Os melhores documentários selecionados pelo Festival de Sundance


Ex-modelo italiana Benedetta Barzini, China, satanismo e Steve Bannon estão entre temas explorados

Por Manohla Dargis
Atualização:

PARK CITY, UTAH - “Meu eu verdadeiro não é fotografável”. Essa é a afirmação feita por Benedetta Barzini em Storia di B. – La Scomparsa di Mia Madre (História de B. - O Desaparecimento de Minha Mãe), um dos vários documentários memoráveis do Festival de Cinema de Sundance deste ano. Uma ex-supermodelo italiana, Barzini (nascida em 1943), transita por vários papéis no filme, que foi dirigido e principalmente filmado por seu filho Beniamino Barrese. Agora, depois de anos sendo um fetiche de fotógrafos, Barzini decidiu que gostaria de desaparecer. “O trabalho que estamos fazendo”, ela diz ao filho, “é um trabalho de separação”.

Cena do filme 'O Desaparecimento da Minha Mãe' Foto: Ryot Films

Profundamente pessoal e filmado com contradições fascinantes, O Desaparecimento da Minha Mãe é um retrato de uma mulher em rebelião. Nascida no privilégio – seu pai era um escritor respeitado e sua mãe uma herdeira – Barzini sobreviveu à anorexia e à indiferença dos pais, e começou a trabalhar como modelo em Nova York no início dos anos 1960, depois de chamar a atenção de Diana Vreeland, que estava na Vogue na época. Barzini trabalhou ao lado de Richard Avedon e Irving Penn, mas logo expandiu seus horizontes: estudou com Lee Strasberg, fez amizade com Salvador Dalí e era uma das frequentadoras da fábrica de Andy Warhol, posando com Marcel Duchamp para um dos vários curtas Screen Test de Warhol.

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Em O Desaparecimento de Minha Mãe, Barrese passa seletivamente sobre o passado de Barzini e incorpora imagens arquivadas e trechos de cenas filmadas, incluindo algumas cenas fabulosas dela no trabalho. (Suas poses geométricas realçam de maneira fluida as linhas da roupa.) A maioria das imagens, no entanto, foi tirada por Barrese, um cronista obsessivo de sua mãe. Ele começou a retratá-la quando era jovem, voltando seu olhar fotográfico para uma mulher que, à medida que ele crescia, ficava cada vez mais cansada de estar à frente da câmera, a ponto de tornar-se hostil. Ela continua a trabalhar como modelo, passeando pelas passarelas com uma altivez limítrofe do desprezo, mas algo a incomoda.

Essas complicações aparecem aos poucos no documentário. Barzini é o tema de Barrese (e aparente musa), mas ela também é mãe dele, o que cria uma espécie de fricção produtiva. Feminista e marxista que agora também leciona, Barzini é uma crítica severa e impiedosa da mercantilização e da exploração do corpo feminino pelos homens, o que complica muito o olhar insistente, às vezes intrusivo, do filho. Isso também traz profundidade ao filme, tornando-o pessoal e ferozmente político. Ele está sempre filmando-a e ela o afasta, tanto pedindo como às vezes gritando para ele parar. No entanto, ela continua a posar para ele e, enquanto seu rosto se ilumina, parece que ela ainda não está pronta para desaparecer.

Sundance é muito conhecido pelos documentários selecionados – há competições americanas e internacionais separadas – que incluem perfis de celebridades, ensaios pessoais, filmes de defesa e investigações jornalísticas. Estes tendem a ser formalmente familiares, e muitos este ano contêm imagens de drones (a câmera investindo sobre um local) que geralmente registra um visual tedioso e às vezes sem sentido. Dito isso, a diversidade de temas nas seleções de documentários também pode fazer com que esses títulos pareçam mais aventureiros e expansivos do que os da linha de ficção. (Uma pequena observação: Há menos histórias sobre o amadurecimento de adolescentes alienados e incompreendidos.)

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Dois dos mais poderosos documentários do festival, American Factory (Fábrica Norte-americana) e One Child Nation (O País de Só Um Filho), são focados na China. Eles fariam um belo programa duplo. Dirigido por Steven Bognar e Julia Reichert, American Factory explora as complicações culturais e políticas que surgem quando Cao Dewang, um bilionário chinês, abre uma fábrica de vidro automotivo em uma instalação fechada da GM perto de Dayton, Ohio. Os cineastas já estavam familiarizados com o local em seu pequeno documentário de 2009, The Last Truck: Closing of a GM Plant (O Último Caminhão: Fechamento de uma Fábrica da GM). Eles vão mais adiante e mais fundo nas duas horas emocionantes do novo filme.

Pode ser surpreendente quando os documentaristas recebem o tipo de acesso extraordinário que Bognar e Reichert conseguiram ao fazer a American Factory. Ao conseguir isso, os cineastas aproveitaram ao máximo sua liberdade em um documentário que começa em a tristeza pelo fechamento da GM e rapidamente se torna animado com a chegada da Fuyao, a maior fabricante mundial de vidro automotivo, que traz centenas de trabalhadores chineses. Elegantemente filmado e editado, o filme acompanha de perto os problemas crescentes na nova fábrica, que se tornam cada vez mais conflituosos, à medida que as práticas de gestão da empresa entram em choque com as expectativas dos trabalhadores americanos acostumados a direitos trabalhistas conquistados a duras penas.

Bognar e Reichert personalizam este conto de globalização e seus descontentamentos, ao concentrar-se em indivíduos, incluindo um jovem chinês separado de sua família e um americano mais velho que mostra sua coleção de armas para seus (receptivos) colegas chineses. O otimismo ansioso manifestado por todos os trabalhadores, domésticos e importados, pode ser devastador, e é impossível não torcer para o sucesso da empresa, mesmo quando ela – que brutalmente sobrecarrega seus funcionários na China e tenta fazer o mesmo em Ohio – é o mais vil possível. Não é surpresa que o governo chinês esteja envolvido no empreendimento de Fuyao, que realça as maiores e mais complexas apostas geopolíticas.

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Não fui capaz de não ficar abalada com One Child Nation, uma exploração essencial e muitas vezes angustiante da política chinesa de um filho, que terminou oficialmente em 2015. Dirigido por Nanfu Wang e Jialing Zhang, o documentário investiga o experimento em engenharia social que a China adotou na mesma época em que deu um grande salto para o capitalismo. (O ex-líder do país, Deng Xiaoping, explicou certa vez que a política era necessária para que “os frutos do crescimento econômico não fossem devorados pelo crescimento populacional”). Para Wang, que nasceu na China e mora em Nova York, a história não poderia ser mais pessoal.

Ao mesmo tempo um livro de memórias insistentemente feminista e uma crítica social de grande alcance, One Child Nation, segue Wang quando ela retorna à China com sua filha pequena. Lá, começa a explorar a política do filho único, falando com familiares e vizinhos, bem como ex-trabalhadoras que passaram por esterilizações forçadas, abortos e convencimento da mão de obra para o programa de planejamento familiar da China. Algumas dessas coisas podem ser difíceis de suportar; há imagens de fetos descartados e uma história sobre a tentativa de fuga de uma mulher grávida. Enquanto os cineastas mapeiam a evolução dessa política, que passou a incluir as adoções internacionais, o filme evolui para uma implacável repreensão do regime totalitário.

Sundance distribui prêmios como doces de Halloween, mas às vezes as seleções realmente merecem a honra, como é o caso de One Child Nation (prêmio do grande júri dos EUA) e American Factory (prêmio de direção dos EUA). Outros vencedores louváveis incluem Knock Down the House (Derrubem a Casa), que sem surpresa atraiu um prêmio de audiência. Dirigido por Rachel Lears, é um dos poucos filmes no festival que juntos oferecem um retrato coletivo vívido dos Estados Unidos em seu atual momento histórico. Dinâmico, o filme segue quatro mulheres que fizeram parte da onda de candidatas que concorrem ao Congresso em 2018 com pouco dinheiro ou sem o apoio do establishment.

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Uma dessas mulheres (afortunada cineasta) foi Alexandria Ocasio-Cortez. Embora o filme se concentre nela – uma vívida presença na tela, esteja ela em movimento ou apresentando uma abordagem engraçada sobre a semiótica da campanha – Knock Down the House funciona porque mostra a ação política a partir do zero. Faz um contraste instrutivo com The Brink (O Limite), o inteligente e intimista documentário de Alison Klayman sobre Steve Bannon, que ajudou a colocar o presidente Donald Trump na Casa Branca. Juntos, esses dois documentários fariam um projeto triplo perfeito com Hail Satan? (Salve Satã?), o filme hilário de Penny Lane sobre o Templo Satânico e seu papel diabólico nas guerras culturais. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

PARK CITY, UTAH - “Meu eu verdadeiro não é fotografável”. Essa é a afirmação feita por Benedetta Barzini em Storia di B. – La Scomparsa di Mia Madre (História de B. - O Desaparecimento de Minha Mãe), um dos vários documentários memoráveis do Festival de Cinema de Sundance deste ano. Uma ex-supermodelo italiana, Barzini (nascida em 1943), transita por vários papéis no filme, que foi dirigido e principalmente filmado por seu filho Beniamino Barrese. Agora, depois de anos sendo um fetiche de fotógrafos, Barzini decidiu que gostaria de desaparecer. “O trabalho que estamos fazendo”, ela diz ao filho, “é um trabalho de separação”.

Cena do filme 'O Desaparecimento da Minha Mãe' Foto: Ryot Films

Profundamente pessoal e filmado com contradições fascinantes, O Desaparecimento da Minha Mãe é um retrato de uma mulher em rebelião. Nascida no privilégio – seu pai era um escritor respeitado e sua mãe uma herdeira – Barzini sobreviveu à anorexia e à indiferença dos pais, e começou a trabalhar como modelo em Nova York no início dos anos 1960, depois de chamar a atenção de Diana Vreeland, que estava na Vogue na época. Barzini trabalhou ao lado de Richard Avedon e Irving Penn, mas logo expandiu seus horizontes: estudou com Lee Strasberg, fez amizade com Salvador Dalí e era uma das frequentadoras da fábrica de Andy Warhol, posando com Marcel Duchamp para um dos vários curtas Screen Test de Warhol.

Em O Desaparecimento de Minha Mãe, Barrese passa seletivamente sobre o passado de Barzini e incorpora imagens arquivadas e trechos de cenas filmadas, incluindo algumas cenas fabulosas dela no trabalho. (Suas poses geométricas realçam de maneira fluida as linhas da roupa.) A maioria das imagens, no entanto, foi tirada por Barrese, um cronista obsessivo de sua mãe. Ele começou a retratá-la quando era jovem, voltando seu olhar fotográfico para uma mulher que, à medida que ele crescia, ficava cada vez mais cansada de estar à frente da câmera, a ponto de tornar-se hostil. Ela continua a trabalhar como modelo, passeando pelas passarelas com uma altivez limítrofe do desprezo, mas algo a incomoda.

Essas complicações aparecem aos poucos no documentário. Barzini é o tema de Barrese (e aparente musa), mas ela também é mãe dele, o que cria uma espécie de fricção produtiva. Feminista e marxista que agora também leciona, Barzini é uma crítica severa e impiedosa da mercantilização e da exploração do corpo feminino pelos homens, o que complica muito o olhar insistente, às vezes intrusivo, do filho. Isso também traz profundidade ao filme, tornando-o pessoal e ferozmente político. Ele está sempre filmando-a e ela o afasta, tanto pedindo como às vezes gritando para ele parar. No entanto, ela continua a posar para ele e, enquanto seu rosto se ilumina, parece que ela ainda não está pronta para desaparecer.

Sundance é muito conhecido pelos documentários selecionados – há competições americanas e internacionais separadas – que incluem perfis de celebridades, ensaios pessoais, filmes de defesa e investigações jornalísticas. Estes tendem a ser formalmente familiares, e muitos este ano contêm imagens de drones (a câmera investindo sobre um local) que geralmente registra um visual tedioso e às vezes sem sentido. Dito isso, a diversidade de temas nas seleções de documentários também pode fazer com que esses títulos pareçam mais aventureiros e expansivos do que os da linha de ficção. (Uma pequena observação: Há menos histórias sobre o amadurecimento de adolescentes alienados e incompreendidos.)

Dois dos mais poderosos documentários do festival, American Factory (Fábrica Norte-americana) e One Child Nation (O País de Só Um Filho), são focados na China. Eles fariam um belo programa duplo. Dirigido por Steven Bognar e Julia Reichert, American Factory explora as complicações culturais e políticas que surgem quando Cao Dewang, um bilionário chinês, abre uma fábrica de vidro automotivo em uma instalação fechada da GM perto de Dayton, Ohio. Os cineastas já estavam familiarizados com o local em seu pequeno documentário de 2009, The Last Truck: Closing of a GM Plant (O Último Caminhão: Fechamento de uma Fábrica da GM). Eles vão mais adiante e mais fundo nas duas horas emocionantes do novo filme.

Pode ser surpreendente quando os documentaristas recebem o tipo de acesso extraordinário que Bognar e Reichert conseguiram ao fazer a American Factory. Ao conseguir isso, os cineastas aproveitaram ao máximo sua liberdade em um documentário que começa em a tristeza pelo fechamento da GM e rapidamente se torna animado com a chegada da Fuyao, a maior fabricante mundial de vidro automotivo, que traz centenas de trabalhadores chineses. Elegantemente filmado e editado, o filme acompanha de perto os problemas crescentes na nova fábrica, que se tornam cada vez mais conflituosos, à medida que as práticas de gestão da empresa entram em choque com as expectativas dos trabalhadores americanos acostumados a direitos trabalhistas conquistados a duras penas.

Bognar e Reichert personalizam este conto de globalização e seus descontentamentos, ao concentrar-se em indivíduos, incluindo um jovem chinês separado de sua família e um americano mais velho que mostra sua coleção de armas para seus (receptivos) colegas chineses. O otimismo ansioso manifestado por todos os trabalhadores, domésticos e importados, pode ser devastador, e é impossível não torcer para o sucesso da empresa, mesmo quando ela – que brutalmente sobrecarrega seus funcionários na China e tenta fazer o mesmo em Ohio – é o mais vil possível. Não é surpresa que o governo chinês esteja envolvido no empreendimento de Fuyao, que realça as maiores e mais complexas apostas geopolíticas.

Não fui capaz de não ficar abalada com One Child Nation, uma exploração essencial e muitas vezes angustiante da política chinesa de um filho, que terminou oficialmente em 2015. Dirigido por Nanfu Wang e Jialing Zhang, o documentário investiga o experimento em engenharia social que a China adotou na mesma época em que deu um grande salto para o capitalismo. (O ex-líder do país, Deng Xiaoping, explicou certa vez que a política era necessária para que “os frutos do crescimento econômico não fossem devorados pelo crescimento populacional”). Para Wang, que nasceu na China e mora em Nova York, a história não poderia ser mais pessoal.

Ao mesmo tempo um livro de memórias insistentemente feminista e uma crítica social de grande alcance, One Child Nation, segue Wang quando ela retorna à China com sua filha pequena. Lá, começa a explorar a política do filho único, falando com familiares e vizinhos, bem como ex-trabalhadoras que passaram por esterilizações forçadas, abortos e convencimento da mão de obra para o programa de planejamento familiar da China. Algumas dessas coisas podem ser difíceis de suportar; há imagens de fetos descartados e uma história sobre a tentativa de fuga de uma mulher grávida. Enquanto os cineastas mapeiam a evolução dessa política, que passou a incluir as adoções internacionais, o filme evolui para uma implacável repreensão do regime totalitário.

Sundance distribui prêmios como doces de Halloween, mas às vezes as seleções realmente merecem a honra, como é o caso de One Child Nation (prêmio do grande júri dos EUA) e American Factory (prêmio de direção dos EUA). Outros vencedores louváveis incluem Knock Down the House (Derrubem a Casa), que sem surpresa atraiu um prêmio de audiência. Dirigido por Rachel Lears, é um dos poucos filmes no festival que juntos oferecem um retrato coletivo vívido dos Estados Unidos em seu atual momento histórico. Dinâmico, o filme segue quatro mulheres que fizeram parte da onda de candidatas que concorrem ao Congresso em 2018 com pouco dinheiro ou sem o apoio do establishment.

Uma dessas mulheres (afortunada cineasta) foi Alexandria Ocasio-Cortez. Embora o filme se concentre nela – uma vívida presença na tela, esteja ela em movimento ou apresentando uma abordagem engraçada sobre a semiótica da campanha – Knock Down the House funciona porque mostra a ação política a partir do zero. Faz um contraste instrutivo com The Brink (O Limite), o inteligente e intimista documentário de Alison Klayman sobre Steve Bannon, que ajudou a colocar o presidente Donald Trump na Casa Branca. Juntos, esses dois documentários fariam um projeto triplo perfeito com Hail Satan? (Salve Satã?), o filme hilário de Penny Lane sobre o Templo Satânico e seu papel diabólico nas guerras culturais. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

PARK CITY, UTAH - “Meu eu verdadeiro não é fotografável”. Essa é a afirmação feita por Benedetta Barzini em Storia di B. – La Scomparsa di Mia Madre (História de B. - O Desaparecimento de Minha Mãe), um dos vários documentários memoráveis do Festival de Cinema de Sundance deste ano. Uma ex-supermodelo italiana, Barzini (nascida em 1943), transita por vários papéis no filme, que foi dirigido e principalmente filmado por seu filho Beniamino Barrese. Agora, depois de anos sendo um fetiche de fotógrafos, Barzini decidiu que gostaria de desaparecer. “O trabalho que estamos fazendo”, ela diz ao filho, “é um trabalho de separação”.

Cena do filme 'O Desaparecimento da Minha Mãe' Foto: Ryot Films

Profundamente pessoal e filmado com contradições fascinantes, O Desaparecimento da Minha Mãe é um retrato de uma mulher em rebelião. Nascida no privilégio – seu pai era um escritor respeitado e sua mãe uma herdeira – Barzini sobreviveu à anorexia e à indiferença dos pais, e começou a trabalhar como modelo em Nova York no início dos anos 1960, depois de chamar a atenção de Diana Vreeland, que estava na Vogue na época. Barzini trabalhou ao lado de Richard Avedon e Irving Penn, mas logo expandiu seus horizontes: estudou com Lee Strasberg, fez amizade com Salvador Dalí e era uma das frequentadoras da fábrica de Andy Warhol, posando com Marcel Duchamp para um dos vários curtas Screen Test de Warhol.

Em O Desaparecimento de Minha Mãe, Barrese passa seletivamente sobre o passado de Barzini e incorpora imagens arquivadas e trechos de cenas filmadas, incluindo algumas cenas fabulosas dela no trabalho. (Suas poses geométricas realçam de maneira fluida as linhas da roupa.) A maioria das imagens, no entanto, foi tirada por Barrese, um cronista obsessivo de sua mãe. Ele começou a retratá-la quando era jovem, voltando seu olhar fotográfico para uma mulher que, à medida que ele crescia, ficava cada vez mais cansada de estar à frente da câmera, a ponto de tornar-se hostil. Ela continua a trabalhar como modelo, passeando pelas passarelas com uma altivez limítrofe do desprezo, mas algo a incomoda.

Essas complicações aparecem aos poucos no documentário. Barzini é o tema de Barrese (e aparente musa), mas ela também é mãe dele, o que cria uma espécie de fricção produtiva. Feminista e marxista que agora também leciona, Barzini é uma crítica severa e impiedosa da mercantilização e da exploração do corpo feminino pelos homens, o que complica muito o olhar insistente, às vezes intrusivo, do filho. Isso também traz profundidade ao filme, tornando-o pessoal e ferozmente político. Ele está sempre filmando-a e ela o afasta, tanto pedindo como às vezes gritando para ele parar. No entanto, ela continua a posar para ele e, enquanto seu rosto se ilumina, parece que ela ainda não está pronta para desaparecer.

Sundance é muito conhecido pelos documentários selecionados – há competições americanas e internacionais separadas – que incluem perfis de celebridades, ensaios pessoais, filmes de defesa e investigações jornalísticas. Estes tendem a ser formalmente familiares, e muitos este ano contêm imagens de drones (a câmera investindo sobre um local) que geralmente registra um visual tedioso e às vezes sem sentido. Dito isso, a diversidade de temas nas seleções de documentários também pode fazer com que esses títulos pareçam mais aventureiros e expansivos do que os da linha de ficção. (Uma pequena observação: Há menos histórias sobre o amadurecimento de adolescentes alienados e incompreendidos.)

Dois dos mais poderosos documentários do festival, American Factory (Fábrica Norte-americana) e One Child Nation (O País de Só Um Filho), são focados na China. Eles fariam um belo programa duplo. Dirigido por Steven Bognar e Julia Reichert, American Factory explora as complicações culturais e políticas que surgem quando Cao Dewang, um bilionário chinês, abre uma fábrica de vidro automotivo em uma instalação fechada da GM perto de Dayton, Ohio. Os cineastas já estavam familiarizados com o local em seu pequeno documentário de 2009, The Last Truck: Closing of a GM Plant (O Último Caminhão: Fechamento de uma Fábrica da GM). Eles vão mais adiante e mais fundo nas duas horas emocionantes do novo filme.

Pode ser surpreendente quando os documentaristas recebem o tipo de acesso extraordinário que Bognar e Reichert conseguiram ao fazer a American Factory. Ao conseguir isso, os cineastas aproveitaram ao máximo sua liberdade em um documentário que começa em a tristeza pelo fechamento da GM e rapidamente se torna animado com a chegada da Fuyao, a maior fabricante mundial de vidro automotivo, que traz centenas de trabalhadores chineses. Elegantemente filmado e editado, o filme acompanha de perto os problemas crescentes na nova fábrica, que se tornam cada vez mais conflituosos, à medida que as práticas de gestão da empresa entram em choque com as expectativas dos trabalhadores americanos acostumados a direitos trabalhistas conquistados a duras penas.

Bognar e Reichert personalizam este conto de globalização e seus descontentamentos, ao concentrar-se em indivíduos, incluindo um jovem chinês separado de sua família e um americano mais velho que mostra sua coleção de armas para seus (receptivos) colegas chineses. O otimismo ansioso manifestado por todos os trabalhadores, domésticos e importados, pode ser devastador, e é impossível não torcer para o sucesso da empresa, mesmo quando ela – que brutalmente sobrecarrega seus funcionários na China e tenta fazer o mesmo em Ohio – é o mais vil possível. Não é surpresa que o governo chinês esteja envolvido no empreendimento de Fuyao, que realça as maiores e mais complexas apostas geopolíticas.

Não fui capaz de não ficar abalada com One Child Nation, uma exploração essencial e muitas vezes angustiante da política chinesa de um filho, que terminou oficialmente em 2015. Dirigido por Nanfu Wang e Jialing Zhang, o documentário investiga o experimento em engenharia social que a China adotou na mesma época em que deu um grande salto para o capitalismo. (O ex-líder do país, Deng Xiaoping, explicou certa vez que a política era necessária para que “os frutos do crescimento econômico não fossem devorados pelo crescimento populacional”). Para Wang, que nasceu na China e mora em Nova York, a história não poderia ser mais pessoal.

Ao mesmo tempo um livro de memórias insistentemente feminista e uma crítica social de grande alcance, One Child Nation, segue Wang quando ela retorna à China com sua filha pequena. Lá, começa a explorar a política do filho único, falando com familiares e vizinhos, bem como ex-trabalhadoras que passaram por esterilizações forçadas, abortos e convencimento da mão de obra para o programa de planejamento familiar da China. Algumas dessas coisas podem ser difíceis de suportar; há imagens de fetos descartados e uma história sobre a tentativa de fuga de uma mulher grávida. Enquanto os cineastas mapeiam a evolução dessa política, que passou a incluir as adoções internacionais, o filme evolui para uma implacável repreensão do regime totalitário.

Sundance distribui prêmios como doces de Halloween, mas às vezes as seleções realmente merecem a honra, como é o caso de One Child Nation (prêmio do grande júri dos EUA) e American Factory (prêmio de direção dos EUA). Outros vencedores louváveis incluem Knock Down the House (Derrubem a Casa), que sem surpresa atraiu um prêmio de audiência. Dirigido por Rachel Lears, é um dos poucos filmes no festival que juntos oferecem um retrato coletivo vívido dos Estados Unidos em seu atual momento histórico. Dinâmico, o filme segue quatro mulheres que fizeram parte da onda de candidatas que concorrem ao Congresso em 2018 com pouco dinheiro ou sem o apoio do establishment.

Uma dessas mulheres (afortunada cineasta) foi Alexandria Ocasio-Cortez. Embora o filme se concentre nela – uma vívida presença na tela, esteja ela em movimento ou apresentando uma abordagem engraçada sobre a semiótica da campanha – Knock Down the House funciona porque mostra a ação política a partir do zero. Faz um contraste instrutivo com The Brink (O Limite), o inteligente e intimista documentário de Alison Klayman sobre Steve Bannon, que ajudou a colocar o presidente Donald Trump na Casa Branca. Juntos, esses dois documentários fariam um projeto triplo perfeito com Hail Satan? (Salve Satã?), o filme hilário de Penny Lane sobre o Templo Satânico e seu papel diabólico nas guerras culturais. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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