase figuras míticas, legendárias. Acontece com certa frequência nas cidadezinhas: numa delas, em que passei as férias, havia um homem que só chamavam de Professor, embora soubessem seu nome. Era o Professor e bastava. Era autor de um famoso Atlas geográfico. Era, enfim, uma lenda. Morreu gemendo durante a noite, vítima de dores terríveis. Era possível ouvi-lo da rua.

Os papéis dos homens e das mulheres parecem invertidos em seu livro. Você diria que o seu romance é feminista? Não, jamais pensei no romance como um livro feminista. Mas tenho tremenda admiração pelas mulheres e pelo jeito que guardam, de modo invisível, o coração do mundo nas mãos.

Os críticos tiveram certa dificuldade em definir seu livro. Alguns classificaram A Noiva Jovem de uma romance surrealista. Outros, de uma fábula gótica e houve até mesmo quem o definisse como um conto filosófico sobre a arte de viver. O que tinha em mente quando começou a escrever o romance? Tinha em mente misturar o realismo mágico da literatura sul-americana com a prosa de Tomasi di Lampedusa e com isso escrever um livro que apenas eu no mundo poderia escrever: 20% García Márquez, 20% O Leopardo e 60% Baricco.

Uma das estratégias notáveis em seu livro é a de se aproximar da mitologia clássica, em particular da Ilíada, uma vez que os personagens crescem à medida que a história progride. O que você encontrou na mitologia antiga que não consegue encontrar na literatura contemporânea? O épico. As raízes do épico, o momento no qual começamos a construir histórias com uma capacidade verdadeiramente elevada, o instante absolutamente fascinante em que pensamos que escrever seria mais seguro que contar oralmente uma história. É uma passagem crucial para sabermos de onde viemos e onde estamos andando.

Você considera Nabokov o maior escritor erótico que leu. Em Seda, você escreveu uma carta erótica que é quase um antecipação da cena da descoberta do sexo pela jovem noiva do seu novo livro, uma espécie de iniciação na liturgia da família que a recebe. De que modo Nabokov o influenciou? Nabokov, para mim, é inimitável. Contudo, a demonstração de que se pode com a escrita transmitir ao leitor a face invisível do desejo me levou a aceitar o desafio. Se Nabokov teve sucesso com a empreitada, pensei, por que não eu?

Como foi essa história de perder seu computador num táxi com 50 páginas de A Noiva Jovem, que depois foram recuperadas? Não, na realidade isso não me aconteceu. O personagem do escritor de A Noiva Jovem não é estritamente autobiográfico. Há muitas coisas dele que não me pertencem (por exemplo, jamais procurei um terapeuta). Porém, é verdade que há alguns anos aconteceu de eu esquecer meu computador num táxi, em Nova York, com as 50 primeiras páginas de meu romance City. Quando percebi que não iria jamais recuperar o meu computador, tranquei-me num hotel e comecei a reescrever tudo de memória. Era quase tudo, juro. Creio ter passado metade de minha vida imaginando romances. O fato é que nunca durmo sem “escrever” na cabeça um trecho; é uma coisa que adoro.

Repetição é uma palavra estreitamente ligada ao livro A Noiva Jovem – e, talvez, isso tenha algo a ver com a teoria mimética de René Girard. Você a conhece? Ela, de alguma forma, foi útil na construção do seu romance? Não conheço a teoria de René Girard (tenho furos inexplicáveis na minha formação intelectual). Pessoalmente, não gosto da repetição. Não sou metódico, me aborreço facilmente, pesa-me ensinar duas vezes a mesma lição na escola. Mas adoro a repetição na arte: me agrada na escrita porque tem um efeito hipnótico e com frequência a uso. Agrada-me loucamente na música: as árias ‘col da capo’ de Haendel, por exemplo, que, do ponto de vista dramatúrgico, são um absurdo, para mim são irresistíveis. Retomar do mesmo ponto, mas três minutos depois, é algo belíssimo.

Capa do livro 'A Noiva Jovem', de Alessandro Baricco Foto: Editora Alfaguara

A Noiva Jovem Autor: Alessandro BariccoTradução: Joana Angélica D'Avila MelloEditora: Alfaguara (160 pág., R$ 39,90)

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