De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

.Doc de Silvio Tendler é aulão de Brasil


Por Rodrigo Fonseca
Obstinada em sua luta para sobreviver, usando aplicativos, Lora Matoso, uma dedicada catadora de material reciclável, faz parte do rol das trabalhadoras entrevistadas pelo documentário "O Futuro È Nosso", já lançado no YouTube - Foto: Caliban

Rodrigo Fonseca Sem contar com as igrejas formadas ao longo dos anos 2000 em louvor aos bezerros de ouro do documentário brasileiro, Silvio Tendler construiu a mais prolífica (e quiçá mais densa) obra de interseção entre Não Ficção e História em nosso audiovisual, ocupando (e até inventando) espaços não concorridos por cineastas do mesmo registro narrativo, mobilizando a televisão, comícios, palestras e, agora, o YouTube, veio de lançamento de um dos títulos mais maduros de sua carreira: "O Futuro É Nosso!". Campeão de bilheteria na década de 1980 com "Anos JK" (1980), Tendler mobiliza o canal na web de sua produtora, a Caliban, para disponibilizar 0800 um estudo geopolítico feito sob a encomenda do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio), pensando sobre as mudanças que a tecnologia deixa na reforma trabalhista. Fala-se ainda sobre o quanto se aprofundou a informalidade nas práticas trabalhistas. Em termos formais, esse .doc é o exercício criativo mais sinestésico do diretor - e mais inventivo -, capaz de estabelecer um diálogo entre a realidade do trabalho no Brasil de hoje com as pinturas de Cândido Portinari (1903-1962), em todo o seu colorido. O dispositivo narrativo de Tendler é o jogral, forma em que tem apostado desde 2010, quando lançou o ensaio "Utopia e Barbárie", sobre a dimensão canibal do capitalismo e a acidez esnobe do liberalismo. Essa forma viveu picos de excelência em "Dedo na Ferida" (2017), que rendeu a ele o Prêmio do Júri Popular do Festival do Rio. Mas o cume de sua potência como narrador chega nesse debate que ele trava sobre o histórico sindical do país.

Campeão de bilheteria com "Anos JK" e "Jango", Silvio Tendler encontrou no jogral um dispositivo de investigação -Fotode divulgação Caliban  
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Inteligência artificial, uso de robôs, gentrificação de espaços públicos, abandono de prédios que serviam de sede para empresas de cunho social e achatamento de salários são alguns dos tópicos levantados por Tendler. Ele aparece em cena num bate-papo regado a croquetes no Bar Ernesto, no Rio, conversando com cientistas sociais e políticos, além de educadores, para entender o desmanche das dinâmicas de forças que se desenharam a partir da Revolução Industrial, sendo cartografadas por Marx. A equipe de Tendler passeia, por exemplo, pela base da Comlurb, detectando a precariedade de trabalho dos garis. Ao mesmo tempo, numa dialética de tons poéticos, o diretor entrevista uma catadora de material reciclável que se reinventou na pandemia com o uso de aplicativos. Nos contrastes, vemos a fricção que move a História nas estratégias ainda correntes de luta de classes. Até Ken Loach, cineasta inglês dono de duas Palmas de Ouro, dá entrevista para esquadrinhar os desajustes do Presente, parecidos com o que retratou em "Eu, Daniel Blake" (2016) e no recente "The Old Oak", exibido em Cannes em maio. Num bloco de exuberante montagem, Tendler vasculha imagens de arquivo que abrangem a realidade brasileira dos anos 1900 a 2020 de modo a construir um histórico vivo e vívido do sindicalismo. É uma aula de edição, num filme que mais parece uma pós-graduação.

Obstinada em sua luta para sobreviver, usando aplicativos, Lora Matoso, uma dedicada catadora de material reciclável, faz parte do rol das trabalhadoras entrevistadas pelo documentário "O Futuro È Nosso", já lançado no YouTube - Foto: Caliban

Rodrigo Fonseca Sem contar com as igrejas formadas ao longo dos anos 2000 em louvor aos bezerros de ouro do documentário brasileiro, Silvio Tendler construiu a mais prolífica (e quiçá mais densa) obra de interseção entre Não Ficção e História em nosso audiovisual, ocupando (e até inventando) espaços não concorridos por cineastas do mesmo registro narrativo, mobilizando a televisão, comícios, palestras e, agora, o YouTube, veio de lançamento de um dos títulos mais maduros de sua carreira: "O Futuro É Nosso!". Campeão de bilheteria na década de 1980 com "Anos JK" (1980), Tendler mobiliza o canal na web de sua produtora, a Caliban, para disponibilizar 0800 um estudo geopolítico feito sob a encomenda do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio), pensando sobre as mudanças que a tecnologia deixa na reforma trabalhista. Fala-se ainda sobre o quanto se aprofundou a informalidade nas práticas trabalhistas. Em termos formais, esse .doc é o exercício criativo mais sinestésico do diretor - e mais inventivo -, capaz de estabelecer um diálogo entre a realidade do trabalho no Brasil de hoje com as pinturas de Cândido Portinari (1903-1962), em todo o seu colorido. O dispositivo narrativo de Tendler é o jogral, forma em que tem apostado desde 2010, quando lançou o ensaio "Utopia e Barbárie", sobre a dimensão canibal do capitalismo e a acidez esnobe do liberalismo. Essa forma viveu picos de excelência em "Dedo na Ferida" (2017), que rendeu a ele o Prêmio do Júri Popular do Festival do Rio. Mas o cume de sua potência como narrador chega nesse debate que ele trava sobre o histórico sindical do país.

Campeão de bilheteria com "Anos JK" e "Jango", Silvio Tendler encontrou no jogral um dispositivo de investigação -Fotode divulgação Caliban  

Inteligência artificial, uso de robôs, gentrificação de espaços públicos, abandono de prédios que serviam de sede para empresas de cunho social e achatamento de salários são alguns dos tópicos levantados por Tendler. Ele aparece em cena num bate-papo regado a croquetes no Bar Ernesto, no Rio, conversando com cientistas sociais e políticos, além de educadores, para entender o desmanche das dinâmicas de forças que se desenharam a partir da Revolução Industrial, sendo cartografadas por Marx. A equipe de Tendler passeia, por exemplo, pela base da Comlurb, detectando a precariedade de trabalho dos garis. Ao mesmo tempo, numa dialética de tons poéticos, o diretor entrevista uma catadora de material reciclável que se reinventou na pandemia com o uso de aplicativos. Nos contrastes, vemos a fricção que move a História nas estratégias ainda correntes de luta de classes. Até Ken Loach, cineasta inglês dono de duas Palmas de Ouro, dá entrevista para esquadrinhar os desajustes do Presente, parecidos com o que retratou em "Eu, Daniel Blake" (2016) e no recente "The Old Oak", exibido em Cannes em maio. Num bloco de exuberante montagem, Tendler vasculha imagens de arquivo que abrangem a realidade brasileira dos anos 1900 a 2020 de modo a construir um histórico vivo e vívido do sindicalismo. É uma aula de edição, num filme que mais parece uma pós-graduação.

Obstinada em sua luta para sobreviver, usando aplicativos, Lora Matoso, uma dedicada catadora de material reciclável, faz parte do rol das trabalhadoras entrevistadas pelo documentário "O Futuro È Nosso", já lançado no YouTube - Foto: Caliban

Rodrigo Fonseca Sem contar com as igrejas formadas ao longo dos anos 2000 em louvor aos bezerros de ouro do documentário brasileiro, Silvio Tendler construiu a mais prolífica (e quiçá mais densa) obra de interseção entre Não Ficção e História em nosso audiovisual, ocupando (e até inventando) espaços não concorridos por cineastas do mesmo registro narrativo, mobilizando a televisão, comícios, palestras e, agora, o YouTube, veio de lançamento de um dos títulos mais maduros de sua carreira: "O Futuro É Nosso!". Campeão de bilheteria na década de 1980 com "Anos JK" (1980), Tendler mobiliza o canal na web de sua produtora, a Caliban, para disponibilizar 0800 um estudo geopolítico feito sob a encomenda do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio), pensando sobre as mudanças que a tecnologia deixa na reforma trabalhista. Fala-se ainda sobre o quanto se aprofundou a informalidade nas práticas trabalhistas. Em termos formais, esse .doc é o exercício criativo mais sinestésico do diretor - e mais inventivo -, capaz de estabelecer um diálogo entre a realidade do trabalho no Brasil de hoje com as pinturas de Cândido Portinari (1903-1962), em todo o seu colorido. O dispositivo narrativo de Tendler é o jogral, forma em que tem apostado desde 2010, quando lançou o ensaio "Utopia e Barbárie", sobre a dimensão canibal do capitalismo e a acidez esnobe do liberalismo. Essa forma viveu picos de excelência em "Dedo na Ferida" (2017), que rendeu a ele o Prêmio do Júri Popular do Festival do Rio. Mas o cume de sua potência como narrador chega nesse debate que ele trava sobre o histórico sindical do país.

Campeão de bilheteria com "Anos JK" e "Jango", Silvio Tendler encontrou no jogral um dispositivo de investigação -Fotode divulgação Caliban  

Inteligência artificial, uso de robôs, gentrificação de espaços públicos, abandono de prédios que serviam de sede para empresas de cunho social e achatamento de salários são alguns dos tópicos levantados por Tendler. Ele aparece em cena num bate-papo regado a croquetes no Bar Ernesto, no Rio, conversando com cientistas sociais e políticos, além de educadores, para entender o desmanche das dinâmicas de forças que se desenharam a partir da Revolução Industrial, sendo cartografadas por Marx. A equipe de Tendler passeia, por exemplo, pela base da Comlurb, detectando a precariedade de trabalho dos garis. Ao mesmo tempo, numa dialética de tons poéticos, o diretor entrevista uma catadora de material reciclável que se reinventou na pandemia com o uso de aplicativos. Nos contrastes, vemos a fricção que move a História nas estratégias ainda correntes de luta de classes. Até Ken Loach, cineasta inglês dono de duas Palmas de Ouro, dá entrevista para esquadrinhar os desajustes do Presente, parecidos com o que retratou em "Eu, Daniel Blake" (2016) e no recente "The Old Oak", exibido em Cannes em maio. Num bloco de exuberante montagem, Tendler vasculha imagens de arquivo que abrangem a realidade brasileira dos anos 1900 a 2020 de modo a construir um histórico vivo e vívido do sindicalismo. É uma aula de edição, num filme que mais parece uma pós-graduação.

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