Rodrigo Fonseca Só um filme fez barulho em Cannes, desde a bombástica abertura do festival francês deste ano (à luz de Johnny Depp, em "Jeanne du Barry"): o thriller jurídico "Le Procès Goldman", de Cédric Kahn, apresentado na quarta, na abertura da Quinzena de Cineastas. No mais, tudo é expectativa para a competição oficial, sobretudo pelo novo Aki Kaurismäki ("Fallen Leaves") e pelo musical de Nanni Moretti, "Il Sol Dell'Avvenire". Do que mais se fala na Croisette, pelo Marché du Film, é das filmagens de "The Shrouds", suspense sobrenatural de David Cronenberg no qual Vincent Cassel fala com os mortos. Há imensa expectativa pelo projeto, ainda em rodagem, na cidade, para 2024. Cronenberg concorreu aqui no ano passado com o magistral "Crimes of the Future", lançado na MUBI. "O que eu busco com 'The Shrouds' é uma história muito pessoal, que amigos próximos, aqueles poucos que ainda vão a salas de cinema ver os meus filmes, provavelmente vão identificar como sendo algo muito pessoal, bem próximo de mim. Como nos meus filmes, em que eu sempre abordo a metamorfose do corpo e o organismo como sendo o único território possível da verdade, eu estou em mutação: uso um aparelho auditivo, acabo de operar o olho. Estou em modo ciborgue", disse Cronenberg ao P de Pop no Festival de San Sebastián, na Espanha. Carregado de tintas filosóficas, "The Shrouds" narra os feitos de Karsh (Cassel), um empresário viúvo que constrói um dispositivo para se conectar com pessoas que já morreram. Com o negócio em expansão, vários túmulos de um cemitério são vandalizados e quase destruídos, incluindo o da sua mulher. Enquanto ele luta para descobrir as motivações para o ataque e quem o causou, Karsh vai reavaliar os seus negócios, o casamento e a fidelidade à memória da sua falecida esposa, bem como seguir novos começos. Cassel e Cronenberg já trabalharam anteriormente, em "Senhores do Crime" (2007) e "Um Método Perigoso" (2011). De 2014 a 2021, ele se dedicou à literatura e publicou o romance "Consumidos", editado em português pela Alfaguarra, no qual um casal de jornalistas investiga um caso de canibalismo. "Quando garoto, em Toronto, em queria ser escritor, pois sempre li muito, sobretudo pela conexão das minhas raízes judaicas com a palavra. Mas foi o cinema que me abraçou e eu fiquei nele desde o fim da década de 1960", disse o diretor, hoje com 79 anos. "A literatura segue comigo, como sendo uma paixão e uma inspiração. Aparecendo outra ideia de livro, eu volto a ela".
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