RODRIGO FONSECA Exibida por aqui no Festival Varilux, em novembro, mas ainda inédita em circuito, a brilhante versão do cineasta Xavier Giannoli para o romance "Illusions Perdues" (1837), de Honoré de Balzac (1799-1850), fez jus ao oceano de indicações ao César, o Oscar francês, que recebeu, e saiu da cerimônia de entrega do cobiçado prêmio europeu com sete troféus, incluindo o de melhor filme. Ganhou ainda nas categorias roteiro adaptado, fotografia, direção de arte, figurino, ator coadjuvante (Vincent Lacoste, genial em cena) e ator revelação, dado a seu protagonista, Benjamin Voisin. A estatueta é entregue desde 1976 pela Académie des Arts et Techniques du Cinéma, nos mesmos moldes da Academia de Hollywood. Trata-se de um troféu de bronze estimado em cerca de EUR 1,5 mil, batizado com o nome de seu escultor, César Baldaccini (1921-1998), artesão do Nouveau Réalisme europeu.
Lista das vitórias da festa francesa de 2022, celebrada no dia 25 de fevereiro:Filme: "Illusions Perdues" Diretor: Leos Carax (Annette) Atriz: Valérie Lemercier (Aline) Ator: Benoit Magimel (De Son Vivant) Atriz Coadjuvante: Aissatou Dialla Sagna (La Fracture) Ator Coadjuvante: Vincent Lacoste (Illusions Perdues) Atriz Estreante: Anamaria Vartolomei (L'Événement) Ator Estreante: Benjamin Voisin (Illusions Perdues) Roteiro Original: Onoda, 10.000 Nuits Dans La Jungle Roteiro Adaptado: Illusions Perdues Trilha Sonora Original: Annette Som: Annette Fotografia: Illusions Perdues Montagem: Annette Figurinos: Illusions Perdues Direção de Arte: Illusions Perdues Efeitos Visuais: Annette Filme Estrangeiro: "O Pai", de Florian Zeller Filme de Animação: "Le Sommet Des Dieux", de Patrick Imbert Documentário: "La Panthère Des Neiges", de Marie Amiguet e Vincent Munier Filme de Estreia: "Les Magnétiques", de Vincent Maël Cardona Curta-metragem: "Les Mauvais Garçons", de Elie Girard Documentário Curta-metragem: "Maalbeek", de Ismaël Joffroy Chandoutis
Projetado aqui, no Varilux, como "Ilusões Perdidas", o longa de Giannoli faturou uma grana polpuda em sua terra natal. Sua bilheteria na França beira 875 mil ingressos vendidos. Trata-se de um tardio (mas bem-vindo) exercício de cinema moderno, cerzido por carretéis alinhados ainda nos idos de 1960. Tem algo de sexagenário, em seu apuro formal, sem jamais ser acadêmico, apoiado numa direção de arte (chefiada por Riton Dupire-Clément e Etienne Rohde, que junta Bruno Via e Fathi El Aihar no melhor de cada um) e num enxoval de figurinos (desenhados por Pierre-Jean Larroque) que o Oscar deveria premiar. É tão sexagenário como "O Leopardo" (1963), de Visconti, numa analogia que atesta sua excelência. Igualmente laureável é o desempenho de Vincent Lacoste, no papel do chefe de redação Etienne Lousteau, nesta adaptação feita a fio de ouro da prosa de Balzac.
Egresso do Festival de Veneza, que o esnobou em sua premiação oficial, o longa do diretor de "Quand j'étais chanteur" (2006) é um estudo sobre a gênese do jornalismo, fidelíssimo à ironia balzaquiana em sua observação do cinismo da classe profissional sobre a qual se debruça, sendo fiel ao clima de ressaca de sua prosa. Benjamin Voisin (de "Verão de 85") usa tudo o que aprendeu com François Ozon para construir a figura do poeta Lucien Rubempré como um edifício afetivo de múltiplos andares de angústias e sonhos. Seu enredo - qual está no livro - sintetiza a viagem pela ascensão e queda de um aspirante a Anacreonte, que encontra na Imprensa meios de ganhar o pão após chegar a Paris, vindo do interior, atrás de um amor, com traços de nobreza - um bom papel dado a Cécile de France. Na metrópole, Rubempré vai se calejar como um crítico ferino, treinado por Lousteau, que é um alter ego de Balzac (segundo muitos críticos). Além de calos, ele ganha noites e noites de prazer nos lençóis da atriz Coralie, chama ardente que Salomé Dewaels interpreta (bem) com decantada inteligência. Mas o moço ganha também uma vaidade desmedida. Ganha um ego tamanho GG. São maus ganhos, que seu rival, Nathan (vivido com garbo pelo diretor Xavier Dolan), vai explorar com viperina sagacidade. Sob a fotografia barroca de Christophe Beaucarne, vemos o tombo de Rumbempré doer, espatifar ossos, revelar nuanças da prática da reportagem e apontar uma série de nódoas do presente, na lógica das fake news. É um curso de Comunicação em duas horas de requinte, com Gérard Depardieu a dar aulas de empáfia, numa genial participação como um editor. Não por acaso, em Veneza, Elisa Giudici, do site "The Film Experience" deu a "Illusions Perdues" uma definição precisa, ao chama-lo de "proto-'Cidadão Kane'", enchendo-o de elogios.
p.s.: Nesta "Tela Quente" de Carnaval, a Globo exibe Shyamalan em horário nobre: "Vidro" ("Glass"), com Samuel L. Jackson (dublado por Márcio Simões), James McAvoy (na voz de Mckeidy Lisita) e Bruce Willis (na versão brasileira de Hércules Franco).