'O quadrinho brasileiro sempre foi adulto', diz Rafael Coutinho


Às vésperas do lançamento de seu novo romance gráfico, quadrinista concede entrevista exclusiva ao 'Aliás'

Por André Cáceres
Atualização:
O quadrinistaRafael Coutinho, autor de 'Cachalote' (2010) e 'Mensur' (2017) Foto: Nilton Fukuda/Estadão

O intervalo de sete anos que separa Mensur, a nova graphic novel de Rafael Coutinho, publicada pela Companhia das Letras, de Cachalote (2010), seu trabalho mais popular, em parceria com Daniel Galera, pela mesma editora, foi fundamental para a vida e a carreira do quadrinista paulistano. Não apenas porque ele teve dois filhos, mas também por ter se tornado uma das vozes responsáveis pela difusão e curadoria de novos autores do quadrinho nacional. 

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O quadrinista também é autor de 'Cachalote' (2010), em parceria com o escritor Daniel Galera

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Produzir seu livro foi apenas uma das coisas que ocuparam seu tempo durante esse período. “Foram sete anos coexistindo com esse livro como parte desse processo mais simbiótico na minha vida”, relembra Coutinho em entrevista ao Aliás, em seu ateliê, em São Paulo. “A vida do quadrinista não é mais só fazer quadrinhos como foi em algum momento. O quadrinista é professor, faz oficinas, workshops, palestras, organiza eventos, se autopublica, trabalha com edição, design, artes plásticas, publicidade. Não conheço nenhum quadrinista que só faz quadrinho”, afirma Coutinho, que manteve-se na linha de frente dos divulgadores do gênero no Brasil.

O artista foi uma das mentes por trás da coletânea O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015; editor da Nébula, projeto digital de publicação de HQs; fundador da Narval Comix, que editou títulos do gênero até 2016; e curador de eventos no Museu da Imagem e do Som (MIS). “Nessa parte de organizar, fomentar, existe uma militância. Nem todo mundo precisa trabalhar pela a saúde do meio”, defende Coutinho, dizendo que cabe aos próprios produtores buscar representação política para viabilizar a expansão comercial dos quadrinhos, além de quebrar a visão estigmatizada de que o gênero é infantil. “É uma visão limitada a de que quadrinho é coisa de criança. Que a maior parte da população brasileira acredita nisso, é bem provável, mas o quadrinho brasileiro sempre foi majoritariamente adulto”, diz ele, filho de Laerte, um dos principais quadrinistas em atividade no País. “Nos anos 1960, o quadrinho foi absolutamente político, contestatório. Muita gente já deixou um legado”, afirma. 

Rafael Coutinho também editou o projeto digital de quadrinhos 'Nébula' e a antologia 'O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015', lançado pela sua própria editora, a Narval Comix Foto: Nilton Fukuda/Estadão
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Em Mensur, Coutinho explora a violência como instrumento social por meio do mensur, antiga luta de espadas surgida na Alemanha e praticada principalmente por estudantes universitários. “Eu tenho muita dificuldade de falar sobre o Brasil e resumi-lo num conjunto de comportamentos, até porque acho que nós somos muitos países dentro de um só. Mas percebi que eu era incapaz de fazer uma história sobre o mensur na Alemanha, porque eu tenho muito mais dificuldade de entender a Alemanha”, reflete o quadrinista.

Rafael buscou referência no livro O Cultivo do Ódio, de Peter Gay, que “fala exatamente desses rituais de violência que desempenham um papel dentro de um contexto sociopolítico, em que homens e mulheres usam da violência para atingir objetivos específicos”. É justamente nesse ponto que a luta alemã e a realidade brasileira encontram um ponto de convergência em Mensur. “Nesse sentido, eu achei grandes semelhanças com a nossa cultura, que é essencialmente violenta”, analisa. 

Para o desenvolvimento dos personagens, Coutinho se inspirou nas repúblicas estudantis que visitou. “Vi semelhanças com as fraternidades das universidades alemãs nessa dinâmica hierárquica. Os jovens não só gerem as próprias vidas de acordo com uma série de regras da casa, como também participam de torneios, representam a casa e têm orgulho da própria fraternidade, que aqui se chama república”, explica. 

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Os personagens que praticam o mensur na trama de Coutinho seguem uma conduta rígida e têm noções de honra diferenciadas. “A ideia é essa: que tipo de angústias esse sujeito teria?”, questiona o quadrinista. “E se, para esse sujeito, fosse repugnante ou muito difícil de compreender os acordos e concessões morais que nós fazemos? Mesmo sendo brasileiro, por praticar o mensur, por ter esse código de ética, é difícil para ele acessar esse lugar de jeitinho, esse jogo de cintura”. 

Coutinho vê em Mensur seu primeiro projeto solo com mais fôlego e considera fazer quadrinhos como um jogo constante de autopermissão. “Que portas eu consigo abrir para acessar espaços criativos? A condução do enredo, quebrar o ritmo da história, deixar o traço solto ou rígido. É um processo difícil, porque é diário”, arremata. 

*André Cáceres é jornalista, escritor, colaborador do 'Aliás' e autor do livro 'Cela 108', da editora Multifoco

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Capa do romance gráfico 'Mensur', de Rafael Coutinho Foto: Companhia das Letras

MensurAutor: Rafael CoutinhoEditora: Companhia das Letras (208 pág., R$ 54,90)

O quadrinistaRafael Coutinho, autor de 'Cachalote' (2010) e 'Mensur' (2017) Foto: Nilton Fukuda/Estadão

O intervalo de sete anos que separa Mensur, a nova graphic novel de Rafael Coutinho, publicada pela Companhia das Letras, de Cachalote (2010), seu trabalho mais popular, em parceria com Daniel Galera, pela mesma editora, foi fundamental para a vida e a carreira do quadrinista paulistano. Não apenas porque ele teve dois filhos, mas também por ter se tornado uma das vozes responsáveis pela difusão e curadoria de novos autores do quadrinho nacional. 

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O quadrinista também é autor de 'Cachalote' (2010), em parceria com o escritor Daniel Galera

Produzir seu livro foi apenas uma das coisas que ocuparam seu tempo durante esse período. “Foram sete anos coexistindo com esse livro como parte desse processo mais simbiótico na minha vida”, relembra Coutinho em entrevista ao Aliás, em seu ateliê, em São Paulo. “A vida do quadrinista não é mais só fazer quadrinhos como foi em algum momento. O quadrinista é professor, faz oficinas, workshops, palestras, organiza eventos, se autopublica, trabalha com edição, design, artes plásticas, publicidade. Não conheço nenhum quadrinista que só faz quadrinho”, afirma Coutinho, que manteve-se na linha de frente dos divulgadores do gênero no Brasil.

O artista foi uma das mentes por trás da coletânea O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015; editor da Nébula, projeto digital de publicação de HQs; fundador da Narval Comix, que editou títulos do gênero até 2016; e curador de eventos no Museu da Imagem e do Som (MIS). “Nessa parte de organizar, fomentar, existe uma militância. Nem todo mundo precisa trabalhar pela a saúde do meio”, defende Coutinho, dizendo que cabe aos próprios produtores buscar representação política para viabilizar a expansão comercial dos quadrinhos, além de quebrar a visão estigmatizada de que o gênero é infantil. “É uma visão limitada a de que quadrinho é coisa de criança. Que a maior parte da população brasileira acredita nisso, é bem provável, mas o quadrinho brasileiro sempre foi majoritariamente adulto”, diz ele, filho de Laerte, um dos principais quadrinistas em atividade no País. “Nos anos 1960, o quadrinho foi absolutamente político, contestatório. Muita gente já deixou um legado”, afirma. 

Rafael Coutinho também editou o projeto digital de quadrinhos 'Nébula' e a antologia 'O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015', lançado pela sua própria editora, a Narval Comix Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Em Mensur, Coutinho explora a violência como instrumento social por meio do mensur, antiga luta de espadas surgida na Alemanha e praticada principalmente por estudantes universitários. “Eu tenho muita dificuldade de falar sobre o Brasil e resumi-lo num conjunto de comportamentos, até porque acho que nós somos muitos países dentro de um só. Mas percebi que eu era incapaz de fazer uma história sobre o mensur na Alemanha, porque eu tenho muito mais dificuldade de entender a Alemanha”, reflete o quadrinista.

Rafael buscou referência no livro O Cultivo do Ódio, de Peter Gay, que “fala exatamente desses rituais de violência que desempenham um papel dentro de um contexto sociopolítico, em que homens e mulheres usam da violência para atingir objetivos específicos”. É justamente nesse ponto que a luta alemã e a realidade brasileira encontram um ponto de convergência em Mensur. “Nesse sentido, eu achei grandes semelhanças com a nossa cultura, que é essencialmente violenta”, analisa. 

Para o desenvolvimento dos personagens, Coutinho se inspirou nas repúblicas estudantis que visitou. “Vi semelhanças com as fraternidades das universidades alemãs nessa dinâmica hierárquica. Os jovens não só gerem as próprias vidas de acordo com uma série de regras da casa, como também participam de torneios, representam a casa e têm orgulho da própria fraternidade, que aqui se chama república”, explica. 

Os personagens que praticam o mensur na trama de Coutinho seguem uma conduta rígida e têm noções de honra diferenciadas. “A ideia é essa: que tipo de angústias esse sujeito teria?”, questiona o quadrinista. “E se, para esse sujeito, fosse repugnante ou muito difícil de compreender os acordos e concessões morais que nós fazemos? Mesmo sendo brasileiro, por praticar o mensur, por ter esse código de ética, é difícil para ele acessar esse lugar de jeitinho, esse jogo de cintura”. 

Coutinho vê em Mensur seu primeiro projeto solo com mais fôlego e considera fazer quadrinhos como um jogo constante de autopermissão. “Que portas eu consigo abrir para acessar espaços criativos? A condução do enredo, quebrar o ritmo da história, deixar o traço solto ou rígido. É um processo difícil, porque é diário”, arremata. 

*André Cáceres é jornalista, escritor, colaborador do 'Aliás' e autor do livro 'Cela 108', da editora Multifoco

Capa do romance gráfico 'Mensur', de Rafael Coutinho Foto: Companhia das Letras

MensurAutor: Rafael CoutinhoEditora: Companhia das Letras (208 pág., R$ 54,90)

O quadrinistaRafael Coutinho, autor de 'Cachalote' (2010) e 'Mensur' (2017) Foto: Nilton Fukuda/Estadão

O intervalo de sete anos que separa Mensur, a nova graphic novel de Rafael Coutinho, publicada pela Companhia das Letras, de Cachalote (2010), seu trabalho mais popular, em parceria com Daniel Galera, pela mesma editora, foi fundamental para a vida e a carreira do quadrinista paulistano. Não apenas porque ele teve dois filhos, mas também por ter se tornado uma das vozes responsáveis pela difusão e curadoria de novos autores do quadrinho nacional. 

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Produzir seu livro foi apenas uma das coisas que ocuparam seu tempo durante esse período. “Foram sete anos coexistindo com esse livro como parte desse processo mais simbiótico na minha vida”, relembra Coutinho em entrevista ao Aliás, em seu ateliê, em São Paulo. “A vida do quadrinista não é mais só fazer quadrinhos como foi em algum momento. O quadrinista é professor, faz oficinas, workshops, palestras, organiza eventos, se autopublica, trabalha com edição, design, artes plásticas, publicidade. Não conheço nenhum quadrinista que só faz quadrinho”, afirma Coutinho, que manteve-se na linha de frente dos divulgadores do gênero no Brasil.

O artista foi uma das mentes por trás da coletânea O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015; editor da Nébula, projeto digital de publicação de HQs; fundador da Narval Comix, que editou títulos do gênero até 2016; e curador de eventos no Museu da Imagem e do Som (MIS). “Nessa parte de organizar, fomentar, existe uma militância. Nem todo mundo precisa trabalhar pela a saúde do meio”, defende Coutinho, dizendo que cabe aos próprios produtores buscar representação política para viabilizar a expansão comercial dos quadrinhos, além de quebrar a visão estigmatizada de que o gênero é infantil. “É uma visão limitada a de que quadrinho é coisa de criança. Que a maior parte da população brasileira acredita nisso, é bem provável, mas o quadrinho brasileiro sempre foi majoritariamente adulto”, diz ele, filho de Laerte, um dos principais quadrinistas em atividade no País. “Nos anos 1960, o quadrinho foi absolutamente político, contestatório. Muita gente já deixou um legado”, afirma. 

Rafael Coutinho também editou o projeto digital de quadrinhos 'Nébula' e a antologia 'O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015', lançado pela sua própria editora, a Narval Comix Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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Rafael buscou referência no livro O Cultivo do Ódio, de Peter Gay, que “fala exatamente desses rituais de violência que desempenham um papel dentro de um contexto sociopolítico, em que homens e mulheres usam da violência para atingir objetivos específicos”. É justamente nesse ponto que a luta alemã e a realidade brasileira encontram um ponto de convergência em Mensur. “Nesse sentido, eu achei grandes semelhanças com a nossa cultura, que é essencialmente violenta”, analisa. 

Para o desenvolvimento dos personagens, Coutinho se inspirou nas repúblicas estudantis que visitou. “Vi semelhanças com as fraternidades das universidades alemãs nessa dinâmica hierárquica. Os jovens não só gerem as próprias vidas de acordo com uma série de regras da casa, como também participam de torneios, representam a casa e têm orgulho da própria fraternidade, que aqui se chama república”, explica. 

Os personagens que praticam o mensur na trama de Coutinho seguem uma conduta rígida e têm noções de honra diferenciadas. “A ideia é essa: que tipo de angústias esse sujeito teria?”, questiona o quadrinista. “E se, para esse sujeito, fosse repugnante ou muito difícil de compreender os acordos e concessões morais que nós fazemos? Mesmo sendo brasileiro, por praticar o mensur, por ter esse código de ética, é difícil para ele acessar esse lugar de jeitinho, esse jogo de cintura”. 

Coutinho vê em Mensur seu primeiro projeto solo com mais fôlego e considera fazer quadrinhos como um jogo constante de autopermissão. “Que portas eu consigo abrir para acessar espaços criativos? A condução do enredo, quebrar o ritmo da história, deixar o traço solto ou rígido. É um processo difícil, porque é diário”, arremata. 

*André Cáceres é jornalista, escritor, colaborador do 'Aliás' e autor do livro 'Cela 108', da editora Multifoco

Capa do romance gráfico 'Mensur', de Rafael Coutinho Foto: Companhia das Letras

MensurAutor: Rafael CoutinhoEditora: Companhia das Letras (208 pág., R$ 54,90)

O quadrinistaRafael Coutinho, autor de 'Cachalote' (2010) e 'Mensur' (2017) Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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Produzir seu livro foi apenas uma das coisas que ocuparam seu tempo durante esse período. “Foram sete anos coexistindo com esse livro como parte desse processo mais simbiótico na minha vida”, relembra Coutinho em entrevista ao Aliás, em seu ateliê, em São Paulo. “A vida do quadrinista não é mais só fazer quadrinhos como foi em algum momento. O quadrinista é professor, faz oficinas, workshops, palestras, organiza eventos, se autopublica, trabalha com edição, design, artes plásticas, publicidade. Não conheço nenhum quadrinista que só faz quadrinho”, afirma Coutinho, que manteve-se na linha de frente dos divulgadores do gênero no Brasil.

O artista foi uma das mentes por trás da coletânea O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015; editor da Nébula, projeto digital de publicação de HQs; fundador da Narval Comix, que editou títulos do gênero até 2016; e curador de eventos no Museu da Imagem e do Som (MIS). “Nessa parte de organizar, fomentar, existe uma militância. Nem todo mundo precisa trabalhar pela a saúde do meio”, defende Coutinho, dizendo que cabe aos próprios produtores buscar representação política para viabilizar a expansão comercial dos quadrinhos, além de quebrar a visão estigmatizada de que o gênero é infantil. “É uma visão limitada a de que quadrinho é coisa de criança. Que a maior parte da população brasileira acredita nisso, é bem provável, mas o quadrinho brasileiro sempre foi majoritariamente adulto”, diz ele, filho de Laerte, um dos principais quadrinistas em atividade no País. “Nos anos 1960, o quadrinho foi absolutamente político, contestatório. Muita gente já deixou um legado”, afirma. 

Rafael Coutinho também editou o projeto digital de quadrinhos 'Nébula' e a antologia 'O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015', lançado pela sua própria editora, a Narval Comix Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Em Mensur, Coutinho explora a violência como instrumento social por meio do mensur, antiga luta de espadas surgida na Alemanha e praticada principalmente por estudantes universitários. “Eu tenho muita dificuldade de falar sobre o Brasil e resumi-lo num conjunto de comportamentos, até porque acho que nós somos muitos países dentro de um só. Mas percebi que eu era incapaz de fazer uma história sobre o mensur na Alemanha, porque eu tenho muito mais dificuldade de entender a Alemanha”, reflete o quadrinista.

Rafael buscou referência no livro O Cultivo do Ódio, de Peter Gay, que “fala exatamente desses rituais de violência que desempenham um papel dentro de um contexto sociopolítico, em que homens e mulheres usam da violência para atingir objetivos específicos”. É justamente nesse ponto que a luta alemã e a realidade brasileira encontram um ponto de convergência em Mensur. “Nesse sentido, eu achei grandes semelhanças com a nossa cultura, que é essencialmente violenta”, analisa. 

Para o desenvolvimento dos personagens, Coutinho se inspirou nas repúblicas estudantis que visitou. “Vi semelhanças com as fraternidades das universidades alemãs nessa dinâmica hierárquica. Os jovens não só gerem as próprias vidas de acordo com uma série de regras da casa, como também participam de torneios, representam a casa e têm orgulho da própria fraternidade, que aqui se chama república”, explica. 

Os personagens que praticam o mensur na trama de Coutinho seguem uma conduta rígida e têm noções de honra diferenciadas. “A ideia é essa: que tipo de angústias esse sujeito teria?”, questiona o quadrinista. “E se, para esse sujeito, fosse repugnante ou muito difícil de compreender os acordos e concessões morais que nós fazemos? Mesmo sendo brasileiro, por praticar o mensur, por ter esse código de ética, é difícil para ele acessar esse lugar de jeitinho, esse jogo de cintura”. 

Coutinho vê em Mensur seu primeiro projeto solo com mais fôlego e considera fazer quadrinhos como um jogo constante de autopermissão. “Que portas eu consigo abrir para acessar espaços criativos? A condução do enredo, quebrar o ritmo da história, deixar o traço solto ou rígido. É um processo difícil, porque é diário”, arremata. 

*André Cáceres é jornalista, escritor, colaborador do 'Aliás' e autor do livro 'Cela 108', da editora Multifoco

Capa do romance gráfico 'Mensur', de Rafael Coutinho Foto: Companhia das Letras

MensurAutor: Rafael CoutinhoEditora: Companhia das Letras (208 pág., R$ 54,90)

O quadrinistaRafael Coutinho, autor de 'Cachalote' (2010) e 'Mensur' (2017) Foto: Nilton Fukuda/Estadão

O intervalo de sete anos que separa Mensur, a nova graphic novel de Rafael Coutinho, publicada pela Companhia das Letras, de Cachalote (2010), seu trabalho mais popular, em parceria com Daniel Galera, pela mesma editora, foi fundamental para a vida e a carreira do quadrinista paulistano. Não apenas porque ele teve dois filhos, mas também por ter se tornado uma das vozes responsáveis pela difusão e curadoria de novos autores do quadrinho nacional. 

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Produzir seu livro foi apenas uma das coisas que ocuparam seu tempo durante esse período. “Foram sete anos coexistindo com esse livro como parte desse processo mais simbiótico na minha vida”, relembra Coutinho em entrevista ao Aliás, em seu ateliê, em São Paulo. “A vida do quadrinista não é mais só fazer quadrinhos como foi em algum momento. O quadrinista é professor, faz oficinas, workshops, palestras, organiza eventos, se autopublica, trabalha com edição, design, artes plásticas, publicidade. Não conheço nenhum quadrinista que só faz quadrinho”, afirma Coutinho, que manteve-se na linha de frente dos divulgadores do gênero no Brasil.

O artista foi uma das mentes por trás da coletânea O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015; editor da Nébula, projeto digital de publicação de HQs; fundador da Narval Comix, que editou títulos do gênero até 2016; e curador de eventos no Museu da Imagem e do Som (MIS). “Nessa parte de organizar, fomentar, existe uma militância. Nem todo mundo precisa trabalhar pela a saúde do meio”, defende Coutinho, dizendo que cabe aos próprios produtores buscar representação política para viabilizar a expansão comercial dos quadrinhos, além de quebrar a visão estigmatizada de que o gênero é infantil. “É uma visão limitada a de que quadrinho é coisa de criança. Que a maior parte da população brasileira acredita nisso, é bem provável, mas o quadrinho brasileiro sempre foi majoritariamente adulto”, diz ele, filho de Laerte, um dos principais quadrinistas em atividade no País. “Nos anos 1960, o quadrinho foi absolutamente político, contestatório. Muita gente já deixou um legado”, afirma. 

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Em Mensur, Coutinho explora a violência como instrumento social por meio do mensur, antiga luta de espadas surgida na Alemanha e praticada principalmente por estudantes universitários. “Eu tenho muita dificuldade de falar sobre o Brasil e resumi-lo num conjunto de comportamentos, até porque acho que nós somos muitos países dentro de um só. Mas percebi que eu era incapaz de fazer uma história sobre o mensur na Alemanha, porque eu tenho muito mais dificuldade de entender a Alemanha”, reflete o quadrinista.

Rafael buscou referência no livro O Cultivo do Ódio, de Peter Gay, que “fala exatamente desses rituais de violência que desempenham um papel dentro de um contexto sociopolítico, em que homens e mulheres usam da violência para atingir objetivos específicos”. É justamente nesse ponto que a luta alemã e a realidade brasileira encontram um ponto de convergência em Mensur. “Nesse sentido, eu achei grandes semelhanças com a nossa cultura, que é essencialmente violenta”, analisa. 

Para o desenvolvimento dos personagens, Coutinho se inspirou nas repúblicas estudantis que visitou. “Vi semelhanças com as fraternidades das universidades alemãs nessa dinâmica hierárquica. Os jovens não só gerem as próprias vidas de acordo com uma série de regras da casa, como também participam de torneios, representam a casa e têm orgulho da própria fraternidade, que aqui se chama república”, explica. 

Os personagens que praticam o mensur na trama de Coutinho seguem uma conduta rígida e têm noções de honra diferenciadas. “A ideia é essa: que tipo de angústias esse sujeito teria?”, questiona o quadrinista. “E se, para esse sujeito, fosse repugnante ou muito difícil de compreender os acordos e concessões morais que nós fazemos? Mesmo sendo brasileiro, por praticar o mensur, por ter esse código de ética, é difícil para ele acessar esse lugar de jeitinho, esse jogo de cintura”. 

Coutinho vê em Mensur seu primeiro projeto solo com mais fôlego e considera fazer quadrinhos como um jogo constante de autopermissão. “Que portas eu consigo abrir para acessar espaços criativos? A condução do enredo, quebrar o ritmo da história, deixar o traço solto ou rígido. É um processo difícil, porque é diário”, arremata. 

*André Cáceres é jornalista, escritor, colaborador do 'Aliás' e autor do livro 'Cela 108', da editora Multifoco

Capa do romance gráfico 'Mensur', de Rafael Coutinho Foto: Companhia das Letras

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