Na semana passada, uma reportagem do jornal norte-americano The New York Times repercutiu loucamente nos meios culturais do país. Altamente bem apurada e bem escrita, a matéria assinada pela jornalista Vanessa Grigoriadis se propôs a desvendar como uma mulher transgressora, hiper-empoderada e hipersexualizada como Madonna se sente diante do envelhecimento.
O problema é que a Madonna odiou. “Eu me senti estuprada!”, desabafou no Instagram. Para ela, que já derrubou milhões de barreiras comportamentais, pensar em limitações consequentes da idade é uma convenção absolutamente desprezível.
Um bom exemplo disso ocorreu em 2016, quando a cantora foi ao baile do Metropolitan Museum com um vestido da Givenchy que expunha o bumbum. Na ocasião, ela fez questão de registrar que o look tinha um viés político em prol da luta contra a ideia de que mulheres deixam de ser sexy a partir de certa idade.
Derrubar tabus em torno do sexo sempre foi sua principal bandeira. Em termos de estilo, isso significou centenas de modismos copiados por garotas de todo o planeta. Em seu disco de estreia, em 1983, o visual que misturava meia-arrastão e jaqueta de couro com saia de tule, correntes e crucifixos refletia toda a ferveção de Manhattan pós Studio 54, pós-punk e pré-AIDS em estado epidêmico. Tudo o que usava era de brechó e lojas populares, nada era de grife. Aparentemente autêntico, esse visual foi influenciado pela estilista e designer de joias Maripol, figura famosa nas rodas de moda da época. Mas isso já não tem importância.
O estilo impetuoso de Madonna, a camaleoa pop
Na década seguinte, com a turnê “Blond Ambition”, o corset com sutiã em forma de cone criado por Jean-Paul Gaultier virou um ícone. Sua performance provocadora de “Like a Virgin”, na qual bailarinos acariciavam seu corpo, chocou os mais ortodoxos. “O que tentamos fazer foi mudar o formato dos shows. Em vez de apenas apresentar músicas, queríamos combinar moda, Broadway, rock e arte performática”, afirmou o coreógrafo Vincent Patterson à revista People.
Veio então a fase dominatrix, desbocada, pornográfica.No cinema, Madonna participou de filmes com sexo explícito e lançou o livro “Sex”, com fotos de sadomasoquismo, feitas por Steven Meisel. Esse foi o ápice fashion da cantora. A moda sempre flertou com a libidinagem.
Com a maternidade seu estilo mudou radicalmente. “Quando minha filha nasceu, eu nasci de novo”, ela disse a Oprah em 1998. Meio hippie, ela deixou o cabelo solto e natural, parou de usar maquiagem, virou fã de ashtanga ioga e devota da Cabala. "Ray of Light" marca bem essa época. Depois disso, vieram o japonismo, o estilo disco, a fase country, até chegar em Madame X, a identidade adotada agora para o seu novo álbum. Do alto de suas quatro décadas de carreira, Madonna arrasa ao lado de parceiros latinos dando uma aula de branding e de marketing pessoal, coisa, aliás, que ela sempre foi especialista. Não tivesse ela escancarado a porta dos bons costumes de forma tão despudorada, talvez o mundo de hoje não fosse o mesmo, com a geração Z sexualmente fluida, o movimento LGBTQI superativo e as feministas fazendo topless para protestar. Sim, definitivamente, o mundo seria mais careta sem Madonna.