Rodrigo Fonseca Lançado em 2022 com sessão de pré-estreia pomposa no Espaço Itaú, "Dissonantes" é um filmaço que não teve a chance de encontrar o público que merecia nas telonas. Agora é a vez de testar o gosto do streaming. Tá na Star+, que vem fazendo um trabalho incrível com produções nacionais. Nos tempos em que o mundo se dividia entre os Beatles e os Rolling Stones, nos idos de 1960, o alemão Wim Wenders, realizador de joias como "Buena Vista Social Club" (1999), percebeu que o rock'n'roll salva vidas. "As guitarras me salvaram pois mostraram o limite entre o tédio e o vazio existencial, tirando a minha geração da inércia. No rock, a gente podia ser livre". Essa tese do diretor de "Paris, Texas" (1984) é uma bandeira pro protagonista de "Dissonantes", ressaltando o espírito autoral do diretor Pedro Amorim por vias de um pop sem glitter, de jeans rasgado e cabeleira cumprida. Mistura de "O Grande Lebowski" (1998) com "Letra e Música" (2007), com um quê grunge de "Vida de Solteiro" (1992), o filme é uma ave rara na comédia brasileira, apresentando-se como se fosse uma crônica da derrota. É a crônica da arte de perder, ainda que enverede pela redenção de uma maneira muito particular, avessa a fórmulas. Apostando em um perfil à la Matt Dillon, de Rusty James à beira dos anos 1950, ranzinza, Marcelo Serrado é o coração do filme, aproveitando os dotes musicais que testou muitas vezes no teatro (vide "Noel Rosa - Feitiço da Vila") a fim de cartografar a ressaca de uma geração cujo projeto reativo cansou. E sua reação se deu pelos acordes de um rock roufenho, apinhado de inquietações existenciais acerca das dificuldades de chegar ao nirvana.
Pontuado por um riso inteligente, que não descamba por quaquaquás mas nunca larga o nosso rosto, "Dissonantes" estuda o impasse, modo inercial como o roqueiro falido Paulo (Serrado) leva sua vida, na rotação do derrotismo, dedicado a um disco que nunca se conclui. Escondido qual um ermitão em um estúdio de música improvisado nos fundos da casa de Dona Idalina (Anamaria Barreto), ele fica totalmente sem chão quando sua mulher, Clara (Maria Manoella), avisa a ele que o casamento acabou. Estacionado num passado enérgico, no quinhão dos anos 1990 alheio ao funk, ao Gera Samba e ao sertanejo mauricinho, Paulo se vê obrigado a alugar seu estúdio para uma aspirante a Anitta chamada Loly (Thati Lopes, serelepe e impagável em seu melhor papel no cinema). Embora esteja mais próxima de AnaVitória do que para "Vai, Malandra!", Loly é pupila do antigo parceiro de Paulo, o produtor musical Ohio (Luis Miranda), jurado do programa de reality musical "A Próxima Canção". A exposição de Paulo ao furacão Loly vai desafiar sua acomodação e, nesse desafio, sua narrativa ressalta a potência de autor de Amorim, testada em "Mato Sem Cachorro" (2013), no ótimo "Divórcio" (2017) e "Carlinhos & Carlão" (2020). Thati Lopes tem seu melhor desempenho no cinema sob a batuta de Amorim Thati Lopes tem seu melhor desempenho no cinema sob a batuta de Amorim Foto: Estadão Nele, a cada filme, percebe-se a delicadeza de quem domina (e regurgita) referências da Era Ploc e dos anos 2000, de "Chaves" a "Freaks and Geeks", lidas à luz de uma brasilidade imparável, capaz de falar frontalmente com a mais desconhecida de todas as audiências do Presente: os millennials. Amorim talvez seja (ou filme como) um deles, daí falar com essa plateia - a consumidora mais ávida de toda a cauda longa do Mundo Contemporâneo - de modo frontal. E ele não é a única voz cinematográfica a dançar o millennial mambo: temos Julia Rezende ("Ponte Aérea"), Matheus Souza ("Apenas o fim") e Paulinho Caruso e Teodoro Poppovic (de "TOC"). Há, nessa turma, um instinto poético para humanizar escolhas aparentemente corriqueiras, mas que se transformam em abismos, morais e sentimentais. É o que se vê com Paulo, tão bem encarnado com Serrado, ao ter de decidir entre seguir perdendo ou reagir, trocando o Miojo da mesmice pelas iguarias da incerteza. Erigido a partir de um argumento de Fernando Ceylão, com roteiro de Mariana Trench Bascos e Pedro Riera, "Dissonantes" se impõe plasticamente pela direção de arte cirúrgica de Karen Araújo, que evoca "Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum" (Grande Prêmio do Júri em Cannes, em 2013), dos irmãos Coen. No elenco, merecem singular aplauso a presença e o talento de Gustavo Novaes encarnado o Pedro de Lara de um "The Voice" fictício, que tem Paulo Vieira como seu mestre de cerimônias. Sua atuação gestual cheia de cacos garante provocação e graça de onde menos se espera.
P.S.: Se estiver interessado em ler um bom gibi, dá uma olhada em "JUSTICEIRO - O PRIMEIRO SACRAMENTO DE FRANK" (ED. PANINI). Caminhando para os 50 anos, o exterminador de criminosos Frank Castle fez sua primeira aparição como coadjuvante do Homem-Aranha no gibi "The Amazing Spider-Man" #129, em fevereiro de 1974, criado por Gerry Conway, John Romita e Ross Andru. Passou anos matando bandido até que a correção política impôs à Marvel uma série de mudanças em seu perfil. A que mais e melhor funcionou é a eletrizante fase atual, em que ele se torna o líder da organização Tentáculo.