De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Não contávamos com o Capitão Astúcia


Por Rodrigo Fonseca
Numa interpretação em estado de graça, Fernando Teixeira foi eleito Melhor Ator por "Capitão Astúcia" uma espécie de Chapolim do DF - Foto: Caza Produções

RODRIGO FONSECA Primo brasiliense do SuperOutro, de Edgard Navarro, e do Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, o Capitão Astúcia não precisou de super poderes para combater (e vencer) toda e qualquer concorrência que o Festival de Vassouras tivesse na noite do último sábado. Toda uma cidade de rendeu a ele. Esse Chapolim de Brasília, encarnado por um Fernando Teixeira em estado de graça, embatucou a vontade de potência da crítica e fez valer a argúcia da curadoria arquitetada pelos irmãos Jane e Bruno Saglia. Curadoria essa debruçada sobre representações das fronteiras possíveis entre imaginação, realidade e delírio inerentes à memória - tema por excelência de um país que se transfigura pós uma recente Idade Média. Esse é o (sagaz) foco do evento cinematográfico do Vale do Café deste ano, que consagrou sua popularidade com a projeção desse super-herói do DF, a um só tempo filho tardio do Cinema Marginal e do "Batman e Robin" dos anos 1960. É uma cruza de udigrudi com a DC (ou a Marvel ou a Dark Horse), com um perfume de invenção à la Boca do Lixo, representada na figura de um vigilante geriátrico, mas com a vividez de um menino. O cineasta Filipe Gontijo é o (inventivo) diretor que conduziu os corações de Vassouras à emoção (entre lagriminhas e risos) e a descobertas potentes sobre a maratona cinéfila que fundou em 2022. A descoberta central é de que, por sob a ambição de oferecer uma diversidade plena de temas e de abordagens de lutas identitárias, os Saglia incluíram o etarismo na pauta das feridas de urgência do Brasil. E o fizeram por meio de um filme que salta da tela, entra no peito e fica. Amparado numa direção de arte esplendorosa (de Lia Renha) capaz de tratar o mundo dos idosos com uma micareta de cores, Gontijo faz de "Capitão Astúcia" um filme de mascarados heroicos, mas, também, descontrói a fórmula do cinema marvete e das aventuras DCnautas ao assumir cicatrizes sociológicas como sua cartografia, percorrendo trilhas onde a exclusão é mais ativa do que o justiçamento. Conversa diretamente com o chileno "Mirage Man" (2007) em seu olhar para o real. No enredo, Santiago (Paulo Verlings, impecácel) é um ex-astro mirim frustrado com a carreira de pianista. Era chamado de Kid Pianino quando guri e é obrigado pelo pai a assumir essa alcunha de novo, num programa de variedades qualquer. Para escapar de um revival na TV, o rapaz se refugia no universo quixotesco de um avô que há tempos não via, dando a Fernando Teixeira a possibilidade de criar a figura de um ancião maroto, cheio de bossa e charmosão quando quer derreter miocárdios. O problema desse senhor, que um dia fez revistas e quadrinhos, como letreirista, é o fato de ele estar decidido a se emburacar pela rota do vigilantismo. Ser o Capitão Astúcia passa a ser a sua razão de viver, apoiado pelo carinho de uma amiga (e algo mais), Dulcinéia, que arranca de Nívea Maria (uma gigante de nossa televisão) a atuação mais poética de sua carreira desde "Insensato Coração" (2011). Astúcia já tem até inimigo, Akira Laser, uma mistura de Mister M com Dr. Gori, que usa raios em sua apresentação como tecladista para acessar dimensões paralelas. Caberá a Astúcia dar cabo dele. Seu desafio é saber ser herói num país que cassou a validade de quem passa dos 50 anos, sucateando quem tem rugas e quem se agrisalhou com a idade. Essa discussão torna o longa de Gontijo um estudo de caso sobre as desinências mais perigosas do verbo envelhecer. Com o uso de uma narrativa que emprega o close com muita sagacidade, numa habilidade de ninja para lidar com planos fechados, o cineasta faz de um inventário de pústulas inflamadas um filme tocante, visualmente rico. Mais do que isso, ele é capaz de criar um universo, com uma mitologia própria. Não contávamos com esse Astúcia.

Numa interpretação em estado de graça, Fernando Teixeira foi eleito Melhor Ator por "Capitão Astúcia" uma espécie de Chapolim do DF - Foto: Caza Produções

RODRIGO FONSECA Primo brasiliense do SuperOutro, de Edgard Navarro, e do Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, o Capitão Astúcia não precisou de super poderes para combater (e vencer) toda e qualquer concorrência que o Festival de Vassouras tivesse na noite do último sábado. Toda uma cidade de rendeu a ele. Esse Chapolim de Brasília, encarnado por um Fernando Teixeira em estado de graça, embatucou a vontade de potência da crítica e fez valer a argúcia da curadoria arquitetada pelos irmãos Jane e Bruno Saglia. Curadoria essa debruçada sobre representações das fronteiras possíveis entre imaginação, realidade e delírio inerentes à memória - tema por excelência de um país que se transfigura pós uma recente Idade Média. Esse é o (sagaz) foco do evento cinematográfico do Vale do Café deste ano, que consagrou sua popularidade com a projeção desse super-herói do DF, a um só tempo filho tardio do Cinema Marginal e do "Batman e Robin" dos anos 1960. É uma cruza de udigrudi com a DC (ou a Marvel ou a Dark Horse), com um perfume de invenção à la Boca do Lixo, representada na figura de um vigilante geriátrico, mas com a vividez de um menino. O cineasta Filipe Gontijo é o (inventivo) diretor que conduziu os corações de Vassouras à emoção (entre lagriminhas e risos) e a descobertas potentes sobre a maratona cinéfila que fundou em 2022. A descoberta central é de que, por sob a ambição de oferecer uma diversidade plena de temas e de abordagens de lutas identitárias, os Saglia incluíram o etarismo na pauta das feridas de urgência do Brasil. E o fizeram por meio de um filme que salta da tela, entra no peito e fica. Amparado numa direção de arte esplendorosa (de Lia Renha) capaz de tratar o mundo dos idosos com uma micareta de cores, Gontijo faz de "Capitão Astúcia" um filme de mascarados heroicos, mas, também, descontrói a fórmula do cinema marvete e das aventuras DCnautas ao assumir cicatrizes sociológicas como sua cartografia, percorrendo trilhas onde a exclusão é mais ativa do que o justiçamento. Conversa diretamente com o chileno "Mirage Man" (2007) em seu olhar para o real. No enredo, Santiago (Paulo Verlings, impecácel) é um ex-astro mirim frustrado com a carreira de pianista. Era chamado de Kid Pianino quando guri e é obrigado pelo pai a assumir essa alcunha de novo, num programa de variedades qualquer. Para escapar de um revival na TV, o rapaz se refugia no universo quixotesco de um avô que há tempos não via, dando a Fernando Teixeira a possibilidade de criar a figura de um ancião maroto, cheio de bossa e charmosão quando quer derreter miocárdios. O problema desse senhor, que um dia fez revistas e quadrinhos, como letreirista, é o fato de ele estar decidido a se emburacar pela rota do vigilantismo. Ser o Capitão Astúcia passa a ser a sua razão de viver, apoiado pelo carinho de uma amiga (e algo mais), Dulcinéia, que arranca de Nívea Maria (uma gigante de nossa televisão) a atuação mais poética de sua carreira desde "Insensato Coração" (2011). Astúcia já tem até inimigo, Akira Laser, uma mistura de Mister M com Dr. Gori, que usa raios em sua apresentação como tecladista para acessar dimensões paralelas. Caberá a Astúcia dar cabo dele. Seu desafio é saber ser herói num país que cassou a validade de quem passa dos 50 anos, sucateando quem tem rugas e quem se agrisalhou com a idade. Essa discussão torna o longa de Gontijo um estudo de caso sobre as desinências mais perigosas do verbo envelhecer. Com o uso de uma narrativa que emprega o close com muita sagacidade, numa habilidade de ninja para lidar com planos fechados, o cineasta faz de um inventário de pústulas inflamadas um filme tocante, visualmente rico. Mais do que isso, ele é capaz de criar um universo, com uma mitologia própria. Não contávamos com esse Astúcia.

Numa interpretação em estado de graça, Fernando Teixeira foi eleito Melhor Ator por "Capitão Astúcia" uma espécie de Chapolim do DF - Foto: Caza Produções

RODRIGO FONSECA Primo brasiliense do SuperOutro, de Edgard Navarro, e do Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, o Capitão Astúcia não precisou de super poderes para combater (e vencer) toda e qualquer concorrência que o Festival de Vassouras tivesse na noite do último sábado. Toda uma cidade de rendeu a ele. Esse Chapolim de Brasília, encarnado por um Fernando Teixeira em estado de graça, embatucou a vontade de potência da crítica e fez valer a argúcia da curadoria arquitetada pelos irmãos Jane e Bruno Saglia. Curadoria essa debruçada sobre representações das fronteiras possíveis entre imaginação, realidade e delírio inerentes à memória - tema por excelência de um país que se transfigura pós uma recente Idade Média. Esse é o (sagaz) foco do evento cinematográfico do Vale do Café deste ano, que consagrou sua popularidade com a projeção desse super-herói do DF, a um só tempo filho tardio do Cinema Marginal e do "Batman e Robin" dos anos 1960. É uma cruza de udigrudi com a DC (ou a Marvel ou a Dark Horse), com um perfume de invenção à la Boca do Lixo, representada na figura de um vigilante geriátrico, mas com a vividez de um menino. O cineasta Filipe Gontijo é o (inventivo) diretor que conduziu os corações de Vassouras à emoção (entre lagriminhas e risos) e a descobertas potentes sobre a maratona cinéfila que fundou em 2022. A descoberta central é de que, por sob a ambição de oferecer uma diversidade plena de temas e de abordagens de lutas identitárias, os Saglia incluíram o etarismo na pauta das feridas de urgência do Brasil. E o fizeram por meio de um filme que salta da tela, entra no peito e fica. Amparado numa direção de arte esplendorosa (de Lia Renha) capaz de tratar o mundo dos idosos com uma micareta de cores, Gontijo faz de "Capitão Astúcia" um filme de mascarados heroicos, mas, também, descontrói a fórmula do cinema marvete e das aventuras DCnautas ao assumir cicatrizes sociológicas como sua cartografia, percorrendo trilhas onde a exclusão é mais ativa do que o justiçamento. Conversa diretamente com o chileno "Mirage Man" (2007) em seu olhar para o real. No enredo, Santiago (Paulo Verlings, impecácel) é um ex-astro mirim frustrado com a carreira de pianista. Era chamado de Kid Pianino quando guri e é obrigado pelo pai a assumir essa alcunha de novo, num programa de variedades qualquer. Para escapar de um revival na TV, o rapaz se refugia no universo quixotesco de um avô que há tempos não via, dando a Fernando Teixeira a possibilidade de criar a figura de um ancião maroto, cheio de bossa e charmosão quando quer derreter miocárdios. O problema desse senhor, que um dia fez revistas e quadrinhos, como letreirista, é o fato de ele estar decidido a se emburacar pela rota do vigilantismo. Ser o Capitão Astúcia passa a ser a sua razão de viver, apoiado pelo carinho de uma amiga (e algo mais), Dulcinéia, que arranca de Nívea Maria (uma gigante de nossa televisão) a atuação mais poética de sua carreira desde "Insensato Coração" (2011). Astúcia já tem até inimigo, Akira Laser, uma mistura de Mister M com Dr. Gori, que usa raios em sua apresentação como tecladista para acessar dimensões paralelas. Caberá a Astúcia dar cabo dele. Seu desafio é saber ser herói num país que cassou a validade de quem passa dos 50 anos, sucateando quem tem rugas e quem se agrisalhou com a idade. Essa discussão torna o longa de Gontijo um estudo de caso sobre as desinências mais perigosas do verbo envelhecer. Com o uso de uma narrativa que emprega o close com muita sagacidade, numa habilidade de ninja para lidar com planos fechados, o cineasta faz de um inventário de pústulas inflamadas um filme tocante, visualmente rico. Mais do que isso, ele é capaz de criar um universo, com uma mitologia própria. Não contávamos com esse Astúcia.

Numa interpretação em estado de graça, Fernando Teixeira foi eleito Melhor Ator por "Capitão Astúcia" uma espécie de Chapolim do DF - Foto: Caza Produções

RODRIGO FONSECA Primo brasiliense do SuperOutro, de Edgard Navarro, e do Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, o Capitão Astúcia não precisou de super poderes para combater (e vencer) toda e qualquer concorrência que o Festival de Vassouras tivesse na noite do último sábado. Toda uma cidade de rendeu a ele. Esse Chapolim de Brasília, encarnado por um Fernando Teixeira em estado de graça, embatucou a vontade de potência da crítica e fez valer a argúcia da curadoria arquitetada pelos irmãos Jane e Bruno Saglia. Curadoria essa debruçada sobre representações das fronteiras possíveis entre imaginação, realidade e delírio inerentes à memória - tema por excelência de um país que se transfigura pós uma recente Idade Média. Esse é o (sagaz) foco do evento cinematográfico do Vale do Café deste ano, que consagrou sua popularidade com a projeção desse super-herói do DF, a um só tempo filho tardio do Cinema Marginal e do "Batman e Robin" dos anos 1960. É uma cruza de udigrudi com a DC (ou a Marvel ou a Dark Horse), com um perfume de invenção à la Boca do Lixo, representada na figura de um vigilante geriátrico, mas com a vividez de um menino. O cineasta Filipe Gontijo é o (inventivo) diretor que conduziu os corações de Vassouras à emoção (entre lagriminhas e risos) e a descobertas potentes sobre a maratona cinéfila que fundou em 2022. A descoberta central é de que, por sob a ambição de oferecer uma diversidade plena de temas e de abordagens de lutas identitárias, os Saglia incluíram o etarismo na pauta das feridas de urgência do Brasil. E o fizeram por meio de um filme que salta da tela, entra no peito e fica. Amparado numa direção de arte esplendorosa (de Lia Renha) capaz de tratar o mundo dos idosos com uma micareta de cores, Gontijo faz de "Capitão Astúcia" um filme de mascarados heroicos, mas, também, descontrói a fórmula do cinema marvete e das aventuras DCnautas ao assumir cicatrizes sociológicas como sua cartografia, percorrendo trilhas onde a exclusão é mais ativa do que o justiçamento. Conversa diretamente com o chileno "Mirage Man" (2007) em seu olhar para o real. No enredo, Santiago (Paulo Verlings, impecácel) é um ex-astro mirim frustrado com a carreira de pianista. Era chamado de Kid Pianino quando guri e é obrigado pelo pai a assumir essa alcunha de novo, num programa de variedades qualquer. Para escapar de um revival na TV, o rapaz se refugia no universo quixotesco de um avô que há tempos não via, dando a Fernando Teixeira a possibilidade de criar a figura de um ancião maroto, cheio de bossa e charmosão quando quer derreter miocárdios. O problema desse senhor, que um dia fez revistas e quadrinhos, como letreirista, é o fato de ele estar decidido a se emburacar pela rota do vigilantismo. Ser o Capitão Astúcia passa a ser a sua razão de viver, apoiado pelo carinho de uma amiga (e algo mais), Dulcinéia, que arranca de Nívea Maria (uma gigante de nossa televisão) a atuação mais poética de sua carreira desde "Insensato Coração" (2011). Astúcia já tem até inimigo, Akira Laser, uma mistura de Mister M com Dr. Gori, que usa raios em sua apresentação como tecladista para acessar dimensões paralelas. Caberá a Astúcia dar cabo dele. Seu desafio é saber ser herói num país que cassou a validade de quem passa dos 50 anos, sucateando quem tem rugas e quem se agrisalhou com a idade. Essa discussão torna o longa de Gontijo um estudo de caso sobre as desinências mais perigosas do verbo envelhecer. Com o uso de uma narrativa que emprega o close com muita sagacidade, numa habilidade de ninja para lidar com planos fechados, o cineasta faz de um inventário de pústulas inflamadas um filme tocante, visualmente rico. Mais do que isso, ele é capaz de criar um universo, com uma mitologia própria. Não contávamos com esse Astúcia.

Numa interpretação em estado de graça, Fernando Teixeira foi eleito Melhor Ator por "Capitão Astúcia" uma espécie de Chapolim do DF - Foto: Caza Produções

RODRIGO FONSECA Primo brasiliense do SuperOutro, de Edgard Navarro, e do Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, o Capitão Astúcia não precisou de super poderes para combater (e vencer) toda e qualquer concorrência que o Festival de Vassouras tivesse na noite do último sábado. Toda uma cidade de rendeu a ele. Esse Chapolim de Brasília, encarnado por um Fernando Teixeira em estado de graça, embatucou a vontade de potência da crítica e fez valer a argúcia da curadoria arquitetada pelos irmãos Jane e Bruno Saglia. Curadoria essa debruçada sobre representações das fronteiras possíveis entre imaginação, realidade e delírio inerentes à memória - tema por excelência de um país que se transfigura pós uma recente Idade Média. Esse é o (sagaz) foco do evento cinematográfico do Vale do Café deste ano, que consagrou sua popularidade com a projeção desse super-herói do DF, a um só tempo filho tardio do Cinema Marginal e do "Batman e Robin" dos anos 1960. É uma cruza de udigrudi com a DC (ou a Marvel ou a Dark Horse), com um perfume de invenção à la Boca do Lixo, representada na figura de um vigilante geriátrico, mas com a vividez de um menino. O cineasta Filipe Gontijo é o (inventivo) diretor que conduziu os corações de Vassouras à emoção (entre lagriminhas e risos) e a descobertas potentes sobre a maratona cinéfila que fundou em 2022. A descoberta central é de que, por sob a ambição de oferecer uma diversidade plena de temas e de abordagens de lutas identitárias, os Saglia incluíram o etarismo na pauta das feridas de urgência do Brasil. E o fizeram por meio de um filme que salta da tela, entra no peito e fica. Amparado numa direção de arte esplendorosa (de Lia Renha) capaz de tratar o mundo dos idosos com uma micareta de cores, Gontijo faz de "Capitão Astúcia" um filme de mascarados heroicos, mas, também, descontrói a fórmula do cinema marvete e das aventuras DCnautas ao assumir cicatrizes sociológicas como sua cartografia, percorrendo trilhas onde a exclusão é mais ativa do que o justiçamento. Conversa diretamente com o chileno "Mirage Man" (2007) em seu olhar para o real. No enredo, Santiago (Paulo Verlings, impecácel) é um ex-astro mirim frustrado com a carreira de pianista. Era chamado de Kid Pianino quando guri e é obrigado pelo pai a assumir essa alcunha de novo, num programa de variedades qualquer. Para escapar de um revival na TV, o rapaz se refugia no universo quixotesco de um avô que há tempos não via, dando a Fernando Teixeira a possibilidade de criar a figura de um ancião maroto, cheio de bossa e charmosão quando quer derreter miocárdios. O problema desse senhor, que um dia fez revistas e quadrinhos, como letreirista, é o fato de ele estar decidido a se emburacar pela rota do vigilantismo. Ser o Capitão Astúcia passa a ser a sua razão de viver, apoiado pelo carinho de uma amiga (e algo mais), Dulcinéia, que arranca de Nívea Maria (uma gigante de nossa televisão) a atuação mais poética de sua carreira desde "Insensato Coração" (2011). Astúcia já tem até inimigo, Akira Laser, uma mistura de Mister M com Dr. Gori, que usa raios em sua apresentação como tecladista para acessar dimensões paralelas. Caberá a Astúcia dar cabo dele. Seu desafio é saber ser herói num país que cassou a validade de quem passa dos 50 anos, sucateando quem tem rugas e quem se agrisalhou com a idade. Essa discussão torna o longa de Gontijo um estudo de caso sobre as desinências mais perigosas do verbo envelhecer. Com o uso de uma narrativa que emprega o close com muita sagacidade, numa habilidade de ninja para lidar com planos fechados, o cineasta faz de um inventário de pústulas inflamadas um filme tocante, visualmente rico. Mais do que isso, ele é capaz de criar um universo, com uma mitologia própria. Não contávamos com esse Astúcia.

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